O papel mediador de analogias sobre a zona de desenvolvimento proximal no ensino de estequiometria química Alexandre da Silva Ferry AMTEC/CNPq – Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais RESUMO: A experiência docente revela que praticamente durante todo o desenvolvimento da Química no ensino médio, há uma série de expectativas de aprendizagem envolvendo cálculos estequiométricos, isto é, procedimentos que se espera que os alunos aprendam, o que se encontraria além da mera definição de conceitos. No entanto, o processo de ensino e de aprendizagem em estequiometria tem-se revelado como uma tarefa árdua. Em contrapartida, no contexto do ensino de Química, o uso de analogias constitui uma atividade bastante comum. Como reitera Carvalho e Justi (2005), o ensino de ciências e, particularmente o da Química, envolve, muitas vezes, conceitos abstratos e de difícil compreensão. Por causa disso, na tentativa de facilitar o aprendizado, professores e autores de materiais instrucionais desenvolvem modelos de ensino, isto é, representações produzidas com o objetivo específico de ajudar os estudantes a entenderem algum aspecto do conteúdo que se deseja ensinar. Dessa forma, os professores de Química, quando procuram explicar algum conceito ou modelo cientifico relativamente difícil, frequentemente recorrem ao uso de analogias. Este trabalho trata do provável papel das analogias sobre a zona de desenvolvimento proximal de estudantes durante processos de ensino e aprendizagem de procedimentos comuns da estequiometria química, envolvendo conversões simples entre diferentes grandezas, relações quantitativas em reações químicas e ainda o trabalho com valores que expressam concentração de soluções. O propósito deste artigo é contribuir para a compreensão da utilização de analogias propondo aplicações em processos específicos de ensino e aprendizagem em Química, tendo como referência a teoria histórico-cultural de Vigotsky, uma vez que esta aponta para a importância das relações sociais e, sobretudo, para as possibilidades de aprendizagem do sujeito através do processo de mediação simbólica. Especificamente, pretende-se discutir a possibilidade da mediação pedagógica realizada por meio de um conjunto de analogias construídas para a aprendizagem de conteúdos estratégicos em estequiometria química, tendo em vista as considerações teóricas decorrentes da concepção de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) de Lev Vigotsky (1987). Na primeira parte deste trabalho foram apresentadas algumas ideias decorrentes da teoria histórico-cultural de Vigotsky relacionados a 2 aprendizagem, destacando-se as concepções de mediação e zona de desenvolvimento proximal. Na segunda parte, foram discutidas algumas questões centrais relacionadas ao uso de analogias no ensino de ciências. A terceira parte trata do ensino de estequiometria química, das expectativas de aprendizagem e dificuldades típicas, bem como das analogias comuns sobre este assunto, para enfim, propor situações análogas que possam contribuir na aprendizagem das operações estequiométricas, tendo em vista as ideias de ZDP. Considerando as orientações da Metodologia de Ensino com Analogias (MECA), proposta por Nagem et al (2001), o conjunto de analogias foi analisado a fim de se mapear, na relação entre o alvo e o veículo da comparação, tanto as diferenças quanto as semelhanças a serem exploradas. O mapeamento de semelhanças e diferenças entre o domínio familiar e o domínio alvo a ser aprendido permitiu tecer algumas considerações a respeito da ação mediadora do professor, permeada por analogias. Conclui-se que cada analogia proposta possivelmente é capaz de contribuir para que um estudante consiga avançar em sua zona de desenvolvimento iminente, sendo capaz de realizar novas atividades que dificilmente realizaria sozinho, ou seja, sem auxílio de outro sujeito mais experiente. PALAVRAS-CHAVE: Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), Analogias, Estequiometria 1. Introdução Este trabalho trata do provável papel das analogias sobre a zona de desenvolvimento proximal de estudantes durante os processos de ensino e aprendizagem dos procedimentos comuns da estequiometria química, envolvendo conversões simples entre diferentes grandezas, relações quantitativas das reações químicas e ainda concentração de soluções. O propósito deste artigo é contribuir para a compreensão da utilização de analogias propondo aplicações em processos específicos de ensino e aprendizagem em Química, tendo como referência a teoria histórico-cultural de Vigotsky, uma vez que esta aponta para a importância das relações sociais e, sobretudo, para as possibilidades de aprendizagem do sujeito através do processo de mediação simbólica. Especificamente, pretende-se discutir a possibilidade da mediação feita por meio de analogias para a aprendizagem de conteúdos estratégicos em Química, tendo em vista as considerações teóricas decorrentes da concepção de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) de Lev Vigotsky (1987). Na primeira parte deste trabalho foram apresentadas algumas ideias decorrentes da teoria histórico-cultural de Vigotsky relacionados a aprendizagem, destacando-se as concepções de mediação e zona de desenvolvimento proximal. Na segunda parte, foram 3 discutidas algumas questões centrais relacionadas ao uso de analogias no ensino de ciências. A terceira e última parte trata do ensino de estequiometria química, as expectativas de aprendizagem e dificuldades típicas, bem como das analogias comuns sobre este assunto, para enfim, propor situações análogas que possam contribuir na aprendizagem das operações estequiométricas, tendo em vista as ideias de ZDP. 2. Fundamentação teórica A teoria histórico-cultural de Vigotsky A teoria iniciada por Vigotsky, difundida em diferentes países e áreas de conhecimento é conhecida como abordagem histórico-cultural, sociocultural, sócio-histórica ou ainda como sociointeracionista. Para Vigotsky, o funcionamento psicológico fundamenta-se na relações sociais, as quais se desenvolvem no contexto da cultura de uma sociedade e num processo histórico. A abordagem da psicologia, desenvolvida por Vigotsky, revela-se em três ideias centrais, as quais podem ser consideradas como “pilares” do pensamento vigotskyano: 1) As funções psicológicas possuem uma base biológica, pois são produtos da atividade cerebral; 2) O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior e se desenvolve em um processo histórico; 3) Os sistemas simbólicos são os mediadores da relação homem-mundo. Assim, ao formular a sua teoria, Vigotsky abordou conceitos que são essencialmente importantes por serem necessários à compreensão do processo de construção e ressignificação de conhecimento. Alguns conceitos abordados em sua teoria são: mediação simbólica, signos, sistemas de símbolos, zona de desenvolvimento proximal, desenvolvimento e aprendizado. Sua teoria aponta para a importância das relações humanas e sobretudo, para as possibilidades de aprendizagem do sujeito através do processo de mediação simbólica. