AULA 04
CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES
1. Introdução.
Diversas são as formas e critérios de classificação uma Constituição. O domínio
de tais formas e critérios mostra-se como fundamental à compreensão crítica do
fenômeno jurídico, essencial ao estudioso do Direito. Afinal, sempre nos vemos diante
de questionamentos acerca da efetividade da Constituição brasileira, quase sempre
acompanhados de comparações a realidades jurídico-constitucionais distintas da nossa,
de forma assistemática e pouco fundamentada. É muito comum, por exemplo,
escutarmos pessoas criticando o fato de estarmos na nossa sétima (ou oitava, se
levarmos em conta a Emenda Constitucional nº. 01/69) Constituição, enquanto os
americanos, em toda a sua história, tiveram apenas uma. Por que será que a realidade
constitucional dos Estados unidos é tão diferente da brasileira?
Nesta quarta aula deste “Curso de Introdução à Teoria da Constituição”,
estudaremos a classificação das constituições, de forma a que nos habilitemos a
compreender, e comparar de fora lógica e sistemática, realidades constitucionais tão
distintas como a brasileira, a americana ou a inglesa, por exemplo. Para atingir tal
objetivo, é necessária a leitura da presente apostila, aliada à audiência do vídeo da aula
04.
Bom trabalho!!!
Texto elaborado por Jaime Barreiros Neto – em março/2007
2. Classificação das constituições quanto ao modo de elaboração.
Quanto ao modo de elaboração, as constituições podem ser classificadas em
duas espécies: a) históricas, também chamadas de consuetudinárias; ou b)
dogmáticas.
As constituições históricas, ou consuetudinárias, refletem um fenômeno típico
do período anterior ao “Constitucionalismo”, estudado na aula 03. Um Estado, quando
adota o modelo da Constituição histórica, não possui um documento formal, escrito,
chamado de Constituição. Adota-se, assim, a concepção política de Constituição,
difundida por Carl Schmitt, para identificar-se o que é ou não constitucional. A
Constituição, dessa forma, apresenta-se como o conjunto das normas ordinárias,
tradições, costume, jurisprudências e documentos históricos aos quais se dá um caráter
de fundamental para a configuração da sociedade. Exemplo atual deste modelo é a
Constituição Inglesa.
As constituições dogmáticas, por sua vez, são reflexo de um conjunto de valores
e dogmas predominantes em determinada sociedade em dada época. Democrática ou
imposta, este modelo de Constituição inspira-se no sentido jurídico de Constituição
difundido pelo Abade Sièyes no final do século XVIII, sendo dotada, acima de tudo, de
supremacia formal. Esta espécie de Constituição, fruto do “Constitucionalismo”, é a
mais comum nos dias de hoje.
3. Classificação das constituições quanto à forma.
Quanto à forma, uma Constituição pode apresentar-se como escrita ou nãoescrita. As constituições escritas são as mais comuns nos dias de hoje, refletindo a
tendência da positivação das normas constitucionais gerada a partir do século XVIII,
com o Constitucionalismo. O modelo da Constituição não escrita, por sua vez, é
encontrado nos países que não aderiram ao Constitucionalismo, preservando o modelo
de constituições históricas. O principal exemplo de Constituição não escrita é a
Constituição da Inglaterra.
Texto elaborado por Jaime Barreiros Neto – em março/2007
4. Classificação das constituições quanto à mutabilidade.
Quanto à mutabilidade, pode-se afirmar que existem três espécies de
Constituição: a espécie flexível, a espécie rígida e a espécie semi-rígida.
A Constituição flexível é aquela que não exige um procedimento mais rígido,
elaborado, para a sua reforma. Na prática, portanto, não existe, do ponto de vista formal,
quando a Constituição é flexível, hierarquia entre as normas ordinárias e as normas
constitucionais. Qualquer norma, assim, que tenha conteúdo constitucional torna-se
parte da Constituição. Prevalece o aspecto material, político, em detrimento do aspecto
formal, jurídico. O exemplo clássico, mais uma vez, é a Constituição inglesa.
A Constituição rígida, por sua vez, é aquela dotada de uma supremacia formal, e
não apenas material, no ordenamento jurídico. Inspira-se, portanto, na lição do Abade
Sièyes acerca do poder constituinte (a ser estudada na aula 06), através da qual são
diferenciadas as normas ordinárias das normas constitucionais, frutos, estas, do
chamado “poder constituinte originário”. Ao ser dotada de rigidez, uma Constituição
protege-se, de forma mais eficaz, do arbítrio das contingências, preservando, mais
facilmente, seu núcleo fundamental. A reforma constitucional é possível, submetida,
entretanto, ao processo legislativo mais rígido que o processo de elaboração das leis
ordinárias. Além disso, toda Constituição rígida possui uma parte fixa, fundamental à
preservação dessa rigidez. A grande maioria das constituições da atualidade adota este
perfil.
Uma Constituição semi-rígida, por sua vez, é aquela que contempla, em parte,
ambas as situações anteriores. Parte dela, assim, é rígida, incluindo normas de caráter
fixo, e parte dela é flexível, sujeita a reformas através de normas ordinárias. A
Constituição brasileira de 1824 era semi-rígida.
