Parecer Jurídico No. 003/11
Interessado: Sr. Armando Bif - MD. Associado da CERMOFUL - Morro da Fumaça - SC
Assunto: Consulta sobre aplicação do Art. 51 da Lei No. 5.764/71 e Lei de Improbidade
Administrativa;
O Sr. Armando Bif, associado da Cooperativa de Eletricidade do Morro da Fumaça, formula em
Grau de Consulta, ao Egrégio Conselho de Administração da FEDERAÇÃO DAS
COOPERATIVAS DE ENERGIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA (FECOERUSC), sobre a
aplicabilidade e extensão do art 51 da Lei n. 5.764/71, no ambiente Cooperativo de
Eletrificação Rural, ao determinar:
Art. 51. São inelegíveis, além das pessoas impedidas por lei, os condenados à
pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por
crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato ou
contra a economia popular, a fé pública ou a propriedade.
Em síntese pergunta:
Primeiro: Quanto à natureza das sanções, aplicam-se a “todas as penas, quer seja de natureza
civil, quer seja de natureza criminal, quer seja de natureza eleitoral, ou apenas aquelas sanções
aplicadas em virtude de Processo Crime?”
Segundo: Qual o grau de extensão da expressão “condenados à pena que vede, ainda que
temporariamente, o acesso a cargos públicos”
A RAZÃO DA PREOCUPAÇÃO: “condenações em processo de improbidade administrativa, ainda
que sem indícios de dano ao erário público, são causa de “perda da função pública” e de
“suspensão dos direitos políticos” pelo prazo entre 03 (três) e 10 (dez) anos.”
PARECER
A consulta envolve hipotéticas condutas ímprobas praticadas por agentes públicos e sua
repercussão na eleição de dirigente de Cooperativa de Eletrificação Rural (aplicabilidade,
natureza e inelegibilidade) na hipótese de violação de “princípios da administração pública”,
definidos no art 11 da Lei 8.429/92-Lei de Improbidade Administrativa -(regulamentando o
art 37, §4° da CR):
"Ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração
pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições” e
Art 12, III, ao imputar ao infrator agente público:
“À perda de eventual função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de
multa equivalente a um subsídio recebido à época dos fatos e proibição de contratar com
o poder público também pelo prazo de 3 (três) anos, sem prejuízo da ação penal cabível,
observado o grau lesivo da conduta”.
(1) A escolha de dirigentes Cooperativistas, Lei n. 5.764/71, tem algo a ver com a Lei de
Improbidade Administrativa (LIA), que atinge agentes públicos infratores? Uma possível
relação seria no art 51, Lei Especial, que fixa critérios de Elegibilidade para pessoas
candidatas a cargo administrativo em Cooperativa. Decorre um questionamento: se um
associado, processado por Improbidade, e condenado na instância civil (art 11 e 12 da Lei
8.429/92), qual a repercussão na esfera Cooperativista: Pode participar do Processo Eleitoral
Cooperativo, como candidato? Se pode, em que circunstâncias? Vejamos
Lei de Improbidade Administrativa (LIA): Alcance, Natureza e Independência de Instâncias.
Índole Cível.
(2) A Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429/92, figura jurídica de controle dos atos
praticados por agentes públicos, com raiz no Art 37 §4°da Constituição Federal de 1988,
conhecida como Lei do “Colarinho Branco”. Atos de improbidade administrativa importam na
perda de função pública, na forma disposta pela Lei nº 8.429/92, que regulamentou esse
preceito. Aplica-se a todos os servidores públicos, os agentes políticos, além dos particulares
que estejam exercendo função pública.
A LIA, enumera situações consideradas violadoras do Princípio Constitucional da Moralidade
Pública, praticadas pelos agentes públicos, tripartindo nas figuras do enriquecimento ilícito,
do prejuízo ao erário e da infringência aos princípios constitucionais, como condutas tidas
por atentatórias à probidade. Esse diploma legal, trouxe ao ordenamento jurídico nacional,
tratamento exclusivo, mediante a previsão (explícita) nele inserida de diferentes condutas
ilícitas e penalidades respectivas, assim como da via judicial (cível) adequada para o Estado
acionar os infratores.
