EDITORIAL SUMÁRIO PERFIL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM HISTÓRIA CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA SP A lenda escolhe outra dimensão O Tesouro do Tempo Perdido por Miguel Esteves Cardoso T ambém eu sucumbi, durante muitos, muitos ter preço, por ser a própria vida – então é fácil chegar à conclusão anos, à ideia de não perder tempo. Desde os de que construir e criar tempo é uma forma superior de fazer primitivos filofaxes às versões computa- dinheiro. dorizadas, passando pelos inúmeros livros Assim como há o dinheiro bem gasto (aquele que rende), também americanos que ensinavam a organizar o há o tempo perdido que se gasta bem. É natural que seja o contrário: tempo, fui uma vítima permanente desse terror. é o tempo ‘mal gasto’; aquele que não se sabe como se gasta; sem Toda a minha vida, aliás, fui o melhor aluno plano; sem propósito; sem lucro que não seja a melodiosa passagem dessa doutrina. Estudei sempre afincada- das horas infrutíferas mas presentes e deliciosas por isso mesmo. mente; diverti-me muito nas horas livres; aproveitei cada segundo. Perder tempo dá muito trabalho: é parecido com o esforço que Aos 25 anos, já licenciado com a nota máxima e, sem perder um dá pormo-nos a pensar no mais merecedor destinatário das nossas compasso sequer, já tinha completado o mestrado e doutorei-me, poupanças para efeitos de caridade e irmandade. já com duas filhas lindas. Não é o ócio. O ócio é uma coisa planeada; um intervalo; uma Hoje, com mais 25 anos em cima, sou obrigado, com grande prazer, confirmação perversa do trabalho; uma compensação; uma recom- a pôr em dúvida essa pressa tremenda e a considerar que terei sido pensa até. O tempo verdadeiramente perdido é uma distracção; uma precipitado e que, no empenho que dediquei às coisas difíceis, perdi rebeldia; um momento prolongado de inacção e de receptividade. uma parte da minha vida que jamais poderei recuperar. Apanhe-se um eléctrico ou um autocarro ao calhas e complete-se o O grande perigo da vida é saber – é estudar; ler; querer saber tudo. percurso até ao fim do caminho. Veja-se um programa de televisão É uma verdade absoluta que é delicioso ler; aprender; discutir; que nunca doutro modo se veria. Leia-se um livro só por estar à ‘mão pensar. E que há uma satisfação inegável em mostrar serviço; em de semear’. Converse-se com alguém que nunca mais se há-de ver. escrever; em corresponder; em participar activamente na avaliação Dediquem-se duas horas a resolver um problema que não interessa a dos problemas – coisa que só se faz nas melhores universidades, ninguém. Vagueie; perca-se; esqueça os motivos que o/a movem. onde há pessoas muito mais sábias do que nós, capazes de nos É no tempo perdido que se capta o tempo. Um relógio é sempre reduzir gentilmente à nossa insignificância. aquele bom amigo que nos diz tanto o que ambicionamos, como No entanto, é mais do que sabido que, quanto mais se sabe, mais nos aquilo que rejeitámos. A decisão de perder tempo é um pouco como convencemos que a única coisa que podemos aprender é aquilo que o desespero ocasional de nos embebedarmos por causa de uma nunca saberemos. Fica-se – é certo – com uma ideia da medida e do ocasião feliz. alcance da nossa ignorância e dos caminhos que se podem seguir Perder tempo é ganhar a vida. Relativiza a cronometria e a crono- para começar a suplantá-la, mas o efeito final é de humildade. logia. Introduz um elemento de humanidade; de desejo; de disponi- Daí que só muito recentemente me tenha inteirado da importância bilidade. Cria um oceano de espera; uma planície de expectativas de perder tempo e do significado que este tem. É um dado incon- assoberbada pelo cheiro e pela cor da alfazema do vagar. testável, por exemplo, que aqueles que são informados de sofrer Temos tempo como temos dinheiro; hipóteses; oportunidades. de uma doença terminal são sobressaltados por uma inadiável pres- Só que o tempo é mais verdadeiro e é mais nosso. Devemos gastá-lo sa de aproveitar cada momento como se fosse o último. como os milionários que somos, num acesso de luxo e de generosi- Por isso mesmo, está na cara que a acção consciente de perder tempo dade. Dá-lo a quem, por perversão do juízo, ‘não merece’ partilhá-lo – como quem não tem pressa – é um sinal de vida. Perder tempo é e esperá-lo. um luxo: leva a crer que se tem tempo de mais; uma coisa que não O tempo é uma coisa que se recebe. E, como tudo o que se recebe, existe mas sabe como caviar. deve-se dar. Aos outros e a nós próprios. Se, cada vez mais, time is money e, com cada ano que passa, A felicidade é quando não há distinção entre os dadores e os o dinheiro vale menos e o tempo vale mais – porque o tempo, destinatários. atendendo à inevitável morte que nos espera a todos, não pode Somos nós. Temos tempo. Gastemo-lo! 098 | ESPIRAL Reverso Grande Date A maior de todas as caixas reversíveis desvenda a magia da sua dualidade. No verso, a data grande com a reserva de marcha de oito dias. No reverso, um fundo de safira descobre a complicação mecânica do movimento Jaeger-LeCoultre 875, um passo revolucionário na lenda do Reverso. O livro da Manufactura ser-lhe-á entregue sem custos junto dos nossos agentes oficiais ou enviado, se solicitado a C.S. Torres Distribuição SA, Lisboa, tel.: 21 811 08 90. www.jaeger-lecoultre.com