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Desenvolvimento de conceitos científicos na infância Ao abordar a mútua e relevante influência dos processos de desenvolvimento de conceitos científicos e de conceitos espontâneos na infância, Vigotsky (1987) explora questões essenciais para compreensão da intrigante relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Conceito, no contexto das investigações de Vigotsky, consiste no significado das palavras. Em seu trabalho, Vigotsky discorre sobre o caminho trilhado pelo 4 desenvolvimento de conceitos aprendidos no contexto escolar – os científicos – para o desenvolvimento de conceitos espontâneos, isto é, daqueles apropriados no contexto cotidiano, fora do ambiente formal escolar. Ele percebe que, no campo dos conceitos científicos, ocorrem níveis mais elevados de tomada de consciência do que no campo dos conceitos espontâneos. A preocupação de Vigotsky (1987), ao tratar da construção do pensamento e da linguagem, consistiu em responder a seguinte questão: “Como se desenvolvem os conceitos científicos na mente de uma criança em processo de aprendizagem escolar?”. E ainda: “Em que relação propriamente dita se encontram os processos de ensino e aprendizagem de conhecimentos e os processos de desenvolvimento interior do conceito científico na consciência da criança?”. Segundo Vigotsky, uma das respostas que a psicologia infantil de sua época tinha para essas perguntas decorria de uma escola de pensamento que acreditava que os conhecimentos científicos não teriam nenhuma história interna, ou seja, não passariam por nenhum processo de desenvolvimento, sendo “absorvidos” prontos, mediante um processo de compreensão e assimilação. Vigotsky aponta a inconsistência dessa concepção frente a um exame teórico mais profundo e frente às suas aplicações práticas. Ele afirma que, a partir das investigações sobre o processo de formação dos conceitos, é possível concluir que “um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos formados pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de simples memorização”. Tal proposição se constitui como fundamento da presente discussão sobre o papel de analogias na aprendizagem de determinados conteúdos conceituais e procedimentais em Química, uma vez que estes conteúdos são considerados essencialmente abstratos e complexos, cujo significado se constitui em seus devidos contextos de aplicação, nem sempre de caráter comum e cotidiano. Vigotsky afirma ainda que “em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representa uma generalização”, e que os significados das palavras – os conceitos – evoluem. Isto significa que, quando uma palavra nova (por exemplo, o “mol”), ligada a um determinado significado (neste caso, a uma quantidade de matéria), é apreendida pela criança, o seu desenvolvimento está apenas começando, partindo de uma generalização mais elementar para generalizações mais elevadas, até à formação de conceitos verdadeiros. Vigotsky ainda diz que, nesse processo de desenvolvimento de conceitos, é necessário que se desenvolva uma série de funções, como a atenção voluntária, a memória lógica, a abstração, a discriminação e 5 ainda a comparação, sendo estes processos psicológicos complexos, impossíveis de serem simplesmente memorizados ou assimilados, o que torna inconsistente aquela concepção segundo a qual os conceitos científicos seriam aprendidos em forma pronta, assimilados da mesma maneira como se assimilaria uma habilidade intelectual qualquer. Ele reitera tais proposições dizendo que a prática também mostra o equívoco dessa concepção: “O professor que envereda por esse caminho costuma não conseguir senão uma assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro e simples que estimula e imita a existência dos respectivos conceitos na criança mas, na prática, esconde o vazio. Em tais casos, a criança não assimila o conceito mas a palavra, capta mais de memória que de pensamento e sente-se impotente diante de qualquer tentativa de emprego consciente do conhecimento assimilado. No fundo, esse método de ensino de conceitos é a falha principal do rejeitado método puramente escolástico de ensino, que substitui a apreensão do conhecimento vivo pela apreensão de esquemas verbais mortos e vazios” (Vigotsky, 1987, p. 247). Tais considerações permitem afirmar que uma prática pedagógica constituída a partir da teoria de Vigotsky, resulta em um compromisso com a educação como instrumento mediador do acesso democrático ao conhecimento e consequentemente, como processo capaz de contribuir para o desenvolvimento humano. Retomando as ideias sobre o desenvolvimento de conceitos científicos e o de conceitos espontâneos, torna-se pertinente destacar as considerações de Vigotsky sobre cada processo. O desenvolvimento dos conceitos científicos transcorre sob as condições do processo educacional, ou seja, por meio de uma colaboração sistemática entre o professor e o estudante (a criança). Nessa colaboração ocorre o amadurecimento das funções psicológicas superiores do aprendiz com o auxílio e a participação do adulto, isto é, alguém mais experiente, que tem seu comportamento mais mediado pelo conjunto de signos presentes em uma cultura. Essa colaboração se constitui em uma “zona de desenvolvimento proximal”, o que, a princípio, pode ser compreendida como um espaço de relações interpessoais capazes de promover a aprendizagem. Por meio dessas relações interpessoais, o conceito científico, desenvolve-se nas condições de um sistema organizado, em um caminho descendente, do campo da tomada de consciência e da atenção voluntária para o campo da experiência, da percepção do objeto. O conceito espontâneo, por sua vez, se desenvolve fora desse sistema, ascendendo da experiência para a generalização. Há que se considerar que os conceitos científicos têm origem nas situações mediadas com os objetos, são esquemáticos, são aplicados em diferentes operações lógicas e abstratas, apresentando relações assimiláveis com outros conceitos; aos conceitos científicos atribui-se propriedades mais complexas