CONSIDERAÇÕES ACERCA DO LIMITE DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE NO BRASIL E EM PORTUGAL
CLÁUDIA REGINA MIRANDA DE FREITAS
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RESUMO:
Pretendemos abordar o tema do limite das penas privativas de liberdade
estabelecendo, de maneira sucinta, um paralelo entre o disposto sobre o assunto no
Código Penal Brasileiro e no Código Penal Português.
PALAVRAS-CHAVE: Pena privativa de liberdade, Código Penal Brasileiro e Código
Penal Português.
É pacífico na doutrina que a função da pena no Estado Social e
Democrático de Direito deve atender às exigências de proteção de todos os
indivíduos evitando que a privação de liberdade se transforme em expressão
moderna das antigas penas cruéis e infamantes, freqüentes no período anterior ao
Iluminismo e ao advento das Escolas Penais considerado como um movimento de
pensadores que se dedicaram ao estudo da legitimidade do poder punitivo estatal, à
essência do delito e às sanções admissíveis dentro de um ordenamento que
privilegia a dignidade humana.
A evolução prática dos conceitos e a direção das legislações da atualidade
concebem a pena como um conjunto de meios e de fins que, sem perder a natureza
retributiva, busca também prevenir o delito, além de almejar a ressocialização do
apenado.
No que tange ao limite máximo para o cumprimento das penas privativas
de liberdade, estabelece o Código Penal Brasileiro, no caput do art. 75 que o tempo
de seu cumprimento não pode exceder trinta anos. A fixação da quantidade de pena
neste patamar atendeu ao preceito contido no inciso XLVII, b, do art. 5º da
Constituição Federal, que proíbe a prisão perpétua. Por outro lado, como esclarece
a atual Exposição de Motivos do Código Penal, o balizamento visou também
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Mestre em Ciências Penais pela UFMG, Professora de Direito Penal, Advogada.
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alimentar no condenado a esperança da liberdade e a aceitação da disciplina,
pressupostos indispensáveis no que se refere ao tratamento penal. De fato, o Brasil
é adepto do sistema progressivo de cumprimento de pena que visa, sobretudo, nutrir
no condenado a expectativa de obter a liberdade antecipada e, para tanto, é
necessário que seja ele disciplinado e ajustado às normas contidas na Lei de
Execução Penal.
Oportuno transcrever o mencionado dispositivo legal:
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não
pode ser superior a 30 (trinta) anos.
Parágrafo primeiro. Quando o agente for condenado a penas privativas de
liberdade cuja soma seja superior a trinta anos, devem elas ser unificadas
para atender ao limite máximo deste artigo.
Parágrafo segundo. Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do
cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se para esse
fim, o período de pena já cumprido.
Assim, estabelece o parágrafo primeiro do referido artigo que quando o
condenado for sentenciado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior
a trinta anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo do artigo.
Para alguns doutrinadores a pena unificada não se prestaria a outras finalidades,
como exemplo a obtenção do livramento condicional e a remição. Argumentam que
a adoção de orientação diversa poderia encorajar o delinqüente a cometer,
contemporaneamente, uma infinidade de crimes, na certeza da impunidade parcial.
Este é o entendimento de Damásio de Jesus:
Este limite, entretanto, não se aplica ao livramento condicional e a outros
institutos, como a remição, comutação, etc. De modo que, condenado a
mais de trinta anos de prisão, não é suficiente que o recluso cumpra quinze
anos para obter o benefício (JESUS, p. 531).
Em sentido oposto, há autores que sustentam que a pena unificada, nos
termos do aludido dispositivo, desempenha um dúplice papel: estabelecer o limite
máximo de cumprimento de penas privativas de liberdade e servir de parâmetro para
a concessão de benefícios como a transferência de regime de cumprimento de pena
além do livramento condicional. Sendo assim, conforme tal entendimento, por
exemplo, se alguém for condenado a duas penas privativas de liberdade de vinte
anos cada uma, serão essas penas unificadas em trinta anos e poderá obter os
benefícios legais tomando-se como referência os trinta anos unificados e não o
tempo efetivo de condenação. Neste ponto manifesta-se Pierangelli:
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Permitir que uma pena de prisão se prolongue irremissivelmente, por trinta
anos, em regime fechado e em condições institucionais sobejamente
conhecidas, é exatamente o mesmo que permitir a pena perpétua, tendo
em vista a deterioração psíquica e física que sofre inevitavelmente a
pessoa. Parece-nos de meridiana clareza não ser este o entendimento que
se extrai do art. 5º, XLVII, b, da Constituição, quando o relacionamos com o
inc. XLIV... (ZAFFARONI; PIERANGELI, p.680).
Em nossos tribunais prevalece a primeira corrente, considerando os
magistrados que o limite em trinta anos unificados não pode ser utilizado para a
obtenção de benefícios legais. Tal entendimento foi sumulado pelo Supremo
Tribunal Federal, conforme o teor do enunciado da Súmula 715.
Assim:
Súmula 715: “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de
cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada
para a obtenção de outros benefícios, como o livramento condicional ou
regime mais favorável de execução de pena.”
