Crónica do Ocidente
da Europa
Laureano Carreira*
Neste príncipio do ano, a grande aposta do país está toda ela
concentrada sobre a EXPO 98.
Indiscutivelmente o acontecimento
mais importante neste fim de século, pelo menos visto da Europa, já
que, para Portugal, o que se está a
passar, directa e indirectamente à
volta da EXPO 98, é francamente
ciclópico. Jamais, desde a época
das Descobrimentos, Portugal
enfrentou um desafio tão grande de
portas abertas para o mundo, o
qual, com raras excepções, estará
quase todo ele representado em
Lisboa.
O grande receio que percorre
neste momento os portugueses é
saber se o comboio partirá a horas.
Seremos nós, país pequeno habituado a encontrar-se na cauda de
tudo o que são índices na Europa,
capazes de levar tão ambicioso projecto a bom porto ? Não será (ou,
melhor, não terá sido) a ambição
grande demais para as fracas capacidades de realização que o país
demonstra de um modo geral ?...
Vem isto a propósito da sensação mista de incredulidade e de
espanto que ainda percorre largas
camadas da população portuguesa,
que seguem os trabalhos da EXPO
98 como se não acreditassem no
que os seus olhos vêem. Facto é
que a renovação da zona ocidental
da cidade, a mais vetusta e desfavorecida, está a ser feita, que a
ponte Vasco da Gama é já uma certeza, e que tanta, tanta outra coisa
induzida por tudo isto, está a sair
da terra e a transformar-se em realidade.
A EXPO 98 não se limita ao seu
recinto directo, ela estende-se por
toda a parte, da Praça do Comércio
ao Cabo Ruivo, a partir do Largo do
Relógio, junto ao aeroporto internacional, para o Cabo Ruivo, de Vila
Franca de Xira para o Cabo Ruivo,
do Montijo para o Cabo Ruivo...
São eixos e eixos de obras que para
ali confluem. Como se as energias
que o país é capaz de catalisar se
n° 2 - février 98
estivessem a encerrar naquele cabo,
hoje desaparecido, e que era o último cabo interior (se assim se pode
dizer) do território português. Um
cabo que foi também durante largos séculos o ponto de ligação terrestre da cidade de Lisboa para o
centro da Europa.
Com efeito, tempos houve em
que a travessia do Tejo (quando o
destino era o centro da Península
ou da Europa) era feita naquela
zona, em frente da qual, na outra
margem, se situa a Aldeia Galega
(perto do Montijo), início da estrada dita dos «espanhóis», já que
conduzia a Espanha, passando por
Montemor. Quando se está na margem sul e se olha para a parte
norte, ao cair da tarde, o sol põe-se
dentro de um eixo que parte do
Cabo da Roca (o cabo mais ocidental da Europa), passando por aquilo que seria, há longos séculos, um
promontório de areias que recebeu
o nome de Cabo Ruivo, o que corresponde à tonalidade do pôr do
sol. E assim ficou na toponímia portuguesa, se bem que o cabo tenha
desaparecido com o passar dos
anos.
Durante séculos, Portugal esteve
virado para os Oceanos, que são de
resto a temática obrigatória desta
exposição universal. Mas, estando à
beira-mar, Portugal também teve, e
tem hoje mais do que nunca, pois
que reduzido aos territórios continental e insulares que já possuía
antes da aventura dos Oceanos, um
olhar virado para o interior, para o
Continente Europeu. Se quisermos
ver aqui algum simbolismo, já que
os actos dos homens estão por
vezes impregnados pelo simbólico,
parece evidente que a organização
da EXPO 98 na zona do Cabo Ruivo
marca como que a reconciliação de
Portugal com o seu Continente...
* correspondência de Lisboa
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LATITUDES N°2 XP6