e superiores, fazendo parte de um campo inteiramente 6 determinado pela tomada de consciência e voluntariedade. Já os conceitos espontâneos fazem parte do campo da aplicação circunstancialmente conscientizada e concreta, ou seja, do campo da experiência e do empirismo. Tais conceitos, embora tenham origem em situações de confronto com os objetos, podendo ser aplicados em diversas operações concretas, são carentes de abstração, de forma que a criança não tem consciência dos mesmos. No caso dos conceitos científicos, embora a criança os tenha conscientemente, desde o início, possui dificuldade de empregá-los espontaneamente, tendo pouca consciência dos objetos representados. Assim, na perspectiva de Vigotsky, cada conceito, ao percorrer seu “caminho”, abre caminho para que o outro continue a se desenvolver – o científico da abstração para o emprego espontâneo próximo da experiência cotidiana, e o espontâneo da experiência para a tomada de consciência e voluntariedade. Essa tomada de consciência e uso voluntário dos conceitos ocorrem no vínculo estabelecido entre o desenvolvimento dos conceitos espontâneos favorecido mutuamente pelo desenvolvimento dos conceitos científicos, ou seja, na zona de desenvolvimento proximal, com a colaboração de um adulto. Zona de Desenvolvimento Proximal Conforme a tradutora Pasqualini em Chaiklin (2011), o conceito zona blijaichego razvitia tem sido traduzido para o português de maneiras diversas: zona de desenvolvimento próximo, proximal, potencial, imediato. Ela afirma que Zoia Prestes, em sua tese de doutoramento defendida em 2010 na Universidade de Brasília e intitulada “Quando não é quase a mesma coisa: Análise de traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil: Repercussões no campo educacional”, esclarece os equívocos contidos na escolha dos termos proximal, potencial e imediato para tradução do conceito. O termo blijaichego significa, em russo, o adjetivo próximo no grau superlativo sintético absoluto, portanto: o mais próximo, proximíssimo. Zoia Prestes defende que a tradução que mais se aproxima do termo russo é zona de desenvolvimento iminente, cuja característica essencial, em suas palavras, é a das “possibilidades de desenvolvimento”. Mas assim como escolheu a tradutora Pasqualini em Chaiklin, neste trabalho optou-se pela adoção do termo zona de desenvolvimento próximo ou proximal, por tratar-se de expressão de maior familiaridade para o público de pesquisadores, estudantes e professores brasileiros, que, ao mesmo tempo, não conduz necessariamente a compreensões equivocadas do conceito vinculadas a um suposto imediatismo/obrigatoriedade ou nível potencial de desenvolvimento. 7 Este termo – zona de desenvolvimento proximal – é, provavelmente, uma das ideias associadas à produção científica de Vigotsky mais amplamente conhecidas e difundidas, aparecendo na maioria dos manuais de psicologia do desenvolvimento e da educação, bem como em muitos livros de psicologia geral (Alves, 2005; Chaiklin, 2011). De acordo com Chaiklin (2011) embora o termo já tivesse aparecido na tradução de 1962 de Pensamento e Linguagem, foi primordialmente a aparição do capítulo VI de Formação social da mente (1978) que marcou a transição para uma atenção sustentada ao conceito por parte do público leitor de língua inglesa. No capítulo citado, o conceito é definido como “a distância entre o nível de desenvolvimento atual determinado pela resolução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial determinado pela resolução de problemas sob orientação ou em colaboração com parceiros mais capazes” (Vigotsky, 1987, p. 211). Antes de se explorar esse conceito em articulação com o uso de analogias no ensino de Química, é importante considerar que o conceito de ZDP foi introduzido como parte de uma análise geral do desenvolvimento infantil. Embora, como já foi dito, este conceito seja uma das ideias mais amplamente conhecidas e difundidas, não se trata de um conceito principal ou central na teoria de Vigotsky sobre o desenvolvimento infantil. O seu papel é evidenciar a importância de um lugar e momento no processo de desenvolvimento da criança (Chaiklin, 2011). Isso também significa que este conceito não é uma ideia elaborada para “a sala de aula”. Chaiklin esclarece que a ZDP é utilizada para dois diferentes propósitos na análise do desenvolvimento psicológico (transição de um período do desenvolvimento a outro). Um deles seria a identificação dos tipos de funções psicológicas em maturação (e as interações sociais a elas associadas) que são necessários para a transição de um período do desenvolvimento para o seguinte; e o outro é a identificação do estado atual da criança em relação ao desenvolvimento dessas funções necessárias para essa transição. No entanto, neste trabalho, o conceito de ZDP está sendo tomado como uma base teórica para intervenções pedagógicas apropriadas, no que diz respeito ao uso de analogias de forma mais produtiva no ensino e aprendizagem de conteúdos conceituais e procedimentais em estequiometria Química, isto é, em uma situação típica de sala de aula. A percepção da ZDP numa situação de ensino e aprendizagem e a mediação na perspectiva de Vigotsky 8 Um dos princípios básicos da teoria histórico-cultural que permeia o trabalho de Vigotsky, e que está diretamente relacionado ao conceito de ZDP, é a mediação. Na sua concepção, no lugar de agir de forma direta, imediata no mundo físico e social, o contato é indireto ou mediado por signos e instrumentos (Vigotsky, 1989). A mediação, para Vigotsky, é a marca da consciência humana. A compreensão das funções mentais superiores e da relação entre os processos sociais e históricos, e os processos individuais, é alicerçada nessa concepção. Vigotsky utiliza com frequência o termo colaboração em sua discussão sobre a avaliação da zona de desenvolvimento próximo. Para avaliar a zona de desenvolvimento proximal de uma criança, normalmente utiliza-se a interação ou colaboração, pois de acordo com Vigotsky, tal estratégia proporciona uma oportunidade para a imitação, que é a forma de identificar funções psicológicas em maturação que são ainda inadequadas para o desempenho independente (Chaiklin, 2011). Ao aplicarmos o princípio da cooperação para estabelecer a zona de desenvolvimento próximo, obtemos a possibilidade de investigar diretamente o fator mais determinante da maturação mental que deve ser realizada no próximo e subsequentes períodos de seu estágio de desenvolvimento (Vigotsky, 1998, p. 203, apud Chaiklin, 2011). Chaiklin (2011) apresenta uma lista de intervenções para