Universidade Federal do Rio de Janeiro Laboratório de Pesquisas e Estudos em Psicopatologia e Subjetividade Coordenador: Octavio Domont de Serpa Junior. Curso de Psicopatologia Especial TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE Iraneide C. Oliveira Questões preliminares: 1. O diagnóstico de Transtornos da Personalidade bem como os debates sobre este conceito está mais presente na literatura nos últimos 15-20 anos 2. A noção de “personalidade” em si, não gera tanto interesse 3. Atribui-se o interesse atual, em parte, a: - correspondência entre esse diagnóstico e a procura de conceitos biologizantes no campo da psiquiatria; - procura de territórios para pesquisa; - procura de um campo maior para intervenções medicamentosas e psicoterápicas. 4. O diagnóstico de Personalidades Patológicas pode ter como uma das justificativas o interesse psiquiátrico Forense O Conceito de Personalidade “conjunto integrado de traços psíquicos, consistindo no total das características individuais, em sua relação com o meio, incluindo todos os fatores físicos, biológicos, psíquicos e socioculturais de sua formação, conjugando tendências inatas e experiências adquiridas no curso de sua existência” (Bastos 1997) “Ao estudarmos a personalidade é importante estar atento à complexidade do tema, à sua dimensão multifacetada e à facilidade com que se cometem erros e simplificações ao se tentar desvendar os mistérios da personalidade humana”. Paulo Dalgalarrondo A personalidade e seu desenvolvimento: Para Freud, a constituição de personalidade passa pelas vicissitudes da libido (energia sexual), pelo seu desenvolvimento em diversas fases, pelo modo como se estrutura o desejo inconsciente e os modos como o eu lida com seus conflitos e frustrações libidinais. Na concepção freudiana a trama estrutural inconsciente de amor, ódio e temor de represália em relação aos pais, o O complexo de Édipo é de especial importância. A personalidade do adulto vai se formar pela introjeção (basicamente inconsciente) dos relacionamentos que se estabelecem no interior das relações familiares, em particular da criança pequena com os seus pais, e desses com ela. Transtornos da Personalidade Transtornos da Personalidade CONCEITO • Insanidade moral “moral insanity” de Prichard (1835) • Personalidades psicopáticas de Kurt Schneider (1923) “ ... Sofre e faz sofre a sociedade; ...não aprende com a experiência...” • Distúrbios da pessoa, do caráter, da personalidade, mania sem delírio, monomania instintiva de Morel, psicopatia perversa – H. Ey (1963) • Thorley (1986) “ ... as desordens de personalidade podem não merecer rigorosamente ser consideradas como doença” • O Tratado de Psiquiatria de Talbott e cols. (1992), o de Louzã Neto e cols.(1955) contém capítulos com a entidade nosológica “transtornos da personalidade” Kurt Schneider O conceito de personalidade anormal e psicopática – classificação “ das personalidades anormais distinguimos como personalidade psicopáticas aquelas que sofrem com sua anormalidade ou que fazem sofre a sociedade” “ são variações determinadas por disposições, mas amplamente sujeitas a manifestações provocadas pelo desenvolvimento e pelas oscilações de seu fundamento básico e pelas influências de condições, vivências em sentido lato” Personalidades psicopáticas: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Hipertímicos Depressivos Inseguros de si mesmos Fanáticos Carentes de afirmação Instáveis de ânimo Explosivos Insensíveis Abúlicos Astênicos “...em razão da multiplicidade das configurações e combinações individuais, é muito raro que uma qualidade só predomine tanto e caracterize uma pessoa a ponto de se poder designá-la corretamente por ela...” Etiologia: • Fatores genéticos Um estudo com 15000 pares de gêmeos realizado nos EEUU evidenciou que em gêmeos monozigóticos a concordância para transtornos de personalidade era várias vezes maior do que para gêmeos dizigóticos. • Fatores biológicos Hormonal – pessoas com traços impulsivos demonstram freqüentemente Altos níveis de testosterona, 17-estradiol e estrona. Plaquetas Monoamino Oxidase – Observou-se um nível baixo de MAO em pacientes com transtorno esquizotípico. Neurotransmissores – Observou-se níveis baixos de um metabólito da serotonina o acido 5-hidroxindolacético (5-HIAA) em pessoas impulsivas e agressivas como também em pessoas que tentaram suicídio. Eletrofisiologia – Foram observadas alterações na condutância elétrica no EEG. • Fatores Psicoanalíticos. Mecanismos de Defesa – Fantasias; dissociação; isolamento; projeção; agressão passiva; atuação. Com as classificações dos transtornos mentais iniciadas em 1980, por ocasião do surgimento do DSM-III, os transtornos de personalidade adquirem um novo status e novos caminhos. DSM – IV (1994) Os Transtornos de Personalidade são considerados como “padrões persistentes de experiência íntima e comportamento, que se desviam acentuadamente das expectativas do ambiente cultural do indivíduo, sendo permanentes e inflexíveis, iniciados na adolescência ou começo da vida adulta, estáveis no tempo e conduzindo a mal-estar ou alterações de conduta”. Para o diagnóstico de cada um dos tipos de TP são propostos critérios operacionais. São dez tipos de TP agrupados em três categorias: A. Paranóide, Esquizóide, Esquizotípica; B. Anti-social, Limítrofe (Borderline), Histriônica, Narcisista; C. Esquiva, Dependente, Obsessivo-Compulsiva. TP- DSM IV categoria A Paranóide Esquizóide Esquizotípica CID – 10 (1993) Transtornos de Personalidade – características: 1. Surgimento precoce e tendência a permanecer estáveis ao longo da vida 2. Manifestam comportamentos e reações afetivas desarmônicas, envolvendo vários aspectos da vida do indivíduo 3. Estabilidade e longa duração do padrão anormal de comportamento e de respostas afetivas e volitivas, não limitado ao episódio de uma doença mental 4. O padrão anormal inclui muitos aspectos do psiquismo e da vida social do indivíduo 5. Padrão comportamental mal-adaptativo 6. São condições não relacionadas diretamente à lesão cerebral evidente ou a outro transtorno psiquiátrico 7. Levam a algum grau de sofrimento (angustia, solidão, amargura, sensação de fracasso pessoal, dificuldades nos relacionamentos,etc.) 8. Geralmente contribuem para um mal desempenho ocupacional e social TP – CID 10 Capítulo F 60 – F 62: Transtornos específicos de personalidade, transtornos de personalidade, mistos e outros, e alterações permanentes de personalidade. F 60: os transtornos específicos de personalidade com 8 subtipos sendo que o subtipo 3 apresenta duas subdivisões (tipo impulsivo e tipo borderline). F61: classifica dois tipos de TP: mistos e alterações importantes. F62: Alterações permanentes de personalidade não atribuíveis a lesão ou doença cerebral. Este capítulo trata ainda dos transtornos de hábitos e impulsos, identidade sexual, preferência sexual, comportamentos associados ao desenvolvimento e orientações sexuais. F60.0 Transtorno de personalidade paranóide F60.1 Transtorno de personalidade esquizóide F60.2 Transtorno de personalidade anti-social F60.3 Transtorno de personalidade emocionalmente instável F60.30 Tipo impulsivo F60.31 Tipo borderline (limítrofe) F60.4 Transtorno de personalidade histriônica F60.5 Transtorno de personalidade anacástica F60.6 Transtorno de personalidade ansiosa (de evitação) F60.7 Transtorno de personalidade dependente F60.8 Outros transtornos de personalidade F60.9 Transtornos de personalidade, não especificado Transtorno de personalidade paranóide F60.0 Transtorno de personalidade paranóide • Sensibilidade excessiva a contratempos e rejeições; • tendência a guardar rancores; desconfiança e uma tendência invasiva a distorcer experiências por interpretar erroneamente as ações; • Obstinado senso de direitos pessoais em desacordo com a situação real; • Suspeitas recorrentes, injustificadas, com respeito à fidelidade sexual do parceiro; • Tendência a experimentar autovalorização excessiva, numa atitude persistente de auto-referência; • Preocupação com explicações “conspiratórias”, não substanciadas. A prevalência dos transtornos de personalidade paranóide é de 0.5 a 2.5% da população em geral. É mais comum em homens do que mulheres. F60.1 Transtorno de personalidade esquizóide • Poucas atividade produzem prazer; • Frieza emocional, embotamento afetivo; • Capacidade limitada para expressar sentimentos; • Indiferença aparente a elogios ou críticas; • Pouco interesse por experiências sexuais com outra pessoa; • Preferência por atividades solitárias; • Preocupação excessiva com fantasia e introspecção; • Falta de amigos íntimos ou confidentes; • Insensibilidade marcante para com normas e convenções sociais. A prevalência do transtorno de personalidade esquizóide não está bem estabelecida. Estima-se em 7.5% da população geral. Alguns estudos referem uma relação de 2:1 para os homens em relação as mulheres. Transtorno de personalidade anti-social (sociopatia) F60.2 Transtorno de personalidade anti-social (sociopatia) • Indiferença pelos sentimentos alheios; • Atitude persistente de irresponsabilidade e desrespeito por normas, regras e obrigações sociais • incapacidade para manter relacionamentos embora não haja dificuldades em estabelecê-los. • Baixa tolerância a frustração e baixo limiar para descarga de agressão, incluindo violência. • Incapacidade para experimentar culpa e de aprender com a experiência. • Propensão marcante para culpar o outro ou para oferecer racionalizações plausíveis para o comportamento que levou o paciente a conflito com a sociedade.. A prevalência do transtorno de personalidade anti-social é de 3% para o sexo masculino e de 1% para o feminino. Na população carcerária é maior do que 75%. Transtorno de personalidade emocionalmente instável F60.3 Transtorno de personalidade emocionalmente instável Tendência marcante a agir impulsivamente sem consideração das conseqüências, junto com instabilidade afetiva (impulsividade e falta de controle). Inclui dois subtipos: F60.30 Tipo impulsivo As características predominantes são instabilidade emocional e falta de controle de impulsos. F60.31 Tipo borderline (limítrofe) Instabilidade emocional intensa; sentimento crônico de vazio;instabilidade nos relacionamentos pessoais oscilando entre“paixão” ou “amizade” para “ódio” e “rancor” profundos; esforço para evitar abandono, dificuldades sérias em relação a auto-imagem, aos objetivos e preferências; atos repetitivos de autolesão, envolvendo-se em atuações perigosas; atos suicidas repetitivos. Estima-se em 1 a 2% da população, duas vezes mais comum em mulheres do que em homens. Transtorno de personalidade histriônica F60.4 Transtorno de personalidade histriônica • Dramatização, teatralidade, expressão exagerada das emoções; • Sugestionabilidade aumentada, facilmente influenciável; • Afetividade superficial, pueril e lábil; • Busca contínua de atenção e apreciação pelos outros, que ser o centro das atenções; • Sedução inapropriada em aparência e comportamento; • Erotização de situações a princípio “não eróticas”; • Infantibilidade, tendência a reações infantis. Prevalência na população em geral de 2 a 3%. É diagnosticado com mais freqüência em mulheres do que em homens. F60.5 Transtorno de personalidade anacástica ou obsessiva • Sentimentos de dúvida e de cautela excessivas; • Preocupação com detalhes, regras, listas, ordem, organização ou esquemas; • Perfeccionismo que interfere com conclusões de tarefas; • Consciencioso em excesso, escrupulosidade e preocupações indevidas com produtividade com exclusão do prazer e das relações pessoais; • Pedantismo e aderência excessivos às convensões sociais; • Rigidez e teimosia; • Insistência não razoável para que os outros se submetam à sua maneira de fazer as coisas; • Intrusão de pensamentos ou impulsos insistentes e inoportunos. A prevalência deste transtorno é desconhecida. É mais comum em homens do que em mulheres F60.6 Transtorno de personalidade ansiosa (de evitação) • Sentimentos persistentes e invasivos de tensão e apreensão; • Crença de ser socialmente inepto, desinteressante ou inferior; • Preocupação excessiva em ser criticado ou rejeitado; • Relutância em se envolver com pessoas; • Restrições no estilo de vida devido a necessidade de segurança física; • Evitação de atividades sociais e ocupacionais que envolvam contato interpessoal significativo com medo de desaprovação ou rejeição. F60.7 Transtorno de personalidade dependente • Encorajar ou permitir que outros tomem a maioria das decisões importantes da vida do indivíduo; • Subordinação de suas necessidades àquelas dos outros dos quais é dependente, aquiescência aos desejos desses. • Relutância em fazer exigências ainda que razoáveis às pessoas que depende; • Sentir-se desconfortável ou desamparado quando sozinho; • Preocupações com medo de ser abandonado e ter que cuidar de si; • Capacidade limitada para tomar decisões cotidianas. F60.8 Outros transtornos de personalidade Inclui: Transtorno de personalidade narcísico, excêntrica, imatura, passivo-agressiva e psiconeurótica Críticas às classificações adotadas pela OMS e APA: -Não existem dados empíricos, nem experiências clínicas de consenso. -Como são formulados, os TP aumentam a prevalência e a morbidade. -Os modelos seriam dimensionais e não categoriais. Limitações e objeções às definições de TP (Cloninger, 1987) 1. Cada indivíduo teria traços característicos para vários tipos de TP. 2. A separação entre traços de personalidade desajustada e TP seria arbitrária, por causa dos diferentes estilos cognitivos e sociais, que encaram diferentemente os graus, a natureza e a gravidade do desajustamento. 