(3) Na ADI 2797, o STF decidiu que é um ilícito de natureza cível. A Ação que discutirá este
ilícito é a Ação de Improbidade Administrativa. As sanções, também são de natureza cível.
Porém, se a mesma conduta estiver prevista como crime no Código Penal, pode haver
processo, na via penal (ilícito penal: ação penal); se ocorrer infração administrativa (Lei
8112/90 Art 132), também, ilícito administrativo. A par disso, a índole cível dos atos de
improbidade administrativa deriva da própria letra da Constituição, Art 37, § 4º, ao
contemplar a independência da Responsabilidade Civil por ato de improbidade
administrativa e a possível responsabilidade penal, oriunda da mesma conduta, ao aludir
à fórmula "... sem prejuízo da ação penal cabível”. Pode o ato ser penalizado em mais de
uma instância, dependendo do grau de abrangência do ilícito. A Lei Maior, abre leque para
penalizar em duas instâncias - uma de índole Cível e outra Penal. Mas, não pára nelas.
(4) As instâncias, independentes, de responsabilização do Agente Público ao cometer um
ilícito: Criminal, Civil, Administrativa (no caso de agente político, é político-administrativo) e
de Improbidade Administrativa (cível, própria). Distingue-se a demanda de Improbidade
Administrativa (de cunho cível) da ação Penal pertinente (em caso de concomitância à
infração a um tipo penal). A LIA, não se preocupa em tipificar crimes, (podendo até existir,
mas, objeto de processos próprios e em outra esfera: as penais e remetendo ao Código Penal)
porquanto as condutas nelas descritas constituem em sanções de natureza Civil e Política.
(5) A lei de Improbidade consagra a regra geral de independência das Instâncias Processuais
podendo ser aplicadas sanções, concomitantemente; exceção à regra, ocorre quando da
“absolvição por negativa de autoria” ou da “absolvição por inexistência do fato” na esfera do
Ilícito Penal. Nesse caso, haverá comunicação da decisão às demais instâncias, para excluí-las.
Nesse sentido decisão do STJ Resp 1103011/ES em 12/05/09 “não havendo falar-se em
prejuízo da presente ação civil de improbidade administrativa em razão daquela decisão
criminal” (não constituir infração penal art 386, VI e III do CP.) Isso está a indicar a relevância
que a Lei Cooperativista deu na escolha penal como causa de inelegibilidade. Resp 1103011/ES
em 12/05/09 - STJ.
Lei Cooperativa Especial -Art 51 - Inelegibilidade, Improbidade, Pena.
(6) A Lei Cooperativista, Lei n. 5.764/71, é uma Lei Especial. Ela trata de relações privadas.
Destina-se a público específico: os detentores do Ato Cooperativo. Norma específica,
portanto, tratando de suas especificidades, devendo ser obedecidas naquilo que disciplinam.
Em virtude do caráter social procurou se cercar de dirigentes idôneos ao fixar dispositivos de
Inelegibilidade que dificultem o acesso de pessoas com passado de ilícitos de natureza
criminal (art 51). Fixou critérios para que seja eleito alguém com idoneidade moral,
verificados em circunstâncias da vida pregressa, compatíveis com as chamadas: Condições de
Elegibilidade. De sua vez, inelegibilidade emana de realização de alguma prática antijurídica:
Art. 51. São inelegíveis, além das pessoas impedidas por lei, os condenados à pena que
vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar,
de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato ou contra a economia popular, a
fé pública ou a propriedade.
A aplicabilidade dessa determinação, dá-se no ambiente Cooperativo, distinto do ambiente
público, com as limitações previstas na Lei Especial Cooperativista.