avaliar a zona de desenvolvimento proximal de uma criança. Segundo esse autor, Vigotsky (1998) propõe que, após apresentar um problema a uma criança, é necessário mostrá-la como o mesmo deve ser resolvido e esperar para ver se ela consegue resolver o problema por imitação da demonstração, ou então deve-se começar a resolver o problema para, logo em seguida, pedir que a criança termine. Ou, ainda, propor que a criança resolva o problema que está além de sua idade mental em cooperação com outra criança mais desenvolvida; ou, finalmente, explicar à criança o princípio para a solução do problema, fazendo perguntas-guia, analisando o problema para a criança. Neste trabalho, a proposta consiste em apresentar o problema estequiométrico para o estudante, explicar o princípio para a solução do problema e aguardar para ver se ele é capaz de resolvê-lo, ou ver quais são os passos que o estudante consegue dar para a sua resolução, a fim de identificar as operações que ele consegue realizar sozinho e quais operações ele necessita de auxílio. Sobre as operações que o estudante necessita de auxílio, o professor/investigador deverá intervir colaborativamente introduzindo analogias criadas especificamente relacionadas com a situação percebida. O propósito deste trabalho consiste na elaboração de situações-problemas análogas às situações típicas em Química que envolvem 9 sequências de cálculos estequiométricos, a fim de contribuir para os processos de ensino e aprendizagem das operações estequiométricas. Analogias no ensino de Química Ao se falar em analogias no ensino de Química, é inevitável ter que lidar com os seguintes aspectos: a complexidade dos conceitos em estudo e a recorrência normalmente indiscriminada do seu uso, bem como seu caráter espontaneísta. Muitos autores (por exemplo, Monteiro e Justi, 2000, e Cachapuz, 1989), destacam que a natureza essencialmente abstrata da Química a torna uma área potencial para o uso de analogias como modelos de ensino. Além disso, outro importante aspecto relaciona-se ao contexto histórico da concepção de determinadas analogias ou metáforas no desenvolvimento da Química. Ornelas (2011) observa que a história da Ciência está repleta de situações nas quais as analogias desempenham função heurística. Menciona que Knight (1992), discorrendo sobre o papel da linguagem na construção da Química moderna, considera que "we may suspect that words are given us to play with and that metaphor and analogy are at the root of scientific thinking". Francisco Junior (2009), ao proceder uma leitura integral de seis obras de Química aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), implantado em 2004, pela Resolução nº 38 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - autarquia vinculada ao Ministério da Educação do Brasil, que prevê a universalização de livros didáticos para os alunos deste segmento de ensino público de todo o país, apresenta uma discussão sobre as analogias presentes nas mesmas. Vale destacar que em sua análise, as analogias foram distribuídas de acordo com os conceitos químicos para os quais foram empregadas. Segundo o autor, a maior parte se referia a aspectos relacionados à estrutura atômica, seguida pela cinética química e pela estequiometria. Francisco Junior (2009), afirma que provavelmente esse uso frequente de analogias relacionados a tais tópicos de conteúdos, não somente se relaciona ao caráter abstrato dos conceitos tratados e consequentemente à maior dificuldade de compreensão dos mesmos pelos estudantes, ou não só ao estilo dos autores, mas também ao "hábito" ou tradição por parte dos mesmos em empregar analogias clássicas para determinados conteúdos. O autor afirma ainda que o uso de analogias clássicas parece estar a tal ponto disseminado que os autores de livros-texto e, muitas vezes os professores, não prescindem de seu uso. Em suas considerações finais, o autor aponta para a necessidade dos professores reconhecerem a importância das analogias tanto 10 como promotoras quanto como "obstáculos" da aprendizagem, dependendo, segundo o autor, de quais são utilizadas e da forma como são empregadas. Afirma que "o uso desse recurso, assim como de outros, exige o planejamento e o reconhecimento das vantagens e desvantagens no tocante à aprendizagem", sendo o professor, nesse sentido, um "ator" essencial, que tem sua responsabilidade aumentada, pois na maior parte das analogias apresentadas nos livros analisados, fica a cargo do professor a incumbência de discutir os atributos correspondentes e os não correspondentes, bem como as limitações das analogias. De modo semelhante, Monteiro e Justi (2000) finalizam dizendo que é essencial que o professor discuta com seus alunos a existência de limitações em todas as analogias, a fim de evitar uma compreensão errônea dos conceitos químicos. Segundo as autoras, será a partir da interação constante com os alunos, e conhecendo as dificuldades que eles apresentam na aprendizagem de conceitos químicos, que o professor, "principal agente na construção de modelos de ensino", pode usar as analogias de forma mais criativa e crítica, construindo comparações capazes de oferecer suporte a situações em que os alunos resolvem ou elaboram problemas, e constroem hipóteses. Sugerem que dessa forma as analogias poderão contribuir mais significativamente para a compreensão dos conceitos químicos pelos estudantes. Conceitos de analogia Percorrendo a literatura relativa ao uso de analogias no processo de ensino e aprendizagem de ciências, é possível encontrar diversas definições para o termo. Segundo Mól (1999), o conceito de analogia é amplo e utilizado por diferentes autores com significado distinto. Para alguns a analogia é o resultado da comparação de termos novos com outros já conhecidos; para outros, pode ser entendida como uma relação de semelhança ou dependência entre diferentes objetos; para outros, ainda, ela é um prolongamento de uma mera comparação, a partir da qual se tenta estabelecer múltiplas relações (Oliveira, 1996). Segundo Abbagnano (1999) o termo analogia tem dois significados fundamentais: primeiro é o sentido próprio e restrito, extraído do uso matemático (equivalente à proporção) de igualdade de relações. Esta origem matemática do conceito também é citada por Haarapanta (1992) in Duarte (2005). O segundo é o sentido de extensão provável do conhecimento mediante o uso de semelhanças genéricas que se podem aduzir entre situações diversas. Verifica-se inclusive que, de fato, o conceito de analogia não mais se aproxima deste primeiro sentido. A analogia não pressupõe a