...E os poetas foram parar no banco dos réus
Por Linaldo Guedes
Informa meu amigo Fábio Albuquerque que leu, num artigo de um
crítico literário de renome, que uma das funções da crítica é julgar.
Mesmo que isso não deixe de ser verdade, até porque o dicionário
também confere esse poder aos críticos, não deixa de ser
desestimulador para quem escreve saber que a sua produção vai
ocupar o bando dos réus da crítica literária. Afinal, se uma das
atribuições da crítica é julgar, por conseqüência os jovens poetas,
como Fábio, terão que ser considerados como réus em potencial?
Fico imaginando a enorme quantidade de poetas pessoenses que
vagam pelos bares da cidade, nas madrugadas frias desse inverno
irritante, submetendo sua parca produção escrita em papéis de
guardanapo ao julgamento de críticos nem sempre coerentes e
abertos para o que pode surgir de novo e interessante na poesia
paraibana. E são tantos os poetas das noites pessoenses e as
poesias por eles criadas! A maioria deles anônimos. Afinal, nem
todos os críticos têm essa estranha mania de freqüentar a noite
pessoense. Aliás, quem sabe se esse anonimato já não é
decorrente do medo de sentar-se num banco de réus da crítica. Eu,
que também integro essa casta de poetas filhos marginais das
noites, fico num dilema irritante. Não sei se devo aceitar
passivamente sentar-se num banco de réus ou se me conformo
com a minha sina de jornalista amado, onde ora sou tachado de
"charlatão", ora de "pirata de redação".
Releio o artigo de Fábio no "Correio da Paraíba", onde ele
questiona a declaração de Sérgio de Castro Pinto de que na
Paraíba há mais poetas do que poesia. Admiro demais a poesia de
Sérgio de Castro Pinto e talvez por isso me sinta à vontade para
também questionar essa sua afirmação. Pode até ser que ele tenha
razão, mas como vamos saber disso se não há espaço para a
divulgação da nova poesia paraibana? Com certeza, se houvesse
esse espaço, as dúvidas seriam desfeitas. Afinal, como diz o ditado,
quem não tem competência não se estabelece.
Assim, se esses filhos da noite não forem realmente poetas, o
tempo e a publicação de sua produção iriam dizer isso de forma
mais democrática do que um crítico literário que ocupa o espaço
que lhe é destinado apenas para julgar.
Se houvesse espaço para o novo, seria possível a crítica avaliar (eu
não disse julgar), o "artivício" explícito de Rogéria Araújo ou a
"imagem" juvenil de Gerimaldo Nunes, quando este diz que o "amor
saiu por ai/ usando calça Lee/ só não foi preso por intervenção
pública". Também seria possível avaliar o ateísmo cristão de Fábio
Albuquerque, que acredita que "deus precisa dormir na rua e
descobrir seu corpo numa mulher". Ou então, a tara fetichista de
Elionaldo Varela pelos seios, sejam eles de Sofia Loren ou Lena
Nascimento. Se não existisse tanto preconceito contra o novo seria
possível analisar com mais profundidade a poesia utópica de
Gustavo Magno e o lirismo mineiro de Wilton Júnior, camuflado à
espera do próximo verso. Seria saudável dizer se a poesia juvenil
de Alexandre Palitot e Livaneide Guedes devem sair dos bares para
os suplementos literários.
É pena que haja tanta indiferença para com o novo no nosso
Estado. É pena que o valor literário de algumas poesias coletivas
fiquem restritos aos corredores do Decom.
É pena que a crítica, com a sua ânsia de julgar o novo como se este
já fosse "velho", não perceba as heresias vomitadas pelos poetas
nos bares que vomitam poesias, fazendo com que a embriaguez se
faça poema. É pena que haja um distanciamento tão grande entre o
novo e o velho, uma distância que na verdade não se mede em
quilômetros, mas em ilusões.
Se a função da crítica é julgar, coitado desses poetas que tão novos
que são já tem que ver seus escritos num tribunal, quase sempre
parcial, onde a produção escrita na maioria das vezes é atirada na
fogueira inquisitorial, sem chances de defesa. A crítica deve, antes
de tudo, aceitar o novo para depois analisar se ele tem capacidade
de um dia chegar a ser considerado de fato um talento.
A poesia não se perdeu, caro Fábio. Ela apenas está camuflada nos
bares, bordéis e corredores acadêmicos da fria João Pessoa. Para
ela se perder, seria preciso que houvesse sensibilidade no peito dos
corações jovens. E se ela anda tão escondida é porque ninguém,
na verdade, gosta de ser julgado como um criminoso. Com certeza,
para serem julgados nos artigos de críticos literários, os poetas
preferem que o julgamento aconteça na mesa dos bares. Pelo
menos assim, nunca faltará uma cerveja para esfriar o medo da
fogueira do tribunal.
(artigo publicado no Jornal A União, em 21 de julho de 1992)
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