Congresso “Escutismo, educar para a vida no século XXI” Corpo Nacional de Escutas | Escutismo Católico Português Dimensão Temática Educação Corpo Nacional de Escutas | Escutismo Católico Português O Tempo Livre, como contexto de aprendizagens e participação José Filipe Pinheiro Junta Central [email protected] O presente artigo desenvolve-se a partir da importância do Tempo Livre, sobretudo se realmente vivido na sua plenitude, também designado como Tempo de Ócio, como um tempo de imensas e intensas possibilidades criativas, humanizantes, socializadoras e pedagógicas. Neste quadro, são abordadas de forma sumária, as caraterísticas que julgamos centrais para o sucesso de projetos e atividades, referindo-nos ainda à importância da relação com o local e ao papel do animador. Palavras-chave: Tempo Livre - Ócio – Educação – Participação A Temporalidade Humana e o Tempo Livre A partir de uma perspetiva sociológica, o conceito de tempo livre constitui o «terceiro tipo de tempo» da vida humana, […] a partir de um enfoque pedagógico o tempo livre constitui a matéria-prima do ócio, a condição necessário mas não suficiente para o ócio. […] Deste modo podemos dizer que o tempo livre é o continente e o ócio o conteúdo.1 Para que possamos expor o nosso entendimento sobre “Ócio”, precisamos de lançar-nos na necessária destrinça da temporalidade humana, recorrendo à divisão tradicional dos tempos humanos apresentada por Llull (2001:19-20) quando citando Dumazedier2 (1971:25), se refere a “uma missão seguramente mais complexa, de abordar o significado do tempo livre, sem colocá-lo em relação com os demais tempos que compõem a vida humana”: o tempo de trabalho; o tempo de descanso, mas também de cumprimento das diversas obrigações familiares e sociais; e o tempo realmente liberto, associado a atividades de adesão voluntária e prazerosa, que podemos designar de “Ócio”. O Ócio, como marco de imensas possibilidades a viver e descobrir Sobre esta missiva, de associar-lhe uma definição, Ander-Egg aponta Edgar Morin, caracterizando-o como: (…) um tempo libertador na medida em que se participa plenamente num projeto de liberação; um tempo criativo, que nos permite lutar contra as impressões/sensações múltiplas da nossa sociedade; é um tempo para o ócio, na medida em que é uma reação ao tempo de trabalho, é um tempo sem tempo, é um tempo de comunicação interpessoal, grupal e com o meio físico; é um tempo de compromisso social que implica a participação voluntária em atividades sociais e integradoras (…)3 Originalmente o conceito, está associado ao progresso tecnológico da produção e industrialização, implicando à priori que o Homem possa dispor de determinado conhecimento e destreza para que dele possa usufruir na plenitude, sob pena de tornar-se tempo de ociosidade ou estéril, do qual poderão resultar problemas com repercussões várias para si e para a sociedade que integra 4. Enquanto tema de crescente interesse sociológico, abordado a partir de diferentes enfoques, entendemo-lo como Llull (2001:25) citando Caride (1998), a partir de três perspetivas determinantes: 1 2 Ventosa, 2008:21; Joffre Dumazedier, sociólogo francês, discípulo de Friedman, pioneiro nos estudos do Tempo Livre e Lazer; 3 Ander-Egg; 2001: 34; 4 é neste contexto que surge a terminologia de pedagogia do ócio, que ganha maior expressividade na década de 80, embora já nos anos 60 Erich Weber, se tenha questionado quanto a esta necessidade; 1 Congresso “Escutismo, educar para a vida no século XXI” Corpo Nacional de Escutas | Escutismo Católico Português - uma primeira, que contempla o ócio enquanto dimensão básica da vida dos indivíduos, considerando os seus hábitos e comportamentos socioculturais; - uma outra, de orientação educativa, concebendo-o como um fator de desenvolvimento integral da pessoa, sendo valorizado enquanto âmbito de expansão cultural para promover experiências com fins formativos e compensadores; - e finalmente, uma terceira, que o situa no campo das problemáticas sociais, como algo que deverá ser garantido, com o fim de evitar a própria passividade e alienação dos indivíduos das suas questões e garante da interação comunitária. Íntima desta conceção, pode entender-se uma tríade dimensional, constituída pela disponibilidade de tempo livre, uma atitude pessoal e um conjunto de ocupações relacionadas com as ações resultantes dos três D(s): “Diversão”, “Descanso”, “Desenvolvimento”. Segundo Lopes (2008: 441), estes induzem e destacam a necessidade de uma participação criativa, recreativa e comprometida com os processos formativos da pessoa. Pelo exposto, poderemos referir-nos a um tempo que se valorizado e vivido harmoniosa e equilibradamente, poderá revelar-se de imensas possibilidades e descobertas a viver e (re)descobrir pelos adultos em idade mais adiantada, na senda de dar anos à vida, quando associadas a essa experiência de ócio, se verifiquem oportunidades e atividades de cariz educativo, conscientizador, criativo, socializador e humano, de onde resultem sensações e sentimentos positivos, como de pertença e realização, de paz e alegria. Entendemo-lo pois, como um tempo associado: à vivência, reforço e transmissão dos saberes e aprendizagens; à partilha, participação e ação dos sujeitos; às redes ou sociabilidades criadas ou vividas. Assim, assume-se como um tempo de afetos e de compromissos pessoais, de aprendizagens integrais que se jogam ou recriam ludicamente, onde a educação, o criativo ou recreativo se cruzam, recorrendo a metodologias hibridas e diversas que se conjugam e relacionam, para que possam operacionalizar o “convite” e estímulo (porque a adesão é sempre voluntária e livre) necessário à participação, à