O manejo do balanço hídrico em prematuros extremos Management of fluid balance in the very immature neonate N Modi Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2004;89:F108–F111 Renata Vitorino Frossard – R2 de Pediatria Orientadora: Dra. Márcia Pimentel DE cASTRO UTINeo/ HRAS/HMIB Brasília, 30 de agosto de 2012 Introdução: • No útero o feto é imerso em fluido, os pulmões estão cheios de líquido, a pele é porosa e sem camada de queratina; • Prematuros requerem uma adaptação abrupta as condições do ar atmosférico e da baixa umidade; • RNPT< 26 semanas de idade gestacional é composto de 80-90% de água; • O débito urinário é alto, e a capacidade de concentração renal é limitada; Fatores que são determinantes no balanço hídrico: • Evacuações - 5ml/kg/dia; • Débito urinário; • Trato respiratório; • A extensão da superfície corpórea. Perda de água transepidérmica (PAT): • Depende tanto da imaturidade da pele quanto da extensão da superfície corporal em relação ao peso; • Pesquisas recentes sugerem que o desenvolvimento de aquaporinas reguladoras na pele de RN prematuros contribuem para o aumento da perda de água transepidérmica (PAT). Perda de água transepidérmica (PAT): • A estratificação da camada córnea da pele consiste na sobreposição de células epidérmicas mortas cheias de queratina, que se comportam como barreira de defesa contra a perda de água; • Embora a queratinização comece por volta de 18 semanas de gestação, a pele do feto é ainda muito fina em torno de 26 semanas, e a camada córnea quase não é visualizada; • Com 34 semanas que a camada córnea se torna bem desenvolvida, mas só no fim do último trimestre que a queratinização é mais pronunciada. Perda de água transepidérmica (PAT): • A maturação da pele do prematuro se desenvolve ao nascimento; • A PAT cai exponencialmente com o aumento da idade gestacional e após o nascimento; • RNPT 1000g / 24-25s -> a PAT 140ml/kg/dia (60g/m2/h) nos primeiros dois dias após o nascimento, decaindo no terceiro dia por volta de 45g/m2/h e 24g/m2/h com 28 dias; • Em RN >32s com 2-3 semanas de idade, a maturidade da pele é similar a de um RN à termo (PAT = 6-8g/m2/h ou 12ml/kg/dia). Perda de água transepidérmica (PAT): • A maior perda através da superfície corporal ocorre nos primeiros dias de vida. Bebês abaixo de 28 semanas de gestação, colocados sem roupa sob calor radiante, são mais vulneráveis e a perda de água através da pele pode exceder o volume urinário; • Cada mililitro de água evaporado através da superfície corporal é acompanhada pela perda de 560 calorias de calor, e isso é suficiente para o bebê ficar com uma elevada PAT; • Para reduzir a PAT o ideal é manter um um balanço hídrico eficaz e a regulação da temperatura corpórea adequada. Perda de água transepidérmica (PAT): • Em RNPT < 1000g as perdas insensíveis são reduzida para menos de 40ml/kg/dia em um ambiente com umidade acima de 90% (Takahashi e col.); • Um estudo comparou a fonte de calor radiante com a incubadora aquecida acrescida de umidade nos dois grupos, e mostrou uma temperatura mais estável no primeiro grupo. Perda de água transepidérmica (PAT): • Cuidados a serem tomados: - Bolsa plástica ao nascimento; - Materiais não abrasivos (para maceração da pele, ex: Tegaderm); evitar a - Fototerapia são fontes adicionais de calor radiante e podem aumentar a PAT além de 30%. Adaptações no pós-natal: • Há uma contração aguda do compartimento extracelular imediatamente após o nascimento que é retardada em RNs com desconforto respiratório; • Antes dos surfactantes serem utilizados, isso era evidenciado clinicamente através da diurese que ocorria durante o tempo da melhora da função respiratória; • Em RN saudáveis ou naqueles que receberam esteróides e surfactante, a diurese ocorria de forma insignificante. Em ambos aproximadamente 10% do total de água corporal é perdida na primeira semana após o nascimento e isso é marcado pela perda do peso. Adaptações no pós- natal: • A perda de água do meio extracelular é determinada pela adaptação cardiopulmonar, principalmente através da diminuição da pressão vascular pulmonar e não devido a maturação renal; • O extracelular é principalmente sódio e água; • O equilíbrio de sódio e água é negativo durante esta fase de adaptação; • A principal implicação clínica desta observação é evitar a administração rotineira de sódio antes da perda de peso ser confirmada (6% do peso de nascimento); • O consumo de água deve ser adaptado para a extensão da perda de água insensível com uma tolerância adicional para a produção de urina limitada a 30ml/kg/dia antes do início da perda de peso pós-parto, aumentando para 60ml/kg/dia, uma