Comarca de Porto União – SC / Autos nº 052.98.000273-9 www.aatr.org.br [download da página: http://www.juizesfree.hpg.ig.com.br/governo_e_politica/93/index_int_isonomia2.html] Comarca de Porto União – SC Autos nº 052.98.000273-9 Alexandre Morais da Rosa I – RELATÓRIO: Trato do Processo Crime detonado pelo representante do Ministério Público em face de M. F., vulgo “(...)”, C. C. A., R. A. P. e J. F. da C., de alcunha “(...)”. A Justiça Pública ofereceu denúncia em que os aponta como incursos nas sanções do art. 155, § 4º, IV do CP pelos seguintes fatos: No dia 28 de setembro de 1997, por volta das 24:00 hs., em acordo de vontades, adentraram os denunciados na propriedade da vítima, Sr. Valdir de Farias, tendo subtraído um par de tênis, dois pares de botas e três chaminés galvanizadas. Acostou documentos. Recebida a denúncia (f.02), foram regularmente citados os réus, à exceção de J. (f. 34 v.). Interrogado o réu M. F. (f.35) e J. F. da C. (f.39), ao passo que C. C. A. e R. A. P., ante a sua ausência à audiência de interrogatório, tiveram sua prisão preventiva decretada (f.36). Apresentada a defesa prévia , foi declarada a revelia dos réus C. C. A. e R. A. P., tendo sido nomeado defensor (f.44), apresentada posteriormente a defesa prévia de ambos (f.47/48 e 49/50). Deu-se a instrução, com a oitiva da vítima (f.65) e da testemunha arrolada na denúncia (f.64). Superada a fase do art. 499 do CPP, advieram as alegações finais, nas quais o Ministério Público (f.68 a 71), requereu a procedência parcial da acusação, pugnando pela absolvição de J. F. da C. No mesmo sentido as alegações finais do defensor de J. (f.74 a 77). Já o advogado de M. F. pleiteia, nas alegações finais (f.82/83), o reconhecimento da sua inimputabilidade, e conseqüente absolvição, aduzindo ainda o pequeno valor dos bens furtados. Nas alegações finais apresentadas pelo defensor de C. e R. (f. 84/85), este afirma tratar-se de furto privilegiado, afirma a não participação dos denunciados no crime e pede absolvição com base no princípio in dubio pro reo, ou, alternativamente, a aplicação do art. 155, § 2º do CP, por serem os réus primários e os bens de pequena monta. É o breve relatório. II – FUNDAMENTAÇÃO: Paira sobre os acusados, a imputação de terem furtado, conjuntamente, objetos da vítima, avaliados em R$54,00 (f. 09), sendo que as demais botas pretensamente furtados, não foram avaliados, nem indiretamente. De todos os bens subtraídos, sem grave ameaça ou violência, segundo a vítima, apenas a bota marrom e a preta não foram recuperadas. Acredito que este fato é de fundamental importância para apuração da responsabilidade penal dos agentes, brasileiros, o primeiro semi-imputável, o segundo com 22 anos e os demais com 18 anos de idade, sem instrução compatível. Pertinente, pois, a discussão (preliminar) sobre o paradigma criminológico incidente sobre a realidade brasileira[1], no qual as promessas da modernidade não se realizaram e o sistema penal serve para impor/legitimar/aumentar a exclusão social. Destaco, desde o início, minha concepção minimalista (Alessandro Baratta), tributária à repressão somente dos delitos que impedem à realização dos objetivos constitucionais do Estado, ou seja, os delitos que alimentam a injustiça social e os necessários à coesão do tecido social (leia-se graves, informado pelo princípio da lesividade ou necessidade), demitindo-se, assim, da criminalização de toda-e-qualquer-conduta que possa ser resolvida por formas extrapenais, 1 Comarca de Porto União – SC / Autos nº 052.98.000273-9 www.aatr.org.br na esteira das Regras de Tóquio[2]. Com efeito, a Criminologia Clássica buscava encontrar as causas do crime/criminoso, como se estas categorias pudessem ser apreendidas/descobertas da natureza (a princípio, por meio de manifestações fisiopatológicas e posteriormente também por fatores psicosociológicas). Entendia-se que eram os parceiros eternos do crime. O mundo será(é), pois, dividido entre a minoria de sujeitos dedicados