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Artigo original
A PÓS-MODERNIDADE E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE
RIBEIRO, Josuel Stenio da Paixão1
Josuel Stenio da Paixão
Artigo submetido em 22/07/2012
Aceito em 15/08/2012
Correio eletrônico: [email protected]
RESUMO
Habermas compreende que a modernidade não acabou contrariando os autores que já falam
em seu fim e acreditam no esgotamento e no desdobramento dela na chamada pósmodernidade que teria um paradigma totalmente diferente, que é representado, sobretudo pelo
relativismo que tem como pressuposto que se um individuo faz uma escolha e essa escolha
não interfere na escolha do outro não há problema, isso significa que há uma ampliação na
possibilidade da escolha individual. Contudo, o processo de construção da identidade para
Habermas não é algo isolado, pois, necessita de interação entre os sujeitos, ou seja, é um
processo de caráter coletivo, em que a identidade do EU não se descola do processo contínuo
e interativo. Por fim, a identidade coletiva é o resultado de normatizações que envolvem
acordos entre os “EUs” que exercem a sua liberdade e autodeterminação, sendo as duas
identidades, coletiva e individual, um processo que exige desenvolvimento.
Palavras-Chave: Habermas; Pós-modernidade; Identidade.
ABSTRACT
Habermas understands that modernity is not just contrary to the authors who already speak on
your order and believe in exhaustion and deploying it in the call postmodernity which would
have a totally different paradigm, which is represented mainly by relativism that has assumed
that if a individual makes a choice and that choice does not interfere in the choice of the other
1
Mestre em Ciências Sociais pelo programa de pós-graduação em Ciências Sociais na UNESP/Marília-SP.
Membro dos grupos de estudos: “Filosofia Contemporânea: Habermas”; “Organização e Democracia” e “Teoria
Crítica: racionalidade comunicativa e reconhecimento social”. Docente da Faculdade de Presidente Prudente
(UNIESP). Também é professor de Sociologia e Filosofia na rede pública do Estado de São Paulo pela Escola
Estadual Comendador Tannel Abbud em Presidente Prudente - SP. e-mail: [email protected]
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no problem, it means that there is an increase in the possibility of individual choice.However,
the process of identity construction for Habermas is not something isolated, therefore requires
interaction among individuals, ie, it is a process of collective character, in which the identity
of the EU do not take off the continuous and iterative process. Finally, collective identity is
the result of regulations that involve agreements between the "I" who exercise their freedom
and self-determination, the two identities, collective and individual, a process that requires
development.
Key-words: Habermas, Post-modernity; Identity.
Pós-modernidade e superação
formação de grupos que vão agregar e
lutar pelas suas escolhas individuais.
das patologias
Habermas deixa claro em seu
livro
o
discurso
filosófico
É importante compreender que as
da
escolhas individuais não são isoladas
modernidade, que a modernidade não
nem alheatórias, elas comunicam-se
acabou, contrariando os autores que já
umas
falam em seu fim e acreditam no
demonstra com isso que o fundamento
esgotamento e no desdobramento dela na
da modernidade adquiriu vida própria
chamada pós-modernidade que teria um
contraindo reflexividade, não havendo só
paradigma totalmente diferente, que é
o sujeito reflexivo, mas há também a
representado,
produção
sobretudo
pelo
o
com
as
outras.
simbólica
que
Habermas
se
torna
relativismo, ou seja, neste momento se
reflexiva em si mesma. É como se o
um individuo faz uma escolha e essa
sistema simbólico passasse a pensar por
escolha não interfere na escolha do outro
si
não há problema, isso significa que há
autonomia graças a suas referencias de
uma ampliação na possibilidade da
mundo
mesmo
por
em
adquiri
um
uma
processo
certa
de
2
escolha individual. Contudo, embora
descentração , e aquilo que se chama
tenha
das
hoje de pós-modernidade nada mais é do
possibilidades das escolhas individuais
que o desdobramento da modernidade
ela não pode ser apresentada apenas
com sujeitos reflexivos capazes de se
sobre a forma do relativismo, por que
observa e se descentrar em relação a si
esta forma de escolha individual também
mesmo, fazendo-se objeto de si mesmo.
havido
uma
ampliação
pode ser uma forma de escolha coletiva,
o que pode ser explicado quando
2
observamos que teria a sociedade sofrida
situações de conflitos exatamente pela
A descentração a que Habermas se refere é o
aprendizado da sociedade, e assim como o
sujeito aprende a sociedade também aprende. A
aprendizagem
da
sociedade
ocorre
concomitantemente às mudanças dentro da
sociedade que alteram princípios de organização.
112
Daí, para ele (Habermas), existe,
Se levarmos a sério esse vínculo
através do movimento de emancipação,
interno, se vê claramente que o sistema
uma construção da identidade objetivada
de direitos não somente não é cego
pelo
frente
consenso,
ou
seja,
pessoas
às
diferenças
culturais.