vez que a perda de peso estará em curso. Manejo renal: • A capacidade de concentrar a urina desenvolve progressivamente durante a vida pós-natal; • Em recém-nascidos, a osmolalidade urinária máxima é cerca de metade das crianças mais velhas; • Esta diferença é devida a alça de Henle mais curta, redução da tonicidade do interstício medular, baixas concentrações de uréia devido ao estado altamente anabólico da criança, e redução da expressão de aquaporina-2. Manejo renal: • Condições de estresse • Desidratação grave • Corticóide pré-natal Concentrações urinárias elevadas • Coulthard e Hey mostraram que RNPT saudáveis são capazes de ajustar a excreção de água, quando o seu consumo diário estiver entre 95 - 200 ml/kg, mantendo o sódio constante; • RN prematuros extremos, em que a osmolalidade mínima da urina é 90 mOsm/kg, será capaz de atingir um fluxo urinário de cerca de 7 ml/kg/h. O uso do Sódio: • A capacidade renal tanto para reter e excretar uma carga de sódio é reduzida no bebê prematuro. O sódio não é perdido através da pele, porque os bebês nascidos abaixo de 36 semanas de gestação não transpiram; • O uso de esteróides antes do parto acelera a maturação tubular renal; • O RN prematuro é mais vulnerável aos efeitos adversos da administração de sódio inadequadamente nos primeiros dias após o nascimento. • Ensaios clínicos randomizados têm demonstrado que a administração precoce de sódio aumenta os riscos de hipernatremia, principalmente se a perda de água transepidérmica for elevada e o consumo de água limitado, além de aumentar os riscos de doenças respiratórias impedindo a perda fisiológica do líquido extracelular; Prescrevendo a Hidratação: "Writing up fluids" • Considerar: - Idade gestacional; - Umidade do ambiente; - Perdas insensíveis; - Fontes de calor radiante; - Condições clínicas; • Alimentação enteral é aumentada gradativamente conforme tolerado, porém não há evidências que a hidratação endovenosa seja também aumentada de igual forma; • Lembrar sempre de monitorar: peso, creatinina, sódio, potássio séricos, e o débito urinário. Prescrevendo a Hidratação: "Writing up fluids" Satisfatória quando: - perda de peso inicial, seguido de aumento de peso; - produção de urina superior a 1 ml/kg/h; - concentrações normais de eletrólitos. Antecipação e prevenção: Perda de água transepidérmica alta Adotar medidas ativas para reduzir as perdas transepidérmicas. Taxa de infusão de glicose variável Use um volume capaz de possibilitar ajustes finos na TIG. Infusão parenteral de sódio é desnecessária até que a perda de peso pós-natal fisiológica esteja em andamento Adiar a administração de sódio de manutenção até que haja perda de peso em torno de 6% após o nascimento. A prescrição de fluidos é uma questão que deve ser avaliada juntamente com a clínica do paciente e suas possíveis alterações Monitorar continuamente. Os objetivos da hidratação e nutrição estão Distinguir estes objetivos claramente. interligadas, porém são distintas Fazer e não fazer: Transfusão de concentrado de hemácias Não use furosemida rotineiramente após a 3ml/kg/h não leva à sobrecarga de volume em transfusão de concentrado de hemácias. prematuros extremos. Não usar doses repetidas de furosemida no bebê oligúrico; nos RN não oligúricos as doses administradas não devem ultrapassar um intervalo superior à 24 horas. O clearence de furosemida é baixo e a meiavida plasmática excede 24 horas em RN < de 31 semanas pós-natal. Doses repetidas levará a acumulação rápida e aumentam os riscos de ototoxicidade e nefrite intersticial. Não restringir a ingestão de líquidos Restringir apenas quando há evidência de regularmente, a não ser que os sinais de sobrecarga de volume; restrição de líquidos persistência do canal arterial estejam de rotina pode comprometer a nutrição presentes. Se a hidratação é satisfatória, incrementos Perguntar a si mesmo se o objetivo é a graduais na ingestão de líquidos após o hidratação ou nutrição, sempre considerando nascimento são desnecessários, a menos que uma mudança na ingestão de líquidos. não haja um aumento clinicamente relevante na nutrição. Monitoramento do balanço hídrico no pósnatal imediato: Sem perda de peso ou aumento de peso pós-natal imediato é indicativo Alteração diária do peso corporal de excesso de fluido, o problema é devido a diminuição do sódio e/ou excreção de água. Sódio sérico Hiponatremia sugere excesso de água; hipernatremia sugere déficit de água. Débito urinário <1 ml/kg/h: requer investigação; 2-4ml/kg/h: hidratação normal; >6-7 ml/kg/h: prejuízo na capacidade de concentração urinária ou administração excessiva de líquidos. Conclusão: Indicadores