ao mal (criminosos) e a maioria dos sujeitos do bem (a sociedade), forjando-se o rol das pessoas normais. Surge, então, a constituição do estereótipo: homem médio. O criminoso é o traidor social: a pária; aquele que não aproveitando as oportunidades concedida a todos, afinal todos são iguais perante a lei, acabou subvertendo os valores sociais e deve ser repreendido. A Criminologia Crítica modificou o foco de abordagem. Ao invés de se centrar na figura/ estereótipo do binômio do casal criminoso/crime, passou a olhar para aquém e além dele: percebeu que o indivíduo dito criminoso encontra-se necessariamente inserido a um contexto social, propenso portanto à estigmatização e etiquetamento. Observou o discurso da legitimação/exclusão dos indivíduos, percebendo a maneira pela qual o sistema penal é construído/forjado. Em face disso, constituiu-se o paradigma da reação social que longe de tentar/simular a descoberta (influência cartesiana) das condutas criminosas, passou a ver/olhar que as condutas criminais somente o são por convenção/etiquetas. A etiqueta (criminoso) é posta muitas vezes de forma arbitrária e necessariamente descontínua, do que se constitui crime, utilizando-se, para tanto, do zero grau da linguagem[3] (Barthes), exposto na palavra bem jurídico. Teve o mérito de demonstrar que somente os escolhidos/estigmatizados sofrem a incidência da regra jurídica, não obstante grande parte da sociedade, em tese, a viole. Com a reação social dos desvios, aparecem, pois, os criminosos. O corpo pretensa-mente científico da Criminologia Clássica restou, assim, fortemente abalado, com verdadeira fratura exposta, deixando aparecer os processos de produção de criminosos. No Paradigma do labelling approach a realidade social passou a ter importância, abjurando a construção ideal dos sujeitos criminosos. Demonstrado ficou que todas as condutas são, em tese, passíveis de enquadramento penal, e o delinqüente nada mais é do que o resultado desse processo de produção de tipos penais, acrescido da estigmatização. Portanto, o sistema penal com seus discursos hegemônicos de paz e ordem social, com maquilagem de homogeneidade, escamoteia o modelo de sociedade excludente que sustenta/legitima. Existe, camuflada (é verdade) uma funcionalidade do discurso cínico/astuto da desfuncionalidade do sistema penal, capaz de manter a tranqüilidade aos poucos habitantes da cobertura social. O Código Penal serve para reprimir a gentalha que quebra a cara, enquanto a hi-society navega com seus iates para Ilhas de Caras. O Direito Penal, nessa percepção, apesar de prometer proteger a todos de forma igual, deixa de tutelar os bens que interessa(ria)m a maioria da população, conformando-se na manutenção de uma ordem desigual, mascarada em bens jurídicos incomensuráveis. Assim é que nem todos os que praticam crimes são criminosos, existindo os criminosos da cobertura, sempre salvos dos atropelos do térreo, quiçá do porão (lotado). Por tais razões, no Estado Democrático de Direito, somente se justifica a intervenção estatal, via direito penal, em face de delitos que impeçam à realização dos objetivos constitucionais do Estado, ou seja, os delitos que alimentam a injustiça social[4] e os necessários à coesão do tecido social, demitindo-se, assim, da criminalização de toda-e-qualquer-conduta que possa ser resolvida por formas extrapenais ou decorrentes da omissão (quiçá dolosa) do modelo econômico adotado/imposto no Brasil contemporâneo. De outra face, cumpre reconhecer que o “legislador” não têm um cheque em branco para criminalizar uma conduta e descriminalizar outra, salvante se atendido o princípio da universalidade. 