cumplicidade entre atores e animadores/educadores, à interação com o espaço e o contexto, e à interiorização de valores essenciais vividos a partir da experimentação e do diálogo. A vivência do Ócio como corolário da vida, de aprendizagens e da participação Enquanto educadores e conscientes das imensas possibilidades socializadoras e humanizantes do tempo de ócio, nas comunidades e no sujeito, referirmo-nos à importância da vivência criativa e animada deste Tempo, verdadeiro Tempo, entendemo-lo referência determinante de nados vivos que dialogam entre si, participando e constituindo a sua realidade, eternizando saberes, patrimónios e dando vida aos anos, já que não lhes compete dar anos à vida. Assim as atividades e projetos que se enquadram na animação e vivência do tempo livre, onde enquadramos e vivemos os projetos escutistas, deverão na nossa perspetiva (reforçando o método próprio que vivemos no Escutismo, o Método Escutista), ter em conta uma visão antropológica da organização que se estruture em: Gráfico 1: Visão antropológica dos programas e projetos de animação de tempo livre (autoria do próprio, a partir de Fragoso e Chaves, 2012:163) 2 Congresso “Escutismo, educar para a vida no século XXI” Corpo Nacional de Escutas | Escutismo Católico Português Desejamos por último, corroborando Llull (2001:161), referir-nos às imensas possibilidades de um ócio educativo e socializador, que dependerá em grande medida do grau de exigência e consciência do próprio projeto ou atividade, do(s) sujeito(s) implicados5, dos objetivos ou metas a que se propõem, que segundo o autor tendem a: (…) situar criticamente o sujeito perante a sua realidade sociocultural; protegê-lo dos perigos da realidade contemporânea, possibilitando-lhe refletir sobre as possibilidades de intervir e operar uma eventual “mudança” desejada; contribuir para uma melhor organização e proveito dos tempos da vida humana; permitir vias de informação que facilitem e promovam a comunicação e interação entre as pessoas e comunidades; procurar atender à satisfação das necessidades, apetências e interesses de cada pessoa no seu Tempo Livre; fomentar a expressão criativa individual, recuperando assim o valor significativo e participativo da democracia cultural; fomentar as expressões e artes; promover o encontro associativo e a partilha e troca de saberes e experiências comunitárias; promover situações e experiências extraordinárias e a fuga às rotinas; animar o Tempo Livre, enquanto Ócio sugestivo e beneficioso a cada pessoa. (…) Tais premissas, implicam uma metodologia que consubstancie continuamente uma intervenção significativa, motivadora, mobilizadora, libertadora, animadora, ativa e participativa, como experiencial e humanista. É no marco destes objetivos e do recurso eficaz um saber e saber-fazer emancipador e plural, que entendemos a relevância e sustentabilidade dos projetos neste campo. A referida “sustentabilidade”, pressupõe que projetos e atividades possam perdurar e integrar-se no tempo e rotinas diárias de cada jovem e de cada adulto, como da sua comunidade, contribuindo para a implicação e participação de cada criança e jovem (como demais grupos etários da comunidade em que se desenvolvam). Algumas estratégias para um Ócio comprometido e participado Pensamos que para que o Ócio se afirme nas suas imensas possibilidades, os projetos e programas deverão desenvolver-se assentes em premissas, como: - serem pensados, estruturados e desenvolvidos a partir das crianças e jovens (ou com eles), dando-lhes voz e implicando-os na sua definição, para além da mera participação, atendendo à especificidade das suas expetativas, motivações, tensões, condição, ritmo, disponibilidade e identidade; - serem reflexo de um permanente esforço que garanta o diálogo intergeracional e interétnico, a participação e o compromisso com o meio e com os outros, sobretudo atendendo aos contextos e grupos de origem; - servirem e valorizarem, permitindo a descoberta e a eternização do acervo e património das memórias, das tradições, como os percursos de vida de cada um; - afirmarem-se o estimulo incessante para o exercício de uma ativa cidadania (na medida do possível); e nos quais o animador ou dirigente, deverá esforçar-se por cumprir com êxito as seguintes funções: 5 na medida em que o Ócio, poderá desenvolver-se de forma livre e espontânea, sem necessidade de realizar nenhum tipo de programação, embora se assista a uma crescente tendência de o encarar associado a um maior planeamento, que nos deixa tantas vezes um certo entendimento de “negócio”, mais que “ócio”; 3 Congresso “Escutismo, educar para a vida no século XXI” Corpo Nacional de Escutas | Escutismo Católico Português Figura 1: Perfil e funções do animador (autoria do próprio, a partir Serrano & Puya, 2007: 61) Bibliografia ANDER-EGG, Ezequiel (2000). Metodologia y Prática de la Animación Sociocultural. Argentina: Editorial CCS. FRAGOSO, Vitor & Chaves, Martha (2012). Educação Emocional para Séniores.Viseu: Psico&soma Edições. LLULL, José Peñalba (2001). Teoría y Prática de la Educación en el Tiempo Libre. Madrid: Editorial CCS. LOPES, Marcelino (2008). Animação Sociocultural em Portugal. Amarante: Intervenção. MORIN, Edgar (2002). Os Sete Saberes para a Educação do Futuro. Lisboa: Instituto Piaget. ORTIZ, Renato (2003). Notas históricas sobre o concepto de cultura popular. In Aparici, R. Y Mari, V.M. (coord.), Cultura Popular, Industrias Culturales y Ciberespacio. Madrid: UNED. SERRANO, Gloria & Puya, Maria (2007). El Animador – Buenas Práticas de Acción Sociocultural. Madrid: Narcea Ediciones. VENTOSA, Victor J. (2008). Perfiles y Modelos de Animación y Tiempo Libre. Madrid: Editorial CCS. 4