6.1) O Legislador tinha presente, ao fixar as normas do art 51, o mundo jurídico vigente à
época. Não havia a Lei de Improbidade, nos termos de hoje, editada em 1992, com medidas
fortes, de cunho cível, que acarretam a perda de cargo público, direitos políticos,
regulamentando o artigo 37, § 4ºCF. Porém, o aspecto penal-criminal, já estava presente na
Legislação vigente, com previsão de “perda do cargo público”. Razão, (não, única) do
Legislador ter optado pelo aspecto penal como causa de Inelegibilidade no mundo
Cooperativo.
6.2) Análise do art 51: Opção Penal - “São inelegíveis, além das pessoas impedidas por lei,os
condenados à pena que vede,ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por
crime falimentar...”
Toda Inelegibilidade no ambiente Cooperativo é voltada contra quem praticou ilícitos nessa
esfera, criminal. De um rosário de ilícitos, a lei contemplou uma, a criminal. O art 51,
enumera, (outros possíveis ilícitos penais) (=crime falimentar, de prevaricação, peita ou
suborno, concussão, peculato ou contra a economia popular, a fé pública ou a propriedade).Ora,
está bem caracterizada a escolha pelo legislador, para penalizar quem estiver envolvido e
condenado,criminalmente.
A conjunção “ou”, está a indicar o ambiente criminal: “condenados à pena” remete à instância
penal; é robustecido pela nomenclatura utilizada (pena e condenado) prevista no art 51
Define-se pela opção
penal, que deverá ser acionada nessa instância, caso o ilícito
comporte,como causa de Inelegibilidade, com trânsito em julgado
Se a condenação criminal importar na aplicação de pena privativa de liberdade por tempo
igual ou superior a um ano, o agente, em se tratando dos chamados crimes funcionais (abuso
poder,violação de dever para com a administração pública) perderá o cargo, função pública,
ou mandato eletivo com efeitos de condenação art 92,I,a CP);fora dos crimes funcionais a
perda, somente, pena privativa liberdade, acima de 04 anos(92,I,b)”
Além do efeito principal de sentença de condenação, produz outro, de natureza secundária
ou acessória. É a inelegibilidade, prevista no art 14 Parágrafo 9-LC 64/90. Apresenta-se como
efeito de decisão condenatória de várias instâncias judiciais, como criminal e improbidade. A
lei de Inelegibilidade tem conteúdo restritivo, LC 64/90;alterada pela LC 135/10.(Ficha
Limpa).
6.3) A natureza criminal,foi buscada na Legislação Penal da época,e recepcionada na
Constituição de 1988 ,no Art 37, §4° CF) “ sem prejuízo da ação penal cabível”.Poderia ter
contemplado também “responsabilidade civil por ato de “improbidade administrativa”
previsto no ordenamento da época,(de modo incipiente),também nesse artigo”. Mas, não fez,
no art 51, como causa de inelegibilidade. Certamente optou pela Instância Penal, no dizer de
Emerson Garcia “deflui de uma origem comum, e as normas penais, em razão de sua maior
severidade outorgam garantias mais amplas do cidadão” (GARCIA, Emerson e PACHECO
ALVES, Rogério. Improbidade Administrativa, 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006, p. 457)
(6.4) O Legislador de 1971, fixou Lista de Inelegibilidades, voltadas à esfera criminal, que
não se esgota no art 51. Ela remete a outras normas, todas de Natureza Penal. Mesmo uma
norma especial, Cooperativista, guarda correlação com os demais institutos legais,
principalmente aqueles que tratam de assuntos gerais. Porém, todos voltados ao aspecto
criminal1. O próprio art 51 caput, da Lei 5.764/71, declara que “são inelegíveis, além das
pessoas impedidas por lei...”devemos buscar os “ impedidos por lei ” no art 1011 § 1o ,C.C., os
nominados: “condenados por crimes contra o sistema financeiro nacional; contra as normas de
Art. 1º a Art. 11, Crimes Contra a Economia Popular - L-001.521-1951; Art. 2º a Art. 24, Crimes Contra o
Sistema Financeiro Nacional e Art. 25, Aplicação e do Procedimento Criminal - Crimes Contra o Sistema
Financeiro Nacional - L-007.492-1986; Art. 4º a Art. 7º, Crimes Contra a Ordem Econômica e as Relações
de Consumo, Art. 8º a Art. 10, Multas e Art. 11 a Art. 23, Disposições Gerais - Crimes Contra a Ordem
Tributária, Econômica e as Relações de Consumo - L-008.137-1990; Art. 21 a Art. 34, Administrador
Judicial e Comitê de Credores - Disposições Comuns à Recuperação Judicial e à Falência e Art. 171,
Indução a Erro e Art. 177, Violação de Impedimento - Crimes em Espécie - Disposições Penais Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência do Empresário e da Sociedade Empresária - L-011.1012005; Art. 61 a Art. 80, Infrações Penais - Código de Defesa do Consumidor - CDC - L-008.078-1990; Art.