existência de uma igualdade simétrica, mas 11 antes uma relação que é assimilada a outra relação, com a finalidade de esclarecer, estruturar e avaliar o desconhecido a partir do que se conhece (Duarte, 2005). Entre outros autores, destaca-se as definições de Duit (1991) e de Treagust et al (1992), que consideram a analogia como uma comparação baseada em similaridades entre estruturas de dois domínios diferentes, um conhecido e outro desconhecido. Ainda segundo Duit, uma analogia indica a relação entre partes comuns das estruturas de dois domínios. De acordo com Mól (1999), considerando esta concepção, dois conceitos serão análogos se possuírem certas identidades em suas estruturas, e que esta parte da estrutura, comum aos dois conceitos, segundo Duit, seria denominada por modelo. Concordando com Duarte (2005), apesar das diferenças, em todas as definições se reconhece que a analogia envolve o estabelecimento de comparações ou relações, entre o conhecido e o pouco conhecido (ou desconhecido). Em seu trabalho sobre os contributos e desafios no estudo das analogias na educação em Ciências, Duarte também sinaliza que há alguma falta de acordo entre os diferentes investigadores em função da variabilidade terminológica associada às analogias, especialmente no que diz respeito ao termo utilizado para designar o conceito/fenômeno do domínio conhecido. Segundo a autora, enquanto o termo “alvo” (target) para o domínio desconhecido parece obter um elevado consenso, termos como objecto, problema, branco, meta, tópico, tema, também são referidos com o mesmo significado. Para o domínio conhecido, o termo parece ser menos consensual, aparecendo sob a denominação de foro, base, fonte, veículo, âncora e análogo. Contudo – completa a autora – esta variedade não pressupõe divergência entre os autores sobre o significado atribuído aos termos. 3. Desenvolvimento Expectativas de aprendizagem e dificuldades típicas no ensino de estequiometria O trabalho desenvolvido por Tristão et al (2008) fornece algumas relevantes contribuições sobre aspectos relacionados ao processo de ensino e aprendizagem de estequiometria em Química, embora o foco desses autores sejam as concepções alternativas de estudantes a respeito de alguns conceitos relacionados ao tema. Segundo os autores, apesar de ser normalmente abordada como um tópico de ensino isolado, a estequiometria está presente em diferentes contextos do ensino de Química, o que justifica a especial atenção que deve ser dada na abordagem deste assunto, bem como dos conceitos relacionados, como o mol. Afirmam ainda que, em geral, este assunto é apontado como difícil de ser ensinado e 12 aprendido, sendo que o aprendizado satisfatório de estequiometria envolve uma série de habilidades aritméticas, de raciocínio proporcional, da conceituação de reação química, da interpretação da equação química, da conceituação de mol, massas molares, etc. Tristão et al (2008) agruparam algumas concepções alternativas relacionadas à estequiometria química, especificamente à constituição da matéria, às transformações químicas e às equações químicas e balanceamento. Entre as concepções relacionadas destacam-se a ideia na qual mol corresponderia a uma certa massa; a ideia de que numa reação química a quantidade de matéria dos reagentes é igual à quantidade de matéria dos produtos; e ainda a ideia de que os coeficientes de uma equação são meros números usados para balancear matematicamente as equações, não representando, necessariamente, números relativos das espécies que reagem ou são produzidas nas reações químicas. Embora o foco do presente trabalho não consista na identificação de concepções alternativas relacionadas à estequiometria química, considera-se que as mesmas não podem ser negligenciadas, uma vez que esse tipo de concepção provavelmente resulta em consideráveis dificuldades dos estudantes que se manifestam durante a tentativa de resolução de problemas estequiométricos em Química. A matriz de referência do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), divulgada pelo Ministério da Educação em 2009, prevê, como uma das 30 habilidades a serem avaliadas na área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, a capacidade de “relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica” (BRASIL, 2009). Destaca-se nessa habilidade o domínio das relações matemáticas e da linguagem simbólica, especialmente no contexto da estequiometria química – algo extremamente comum e necessário para a resolução de qualquer problema que envolva cálculos químicos. A experiência docente revela que durante praticamente todo o desenvolvimento da Química no ensino médio, há uma série de expectativas de aprendizagem envolvendo cálculos estequiométricos, isto é, procedimentos que se espera que os alunos aprendam, o que se encontraria além da mera definição de conceitos. Pode-se destacar as seguintes expectativas: A) distinguir a ideia de massa e a de quantidade de matéria; B) converter uma determinada massa de substância em quantidade de substância, e vice-versa; 13 C) calcular a quantidade de entidades químicas (átomos, moléculas ou íons) envolvida em alguma situação estequiométrica; D) calcular a quantidade de substância consumida ou produzida numa reação química; E) operar adequadamente os valores de massa molar de qualquer substância em diversas situações práticas; F) calcular a concentração de uma solução, expressando-a de diversas formas, como mol/l, g/l, %(m/v), entre outras; G) operar adequadamente com os valores de concentração de soluções; H) trabalhar com informações relacionadas ao volume de uma solução, bem como à quantidade de matéria ou à de massa contida nesse volume; I) operar com informações sobre reagentes concentrados, como a densidade de líquidos e ainda o grau de pureza; J) e estimar a quantidade ou a massa de algum reagente em excesso tendo em vista a relação estequiométrica determinada pelos coeficientes da equação química balanceada, entre outras expectativas. Embora cada uma destas expectativas se refira a uma operação específica, sendo algumas mais complexas enquanto outras menos, a resolução de um problema químico estequiométrico normalmente não se reduz ou se limita em apenas uma delas. Além de ser capaz de realizar cada operação citada, um estudante competente deverá ser capaz de reconhecer a solicitação implícita ou explicitamente enunciada, além de interpretar as informações fornecidas articulando adequadamente os dados quantitativos, estabelecendo alguma sequência metodológica coerente a fim de obter a resposta correta e esperada. A fim de exemplificar algumas relações estequiométricas relativamente simples, a figura 1 apresenta uma situação-problema que envolvem conversões entre diferentes grandezas para responder as três primeiras perguntas, e outros cálculos estequiométricos para responder as duas últimas. 