Poder Judiciário Tribunal de Justiça da Paraíba Gabinete do Des. ARNÓBIO ALVES TEODÓSIO ACÓRDÃO • APELAÇÃO CRIMINAL N° 001.2010.027514-6/001 — 5a Vara Criminal da Comarca de Campina Grande RELATOR APELANTE ADVOGADA APELADA : O Exmo. Des. Arnóbio Alves Teodósio : Jerônimo Inácio de Farias, vulgo "Bugegê" : Joilnna de Oliveira F. A. dos Santos : A Justiça Pública ESTUPRO DE VULNERÁVEL. Art. 217-A do Código Penal. Crime cometido contra menor de catorze anos. Autoria e materialidade comprovadas. Condenação. Ausência de prova. Inocorrência. Absolvição. Impossibilidade. Palavra da vítima absolutamente corroboradas pelo conjunto probatório. Desprovimento do apelo. - Comete o crime de estupro de vulnerável o agente que tem conjunção carnal ou pratica outro ato libidinoso com menor de 14 anos, incidindo nas penas do artigo 217-A do Código Penal. — É cediço, que nos crimes contra os costumes, praticados não raro na clandestinidade, longe dos olhares de terceiros, os relatos coerentes da vitima — ainda que esta seja menor de idade —, endossados pela prova testemunhal, são elementos de convicção de alta importância suficientes para comprovar a prática delitiva. !O ALVES EODÚSIG' Desembargador 2 Vistos, relatados e discutidos os autos da ação penal acima identificada: ACORDA a Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, em conhecer e NEGAR PROVIMENTO ao apelo, em harmonia com o parecer ministerial. RELAYÓRIO Perante a 5a Vara Criminal da Comarca de Campina Grande, Jerônimo Inácio de Farias foi denunciado como incurso nas sanções do art. 217-A, c/c art. 71, todos do CP. Assim narrou a peca basilar acusatória (fls. 02/04): "... Consta dos autos do procedimento inquisitório que JERONIMO INÁCIO DE FARIAS, de forma consciente, agindo com dolo e em continuidade delitiva, praticou ato libidinoso com menor de 14 anos. Segundo relatam os autos, o fato aconteceu aos 24 dias do mês de agosto do corrente ano de 2010, por volta das 17h0Ornin; no interior da residência do acusado, bairro do Cruzeiro, nesta cidade. Historiam as investigações que, no dia e hora acima citados, o menor de idade C. A. dos S. (abreviatura nossa), o qual contava com apenas 09 anos de idade à época dos fatos, se dirigiu até as imediações de uma construtora onde costumava brincar com outras crianças, instante em que o acusado passoua jogar bola com aquele. Todavia, após passar algum tempo brincando com o menor,- o acusado o segurou pelo braço e o conduziu para dentro de uma sala. Ato contínuo, o acusado tirou a roupa do menor, amarrou suas mãos e o colocou deitado de bruços em cima de uma mesa, quando passou a penetrar o ânus da criança com o seu pênis, causando as lesões descritas no laudo sexológico de exame de ato libidinoso de fls. 30. A vítima em momento algum pode pedir por socorro, pois o acusado tapava a sua boca com uma das mãos. De acordo com as declarações do menor, esta não havia sido a primeira vez em que o acusado praticara ato sexual com o mesmo, mas das outras vezes recebia quantias em dinheiro que variavam entre R$ 5,00 e R$ 10,00. A ação criminosa do acusado somente foi descoberta porq ue, após consumar o crime, satisfazendo seu instinto bestial, o acusado deixou que a vítima fosse para sua residência e, lá chegando, a !O YT.Pj.0 Dese-rnioargaoo 3 genitora do menor observou a presença de sangue no short do seu filho, o qual relatou para a mãe todo o ocorrido. (...)." Denúncia recebida em 13 de dezembro de 2010 (fl. 02). Após regular instrução processual, o douto magistrado "a quo" proferiu sentença (fls. 152/155), condenando o réu Jerônimo Inácio de Farias à pena de nove anos de reclusão em regime inicialmente fechado, pela prática do delito tipificado no art. 217-A do Código Penal. Inconformado com a r. sentença que lhe fora imposta, tempestivamente, apelou o réu (fl. 158). Em suas razões expostas às fls. 161/164, pugna, em suma, pela absolvição por entender que inexistem provas suficientes a autorizar a sua condenação. 410 O Ministério Público Estadual apresentou suas contrarrazões, rogando pela manutenção da decisão guerreada (fls. 166/168). Neste grau de jurisdição, instada a se pronunciar, a douta Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça, Dr. José Roseno Neto, opinou pelo desprovimento do apelo, fls.173/177. É o relatório. VOTO: Exmo. Sr. Des. ARNÓBIO ALVES TEODÓSIO (Relator) Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. Argumenta o réu/recorrente, por intermédio de sua insurreição, que não existem dados convincentes que deem sustentáculo à sua condenação. Razão não lhe assiste. Para tanto, deve ser mencionado o que diz o disposto no art. 217A, do Código Penal, verbis: "Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (...)