117, X, Proibições - Regime Disciplinar - Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das
Autarquias e das Fundações Públicas Federais - L-008.112-1990; Art. 155 a Art. 183, Crimes Contra o
Patrimônio, Art. 289 a Art. 311, Crimes Contra a Fé Pública, Art. 312 a Art. 327, Crimes Praticados por
Funcionário Público Contra a Administração em Geral e Art. 333, Corrupção Ativa - Crimes Praticados
por Particular Contra a Administração em Geral - Crimes Contra a Administração Pública - Código Penal
- CP - DL-002.848-1940, Art. 972, Capacidade - Empresário - CC
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defesa da concorrência e contra as relações de consumo;” fazendo com que tais pessoas também
sejam impedidas. Assim:
Código Civil, art 1011 § 1o :
Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o
cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração de seus próprios negócios.
§ 1o Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os
condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou
por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra
a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da
concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto
perdurarem os efeitos da condenação.
6.5)“Condenados à Pena”, ainda que temporariamente “acesso a cargos públicos” e
inelegibilidade ( art 51 da 5764/71 )
A inelegibilidade é a sanção aplicada, a quem praticou atos ilícitos eleitorais, ou da prática de
atos ilícitos de natureza não-eleitoral, mas com repercussão no Direito (vários ramos), que
barra um pretenso candidato. Não fica habilitado pra tal. As implicâncias da inabilitação para
o exercício de função pública levam ao impedimento para que penalizado possa exercer
qualquer faculdade conferida pelo ordenamento jurídico, a agentes públicos.Porém, esses
critérios são para for ocupar função pública. No ambiente Cooperativo, esfera privada, com
critérios próprios, será considerado, somente, a penalização para afastamento de cargo
público, perda de direitos políticos por sentença penal condenatória, transitada em julgado.
Entendimento do art 51 da Lei Cooperativista.
Cargo público e função pública: noções e sujeitos
(b)Cargo é o lugar no quadro de pessoal da Administração Pública, criado por lei, com um
feixe de atribuições (ou funções públicas). Cargo e função pública não são termos sinônimos,
pois a função pública é o feixe de atribuições afeto por lei aos cargos públicos, ou afeto
diretamente ao agente público, sem que esteja ele investido em cargos. A todo cargo
corresponde função pública específica; posto que nem toda função pública se refere a cargos
públicos. (art.37, inc. IX da CF/88,).
Ora, da interpretação conjugada desses dispositivos, conclui-se que a expressão
função pública foi utilizada pelo legislador em sentido lato, tendo em vista que tal
sanção é "passível de aplicação a todos aqueles que exerçam, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração,por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º da Lei nº8.429/92 (...)"
(GARCIA, Emerson e PACHECO ALVES, Rogério. Improbidade Administrativa , 3ª
ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 457). Ainda, nomesmo
sentido:
(c) A pena: é medida aflitiva imposta pelo Estado, por meio da ação penal, ao autor de
infração penal, como retribuição de seu ato ilícito. É a sanção penal aplicada a agente
imputável. Pressupõe que o fato delituoso cometido e sentenciado tenha natureza criminal,
como previsto constitucionalmente (Art 37, §4° CF) “ sem prejuízo da ação penal cabível”,
como expresso no art 51.