14 Cinco caminhões transportam diferentes cargas perigosas: Caminhão I: 40.000 mol de nitrato de amônio – NH4NO3 Caminhão II: 60.000 mol de ácido clorídrico – HCl Caminhão III: 50.000 mol de ácido fosfórico – H3PO4 Caminhão IV: 3.780 kg de ácido nítrico – HNO3 Caminhão V: 3.780 kg de hidróxido de potássio – KOH Sobre as cargas transportadas por esses quatro caminhões, responda: 1) Qual caminhão transporta a carga mais pesada? 2) Qual caminhão transporta a menor quantidade de substância? 3) Quais caminhões transportam a mesma quantidade de substância? (A) I e II (B) I e III (C) II e IV (D) II e V (E) IV e V 4) Qual deverá ser a quantidade de hidróxido de sódio – NaOH, necessária para neutralizar a carga do caminhão III, caso ocorra algum acidente capaz de provocar o seu derramamento? (A) 16.667 mol (B) 25.000 mol (C) 50.000 mol (D) 100.000 mol (E) 150.000 mol 5) Qual seria a massa de ácido sulfúrico - H2SO4, necessária para neutralizar a carga do caminhão V, caso ocorresse algum acidente que pudesse provocar o seu derramamento? Figura 1 – Situação-problema: cargas perigosas (A) 1.890,0 kg As três(B) primeiras perguntas apresentadas na figura 1 envolvem a conversão entre 3.307,5 kg (C)substância, 3.780,0 kgisto é, o número de mols, e a massa correspondente. As respostas quantidade de (D) 6.615,0 kg das perguntas 1, 2 e 3 são: 1) O caminhão que transporta a carga mais pesada é o III, primeiramente porque peso se relaciona diretamente com massa. Realizando as conversões de quantidade de matéria para massa, utilizando as massas molares (MM) corretamente, os 50.000 mol de ácido fosfórico 15 (MM = 98 g/mol) equivalem a 4.900 kg. Enquanto os caminhões I e II transportam, respectivamente, 3.200 kg de nitrato de amônio e 2.188 kg de ácido clorídrico. Os caminhões IV e V transportam apenas 3.780 kg, cada um. A sequência de cálculos, por meio da análise dimensional, para o caminhão III está apresentada na equação (1): (1) 2) A menor quantidade de substância é transportada pelo caminhão I, uma vez que este veículo transporta o menor número de mols. Os caminhões IV e V transportam, respectivamente, 60.000 mol de HNO3 e 67.500 mol de KOH. A sequência de cálculos para o caminhão V, por exemplo, está apresentada na equação (2): (2) 3) Os caminhões II e IV transportam a mesma quantidade de substância: 60.000 mol de HCl e 60.000 mol de HNO3. Para chegar nessa conclusão, primeiramente o estudante teria que saber quantidade de matéria (quantidade de substância) refere-se ao número de mols, e ainda teria que converter a massa de ácido nítrico informada para o caminhão IV em número de mols, utilizando a massa molar dessa substância (63 g/mol), de forma semelhante ao que apresenta a equação (2). As questões 4 e 5 complementam a situação-problema da figura 1 sobre as cargas transportadas pelos caminhões. Estas duas perguntas se assemelham por abordarem cálculos estequiométricos aplicados às reações de neutralização. As principais diferenças entre as duas perguntas consiste na estequiometria de cada reação: 3 mol de NaOH neutralizam 1 mol de H3PO4 (na pergunta 4), enquanto apenas 1 mol de H2SO4 neutraliza 2 mol de KOH (na pergunta 5). Para responder a pergunta 4, o estudante precisaria apenas de correlacionar os 50.000 mol de ácido fosfórico, do caminhão III, com a estequiometria entre esse ácido e o hidróxido de sódio, conforme indica a equação (3): 16 (3) Para responder a pergunta 5, o estudante teria que dar uma quantidade de passos maior para a chegar na resposta esperada e correta: primeiramente teria que converter a massa de KOH em número de mols, para logo em seguida correlacionar com a estequiometria da reação entre o KOH e o H2SO4 e, por fim, converter a quantidade de ácido necessária para a massa solicitada. As operações podem ser conduzidas por meio de uma sequência que tem como princípio o método da análise dimensional, como já foi demonstrado nas equações anteriores. Esse método articula adequadamente as unidades das grandezas envolvidas com os fatores de conversão apropriados – concentração molar, massa molar, grau de pureza, densidade (Rocha-Filho e Silva, 2010). A equação (4) apresenta essa sequência de operações matemáticas: (4) Há que se considerar, ainda, que os estudantes podem resolver questões como a pergunta 5 da figura 1 de outras maneiras. Pode-se, por exemplo, correlacionar diretamente as massas estequiométricas do KOH e do H2SO4 para se chegar na massa de ácido solicitada. Embora exista outras maneiras de se obter essa mesma resposta, inclusive por meio de algoritmos, no contexto do presente trabalho torna-se importante perceber que, o que se espera por parte do estudante é que o mesmo consiga desenvolver um raciocínio estequiométrico lógico que o possibilite chegar na resposta correta e esperada para a situação-problema, compreendendo adequadamente cada grandeza e relação envolvida entre as mesmas. Além de favorecer a incorporação da representação correta dos valores de cada grandeza, expressando corretamente suas magnitudes, de acordo com Rocha-Filho e Silva (2010), o método de análise dimensional tem duas grandes vantagens: (1˚) a unidade da grandeza calculada, isto é, o resultado do cálculo, passa a ser obtido automaticamente e, (2˚) se um erro for cometido ao montar os termos envolvidos no cálculo (por exemplo, o uso de 17 um fator de conversão errado ou invertido), ele será facilmente detectável, já que a unidade da resposta não estará correta para a grandeza calculada. Analogias típicas no ensino de estequiometria química Mól (1999), ao tratar sobre o uso de analogias no ensino de Química, levantou concepções de 32 professores da rede pública de ensino vinculados à Fundação Educacional do Distrito Federal por meio de um questionário. Um dos temas sobre os quais os professores foram indagados correspondia ao cálculo estequiométrico. Esse tema emergiu de um questionário anterior que perguntava: “para quais dos temas relacionados abaixo, você utiliza alguma analogia em suas aulas?”