." Joeirando os fólios, observa-se que a materialidade delitiva se encontra suficientemente consubstanciada através do Laudo Sexológico acostado à fl. 38, apontando que a vitima C. A. dos S. sofreu atos libidinosos apresentando, por meio de violência física, "fissura com secreção sero-hemática em região anal superior". Igualmente incontestável, a autoria restou evidenciada nos autos, sobretudo, pela palavra da vitima e depoimentos das testemunhas. Senão vejamos. Em suas declarações, perante a autoridade policial (fls. 13/13v), a ALVES TE08 SlArk4:,12 4 vitima C. A. dos S., com apenas nove anos de idade, demonstrou com riqueza de detalhes, todo o ocorrido sofrido por ela, senão vejamos: "... Que como de costume, à tarde foi para uma empresa de construção de casas que fica próximo a sua casa, pois lá no local tinha alguns amigos como RODRIGO, INÁCIO e 'BUGEGÉ'; QUE todas essas pessoas trabalham na empresa: QUE quando ia ao local brincava ele .futebol; (...) mas na terça-feira dia 24 do corrente mês, foi sozinho; QUE quando chegou na- terça-feira na fábrica estava apenas 'BUGEGE' dentro de uma sala que tem computador, geladeira, móveis de guardar tintas, mesa e cadeiras; QUE 'BUGEGÉ' chamou o declarante para brincar de bola e depois de algum tempo que jogaram bola, 'BUGEGÉ' pediu para que o declarante voltasse para a sala;QUE dentro da sala 'BUGEGÉ' pegou seu braço e deu-lhe um tapa também no braço, tirou sua camisa, seu short, sua cueca, deixando-o completamente nu; QUE 'BUGEGÉ' tirou a calça e a cueca, ficou nu QUE antes de fazer enxerimento 'BUGEGÉ' pegou suas mãos, amarrou-as por trás e o colocou de bruços em cima de uma mesa e tapou sua boca com a mão; QUE depois disso sentiu 'BUGEGÉ' encostar em seu bumbum, tendo em seguida dor no bumbum, não conseguindo gritar porque 'BUGEGÉ' ficou o tempo todo com a mão na sua boca; QUE em seguida 'BUGEGÉ' o soltou e mandou ir para casa e disse que não contasse nada a ninguém, tendo o declarante vestido as roupas e saído por uma janela de madeira da sala que dá para a firma; QUE quando saiu não encontrou ninguém na firma; QUE a primeira pessoa que encontrou depois que saiu da firma foi sua mãe - QUE só quando chegou em casa foi que sua mãe notou que o seu short estava sujo de sangue, tendo questionado o declarante o que tinha sido; Que inicialmente o declarante disse que tinha sido tinta, tendo contado a sua mãe o que tinha acontecido na firma, ou seja, que 'BUGEGÉ' tinha feito enxerimento com ele; QUE o bumbum do declarante ficou ardendo; (..)" Grifei Com o fito de corroborar a autoria criminosa do apelante, convém destacar o depoimento prestado pela testemunha Ana Lúcia Nunes afirmando ter sido a primeira pessoa que viu a vitima com o "short melado de sangue" e presenciado o momento em que o imolado narrou para a genitora (Maria Luzimar dos Santos) o acontecido, veja (fl. 119): "Que, foi a primeira depoente quem viu primeiro a vítima e esta estava com o short melado de sangue; tendo naquele instante a depoente perguntado ao menor o que era aquilo, tendo, inicialmente, a vítima dito que havia caído e a todo tempo negou à depoente o que tinha acontecido; Que, estava presente no momento em que o menor narrou para a genitora o que havia acontecido; Que, a depoente ouviu o menor dizer para a genitora que o réu vinha sempre insistindo para fazer sexo com a vítima, 5 mas, neste dia pegou à força a mesma; Que, a depoente ouviu o menor dizer que o réu colocou os braços do menor para trás e tampou a boca do mesmo; (...)." Por sua vez, a genitora Maria Luzimar dos Santos, em juízo, confirmou o que a vitima havia lhe relatado (fl. 117): "... Que, a vítima 11017011 para a declarante que o réu prendeu os braços da vítima e pediu para que a mesma não falasse;Que, a vítima disse à declarante que o réu havia penetrado o pênis no ânus dela, vítima, e que a médica que fez o exame no menor confirmou a alegação da vítima. (...) Que, assim que a vítima chegou em casa a declarante percebeu o short do menor sujo de sangue; (...)