O
autônomas desenvolvendo seu próprio
daltonismo da leitura seletiva desaparece
modelo de vida pautados numa razão
quando atribuímos aos portadores dos
comunicativa que busca atender a todos:
direitos
minorias e maiorias com a mesma
concebida
intensidade. Nesse sentido, a “identidade
pessoas, também as pessoas do direito,
do Eu indica a competência de um
somente são individualizadas por meio
sujeito capaz de linguagem e de ação
da socialização. Sob essa premissa, uma
para enfrentar determinadas exigências
teoria dos direitos entendida de maneira
de consistência.” (HABERMAS, 1983B,
correta vem exigir uma política de
p. 54). Trata-se assim de um conceito
reconhecimento que também proteja a
que pressupõe um processo coletivo
integridade do indivíduo nos contextos
subjetivos
uma
identidade
intersubjetivamente.
As
vitais formadores de sua identidade
A capacidade lingüística e de ação
do sujeito adulto é o resultado de
processos de amadurecimento e
aprendizagem, cuja articulação
ainda não os é inteiramente
transparente. [...] O processo de
sujeitos capazes de linguagem e de
ação percorre uma série irreversível
de estágios de desenvolvimento
discretos e cada vez mais complexos
[...] não só se realiza de modo
descontínuo, mas é, via de regra,
marcado por crises [...]. A direção
do desenvolvimento no processo de
formação é marcada por uma
crescente
autonomia.
(HABERMAS, 1983B, p. 53-54)
Ora, essa autonomia crescente,
sobretudo as crises, evidencia que a
gradual descentração de si indica o
caráter
moral
desse
processo
de
formação das identidades, que num
âmbito coletivo, requer que se sustente
também o vínculo interno entre Estado
de direito e democracia.
(HABERMAS, 2002, p. 235), e aqui se
destaca
o
papel
dos
direitos
fundamentais: eles são relações que os
indivíduos têm de assumir uns em
relação aos outros à medida que queiram
regular suas vidas mediante o direito
positivo
e
assim
reconhecerem-se
mutuamente como pessoas livres e
iguais.3
3
“Em um nível conceitual, os direitos subjetivos
não estão referidos a indivíduos atomizados e
alienados, que se estejam possessivamente uns
contra os outros. Pelo contrário, como elementos
da ordem jurídica eles pressupõem a colaboração
entre sujeitos que reconhecem um ao outro, em
seus
deveres
e
direitos
relacionados
reciprocamente, como membros livres e iguais
do direito. Este reconhecimento recíproco pré
constitutivo para a ordem jurídica, da qual é
possível extrair direitos subjetivos reclamáveis
judicialmente. Neste sentido, os direitos
subjetivos são co-originários com o direito
objetivo.” (HABERMAS, 1997 v. I, p. 121).
113
que complementam as atitudes
básicas e perspectivas do mundo
associadas ao mundo interno e
externo. (HABERMAS, 1983 A, p.
192).
Em Consciência moral e agir
comunicativo, ao falar da busca pelo
consenso,
Habermas
o
ato
formador
de
Logo, o processo de construção
identidade tanto para o locutor quanto
da identidade para Habermas não é algo
para
em
isolado, pois, necessita de interação entre
situação(ções) de fala(as). Assim, ele
os sujeitos, ou seja, é um processo de
admite o processo de formação do EU e
caráter coletivo, em que a identidade do
do coletivo.
EU não se descola do processo contínuo
comunicativo
o
como
interlocutor
pensa
presentes
A partir da teoria da linguagem
e interativo.
podemos esboçar uma trajetória da
[…] a identidade do Eu pode se
confirmar na capacidade que tem o
adulto de construir, em situações
conflitivas,
novas
identidades,
harmonizando-as com as identidades
anteriores agora superadas, com a
finalidade de organizar – numa
biografia peculiar – a si mesmo e às
próprias interações, sob a direção de
princípios
e
modos
de
procedimentos
universais.
(HABERMAS, 1983 B, p. 70).
formação da identidade do indivíduo, em
que
este
interage
promovendo
um
com
o
outro
intercâmbio
entre
ouvinte e espectador e no qual os
proferimentos na busca do entendimento
deve obedecer, as pretensões de verdade,
correção
normativa,
veracidade
e
sentido.
Aquele que ignora a situações de
conflito, segundo Habermas, ainda tem
Essa introdução da perspectiva do
observador no domínio da interação
possibilita (a) uma complementação
do sistema das perspectivas do
falante, com o que os papéis
comunicacionais da primeira e da
segunda pessoa são conectados
como papel da terceira pessoa (o que
tem efeitos no nível da organização
do diálogo). A nova estrutura de
perspectivas é uma condição
necessária (b) para a transformação
do comportamento de conflito
guiado por interesses em agir
estratégico e (c) para a construção
daqueles conceitos sócio-cognitivos
básicos que estruturam o agir
regulado por normas. Com a
construção de um mundo social de
relações interpessoais reguladas
legitimamente, formam-se (d) uma
atitude de conformidade às normas e
uma correspondente perspectiva,
uma
identidade
incompletamente
desenvolvida, vez que, a identidade é do
Eu com o coletivo criando o Nós, sendo
parte integrante do Nós de forma
subjetiva mantendo a subjetividade. Até
porque o Eu pós-convencional é aquele
que construiu a identidade forjada na
liberdade, não apenas nas normas da
coletividade:
“a
identidade
do
Eu
significa uma liberdade que - na
intenção, se não de se identificar, pelo
menos
de
conciliar
dignidade
e
felicidade – põe limites a si mesma”.