. Entre 28 temas relacionados, os cálculos estequiométricos, juntamente com a constante de Avogadro, o modelo de Rutherford, as fórmulas moleculares e as ligações químicas, foi um dos mais apontados pelos professores. Mól (1999) diz que além do significativo número de incidências nas respostas dos professores, as analogias apresentadas para o tema eram bem ricas e diversificadas. Entre os professores entrevistados, 34,4% citaram analogias para explicar cálculos estequiométricos – um percentual significativo frente aos valores encontrados para os outros temas, porém relativamente baixo quando se considera a complexidade do tema e as inúmeras possibilidades de exploração de analogias. Para os cálculos estequiométricos foram citadas analogias com as relações de proporcionalidade na preparação de receitas, como bolos e pães, e outros contextos nos quais se utiliza a dúzia. Houve ainda um professor entrevistado que disse construir analogias utilizando matemática comercial e financeira para explicar cálculos estequiométricos. A concepção da ZDP na aprendizagem da estequiometria Vigotsky (1987) afirma que a tomada de consciência e a voluntariedade dos conceitos, ou seja, o seu uso consciente e intencional, situam-se inteiramente na zona de desenvolvimento proximal, ocorrendo de forma eficaz na colaboração com o pensamento de alguém mais experiente, que tem seu comportamento mais mediado pelo conjunto de signos presentes em uma cultura, e que, de certa forma, já articula tais conceitos por meio de suas funções mentais superiores mais desenvolvidas. No estudo dos cálculos estequiométricos em Química, os estudantes são confrontados com uma série de conceitos, terminologias e operações mentais não tão familiares, como a grandeza quantidade de matéria, a sua unidade típica – o mol, além da ideia de massa, de volume, de diversos tipos de concentração, teor, grau de pureza, densidade, tendo que realizar 18 diversos tipos de conversão, tais como as conversões de quantidade de matéria em massa e de massa em volume. Considerando a ZDP como uma zona de relações interpessoais na qual o estudante aprende com a colaboração de alguém mais experiente, provavelmente o uso de analogias enunciadas durante a colaboração poderá auxiliar no desenvolvimento das operações necessárias para a resolução de uma situação-problema que envolva cálculos estequiométricos. Portanto, a seguir estão apresentadas algumas analogias possíveis que podem ser exploradas com o propósito de possibilitar o estudante avançar na sequência de operações estequiométricas durante a resolução de uma situação-problema. Parte-se do pressuposto que quanto maior for a zona de desenvolvimento proximal de um estudante, mais significativas poderão ser as analogias durante o desenvolvimento da sequência estequiométrica. 1ª Situação-problema análoga – Analogia com os cestos de frutas Cinco grandes cestos contém diferentes frutas: Cesto I: 3 dúzias de abacates Cesto II: 6 dúzias de jabuticabas Cesto III: 5 dúzias de mamões Cesto IV: 9,36 kg de maçãs Cesto V: 9,36 kg de cereja Sabe-se que as massas por dúzia desses cinco tipos de frutas são: Abacate: 4800 g/dúzia Jabuticaba: 48 g/dúzia Mamão: 3360 g/dúzia Maçã: 1560 g/dúzia Cereja: 84 g/dúzia Sobre frutas contidas em cada cesto, responda: 1) Qual cesto está mais pesado? 2) Qual cesto contém menos frutas? 3) Quais cestos possuem a mesma quantidade de frutas? (A) I e II (B) I e III (C) II e IV (D) II e V A primeira analogia foi elaborada para auxiliar os estudantes durante a tentativa de compreender as solicitações da situação-problema na figura 1, nas questões 1, 2 e 3. Para tanto, considerando uma situação de ensino e aprendizagem em sala de aula, após a explicação do princípio para a solução da situação-problema, vendo que um determinado estudante, ou grupo de estudantes, não foi capaz de resolvê-la, o professor poderia apresentar a seguinte situação-problema análoga proposta da figura 2. 19 Figura 2 – Situação-problema análoga (analogia com cestos de frutas) para as perguntas 1, 2 e 3 da figura 1. Para a situação-problema da figura 2, análoga à situação-problema da figura 1, quanto às perguntas 1, 2 e 3, espera-se que o estudante, ao reconhecer os elementos, a princípio, familiares, seja capaz de desenvolver um raciocínio que o permita responder cada pergunta proposta. O professor, dessa forma, poderá esclarecer para o estudante que esse raciocínio matemático desenvolvido para responder qual é o cesto mais pesado, qual possui menos frutas e ainda quais cestos possuem a mesma quantidade de frutas, é semelhante à tentativa de responder sobre as cargas transportadas pelos cinco caminhões – situação-problema da figura 1. Além disso, essa analogia poderá ser útil para o estudante perceber que da mesma forma que há uma distinção entre a ideia de quantidade, relacionada ao número de unidades ou de dúzias de frutas, e a massa contida em cada cesto (o que se relaciona com o seu peso), há também uma importante distinção a ser feita entre a quantidade de substância transportada e a massa correspondente em cada caminhão. Para responder a primeira pergunta da situação-problema análoga, o estudante deve simplesmente calcular a massa correspondente a cada quantidade dos cestos I, II e III. A equação (5) exemplifica o cálculo para o cesto III. (5) As massas nos cestos IV e V são menores que 16,8 kg do cesto III. Para responder a segunda pergunta da situação-problema análoga (figura 2), o estudante primeiramente deve converter as massas dos cestos IV e V para as quantidades de frutas contidas, e assim poder comparar com os outros três cestos. A equação (6) exemplifica esse cálculo da conversão para o cesto V: (6) Ao comparar as quantidades expressas em dúzias, verifica-se que o cesto I contém menos frutas. Para responder a terceira pergunta, primeiro o estudante deve reconhecer que a solicitação refere-se ao número de unidades ou de dúzias de frutas contidas nos cestos, devendo, portanto, comparar o número de dúzias e não o valor das massas. A equação (7) 20 articula as informações do cesto IV para evidenciar que a quantidade de maçãs é igual à quantidade de jabuticabas do cesto II. (7) 2ª Situação-problema análoga – Analogia com a doação para uma creche Suponha que você queira fazer uma doação de pacotes de arroz suficientes para complementar a alimentação das crianças de uma determinada creche durante 2 meses. Nesta creche há 40 crianças, que realizam duas refeições com arroz por dia, consumindo 100 g de arroz por refeição. Sabe-se ainda que cada pacote de arroz possui 5,0 kg, e que o mesmo tem um preço equivalente a R$ 8,00. A segunda analogia foi elaborada para auxiliar os estudantes durante a tentativa de compreender as solicitações da situação-problema na figura 1, nas questões 4 e 5. Semelhantemente ao modo como a situação-problema análoga deveria ser apresentada diante da situação de ensino, após