Curso Online A Escola no Combate ao Trabalho Infantil
Trabalho Infantil: Aspectos Históricos e Culturais1
Professor Antonio Oliveira Lima2
Olá educadoras e educadores. Vamos tratar dos aspectos históricos e culturais do
trabalho infantil. Compreender porque para muitos ainda é difícil tratar deste tema, porque
algumas pessoas ainda consideram um tema de menor importância. Por que uma parte da
sociedade ainda não vê o trabalho infantil como problema, pelo contrário, chegando a vê-lo
como uma solução. Uma solução, apenas, para as crianças pobres e adolescentes pobres.
Como é possível romper estas barreiras culturais? Como é que se rompe este
violência geracional? Há um vídeo que trata muito bem desta questão: o “Vida Maria”.
Aconselho que assistam este vídeo, porque ele vai mostrar como é difícil romper barreiras
culturais, sem a existência de políticas públicas e de um processo de sensibilização.
Se os pais não tiveram oportunidade de estudo, como poderão dar importância ao
estudo dos seus filhos? Se eles trabalharam enquanto criança, vão ver com muita
naturalidade que suas crianças também trabalhem. Em muitos casos, estas saem da
escola para ir trabalhar, porque esta é atividade é considerada de maior valor.
Esta inversão de valores, predominante até pouco tempo, levou a sociedade a ver as
crianças como protótipos dos adultos, levantando posições favoráveis ao trabalho infantil, a
ponto de vê-lo como necessário para a formação do caráter. Criaram-se, neste movimento,
mitos que muitos acabam repetindo até hoje, sem a menor reflexão. Dizer, por exemplo,
que é melhor trabalhar do que roubar é uma justificativa que muitas pessoas usam para a
questão do trabalho infantil. Não fazem, porém, a reflexão de que citam duas coisas ruins
(trabalhar e roubar), e afirmam que uma delas é melhor. Ora, é claro que não existe o
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Transcrição de vídeo aula gravada para o Curso Online A Escola no Combate ao Trabalho Infantil, da
Fundação Telefônica (www.promenino.org.br/ecti), foram feitas apenas as adaptações necessárias à
transposição do texto falado para o texto escrito.
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Antonio Oliveira Lima é Procurador do Trabalho (MPT-CE). Especialista em Direito e Processo do
Trabalho. Idealizador e Coordenador do Peteca (Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da
Criança e do Adolescente).
melhor entre os ruins, mas as pessoas acabam não refletindo sobre isso. Diante destes
mitos é preciso ter uma postura afirmativa. Quando alguém perguntar se é melhor trabalhar
ou roubar, devemos dar outras opções, formadas por coisas boas: é melhor estudar e
brincar, porque o melhor existe entre as coisas boas.
Há muitas pessoas que ainda perguntam: “se a criança quiser trabalhar, não pode?” A
melhor pergunta, porém é: “A criança está na idade de ter este discernimento?” Outros
dizem “eu, quando fui criança, trabalhei e eu gostava”. Porém, é preciso refletir que, se a
pessoa teve apenas esta oportunidade, ou melhor, esta única alternativa (que na verdade
faz com que nem seja alternativa, pois é única, só lhe restou trabalhar), não saberemos o
que seria melhor para ela, ou o que a pessoa preferiria, se, por exemplo, não teve
oportunidade de brincar.
É preciso compreender o momento histórico em que vivemos, compreender que 50%
dos adultos atuais trabalharam quando criança e que, para esta parcela da população,
ainda é difícil ver o trabalho infantil como problema. Só será possível romper com esta
realidade, se houver um processo de conscientização.
É preciso destacar que o direito da criança e do adolescente, a proteção integral de
que trata a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente, deve ser assegurada,
em primeiro lugar pela família, mas quando a família não puder assegurar este direito, isso
cabe à sociedade e ao Estado. Como, por exemplo, crianças e adolescentes hoje são
chamadas a responder pela família, a sustentar a família, com a justificativa de que elas
são pobres, quando na verdade, a nossa Constituição, a nossa legislação, assegura
direitos a políticas públicas e, se estas políticas não são efetivadas, compete a toda a
sociedade dos políticos ao invés de justificar o trabalho infantil pelo fato da criança ser
pobre.
É preciso considerar também que outros aspectos, não só a questão da pobreza, tem
dificultado a questão da erradicação do trabalho infantil. Basta dizer, por exemplo, que na
região sul, atualmente, estão os maiores índices do trabalho infantil. E, neste caso, isso
não se justifica pelos aspectos socioeconômicos, mas pelos aspectos histórico-culturais,
entre eles, a necessidade da criança trabalhar para ajudar na formação do seu caráter,
como citado.
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A visão de dar mais importância ao trabalho do que à educação, do que ao brincar,
faz parte de uma cultura de adultos que não tiveram oportunidade de ser criança, na
verdade nossa visão sobre criança é bem recente. A doutrina da proteção integral data de
1988 na Constituição Federal, e de 1990 no Estatuto da Criança e do Adolescente, boa
parte da sociedade ainda não conseguiu compreender a importância disso. Nesse sentido,
por exemplo, argumentar que a criança trabalha porque gosta, é falar de uma criança que
não teve outras oportunidades. Se forem oferecidas outras oportunidades à criança, isso
mudará a sua posição sobre o trabalho. Se ela tiver oportunidade de estudar, de ter uma
convivência familiar saudável, com certeza ela não vai querer o trabalho, vai deixá-lo para o
momento certo.
É de fundamental importância romper estes mitos, estas barreiras culturais, e isso só
será possível com um processo de conscientização. Hoje vemos, por exemplo, gestores
públicos que trabalharam quando criança, tentando justificar a questão do trabalho infantil
argumentando que foi bom pra eles. Citam o fato de estarem bem posicionados, dentro da
sociedade, com bons empregos, afirmando que isso foi decorrência do trabalho infantil.
Entretanto, esta é uma visão que precisa ser analisada, se estas pessoas, enquanto
crianças tivessem tido melhores oportunidades, certamente estariam numa situação ainda
melhor.
Além disso, é preciso olhar mais do que apenas o aspecto econômico-financeiro, mas
o também o aspecto psicológico. É preciso comparar o desenvolvimento psicológico de um
adulto que teve a oportunidade de ser criança, em relação àquele que não teve esta
oportunidade. Um adulto, por exemplo, que fala hoje da sua infância, que afirma ter
trabalhado e diz não ter tido prejuízo, é preciso que ele considere que não teve a
oportunidade da outra experiência.
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Estes são aspectos fundamentais, que precisam ser analisados: as oportunidades, a
questão da proteção integral e da garantia dos direitos a fim de que consigamos romper as
barreiras culturais que ainda hoje dificultam a erradicação do trabalho infantil.
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