Também a esse respeito o Tribunal de Justiça de Minas Gerais
decidiu:
“O limite das penas unificadas, a que se refere o art. 75 do CP (trinta anos),
não constitui parâmetro à obtenção dos benefícios estabelecidos na Lei de
Execução Penal (progressão de regime, livramento condicional, remissão,
comutação e outros). Entendimento em contrário equivaleria à utilização da
lei penal como incentivo à criminalidade, fazendo com que, por exemplo,
um condenado à pena total de 150 anos obtivesse, como a unificação,
benefícios como o livramento condicional, progressão, remissão ou
comutação, em tempo igual ao do condenado a uma pena total pouco
maior de 30 anos e também unificada em trinta”. Recurso de Agravo N°
1.0000.06.439219-4/001.
O atual Código Penal Português é resultado de estudos direcionados a
melhor adequação do sistema penal à realidade daquele país, contando com a
contribuição de renomados juristas. O art. 41 do referido diploma legal, no capítulo I
que trata da duração da pena de prisão, estabelece:
“Art. 41. A pena de prisão tem duração mínima de 1 mês e a duração
máxima de 20 anos.
3. Em caso algum, porém, o limite máximo da prisão poderá exceder 25
anos.”
Merece especial atenção o disposto no nº 3, determinando que em caso
algum permitir-se-á exceder a 25 anos de prisão. Note-se que o ordenamento
português, em contraposição ao brasileiro, não especifica as condições do
condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior ao limite de 25
anos, tampouco menciona a respeito da superveniência de nova condenação por
fato posterior ao início do cumprimento da pena. Limita-se, contudo, a usar a
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locução “em caso algum”, subentendendo-se que deva se adequar a qualquer
situação.
Neste aspecto, o Código Penal Brasileiro andou em melhor direção que o
Código Português ao deixar claro as duas situações acima referidas, não restando
margem a dúvida de qualquer espécie no que tange à situação do condenado a
mais de uma pena privativa de liberdade cuja soma supere o limite de trinta anos.
Ainda, o Código Penal Brasileiro também se refere a tal limite de pena quando se
refere ao concurso de crimes, especificamente no parágrafo único do art. 71 que
disciplina a situação daquele delinqüente que pratica infrações que se amoldam ao
crime continuado. Também neste caso, segundo o estatuto repressivo pátrio, o limite
de penas somadas terá que observar o limite previsto no já citado art. 75.
Do exposto acerca do limite de pena privativa de liberdade, no que tange
ao ordenamento brasileiro e ao português, podemos extrair as seguintes conclusões:
1- O limite das penas privativas de liberdade foi estabelecido no Brasil
considerando-se o mandamento constitucional que veda a perpetuidade da
execução das penas, bem como encorajar no condenado o propósito de emendarse.
2- A divergência entre os doutrinadores acerca do entendimento contido
no parágrafo primeiro do art. 75, após o advento da Súmula 715 do STF tornou-se
inócua uma vez que foi estabelecido que a pena unificada não pode ser considerada
para fins de concessão de benefícios legais. Não obstante, respeitável é a opinião
dos juristas no que pertine à efetiva impossibilidade de ressocialização do
condenado a grandes penas de prisão porque não nutre no sentenciado esperança
alguma de retomar ao convívio social convertendo-se em verdadeira prisão
perpétua.
3- Grande parte da doutrina brasileira critica o enunciado no parágrafo 2º
do art. 75 por entenderem significar uma impunidade com relação ao segundo crime
cometido logo no início da execução da pena privativa de liberdade imposta pelo
primeiro delito, uma vez que, de qualquer forma, não ultrapassaria 30 anos a
execução da pena de prisão. Exemplificando: José é condenado à pena de 20 anos
pelo crime de homicídio. Iniciou cumprimento de pena em 01/02/09 e em 01/02/10
foi condenado novamente por outro crime de homicídio cometido dias após o início
do cumprimento de sua primeira pena de 20 anos. Unifica-se a pena para fins de
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execução penal em 30 anos desprezando-se o tempo anteriormente cumprido (1
ano), somando-se o restante à segunda pena, ou seja, há inevitavelmente a
sensação de impunidade com relação a um dos delitos praticados, já que desprezase um ano já cumprido e soma-se à outra pena e posteriormente unifica-se em trinta
anos, tempo máximo de cumprimento de pena.
4- O Código Penal Brasileiro é mais coerente que o Código Penal
Português ao especificar a situação do condenado a mais de uma pena privativa de
liberdade. Adotou-se no ordenamento brasileiro técnica legislativa que se coaduna
com o princípio da legalidade, considerado como princípio que norteia a atuação dos
três poderes em matéria de execução da pena. Ainda, percebe-se que o estatuto
repressivo brasileiro é mais enérgico que a lei lusitana no que tange ao limite de
cumprimento máximo de pena, desmitificando em parte a noção gerada sobretudo
no senso comum de que o direito pátrio é demasiado condescendente para com o
delinqüente.
BIBLIOGRAFIA
Códigos Penal; Processo Penal e Constituição Federal/ obra coletiva de autoria da
Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina
Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes – 6ª edição – São Paulo: Saraiva, 2010.
Código Penal Português, in WWW. priberam.pt.
COSTA JR., Paulo José da. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2008.
JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral, Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2008.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito
Penal Brasileiro. Volume 1, Parte Geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007.
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