6.6) O que a Lei Cooperativista está a indicar(art. 51)? É que são inelegíveis todos que forem
condenados em ações de natureza penal (criminal) nos crimes tipificados no Código Penal.
Refere-se à pena aplicada por prática de infração penal, consagrado pela linguagem utilizada
(“pena” e “condenado). Exemplo- como efeito de condenação- previsto no CP art 92,I (= São
também efeitos da condenação:I - A perda de cargo, função ou mandato eletivo) “.
“A perda de cargo ou função pública não é efeito automático da condenação,
devendo, pois, ser explicitada na sentença, através da valoração fática e jurídica
quanto à sua necessidade. A ausência de qualquer manifestação a seu respeito na
decisão de primeiro grau, permite a interposição de apelo ao Tribunal para que
este imponha o referido efeito, previsto no art. 92, inciso I, alínea b, do Código
Penal, desde que preenchidos os seus pressupostos necessários.
3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido para determinar o
retorno dos autos ao Tribunal a quo para que, afastado o seu entendimento de
supressão de instância, se manifeste acerca da imposição ou não da perda do
cargo público ao ora Recorrido.” (REsp 622.622/RS,Rel. Ministra LAURITA VAZ,
QUINTA TURMA, julgado em 06/06/2006,DJ 01/08/2006 p. 514)
Veja-se que é expresso o termo "sentença penal condenatória". Não se fala em sentença civil
ou de qualquer outra sentença de natureza jurídica diversa.
(7) RAZÕES DE CONCLUSÃO: O PORQUÊ DA OPÇÃO PENAL. ENTENDIMENTO DO ART 51.
Primeira: A Lei Cooperativista é de 1971, ao fixar as normas do art 51, usou os conceitos
jurídicos vigentes à época, sob o signo da Constituição de 1967(com emenda de 1969). A lei
3240/41-previa o sequestro de bens de pessoa indiciada por crime que resulte prejuízo à
fazenda pública...na Consolidação das Leis Penais. Típico exemplo do ambiente penal
vigorante.
O incipiente conceito de Improbidade era quase só adstrito ao enriquecimento ilícito- Lei
3502/58 –“que penalizava o servidor público por influência ou abuso cargo público e
enriquecimento ilícito.”
Não havia a Lei de Improbidade, nos termos que termos hoje, editada em 1992, abrangendo
ilícitos civis, com medidas fortes, regulamentando o artigo 37, § 4ºCF. A Razão de opção do
Legislador, como causa de inelegibilidade era o instrumental jurídico, o mais adequado, de
natureza penal-criminal. O art 92 do Código Penal (mesmo com as alterações havidas
posteriores) já indicava quais os efeitos da sentença de condenação “ a perda de cargo, função
pública ou mandado eletivo”.
Segunda: Interpretação literal do art 51.
“São inelegíveis, além das pessoas impedidas por lei, os condenados à pena que vede,
ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime
falimentar.......”(sublinhamos)
(a) A conjunção “ ou”, está a indicar o ambiente criminal penal: “condenados à pena” remete à
instância penal; refere-se à pena aplicada em virtude de ilícito penal, robustecido pela
nomenclatura: Pena e condenado. Um exemplo dessa linguagem Penal na Lei Maior, está no
inciso XLV do art 5 (não-transmissibilidade da multa penal ). A Atual Lei de Improbidade,de
cunho cível (art 12 caput) reconhece a sanção penal,na ordem dos ilícitos regulamentando o Art
37, §4° CF- ao abrir instâncias de penalização : Cível, Penal... A lei Cooperativista, recepcionada
pelo ordenamento jurídico de 1988,optou, (1971) pela última, de natureza criminal.”São
inelegíveis..... os condenados à pena” ....”.ou por crime falimentar”
(b) O Legislador Cooperativista poderia ter optado, também, por imputar os ilícitos civis “nos
termos da época”(parcos) também nesse artigo”. Mas, não o fez. Certamente, optou pela
Instância Penal, no dizer de Emerson Garcia “deflui de uma origem comum, e as normas penais,
em razão de sua maior severidade outorgam garantias mais amplas do cidadão” (GARCIA,
Emerson e PACHECO ALVES, Rogério. Improbidade Administrativa , 3ª ed. rev. e ampl. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 457)
(c) A importância da Instância Penal: uma possível “absolvição por negativa de autoria”ou
“absolvição por inexistência do fato”, (instância penal) , “ pode afastar até mesmo da ação de
Improbidade, caso o ilícito tenha também essa conotação. Se inocentado pelos motivos
elencados, “transmite às demais instâncias.” Esse o entendimento do STJ:
“.É exceção à regra de independência das instâncias “não havendo falar-se em prejuízo
da presente ação civil de improbidade administrativa em razão daquela decisão
criminal”(não constituir infração penal art 386,VI e III do CP). “Resp 1103011/ES j.em
12/05/09
Isso está a indicar a relevância que a Lei Cooperativista deu na escolha penal como causa de
inelegibilidade.
