DISCURSO EM REPRESENTAÇÃO DOS NOVOS MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO Provenientes do 30.º Curso de Formação do CEJ Cerimónia de Apresentação – Procuradoria-Geral da República (10.07.2015) É com enorme satisfação que hoje me dirijo a Vós em nome dos novos Magistrados do Ministério Público. Este momento só se tornou possível depois do esforço e da dedicação por nós aplicados, num primeiro momento, aquando do concurso público de ingresso e, no momento seguinte, na exigente e completa formação ministrada, numa primeira fase, no Centro de Estudos Judiciários e, numa segunda fase, nos tribunais, junto de magistrados experientes que sedimentaram o rigor da prática jurídica e judiciária que já havia sido incutido no primeiro ciclo de formação. A todos hoje agradecemos, depois desta caminhada. Ou no início dela. À Direcção do Centro de Estudos Judiciários, por zelar pela formação dos magistrados em condições que permitiram o desenvolvimento das capacidades individuais, o pensar em conjunto e a partilha de saberes. Aos Senhores Magistrados, nossos docentes do Centro de Estudos Judiciários, com toda a estima, por possibilitarem e incentivarem a aquisição de conhecimentos e a discussão através dos desenvolvimentos dogmáticos e das problemáticas discutidas nas várias instâncias de decisão judicial, facultando-nos as ferramentas necessárias para actuar com a responsabilidade e o saber exigido pelo cidadão, em nome de quem é administrada a justiça. Aos Senhores Magistrados Coordenadores e aos Senhores Magistrados Formadores, já com alguma saudade e com gratidão sem medida, que, nas diversas comarcas, nos acompanharam, permitindo-nos amadurecer o saber teórico-prático administrado nas fases anteriores e sendo para nós, hoje, exemplo do compromisso que assumimos de realizar Justiça. Hoje partimos para a prática judiciária já sem a teia de suporte que os Senhores Formadores constituíram para cada um de nós, mas com a certeza de que pertencemos a um corpo de Magistrados cuja Unidade se encontra expressa não apenas no seu Estatuto, mas também na vivência quotidiana, de cooperação e de entreajuda. É esse o espírito que vivemos aquando da formação no Centro de Estudos Judiciários, é esse o espírito que lembramos hoje e esperamos encontrar sempre, no futuro. Tal união é, para nós, jovens Magistrados, fundamental, em tempos em que a administração da justiça é sistematicamente desafiada pela mediatização e pelo escrutínio público das decisões. Aos agentes do judiciário é exigida clareza na comunicação do seu discurso. A nós, Magistrados, é exigida discrição. Talvez aquele escrutínio possa em parte contribuir para o plebiscito consensual de HERBERT 1 ou para o harmonioso entendimento através de diálogo igualitário do optimismo jurídico de HABERMAS2. O que é certo é que encerramos, ainda, um capital simbólico e um cerimonial processual, a que PIERRE BOURDIEU3 tanto se referiu, e que é inerente à própria deontologia e ética judiciárias. Em nome da Justiça, imparcial, objectiva e igual por determinação da lei, procuraremos, tal como nos foi veiculado, actuar sem olhar a tempos políticos, sem pretender acompanhar ou corresponder aos olhares e às opiniões mediatizadas. Disse o Exmo. Senhor Conselheiro, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Senhor Dr. Henrique Gaspar, aquando da Cerimónia de Abertura do Ano Judicial de 2014, que a Justiça é uma virtude, a condição de todas as virtudes. Mas é também valor. Um valor que compreende, necessariamente, os mais elementares princípios da convivência em comunidade – da igualdade, da segurança, da paz e do bem-comum. É por esse valor, esse conceito alargado de Justiça, com maiúscula, que filósofos e antropólogos tanto pensaram e escreveram, que escolhemos e abraçámos esta profissão, 1 Cfr. H. L. HART, O conceito de direito, (tradução portuguesa), 5ª Edição, Lisboa, Fundação C. Gulbenkian, 2007. 2 Vide JÜRGEN HABERMAS, Obras Escolhidas de Jürgen Habermas, (traduzidas para Português), Edições 70, 2014. 3 Vide PIERRE BOURDIEU, “La force du droit – éléments pour une sociologie du champ juridique”, Actes de la recherche en sciences sociales nº 64, 1986, -- tradução para o Português: “A força do direito”, in: ID., O Poder Simbólico, Lisboa, Difel, 1989. esta missão, de servir a justiça, processual e substancial, em nome dos cidadãos e de cada cidadão em particular. É preciso coragem. É necessário algum sacrifício. É imprescindível a paixão. Só a coragem e a paixão, mas sobretudo a dedicação e o trabalho, possibilitaram que fosse o nosso Estágio encurtado e nos atrevêssemos a iniciar a caminhada sem que a teia a que já me referi estivesse tão presente, respondendo às emergentes e, sublinho, urgentes necessidades que se fazem, ainda, sentir no corpo de Magistrados do Ministério Público. Desde cedo, o sacrifício está presente, em nome do espírito de missão, movido pela paixão iniciática. E os mais sacrificados nesta nossa dedicação serão, sempre, os nossos familiares e amigos, a quem dirijo agora palavras sinceras e emocionadas de gratidão e de reconhecimento pelo suporte afectivo imprescindível. Com eles somos pessoas realizadas e emocionalmente equilibradas – o que é essencial para o exercício de tão exigentes funções. Por último, e por nos encontrarmos ao serviço da Justiça em nome do cidadão, atrevo-me a dizer que somente agir em nome da justiça processual, poderá não bastar. O actual Magistrado não é mais somente a boca da lei idealizada por MONTESQUIEU4. A justiça deve, também, actuar em nome da Paz. Na imaturidade e na ingenuidade que hoje me será perdoada, pela juventude e pela sensibilidade com que a Vós me dirijo, anseio que todos nós, Magistrados, possamos levar a Paz a cada pessoa a quem as nossas decisões afectam. A paz jurídica que se veicula a propósito das necessidades de prevenção geral, enquanto propósito da punição penal, mas também a paz social e individualizada, o apaziguar de um concreto conflito, de uma concreta quezília. Porque como afirmou a Exma. Senhora Conselheira, Procuradora-Geral da República, Senhora Dra. Joana Marques Vidal, a confiança dos cidadãos na Justiça resultará do modo como vêem reconhecidos os seus direitos e resolvidos os seus problemas. Agradeço a presença e a atenção prestada. Lisboa, 10 de Julho de 2015 Inês Maria Pinheiro Robalo 4 Cfr. MONTESQUIEU, Do espírito das Leis, Edições 70, 2015.