da qualidade geral da assistência prestada pela equipe de enfermagem e médica: - Redução da perda de água transepidérmica gradativamente; - Eletrólitos normais; - Ganho de peso adequado; - Estabilidade da temperatura. CONSULTEM TAMBÉM (Dr. Paulo R. Margotto) Hidratação venosa no recém-nascido: distúrbio hidreletrolítico Autor(es): Paulo R. Margotto, Ana Maria C.Paula Homeostase de Na+ Os RN de peso menor 1500g podem necessitar de maior oferta de Na+, principalmente a partir da 2ª semana de vida, devido à maior perda urinária deste eletrólito pelos seguintes motivos: -superfície tubular inadequada para a reabsorção (preponderância da função glomerular no RN com idade gestacional menor que 32 semanas): desproporcional balanço glomérulotubular. -deficiente reabsorção tubular distal de Na: deficiente resposta a aldosterona (adequada resposta a aldosterona ocorre a partir da 3ª semana de vida.). -contração do compartimento extracelular: na 1ª semana de vida, há uma redução de 100ml/kg de líquido extracelular, contribuindo com uma carga de aproximadamente 15mEq de Na+ ao rim. -produção limitada de H+ para a troca tubular com o Na+ -heterogenicidade anatômica e funcional do néfron (néfrons corticais imaturos/néfrons justamedulares maturos: 14ª-20ª semana de vida, o padrão é mais homogêneo. Portanto, monitorizar a oferta de sódio neste RN, principalmente a partir da 1ª semana de vida, devido ao risco de hiponatremia. Usar sempre o leite materno compatível com a idade gestacional (o teor de Na+ do leite materno da mãe do prematuro se iguala ao teor de Na+ do leite materno da mãe do RN a termo somente no 2º mês de vida). Incluir no diagnóstico diferencial da hiponatremia do RN a Secreção inapropriada do hormônio antidiurético que se caracteriza por: -hiponatremia com hiposmolaridade sérica -perda renal contínua de Na+ -ausência de evidência clínica de depleção de volume -maior osmolaridade urinária em relação à do plasma -função renal, adrenal e tireoidiana normal. A secreção inapropriada do hormônio antidiurético tem sido associada com: Ligação do ductus arteriosus patente, síndrome, hipóxico-isquêmica e hemorragia intracraniana, doença da membrana hialina, pneumotórax, meningite, ventilação por máscara, deterioração da doença respiratória (a hipercapnia aumenta a secreção do hormônio antidiurético). Homeostase do K+ A hipercalemia (>6,5mEq%) ocorre em 30% nos RN extremamente prematuros. A hipercalemia tendo sido atribuída à imaturidade tubular, deficiente resposta tubular a aldosterona, deficiência enzimática (Na-K-ATPase) tubular, eritrocitária e transferência do K+ do espaço intracelular para o extracelular O termo hipercalemia não oligúrica tem sido usado para descrever RN que apresentam hipercalemia sem redução no fluxo urinário nos primeiros 2-3 dias de vida. Entretanto, estudo realizado pelo grupo do Kluckow, na Austrália, verificou que o débito urinário diminui apenas nas primeiras 24 horas e depois ocorre a diurese nos 2-3 dias de vida. Se você analisar o débito urinário médio nos 2-3 primeiros dias, talvez você não detecte esta fase oligúrica inicial seguida pela fase diurética. Esta é uma falha dos estudos, que descreveram a hipercalemia não oligúrica porque não quantificaram o débito urinário dia a dia. Outro mecanismo potencial para a hipercalemia seria a redução do débito cardíaco que prejudicaria o fluxo renal, resultando em hipercalemia, seguido de recuperação nas 24 horas. Redução do fluxo sangüíneo sistêmico pode ser um fator importante na filtração e excreção do K+ nos RN pré-termos. Associação entre HIPERCALEMIA e hemorragia peri/intraventricular Outro achado importante foi a associação observada entre hipercalemia e hemorragia peri/intraventricular (HP/HIV); os RN com maior nível de K+ foram os que mais tiveram significante HP/HIV grau 2 ou mais. A HP/HIV ocorreu após o pico de K+ ter sido alcançado em muitos RN. Assim, a HP/HIV e a hipercalemia são ambos consequência de um estado precedente de baixo fluxo. O aumento do fluxo urinário espelha o aumento espontâneo no fluxo sanguíneo sistêmico, com a melhora da função cardíaca e renal e a hipercalemia começa a se resolver. A hipercalemia pode levar a arritmias cardíacas e a lesões cerebrais. O Corticosteróide pré - natal, previne a hipercalemia não oligúrica pela estabilização da membrana celular que resulta na diminuição da saída de K+ do intracelular para o extracelular. Portanto, monitorizar o K+ sérico nas primeiras 72 horas de vida nos RN com idade gestacional abaixo de 32 semanas pelo risco de arritmia cardíaca e colapso cardiocirculatório. “Um dia sem sorrisos é um dia perdido.” Obrigada!