(d) A Lei de Improbidade é uma lei de natureza civil. (STF-ADI 2797).Porém, aberta para outras
possíveis ações ,apesar da índole civil dos atos de Improbidade Administrativa,derivados da
própria letra da Constituição, artigo 37, § 4º, ao contemplar a independência da
responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível
responsabilidade penal, oriunda da mesma conduta, ao aludir à fórmula "... sem prejuízo da
ação penal cabível”.Somente, essa “ação penal cabível”interessa como causa de
inelegibilidade em Cooperativa, caso o associado,venha a ser condenado em instância penal à
perda de cargo público ( 92,I CP).
(e) O processo criminal atinge de forma mais incisiva a dignidade da pessoa, o que exige
expressa caracterização da conduta como infração penal, sendo relevante frisar que ele
produzirá variados efeitos secundários. Logo, aberto a maior garantia de defesa ao associado de
Cooperativa.
Terceira: Vasta Lista de Crimes - O Legislador de 1971, abriu lista de Impedimentos, todos
voltados à esfera criminal; demonstra que a natureza da escolha, não se esgota no art 51. Ela
remete a outras normas, com conotação criminal. Mesmo uma norma especial, Cooperativista,
guarda correlação com os demais institutos legais, principalmente, aqueles que tratam de
assuntos gerais. O próprio art 51 caput, da Lei 5.764/71, declara que “são inelegíveis, além das
pessoas impedidas por lei...”.Quem são ?Os que praticaram ilícitos penais. O art 1011 § 1o C.C., os
nominados: “condenados por crimes contra o sistema financeiro nacional; contra as normas de
defesa da concorrência e contra as relações de consumo;” juntam-se tais pessoas como
inelegíveis Assim:
Código Civil, art 1011§ 1o :
Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o
cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração de seus próprios negócios.
§ 1o Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os
condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou
por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra
a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da
concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto
perdurarem os efeitos da condenação.
Quarta: Inelegibilidade , inabilitação e extensão:”Perda de Cargo” art 51
Entende-se inelegibilidade como sanção aplicada, a quem praticou atos ilícitos, de várias
ordens, com repercussão nos ramos do Direito, barrando um pretenso candidato a obter o
registro de sua candidatura, eleitoralmente. Não fica habilitado pra tal. As implicâncias da
inabilitação se estendem para o exercício de função pública, levando ao impedimento para
exercer qualquer faculdade conferida pelo ordenamento jurídico a agentes públicos, no âmbito
da administração, mandato eletivo. Estamos falando em termos da Lia (art 12 e 11). Ora, essa
repercussão, não é a mesma no ambiente privado de uma Cooperativa, que é regida por
Estatuto Legal Próprio, que somente, considera, como causa de inelegibilidade os ilícitos de
ordem penal (transitados em julgado), diferente da esfera pública.
Quinta: Constitucionalmente, presume-se o estado de inocência do réu submetido a julgamento
pelas condutas tipificadas como penais previstas “ ação penal cabível”. (Art 37§ 4ºCR).