2 Comarca de Porto União – SC / Autos nº 052.98.000273-9 www.aatr.org.br Por esse princípio, situações similares devem ter o mesmo tratamento penal, sob pena de violação do princípio constitucional da (promessa de) igualdade jurídica manifestada no art.5o da Constituição Federal de 1988. Dito de outra forma, não pode dar tratamento diferenciado aos cidadãos brasileiros que cometeram condutas similares. Interessante, assim, que no caso dos sonegadores fiscais, o Legislador[5] tenha conferido verdadeira benesse em favor dos habitantes da cobertura social, negando sem maiores reflexões as pobres consumidores do Código Penal. Não é por menos que se trata de Legislação Extravagante.... extravagante nas benesses aos escolhidos... Mais uma vez, cabe invocar a lucidez de Lenio Luiz Streck[6] ao analisar a situação do Código Penal: “Como dito, essa classificação em títulos e capítulos não provém de uma neutralidade do legislador e muito menos de sua (pretensa) racionalidade. Esse trabalho de classificação em títulos e capítulos é seletivo, é dizer, optar por castigar/apenar com maior ou menor rigor determinados delitos é um trabalho que refletirá o tipo de sociedade desejada pelo “legislador-encarregado-de-fazer-a-lei”. Alguns exemplos demonstram isso muito claramente, como é o caso do crime de sonegação fiscal, olhado com extrema benevolência pelo establishment! Chega às raias do absurdo saber que, em um país em que os tributos deveriam ser usados como meio de distribuição de riqueza e justiça social, as 460 pessoas mais ricas do Brasil detêm, juntas, um patrimônio de 26,7 bilhões de dólares, maior que a soma dos PIBs do Uruguai, do Paraguai e da Bolívia. Ou 6% do PIB brasileiro. Selecionando-se os 50 mais ricos deste grupo, descobre-se que seus patrimônios somam 12 bilhões de dólares. Este 50 ricos pagam de imposto de renda apenas 32,5 milhões de dólares. Dados da Receita dão conta de que, enquanto a classe média paga 1 real de imposto para cada 10 reais de patrimônio, o clube dos 460 recolhe somente 1 real para cada 821. Outro dado: Os 460 contribuintes em questão respondem por apenas 0,25% do total arrecadado pela Receita Federal. E então? O que dizer sobre isso? O que dizer sobre a descoberta feita no âmbito de uma CPI do Congresso Nacional de que a sonegação de impostos chega ao montante de 82 bilhões de dólares? Mais ainda: Estudo sigiloso (sic) da Receita Federal, obtido pelo jornal O Estado de São Paulo, indica que cerca de US$ 490 bilhões – aproximadamente 30% do montante que circula anualmente no mercado financeiro brasileiro – escapam da tributação. Esse valor equivale a 60% do PIB do País... O valor é decorrente do contrabando, tráfico de drogas, sonegação de impostos, caixas dois e corrupção! Parte desse dinheiro é remetida para paraísos fiscais, onde é “lavada” para voltar legalizada ao Brasil! “Qual a resposta do establishment para a toda essa problemática (sonegação, etc.)? Resposta pronta, simples e “eficaz”, através da concessão de um regalo natalino. Explicando: no dia 26 de dezembro de 1995, foi sancionada a Lei n. 9.246, pela qual, consoante o disposto no art. 34, o pagamento do tributo ou da contribuição social, objeto do crime de sonegação, antes do recebimento da denúncia extingue a punibilidade... vê-se, pois, como é (bem) tratado o sonegador e como é (mal) tratado, p. ex., um ladrão de bicicleta ou de galinha, para o qual, se devolvida sponte sua a res, antes do recebimento da denúncia, restará, tão-somente, uma diminuição na pena (art. 16 CP). Por que isso? Porque no Brasil têm leis que são feitas para os que aparecem na Revista Caras e leis que são feitas para os que aparecem no Notícias Populares... Vê-se, pois, para quem (e contra quem) funciona o sistema. O sistema penal (re)age de forma seletiva em face da conflituosidade social. Zaffaroni nos diz que ninguém compra um apartamento impressionado por uma bela maquete apresentada por uma empresa notoriamente insolvente. No entanto, conclui o mestre, compramos a suposta segurança que o sistema penal nos vende, que é a empresa de mais notória insolvência estrutural em nossa civilização.” De sorte que analisando o conteúdo jurídico do princípio da igualdade inscrito no art. 5o da Constituição Federal de 1988, resta-me aplicar o princípio vindo do Tribunal Constitucional