." Destaquei. Portanto, diante do cotejo dos depoimentos acima, resta facilmente evidenciada a autoria criminosa imputada ao da apelante. Ademais, muito embora não tenha havido qualquer testemunha ocular que tenha presenciado a prática delitiva, as manifestações da vítima, em crimes de natureza sexual, quase sempre realizados na clandestinidade, à vista unicamente de seu protagonista, assumem especial relevância, quando em consonância com os demais elementos do processo. Nesse sentido é o entendimento das jurisprudências pátrias vejamos: "Nos delitos de natureza sexual a palavra da ofendida, dada a clandestinidade da infração, assume preponderante importância, por ser a principal se não a única prova de que dispõe a acusação para demonstrar a responsabilidade do acusado. Assim, se o relato dos fatos por vítima menor é seguro, coerente e harmônico com o conjunto dos autos, deve, sem dúvida, prevalecer sobre a teimosa e isolada inadmissão de responsabilidade do réu" (TJSP — RT 6711305-6). "..: De outra parte, entende esta Corte Superior que, nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima é importante elemento de convicção, na medida em que esses crimes são cometidos, freqüentemente, em lugares ermos, sem testemunhas e, por muitas vezes, não deixando quaisquer vestígios...". (HC 87.819/SP, STJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5' Turma, DJ 30106/2008) "... A palavra da vítima, em sede de crime de estupro ou atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não há testemunhas 011 deixam vestígios. Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada". (HC 103.248/MG, STJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, 5 Turma, DJ 03/11/2008) Assinalei. , 4/101r ,rDesembargador 6 In casu, o que se percebe, após uma detida leitura dos autos, é que o ora apelante visava a prática de ato libidinoso, vez que o mesmo introduziu o pênis no ânus da vítima, fatos estes que já demonstram, a meu sentir, a lascívia necessária destinada a satisfazer à concupiscência sexual do réu. Nesse palmilhar, espreite-se o seguinte julgado: "APELAÇÃO CRIMINAL - CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL ABSOLVIÇÃO POR NEGATIVA DE AUTORIA E MATERIALIDADE - INADMISSIBILIDADE - PALAVRA DA VITIMA - EDIÇÃO DA LEI N.° 12.015/09. 1. Nos crimes contra a dignidade sexual, rotineiramente praticados às ocultas, a palavra da vítima tem relevância especial, pois além de apontar o autor dos delitos, é rica em detalhes, ainda nu, is quando se mostrajirme e coerente com a dinâmica dos fatos e com os demais elementos de prova. Tendo entrado em vigor a Lei n.° 12.015/2.009, revogando 2. expressamente os arts. 223 e 224 do Código Penal, e criando o tipo penal do art. 2I7-A, englobando, neste dispositivo, a conjunção carnal ou a realização de qualquer ato libidinoso diverso da conjunção carnal com vulnerável, afasta-se a aplicação da causa de aumento prevista no art. 9.° da Lei 8.072/90. 3. Recurso parcialmente provido.." (ApCrim 1.0034.09.054775-2/001, TJMG, Des. Relator Antônio 3a Câmara Criminal, DJ Armando dos Santos, 05/1112010) Grifei. Portanto, ao analisar todas as provas colhidas ao longo da instrução, concluo que não há qualquer dúvida de que o acusado participou do delito de estupro de vulnerável, apresentando-se a sua tese absolutória completamente isolada nos autos, em flagrante tentativa de se esquivar da imputação penal que pesa contra si. • E acrescento ainda que não há qualquer defeito na aplicação da reprimenda ao apelante, sendo certo que o Juiz singular obedeceu, criteriosamente, ao método trifásico de fixação das mesmas (art. 59 e 68 do CP), estabelecendo as sanções definitivas em patamares justos para reprovação da conduta narrada nos autos e prevenção quanto à prática de novos delitos. Por fim, também sem razão o recorrente quanto à asserção de que a não realização de DNA fragiliza a prova, haja vista o conjunto probatório ter consubstanciado cabalmente a materialidade delitiva, ressaltando sobretudo o Laudo Sexológico e a palavra da vítima. Isto posto, NEGO PROVIMENTO AO APELO, em harmonia com o parecer ministerial. u Desembargador É como voto. Presidiu o julgamento, com voto, o Excelentíssimo Desembargador Luiz Sílvio Ramalho Júnior, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Arnóbio Alves Teodásio, Relator, e João Benedito da Silva. Presente à sessão o Senhor Procurador de Justiça Álvaro Cristino Pinto Gadelha Campos. Sala das Sessões "Desembargador Manoel Taigy de Queiroz Mello Filho", em João Pessoa (PB), aos dezesseis dias do mês de fevereiro do ano de 2012. • • BIO ALVES TEODOSIO RELATOR