3. A adaptação depende de variáveis situacionais e temperamentais. O mesmo temperamento pode levar a um ajuste bom em certas situações, e desabilidade e mal-estar em outras. 4. Condutas tipicamente escolhidas como critério de adaptação em certas culturas, podem ser vistas como indesejáveis em outras. Comorbidades – relação com outros transtornos • O Tipo Borderline está associado em mais de 90% com outros transtornos • O Tipo Borderline é encontrado em até 50% associado ao Tipo histriônico • O temperamento melancólico sugere vulnerabilidade para depressão, a doença seria expressão de uma descompensação (Tellenbach, 1961) • Traços de personalidade pré-mórbida e intermorbidade, como o tipo melancólico, poderiam ser associados com a depressão endógena (Stanghellini, Mundi, 1997) Para a DSM haveria dificuldades de diagnosticar os limites entre personalidade depressiva e distimia. • Os TP constituem risco maior de suicídio, porém a comorbidade usual impede identificar realmente a dimensão do fator de risco. Nos termos atuais, as alterações de personalidade não despertam mais interesse, como acontecia antes, quando, como dado semiológico, poderia nos ajudar a entender melhor o diagnóstico do transtorno, psicótico ou neurótico.O diagnóstico de TP é valorizado em si, não em função de outras alterações, em relação às quais è encarado como comorbidade. Os Transtornos de Personalidade para a Psiquiatria Forense • Os TP são considerados em psiquiatria forense como uma perturbação da saúde mental • Examina-se a capacidade de entendimento e determinação de um indivíduo com TP, em relação a um ato criminoso específico praticado por ele. • Em termos jurídicos, os indivíduos com TP podem ser enquadrados na imputabilidade ou semi-imputabilidade, na dependência de terem ou não comprometida a capacidade de determinação para o delito analisado. • A inimputabilidade não se aplica a portadores de tais transtornos. A categoria Transtornos de Personalidade não permite eliminar as dúvidas numa avaliação jurídica Tratamento A farmacoterapia é um auxiliar do tratamento psicoterápico que na maioria dos casos é o tratamento principal. • Difícil adesão aos tratamentos • Importância do relacionamento médico-paciente • A psicoterapia de base dinâmica tem sido estudada em pacientes borderlines. • As psicoterapias de base comportamentais parecem dar os melhores resultados. • Preconiza-se para os pacientes borderlines o uso de IRS • Os TP evitadores de ansiedade respondem bem aos ansiolíticos • Os TP esquizóides respondem bem a neurolépticos. • Abordagem dimensional para utilização de psicofármacos Controvérsias e debates atuais sobre o conceito de TP Estudos recentes de caráter longitudinal com pacientes diagnosticados com TP sugerem que o critério básico para de diagnóstico para TP – o modo de atuar, pensar e sentir enquanto um padrão permanente e estável não é tão estável, que este seria mais uma suposição do que uma evidência empírica. Diversos autores propõem que os TP, sejam incluídos no eixo I da DSM e que o eixo II se destine a uma avaliação global da personalidade tanto nos seus aspectos saudáveis quanto disfuncionais. Conceituar TP é extremamente complexo pois envolve o EU do sujeito e sua evolução ao longo da vida, a sociedade e suas mudanças e a Interação entre ambos. Bibliografia • Átopos – saúde mental, comunidade e cultura – Condutas Psicopáticas - num. 5 Madri, Exlibres Ediciones, S.L., 2006 • Bueno, J.R., Nardi, A.E. (org.) Diagnóstico e Tratamento em Psiquiatria – Rio de Janeiro: MEDSI Editora Médica e Científica Ltda., 2000 • Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas – Coord. Organiz. Mund. da Saúde; tradução Dorgival Caetano – Porto Alegre:– Artes Médicas,1993 • Dalgalarrondo, P. – Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais / Paulo Dalgalarrondo. – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000 • Sadock, Benjamin J. – Kaplan & Sadock´s synopsis of psychiatry: behavioral sciences, clinical psychiatry 9th ed. Philadelphia, USA: Lippincott Williams & Wilkins, 2003 Schneider, K. Psicopatologia Clínica. 2ª ed. Ed. Mestre Jou S.P., 1976 • Sonenreich, C., Estevão, GG., Silva Filho, L.M.A. Psiquiatria: propostas, notas, comentários – São Paulo: Lemos-Editorial, 1999 • Taborda,J.G.V.; Chalub, M.; Abdala-Filho,E. (org.) Psiquiatria Forense – Porto Alegre: Artmed, 2004.