Alemão da 3 Comarca de Porto União – SC / Autos nº 052.98.000273-9 www.aatr.org.br impossibilidade de “exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade”[7] (willkürlicher Begünstigungsausschluss). Por esse princípio, suplantada resta a antinomia de avaliação defendida por Norberto Bobbio[8], partindo-se para efetiva implementação do princípio da isonomia. Gilmar Ferreira Mendes explica: “Ponto de partida para o desenvolvimento dessa variante de decisão foi a chamada “exclusão do benefício incompatível com o princípio da igualdade”, que se verifica quando a lei, de forma arbitrária, concede benefícios a um determinado grupo de cidadãos, excluindo, expressa ou implicitamente, outros segmentos ou setores. (...) Tem-se uma exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade se a norma afronta ao princípio da isonomia, concedendo vantagens ou benefícios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas. Essa exclusão pode verificar-se de forma concludente ou explícita. Ela é concludente se a lei concede benefícios apenas a determinado grupo; e explícita, se a lei geral que outorga determinados benefícios a certo grupo exclui sua aplicação a outros segmentos. Abstraídos os casos de exigência constitucional inequívoca, a lesão ao princípio da isonomia pode ser afastada de diversas maneiras: pela supressão do próprio benefício; pela inclusão dos grupos eventualmente discriminados ou até mediante a edição de uma nova regra, que condicione a outorga de benefícios à observância de determinados requisitos decorrentes do princípio da igualdade.”[9] A inconstitucionalidade da diferenciação de tratamento, contudo, não pode significar a exclusão da lei tida violadora do ordenamento jurídico, mas a extensão do mesmo benefício aos demais indivíduos. Caso contrário, ao invés de igualar, seria sonegado a estes algo concedido aos anteriores, mesmo que por parco período. Lembro que o Estado não possui um cheque em branco e o legislativo, salvo as discriminações positivas, não pode desconsiderar esse princípio vetor do Estado Democrático de Direito. Desta forma, aplicando-se o princípio constitucional da isonomia, bem assim da impossibilidade da exclusão em casos semelhantes, é de se reconhecer a existência de situações similares tratadas de forma desigual, concedendo ao acusado pobre, sem instrução e emprego as mesmas benesses concedidas ao acusado sonegador e empregador. Neste sentido, destaco da mesma obra do jurista gaúcho Lenio Luiz Streck: “Em decisão inédita nos Tribunais brasileiros, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do RS, por maioria de votos, junto à qual atuo como Procurador de Justiça, acatou na íntegra parecer de minha autoria, aplicando, de forma garantista, o art. 34 da Lei 9.249 em um crime de furto. No caso em tela, um jovem foi preso em flagrante por ter furtado uma bicicleta. O fato ocorreu na cidade de Alvorada. O Juiz de Direito, Clademir Missagia, extinguiu o processo, com base no art. 5º da Constituição Federal e no art. 34 da Lei 9.249. O Ministério Público interpôs recurso em sentido escrito ao Tribunal de Alçada, buscando a reforma da decisão. A decisão ficou assim ementada: “Proc. N.296026750 – Alvorada, RS. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. TENTATIVA DE FURTO. Decretada a extinção da punibilidade do réu com base no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, e artigo 34 da Lei 9.249, de 26.12.95, por analogia. Princípio da igualdade, insculpido no art. 5º, caput, da Constituição Federal, corretamente aplicado na espécie. Rel. Alfredo Foerster.” “Em outra decisão, a mesma 2ª Câmara Criminal, desta vez por unanimidade, tendo como relator o Juiz Amilton Bueno de Carvalho, aplicou o art. 34 da Lei 9.249 a um caso de estelionato, ficando o acórdão assim ementado: “ESTELIONATO. ÔNUS DA PROVA. No estelionato, mesmo que básico, o pagamento do dano, antes do recebimento da denúncia, inibe a ação penal. O órgão acusador deve tomar todas as providências possíveis para espancar as dúvidas que explodam no debate judicial, pena de não vingar a condenação (Magistério de Afrânio Silva Jardim). Lição de Lenio Luiz Streck: os benefícios concedidos pela Lei Penal aos delinqüentes tributários (Lei 9.249/95, art. 34) alcançam os delitos patrimoniais em que não ocorra prejuízo nem violência, tudo em atenção ao princípio da isonomia. Recurso provido para absolver o apelante.” 