5. Classificação das constituições quanto à origem.
Quanto à origem, uma Constituição pode ser classificada como promulgada ou
outorgada. Promulgada é aquela Constituição fruto do debate democrático, gerada a
Texto elaborado por Jaime Barreiros Neto – em março/2007
partir da vontade popular representada em uma Assembléia Constituinte. Já a outorgada
é aquela Constituição imposta por um líder autocrático ou por um grupo de dominantes,
sem respeito às opiniões divergentes. Exemplo deste modelo foi a Constituição
brasileira de 1937, fruto da ditadura estabelecida por Getúlio Vargas no chamado
“Estado Novo”.
6. Classificação das constituições quanto ao conteúdo.
Quanto ao conteúdo, uma dada Constituição pode ser classificada como
Constituição-garantia, Constituição-balanço ou Constituição-dirigente. Neste
sentido, valiosa é a seguinte lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho1:
Modernamente, é freqüente designar a Constituição de tipo
clássico de Constituição-garantia, pois esta visa a garantir a
liberdade, limitando o poder. Tal referência se desenvolveu pela
necessidade de contrapô-lo à Constituição-balanço. Esta, conforme a
doutrina soviética que se inspira em Lassale, é a Constituição que
descreve e registra a organização política estabelecida. Na verdade,
segundo essa doutrina, a Constituição registraria um estágio das
relações de poder. Por isso é que a URSS, quando alcançado novo
estágio na marcha para o socialismo, adotaria nova Constituição,
como o fez em 1924, 1936 e em 1977. Cada uma das tais
Constituições faria o balanço do novo estágio.
Hoje muito se fala em Constituição-dirigente. Esta seria a
Constituição que estabeleceria um plano para dirigir uma evolução
política. Ao contrário da Constituição-balanço que refletiria o
presente (o ser), a Constituição-programa anunciaria um ideal a ser
concretizado. Esta Constituição-dirigente se caracterizaria em
conseqüência de normas programáticas (que para não caírem no
vazio reclamariam a chamada inconstitucionalidade por omissão).
7. Classificação das constituições quanto à ideologia.
Quanto à ideologia, uma Constituição pode ser classificada como heterodoxa ou
ortodoxa.
1
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, 30. ed., p. 14, São Paulo: Saraiva,
2003.
Texto elaborado por Jaime Barreiros Neto – em março/2007
Uma Constituição heterodoxa é aquela correspondente a uma pluralidade de
ideologias, muitas vezes opostas, caracterizadora da diversidade cultural e política
existente em uma determinada sociedade. Quando a Constituição é democrática, fruto
do debate político, a heterodoxia, quanto ao seu marco ideológico, mostra-se patente,
gerando, para o intérprete, a necessidade de uma interpretação pautada no princípio da
unidade da Constituição, que gera a necessidade de uma interpretação sistemática,
rechaçando interpretações isoladas de dispositivos constitucionais.
Uma Constituição será ortodoxa, por sua vez, quando refletir uma única
ideologia dominante e imposta. Tipicamente, tal modelo de Constituição é encontrado
nas autocracias a nas cartas constitucionais outorgadas. Como exemplo, temos, mais
uma vez, a Constituição brasileira de 1937.
8. Classificação das constituições quanto à extensão.
Quanto à extensão, é possível identificar-se constituições sintéticas e
constituições analíticas.
Uma Constituição sintética é aquela dotada de poucos artigos, voltada
basicamente a uma concepção liberal de Estado e ao estabelecimento das normas de
estruturação política da sociedade. Típica da primeira fase do constitucionalismo, tal
modelo de Constituição, de forte teor principiológico, foi gradativamente abandonado,
embora ainda se faça presente, a partir da transformação gerada no Direito
Constitucional com a crise da democracia liberal e com o advento dos chamados
“direitos fundamentais da segunda geração”, os direitos sociais e econômicos.
Uma Constituição analítica, por sua vez, apresenta-se como uma Constituição
mais dogmática e menos principiológica, dotada de regras jurídicas regulamentadoras
de questões outrora desconsideradas no bojo das constituições, como as matérias
referentes aos direitos sociais e à intervenção do Estado na economia. Além disso,
muitas vezes uma Constituição analítica, exagerando no seu dogmatismo, dispõe de
normas sem relação alguma com o objeto do Direito Constitucional, qual seja, a
estrutura política da sociedade, os direitos, deveres e garantias fundamentais e a
Texto elaborado por Jaime Barreiros Neto – em março/2007
instrumentalização da participação política. Formam-se, assim, as chamadas “leis
constitucionais”, expressão cunhada por Carl Schmitt para designar aquelas normas
formalmente constitucionais que não possuem, no entanto, materialidade constitucional.
9. Atividade complementar.
Após a leitura do texto e a audiência do vídeo referente a esta aula, responda:
como se classifica a Constituição brasileira de 1988 quanto ao modo de elaboração,
forma, mutabilidade do texto, origem, conteúdo, ideologia e extensão? Até a próxima
aula!
Texto elaborado por Jaime Barreiros Neto – em março/2007
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