a explicação do princípio para a solução da situação-problema, vendo que um determinado estudante, ou grupo de estudantes, não foi capaz de resolvê-la, o professor poderia apresentar a seguinte situação-problema análoga proposta da figura 3. Figura 3 – Situação-problema análoga (analogia com a doação para uma creche) à situação-problema da figura 1, para a pergunta 5. Para a situação-problema da figura 3, análoga à situação-problema da figura 1, quanto à pergunta 5, espera-se que o estudante, ao reconhecer elementos, a princípio, familiares, seja capaz de desenvolver um raciocínio que o permita responder a pergunta proposta. O professor, dessa forma, poderá esclarecer para o estudante que esse raciocínio matemático desenvolvido para responder qual é o valor a ser gasto para fazer a doação para a creche fictícia, é semelhante ao raciocínio estequiométrico a ser desenvolvido para responder qual é massa de ácido sulfúrico necessária para neutralizar a carga de hidróxido de potássio no caminho V (figura 1). A equação (8) apresenta toda a sequência de operações para se chegar no valor a ser gasto para a doação proposta na situação-problema análoga. (8) O professor deve perceber que há várias relações “estequiométricas” envolvidas nesse cálculo do valor a ser gasto para a compra dos pacotes de arroz a serem doados. Criativamente o professor pode explorar essa analogia a fim de destacar os aspectos semelhantes, bem como as 21 particularidades de cada situação em seus devidos contextos, ou seja, as diferenças envolvidas e as limitações da situação-problema análoga. Um aspecto importante a ser explorado é a percepção que os estudantes devem ter: para calcular o valor a ser gasto na compra dos pacotes de arroz, não se inicia pelas informações sobre o pacote, mas sim pelas informações a respeito das crianças que frequentam a creche, ou seja, a quantidade de crianças e o consumo diário. Do mesmo modo, para se calcular a massa de ácido sulfúrico necessária para neutralizar o KOH carregado pelo caminhão V (figura 1), deve-se iniciar a sequência de operações pela massa de hidróxido de potássio a ser neutralizada, convertendo-a para o número de mols correspondente para, logo em seguida, correlacionar com a estequiometria da reação química a fim de se descobrir a quantidade de ácido sulfúrico necessária (o número de mols), e por fim se chegar no valor da massa. Esses cálculos já foram demonstrados na equação (4). O quadro 1 é uma tentativa de esclarecer o paralelo entre as sequências de operações para as duas situações-problemas: o cálculo da massa de ácido sulfúrico e o cálculo do valor a ser pago na compra dos pacotes de arroz para a doação. Quadro 1 – Correspondências entre as sequências de operações matemáticas estequiométricas para resolver a situação-problema do caminhão V (figura 1) e a situação-problema análoga da figura 3. Situação-problema (figura 1) Situação-problema análoga (figura 3) Pergunta: “Qual seria a massa de ácido Pergunta: “Qual é o valor a ser gasto para sulfúrico - H2SO4, necessária para fazer essa doação?” neutralizar a carga do caminhão V, caso ocorresse algum acidente que pudesse provocar o seu derramamento?” 1˚ passo: determinar a quantidade (n˚ de 1˚ passo: determinar a massa de arroz mols) de KOH a ser neutralizada, partindo da consumida na creche, partindo da quantidade massa dessa base presente no caminhão V. de crianças que devem ser alimentadas. Como? Como? Por meio da massa molar do KOH. Por meio das informações fornecidas sobre o consumo de arroz por refeição, da quantidade de refeições feitas por dia, e ainda do número de dias a serem cobertos pela doação. 2˚ passo: determinar a quantidade de H2SO4 2˚ passo: determinar a quantidade de pacotes a serem comprados. necessária para provocar a neutralização. Como? Como? Correlacionando a quantidade de KOH com a Correlacionando a massa total de arroz a ser estequiometria da reação entre esse composto comprada com a informação sobre a massa de arroz por pacote. e o ácido sulfúrico. 3˚ passo: calcular a massa de ácido sulfúrico 3˚ passo: calcular o valor a ser gasto solicitada na pergunta. solicitado na pergunta. Como? Como? 22 A partir da quantidade de H2SO4 A partir da quantidade de pacotes de arroz a anteriormente determinada, multiplicar pela ser comprada, multiplicar pelo valor, em reais, de cada pacote. sua massa molar. Fonte: Arquivo pessoal, 2013. Cabe a cada professor perceber a necessidade e as oportunidades para se explorar as semelhanças entre os dois raciocínios desenvolvidos, especialmente no que diz respeito à zona de desenvolvimento proximal de cada estudante ou de grupos praticamente homogêneos de alunos. Por meio da ação mediadora planejada do professor, acredita-se que cada analogia proposta pode contribuir para que um estudante consiga avançar em sua zona de desenvolvimento iminente, conseguindo realizar novas atividades que não teria conseguido realizar sozinho, ou seja, sem auxílio. 4. Considerações finais Um estudante não é capaz de imitar qualquer operação sem que ocorra um entendimento genuíno da situação proposta. “É bem estabelecido que a criança só pode imitar o que se encontra na zona de suas potencialidades intelectuais” (Vygotsky, 1987, p.209). Imitação refere-se a “todas as formas de atividade de determinado tipo realizadas pela criança (...) em cooperação com adultos ou com outra criança” e inclui “tudo o que a criança não pode fazer de forma de independente, mas que pode ser ensinado ou que ela pode fazer sob direção ou em cooperação ou com a ajuda de perguntas-guia” (Vigotsky, 1998 apud Chaiklin, 2011). Esse pressuposto inspirou a elaboração de situações-problemas análogas a determinadas situações que envolvem cálculos estequiométricos em Química, a fim de servir de suporte e inspiração de professores que lidam com o ensino desse tema. Cabe ainda salientar a necessidade de se averiguar, por meio da pesquisa empírica, as prováveis contribuições sugeridas neste trabalho decorrentes da introdução desse tipo de analogia para a aprendizagem de cálculos estequiométricos. 1. Referências ABBAGNANO, N. (1999). Dicionário de Filosofia. 3ª Ed. São Paulo: Ed. Martins Fontes. BRASIL (2009). Ministério da Educação e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Matriz de Referência para o ENEM 2009. Brasília, Distrito Federal, 26 p. CARVALHO, N. B; JUSTI, R. S. Papel da analogia do “mar de elétrons” na compreensão do modelo de ligação metálica. Enseñanza e as Ciencias, 2005. Número extra. VII Congresso. CHAIKLIN, S. 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