FÓRUM Sexta-feira _27 de Agosto de 2010. Diário de Notícias 63 ESTADO DE DIREITO A REPÚBLICA NO DN Um Ministério Público democrático PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE Professor de Direito Ministério Público é um órgão autónomo de administração da justiça que não exerce uma função judicial. A sua actividade visa a descoberta daverdade e arealização do direito, colaborando com o tribunal para a realização desses fins. Na suaactividade processual e extraprocessual, o Ministério Público (MP) orienta-se porcritérios de legalidade e objectividade e pelasujeição às directivas, ordens a instruções previstas na lei. Nesta dupla sujeição à lei e à hierarquia consiste aautonomiado Ministério Público. Aconcepção constitucional do MP põe o acento tónico no valor centraldahierarquia, como resulta do artigo 219.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Ela consagra um conceito “forte” de hierarquia, que incluias faculdades de avocação, substituição e devolução, e reconhece agarantiadaestabilidade nas funções e não no processo. É este o concei- O CARLOS PIMENTEL/ARQUIVO DN “O MP visa a descoberta da verdade, colaborando com o tribunal” to constitucional de hierarquiada magistraturado Ministério Público, e ele vale tanto parao exercício das funções do Ministério no processo penal como fora dele. Com efeito, o artigo 219.º, n.º 4, da CRP foiaprovado naAssembleiaConstituinte, combase numaproposta de José Luís Nunes, que a sustentouno seguinte argumento:“pode acontecer que em determinado processo de acusação o Estado en- tenda que a acusação deve ser conferidanão àquele delegado do Ministério Público em concreto que exerce as funções normais, mas aumoutro que lhe dámelhores garantias de competência”. Como diz Figueiredo Dias, há que afastaro“espectro de umapolítica de personalização das funções de prossecução”. Por outro lado, a hierarquia do Ministério Público é também uma garantia constitucional dos cidadãos e reflecte um direito fundamental, o direito à reclamação hierárquica. O direito à reclamação hierárquica é parte integrante do direito constitucional de acesso àjustiça. Apróprianatureza do Ministério Público, de uma magistraturavinculadaao direito e à lei, impõe que se reconheça o direito do cidadão afectado pelas decisões do MP proferidas no inquérito fazer ouvir as suas razões diante do superiorhierárquico do magistrado que proferiu a decisão reclamadae, simultaneamente, o deverdo superiorhierárquico ouvir as razões do cidadão reclamante. Enfim, toda a hierarquia do Ministério Público deve estar subordinadaà“definição” dapolíticacriminalpelos órgãos de soberania, nos termos do artigo 219.º, n.º 1, da CRP. Este preceito tem dois propósitos fundamentais: centrar no Ministério Público a execução da política criminal democraticamente estabelecida, isto é, estabelecida com discussão pública no seio dos órgãos de soberania, e vincular as opções do Ministério Público, no exercício dos seus poderes processuais, àobservânciade critérios de política criminal objectivos, em obediência última ao princípio constitucional daigualdade: Nas palavras incisivas de Rui Pereira, “a autonomia técnica não pode pôr em causaaigualdade”. O CONVIDADO O Estado e os magistrados do MP FRANCLIM PEREIRA Presidente da Direcção Nacional da Associação Justiça para Todos os últimos dias, aAssociação Justiça paraTodos (AJpT) veio defender publicamente que o PGRdeveriasereleito pelos magistrados do MP, ao invés de ser nomeado pelo PR, sob propostado Governo. Esta proposta assenta em duas premissas: primeiro, na necessária autonomia e independência que o MP deve de terrelativamente ao poder político, condição es- N sencialparaque possaexercerple- ou, muito embora confiando, por namente as suas competências; qualquerrazão que importaexplipor outro lado, na (reconhecida) carnão lhe confere o direito de esconfiança que é depositada nos colher o seu representante, reserseus magistrados (os agentes do vando parasi tal competência. Compreendo também que a MP são magistrados responsádoisanosdotérminusdomandato veis… art.º 219.º n.º 4 CRP). Estranhamente, a nossa pro- doPGR,algunsnotáveisjuristasda postaencontrouinesperadas opo- nossa praça tenham já a legítima sições, sob o argumento de que expectativade sobre eles fazerreseria pernicioso entregar tal“po- caira“escolha”dasucessãodePintoMonteiro,equepor der” aos magistrados esse motivo vejamna do MP. nossa proposta um Ou seja, o Estado inesperadoobstáculo confia no MP o sufiataldesejo, eque, por ciente paralhe entreO que é isso mesmo, se insurgar a liderança da inimportante jamdeformatão veevestigação emPortué termos uma mente, quase irraciogal, mas não confia justiça mais célere” nal, sobre ela. no MP para decidir A verdade é que, quanto à sua própria embora respeite tais liderança! Isto faz-nos questionar: ou, ambições, creio que ninguémterá efectivamente, o Estado não con- dúvidas de que elas são neste profianos magistrados do MP, e se isso cesso totalmentesecundárias relaé verdade deve dizê-lo e porquê, tivamente ao problemaprincipal. “ O que importaé, antes de mais, resolver agrave crise que se instalouno seio do MP e que, porarrasto contagioutodaajustiçaemPortugal, criando sobre ela um clima de suspeição, de parcialidade e de discricionariedade que fazperigar acredibilidade do próprio sistema judicial. O que importa é que, o PGR, quando perante casos com forte componente política, não esteja permanentemente condicionado nas suas decisões, sejam elas por acção ou por omissão, e isso dificilmente se conseguirá enquanto este continuar a ser “proposto” pelo Governo. O que é efectivamente importante é termos uma justiça mais célere, menos condicionada, concentrada somente no que tem de fazer, aplicar a justiça da forma mais justapossível. Tudo o resto, nestamatéria, é ou deveriasertotalmente secundário. PorLuísNaves FALTAM 39 dias 27 de Agosto de 1910 Antecipação das eleições legislativas Aprimeirapáginado DN de dia28 de Agosto de 1910 é espectacular. Nelaconstam 30 imagens de candidatos a deputados. As eleições legislativas foram nesse domingo deVerão, e, porisso, pelaprimeira vez, não cumprimos aregradestas crónicas, que resumem o que aconteceu no dia anterior ao da edição. No jornalhaviahistórias do dia, nomeadamentesobreacanhoneira Tejo, queencalharanasexta-feira, no meio do nevoeiro. Os estragos no navio eram arrepiantes, mas não houve vítimas. Curiosamente, umadas figuras no friso de notáveis candidatos erao comandante da canhoneira que quase naufragara, comandante Guilherme Ivens Ferraz, daoposição. Quase todos os candidatos adeputado que surgem nas imagens tinham nomes de ruas actuais, alguns deles até de avenida, e todos (num total de 30) usavam bigode ou barba. Nenhum estava de cara rapada. Sete eram militares e três futuros presidentes daRepública. Os partidos monárquicos apresentavam-se divididos entre governamentais e dissidentes dacoligação eleitoral, que surge nas notícias como “a oposição”. Em Lisboae no Porto, os republicanos e socialistas apresentavam-se separados.