Nesse ponto, cabe examinar a aplicação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição
Federal, no sentido de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”. Independentemente de saber se esse dispositivo se aplica
exclusivamente a processos criminais, como nele está dito, certo é que, quando se trata de
inelegibilidade e suas conseqüências, como apregoadas no art 51 da Lei Cooperativista,há que
respeitar a determinação constitucional de ser julgado na esfera penal , advindo sentença nesse
teor.
Sexta: A Lei de “Ficha Limpa” - LEI COMPLEMENTAR Nº 135, (DE 4 DE JUNHO DE 2010) e art
51 da Lei Cooperativista - nascida para valorizar a probidade administrativa e a moralidade
para exercício de mandato eletivo, na área eleitoral, apesar de todo o rigor e da sanha
justicialista que envolve sua aplicabilidade, contém uma série de critérios para sua aplicação .
Cabe constatar, por oportuno, que, pela nova Lei não é qualquer condenação por improbidade
que obstará a elegibilidade, mas, tão somente, aquela resultante de ato doloso de agente público
que, cumulativamente, exige que haja dano ao erário e enriquecimento ilícito ou rejeição de
contas por irregularidades insanáveis que configurem ato doloso; excludentes assim, situações
provocadas por culpa ou que não tragam lesão ao bem público. Assim: LEI COMPLEMENTAR
Nº 135, DE 4 DE JUNHO DE 2010 Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em
julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade
administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a
condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o
cumprimento da pena.
Sétima: O caráter penal do art 51, já está definido no Estatuto de algumas Cooperativas de
Eletrificação Rural, integrantes do sistema FECOERUSC, ao estabelecer critérios para as chapas
participarem de pleito,definindo, somente, como causa de exclusão de associado, com
condenação por “crime em sentença judicial ” transitado em julgado”..
São requisitos para participar da chapas que concorrem ao pleito:
d) Não ter sido condenado, por sentença judicial com trânsito em julgado, a crimes cuja
pena vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos,a crime falimentar,a
crime contra a economia popular,contra a ordem econômica e financeira,contra a fé
pública, contra a propriedade,ou contra a Administração Pública.
(8) Respondendo à Consulta, do Associado Cermoful :
Primeiro: Quanto à natureza das sanções, aplicam-se a “ todas as penas, quer seja de natureza
civil, quer seja de natureza criminal, quer seja de natureza eleitoral, ou apenas aquelas sanções
aplicadas em virtude de Processo Crime ?”Somente, as sanções advindas de Processo Crime.
Vejamos.
A Consulta envolve o ambiente privado, Cooperativo. Em esfera de relações próprias; entre
Cooperativados. Não envolve candidatura a cargo público e, sim, na órbita, privada. Relações
disciplinadas por Lei Especial que exige critério de aplicação à semelhança da Lei da “Ficha
Limpa”. Não é qualquer pena que serve como causa de Inelegibilidade (cível, administrativo,
eleitoral...) mas, tão somente, aquela que resulte de uma condenação penal, com o devido
processo . Essa é a delimitação do art 51, ao excluir possíveis outras naturezas de ilícitos, não
afetas à causa penal. Aqui vale o princípio de que não é permitida interpretação extensiva
com o fim de prejudicar a parte.
Há instâncias, independentes, de responsabilização do agente público, ao cometer um ilícito.
As demandas de Improbidade Administrativa de cunho cível se diferenciam da ação Penal
pertinente (em caso de concomitância à infração a um tipo penal). A LIA, não se preocupa em
tipificar crimes, (podendo até existir, mas, objeto de processos próprios e em outra esfera: as
penais e remetendo ao Código Penal) porquanto as condutas nelas descritas constituem em
sanções de natureza civil e política. O Legislador no art 51 optou, somente, pela demanda
penal como causa de inelegibilidade, já que envolve, em tese, ilícitos mais graves.
Se estendermos os efeitos da esfera criminal, tipificados no art 51 da Lei Cooperativista, à
pena advinda por atividade pública(improbidade administrativa) como causa de
inelegibilidade, estaremos estendendo à atividade privada (cooperativista) uma pena que
não se aplica a ela, e nem é de sua natureza. A ação de Improbidade Administrativa é
aplicável ao agente público, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função, na
administração direta, indireta ou fundacional, além de definir como e quando sua conduta se
traduz em ato com tal definição.