4 Comarca de Porto União – SC / Autos nº 052.98.000273-9 www.aatr.org.br Dentro deste contexto, aplicando a isonomia constitucional e considerando que a maioria dos bens foi recuperada e devolvida para vítima, não houve violência ou grave ameaça, bem assim a compleição do Direito Penal que entendo constitucional, a absolvição dos acusados é medida que se impõe. Ademais, qual a lesividade do delito em tela? As botas marrom e preta (únicos bens não recuperados) sequer avaliadas, mas por certo de pequena monta.... À evidência, o princípio da insignificância se aplica ao caso. Por esse princípio, numa visão garantista, de Luigi Ferrajoli estão “.. los delitos de bagatela, que no justifican ni proceso penal ni la pena”.[10] E, o presente, com a devida vênia, aplica-se ao caso. Lembro, ainda, que no âmbito do descaminho, o Superior Tribunal de Justiça, em aresto relatado pelo Min. Gilson Dipp, deixou claro que o descaminho de valor inferior a R$2.500,00 não têm relevância jurídica (REsp. 235.151, DJU 08.05.200, p.116). Na espécie trata-se apenas de duas botas... De todo o exposto, não há condições de se responsabilizar penalmente o acusado pelos delitos imputados na exordial. Não fosse isso, a prova produzida escora-se exclusivamente no depoimento de um semiimputável, não tendo as testemunhas ouvidas visto a participação dos demais acusados. A prova da participação destes, excluído Jurandir, cujo Ministério Público requereu a absolvição, não restou amplamente configurada. Não há prova efetiva da participação deste e o fato de o tênis estar na sua casa, por si só, não comprova a participação no furto. Assim, resta-me somente absolver os acusados. III - DISPOSITIVO Por tais razões, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia formulada contra os réus, para absolvêlos da imputação que lhes é feita, com fundamento no art. 386, III e VI do Código de Processo Penal. Sem custas. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Fixo a remuneração dos assistentes nomeados em 12 URH’s, devendo-se expedir certidão. Recolha-se o mandado de prisão. Porto União, 16 de novembro de 2001. Alexandre Morais da Rosa – Juiz de Direito [1] Consultar: ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica – do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1997; STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri – Símbolos & Rituais. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1998; e BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Rio de Janeiro : Freitas Bastos Editora, 1999. [2] As Regras de Tóquio são as regras mínimas das Nações Unidas sobre medidas não privativas de liberdade, aprovada pela Assembléia Geral em 14.12.90, pela Resolução 45/110. Sobre o tema Consultar: GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. [3] Em princípio, o grau zero da linguagem seria uma esforço de se desvencilhar/despir do poder a língua, adotando-se uma escrita branca/neutra. Lembra que “o conceito de grau zero, oriundo da Fonologia, é de uma grande riqueza de aplicação; em Semântica, em que se conhecem signos-zero (fala-se de ‘signo-zero’ no caso em que a ausência de um significante explícito funciona, ela própria, como um significante) em Lógica (A está num estado zero, isto é, A não existe efetivamente, mas sob 5 Comarca de Porto União – SC / Autos nº 052.98.000273-9 www.aatr.org.br certas condições podemos fazê-lo aparecer)”. Todavia, essa tentativa deixa evidente justamente o poder (violência) dos signos que apesar de não representarem nada, está prenhe de significância. Fabrica-se sentido