API mais necessária no Norte do que nunca Manuel Caldeira Cabral* Num momento em que a região Norte se encontra numa situação de crise estrutural muito difícil, cuja saída terá de passar pela atracção de investimento estrangeiro que permita a alteração da sua especialização, é estranha a decisão do governo de mudar a Agência Portuguesa de Investimento para Lisboa. A meu ver esta decisão dá o sinal errado no momento errado. 1. - A crise que se vive em Portugal é hoje principalmente a crise da região norte. A evolução desta região nos últimos 5 anos explica quase dois terços da divergência do Produto Interno Bruto (PIB) português com a União Europeia (EU). De facto, nos últimos 20 anos a região norte foi a que menos convergiu com a UE, tendo sido ultrapassada em termos de rendimento por todas as restantes regiões do país. O seu rendimento per capita está hoje atrás do registado na Madeira, Algarve, Centro e mesmo Alentejo. E os mais recentes dados sobre o aumento do desemprego, que mostram uma diminuição no total do país e um aumento no norte, confirmam que os problemas da região persistem. 2. A crise do norte do país é a crise da sua competitividade externa. A região está encurralada numa especialização em sectores intensivos em trabalho pouco qualificado, hoje expostos a uma intensa concorrência de produtores com custos laborais muito baixos, como a China, Paquistão, Indonésia ou Índia. O fim do período de transição dos acordos multi-fibras abriu os mercados europeus a estes países, provocando importantes perdas de quota de mercado para Portugal e descidas do preço nos têxteis, vestuário e calçado, que continuam a ser as principais exportações da região norte. A saída desta situação implica um esforço de relançamento das exportações, não só melhorando a qualidade nos sectores tradicionais, mas também atraindo novos sectores exportadores para a região. 3. – O papel do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) neste processo é extremamente importante. Foram os grandes investimentos estrangeiros que permitiram a forte expansão das exportações em novos sectores, como o automóvel e o material eléctrico, na década de noventa. Investimentos que contribuíram para relançar as exportações de um distrito deprimido como Setúbal. Porém, estes investimentos, salvo algumas excepções, não se instalaram no norte do país, onde o desemprego era ainda baixo, e a especialização nos sectores tradicionais se mantinha pouco afectada pela concorrência dos países asiáticos. Nos últimos cinco anos a situação mudou. A entrada de produtos chineses e indianos no mercado europeu está a ter efeitos arrasadores para os sectores tradicionais da região norte. 4. – Neste contexto, é extremamente importante atrair investimento estrangeiro para o norte, por forma a consolidar novos pólos exportadores na região. Conseguir lançar novos sectores exportadores não é, todavia, fácil. A estrutura produtiva da região, marcada por empresas de pequena e média dimensão e com poucos trabalhadores qualificados, dificilmente poderá ser a base para o lançamento de sectores mais sofisticados. E a atracção de IDE para a região enfrenta a concorrência dos países de Leste, com custos laborais mais baixos e uma mão-de-obra mais qualificada. 5. - Apesar de todas as dificuldades, a região norte, com mais de um terço da população portuguesa e metade das exportações do país, tem um forte potencial, do qual Portugal não pode prescindir se quiser voltar a convergir com a UE. Hoje, o norte apresenta boas infra-estruturas, tem pólos universitários de qualidade, a contribuir para a melhoraria das qualificações de uma população relativamente jovem, e uma forte tradição empresarial, que poderá relevar-se importante no suporte a investimentos estrangeiros que se venham a instalar na região. 6. – Mais, nos próximos anos a região norte deverá ser o principal destino das verbas do novo quadro comunitário de apoio (QCA), o que poderá ajudar a criar os incentivos e as estruturas para atrair novas actividades. Com a região de Lisboa a deixar de estar elegível para muitos programas comunitários (ultrapassou a fasquia dos 75 por cento do PIB per capita da UE), o norte poderá receber, pela primeira vez, uma fatia das verbas comunitárias acima da proporção da sua população. Fundos que, sem qualquer dúvida, devem ser canalizados para projectos produtivos, suporte de actividades que promovam a capacidade exportadora, e sectores mais tecnológicos e de maior valor acrescentado. 7. – A oportunidade criada pelo novo QCA, aliada à necessidade urgente de alteração da especialização da região, aconselha a que o esforço de atracção de IDE seja especialmente dirigido para o norte. O IDE que a região deve absorver é exactamente aquele que o país precisa: investimento orientado para as exportações, que permita ao país crescer com base na conquista de mercados externos. Sedear a Agência Portuguesa de Investimento (API) no Porto foi entendido como um sinal de especial empenho na atracção de investimento estrangeiro para a região. Num momento em que a região Norte se encontra numa situação de crise estrutural muito difícil, cuja saída terá de passar pela atracção de investimento estrangeiro que permita a alteração da sua especialização, é estranha a decisão do governo de mudar a API para Lisboa. A meu ver esta decisão dá o sinal errado no momento errado. 8. - Esta decisão insere-se na anunciada integração da API e ICEP num único organismo, instituições com géneses e em fases completamente diferentes, cuja fusão poderá trazer mais problemas do que benefícios. A API é uma instituição recente (2002), criada de raiz, com uma filosofia de inspiração empresarial, que aparentemente estava a funcionar bem. A fusão desta com um organismo algo envelhecido e com uma missão cuja definição estratégica tem sido errática, como é o ICEP, pode comprometer a agilidade que se espera da API. Teria sido mais interessante para o país fazer uma reforma profunda do ICEP, aproveitando os seus recursos e coordenando melhor a sua actividade com o IAPMEI, por forma a desenvolver estruturas no terreno de apoio directo às pequenas e médias empresas exportadoras, muito vezes sem meios para aprofundar a sua presença nos mercados externos. * Professor do Departamento de Economia da Universidade do Minho