É causa ou não, de inelegibilidade, para Cargo de Cooperativa, decisão judicial, que condena
associado - candidato, à sanção de ”perda de cargo ou função pública e direitos políticos”ainda
que temporariamente (03 anos), sob fundamento da Lei de Improbidade Administrativa(LIA)
de natureza civil? Somente, se a CAUSA ADVIR DE ILÍCITO PENAL, COM O DEVIDO PROCESSO
JUDICIAL, TRANSITADO EM JULGADO,COM PENALIZAÇÃO, de perda da Função Pública.
Denota , claramente, que se refere à pena aplicada por prática de infração penal, o que é
robustecido pela nomenclatura utilizada (pena e condenado). Caso não exista condenação
em processo dessa natureza, mesmo com condenações civis (Improbidade), exclui-se como
causa de Inelegibilidade, no ambiente Cooperativo. Entendimento do art 51 da Lei
Cooperativista.
No hipotético caso sob Consulta, os elementos trazidos foram da ordem civil e que levariam,
possivelmente, à condenação por Improbidade, verificados em instância própria. Aqui não se
está a dizer que não haveria condenação. Ela poderá existir, sim, mas na esfera civil. Sua
repercussão está ai. Não chega no ambiente Cooperativo, como causa de inelegibilidade, já
que não eleito pelo Legislador de 1971. Pelos elementos apresentados, a condenação por
ilícitos civis levaria à perda de eventual função pública, suspensão dos direitos políticos por
3 (três) anos, por infringir o art. 37 da CF/88 e art. 11 e 12 da Lei 8.429/92, de natureza cível.
A perda da “função pública“ deveu-se por razões cíveis, da LIA’ . Logo, não se aplica o
disposto no art 51 da LEI 5764/71, que exige natureza penal.
Segundo: Qual o grau de extensão da expressão “condenados à pena que vede, ainda que
temporariamente, o acesso a cargos públicos” .
“Os condenados à pena de acesso a cargo público” conduz ao sujeito passivo a impedimento
para exercício de qualquer faculdade conferida pelo ordenamento jurídico, a agentes
públicos, no âmbito da administração, mandato eletivo etc. Isso decorre da inelegibilidade
como sanção aplicada, a quem praticou atos ilícitos de toda natureza, mas com repercussão
no Direito (Eleitoral, administrativo..).Ora, essa repercussão, não é a mesma no ambiente
privado de uma Cooperativa ,que é regido por Lei Especial;a única causa de inelegibilidade,
são ilícitos de ordem penal; diferente da esfera publica. “In casu” sob consulta, a perda da
função pública, deveu-se a possível ação de improbidade, classificada pelo STF ADI 2797como de natureza cível (logo, distante da penal), análoga a essa, cujo fulcro está no art 12 da
Lia(hipótese da consulta)julgado pelo STJ: RECURSO ESPECIAL Nº 926.772 - MA
(2007/0021742-2)RELATOR MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
Terceiro: A sanção relativa à perda de função pública prevista no art. 12 da Lei 8.429/92 tem
sentido lato, que abrange também a perda de cargo público, se for o caso, já que é aplicável a
"qualquer agente público, servidor ou não" (art. 1º), reputando-se como tal "(...) todo aquele
que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior" (art. 2º).
Ora, não é o preconizado pelo art 51 da lei Cooperativista. “A perda de função pública” pela
Lei de Improbidade Administrativa, ART 11 e 12, não atinge associado candidato, regido por
lei especial, em Cooperativa de Eletrificação Rural, ante falta de previsão legal, como causa de
inelegibilidade. Não se pode dar interpretação extensiva pra prejudicar alguém. Já
exaustivamente, exposto. SMJ
Florianópolis, 24 de janeiro de 2011.
Dr. Valdir Gorges Alves
OAB/SC nº1775
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Parecer Jurídico 003-2011