com nada/tudo, numa estética-discursiva, formadora do mito (alienante) do grau zero. Barthes é perspicaz o suficiente para concluir que “infelizmente nada é mais infiel do que uma escrita branca; os automatismos se elaboram no ponto mesmo em que se encontrava inicialmente uma liberdade, uma rede de formas enrijecidas aperta cada vez mais o frescor primeiro do discurso, uma escrita renasce no lugar de uma linguagem indefinida. BARTHES, Roland. O grau zero da escrita : seguido de novos ensaios críticos. São Paulo : Martins Fontes, 2000, p.81 [4] Lúcia Barros de Alvarenga demonstra a existência de 41.970.331 de seres humanos vivendo na linha da pobreza, enquanto outros 16.577.161 vivem na indigência. Nada menos que 30% das crianças de até cinco anos de idade apresentam elevado grau de desnutrição incluídas 2,7 milhões de crianças menores de dois anos. O analfabetismo real, sem contar o funcional, aponta para 20% da população. Apesar do trabalho infantil ser vedado, mais de 2 milhões de crianças de 10 a 13 anos trabalham, sendo que 47% não recebem remuneração (escravos). A divisão de renda é absurdamente desigual, na qual a metade da população mais pobre fica com 12% dos rendimentos do trabalho, enquanto a metade mais rica abocanha 88% Assim, metade do total dos rendimentos do país está com 5,6 milhões de indivíduos, enquanto a choldra, composta por 28 milhões, divide 10% deste rendimento. Paralelamente o Brasil é a 10ª economia do mundo, com um PIB próximo dos US$ 750 bilhões, sendo o 5° maior mercado consumidor mundial. A classe concentradora de renda vive na cobertura social, munida de todo o conforto, consumindo, em média, US$ 5 milhões nas compras efetuadas em Miami e New York. Neste quadro de desigualdades sociais, natural o surgimento de posturas sociais que visam a construção efetiva de uma sociedade mais solidária e eqüânime. A Ilha da Fantasia é cada vez menor, enquanto os desertos sociais crescem. ALVARENGA, Lúcia Barros Freitas de. Direitos humanos, Dignidade e Erradicação da pobreza. Uma dimensão hermenêutica para a realização constitucional. Brasília: Brasília Jurídica, 1998, p. 161-3. [5] Lenio Luiz Streck adverte: “Ainda se acredita na ficção da vontade do legislador, do espírito do legislador, da vontade da norma. Aliás, de que ‘legislador’ falam os comentadores? Santiago Nino, citado por Ferraz Jr., ironiza as ‘propriedades que caracterizam o legislador racional’, uma vez que ‘ele é uma figura singular, não obstante os colegiados, etc.; é permanente, pois não desaparece com a passagem do tempo; é único, como se todo o ordenamento obedecesse a uma única vontade; é consciente, porque conhece todas as normas que emana; é finalista, pois tem sempre uma intenção; é onisciente, pois nada lhe escapa, sejam eventos passados, futuros ou presentes; é onipotente, porque suas normas vigem até que ele mesmo as substitua; é justo, pois jamais que uma injustiça; é coerente, ainda que se contradiga na prática; é onicompreensivo, pois o ordenamento tudo regula, explícita ou implicitamente; é econômico, ou seja, nunca é redundante; é operativo, pois todas as normas têm aplicabilidade, não havendo normas nem palavras inúteis; e, por último, o legislador é preciso, pois apesar de se valer de palavras da linguagem natural, vagas e ambíguas, sempre lhes conferem sentido rigorosamente técnico...É de se perguntar: pode alguém, ainda, acreditar em tais ‘propriedades’ ou ‘características’ do ‘legislador’?...” STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1998, p. 52. [6] STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 59/63. 6 Comarca de Porto União – SC / Autos nº 052.98.000273-9 www.aatr.org.br [7] MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. Saraiva, 1996, p. 214-216. [8] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília – UNB, 1999, p. 90. [9] MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. Saraiva, 1996, p.214. [10] FERRAJOLI, Luigi. Derecho e razón, Madrid : Trotta, p.477. 7