(HABERMAS, 1983 B, p. 72).
114
Desse modo a identidade coletiva
desenvolvimento das forças produtivas,
é o resultado de normatizações que
Habermas entende que o que fez com
envolvem acordos entre os “EUs” que
que os homens evoluíssem como espécie
exercem
e
não foi o trabalho, mais sim a interação,
duas
na qual a linguagem tem um peso igual
identidades, coletiva e individual, um
ou maior que as relações de produção,
processo que exige desenvolvimento.
pois em relação a isso ele foca as
a
sua
autodeterminação,
liberdade
sendo
as
[…] ninguém pode identificar sua
própria
identidade
independentemente
das
identificações que os outros fazem
dele. Trata-se certamente de
interações realizadas pelos outros
não na atitude proposicional de
observadores, mas na atitude prática
de participantes na interação. E o eu
tampouco realiza suas autoidentificações
em
atitude
proposicional; enquanto Eu prático,
ele se apresenta realizando o agir
comunicativo. Em tal agir, os
interessados devem supor um outro
que o distinguir-se do outro seja a
cada momento reconhecido pelo
outro. Portanto, o fundamento para a
afirmação da própria identidade não
é a auto-identificação tout court,
mas
a
auto-identificação
intersubjetivamente
reconhecida.
(HABERMAS, 1983 B, p, 22)
Contudo, a própria individuação
tem origem na socialização, ou seja,
como já foi dito anteriormente não é um
processo
independente
de
uma
coletividade. Na base desse modelo de
interpretação
está
o
conceito
habermasiano de desenvolvimento (ou
evolução) das sociedades.
Ao contrário do materialismo
histórico, que defende que o patamar de
evolução de toda formação social precisa
ser movido pelo seu respectivo nível de
estruturas gerais antropologicamente
profundas, que se formaram na fase
de hominização e que fixam as
condições de partida da evolução
social:
estruturas
que,
presumivelmente, nasceram na
medida em que foi convertido e
reorganizado, em condições de
comunicação lingüística, o potencial
cognoscitivo e motivacional dos
macacos
antropóides.
Essas
estruturas
fundamentais
correspondem talvez às estruturas de
consciência de que dispõem hoje,
normalmente, as crianças entre o
quarto e o sétimo ano de vida, tão
logo se articulam reciprocamente
suas capacidades cognoscitivas,
lingüísticas
e
interativas”.
(HABERMAS, 1983b, p. 121).
Com base no pressuposto de que
é
muito
mais
na
dimensão
da
consciência prático-moral (determinada
para as estruturas de interação) que na
dimensão do saber técnico (fundamental
para o desenvolvimento das forças
produtivas), Habermas estabelece uma
homologia
entre
as
fases
de
aprendizagem individuais (estabelecidas
pela psicologia do desenvolvimento de
Piaget tanto no nível cognitivo quanto
moral) com as de aprendizagem social,
concluindo
que
desenvolvimento
o
nível
de
das
formas
de
115
interação social obedecem os estágios
correspondentes níveis de consciência
pré-convencionais, convencionais e pós-
moral conforme a classificação abaixo
convencionais,
indicada:
como
seus
A teoria da consciência moral de Jean Piaget
Prática das regras ( 04 estágios)
(Fonte: HABERMAS, 1983B, p. 57 e 1983A p. 202)
1- Estágio puramente motor e
Neste as regras são totalmente motoras e
individual
coletivas (sociais)
( 0- 2 anos)2- Estágio egocêntrico
A criança não se preocupa em entender a
( 2/3 - 5/6 anos)
regra, faz tudo para si mesma. Imita os
outros e faz uso dos exemplos recebidos
(assimilação).
3- Estágio da cooperação nascente
Há uma grande variação em relação às
( 7/8- 11 anos)
regras gerais do jogo, aparece o controle
mútuo e a unificação das regras.
4-Estágio da codificação das regras
O código das regras é conhecido por todos
(11/12 anos em diante)
os membros do grupo
Consciência das regras (03 estágios)
1- Durante o primeiro estágio (0 –3 anos) a regra não é coercitiva, por que é
puramente motora.
2- Durante o segundo estágio (3/4 – 9/10) a regra é considerada sagrada, qualquer
mudança nesta é considerada uma transgressão.
3- No terceiro estágio (11/12 anos em diante) a regra é imposta pelo consentimento
mútuo, o respeito é obrigatório e se deseja ser leal a este.
116
A teoria de Lawrence Kohlberg do desenvolvimento moral
Os níveis de juízo moral segundo Kohlberg
(Fonte: HABERMAS, 1983B, p. 57 e 1983A p. 202)
NÍVEIS
PERÍODO
DESCRIÇÃO
Nivel I
1. Orientação para o
castigo e a obediência
A criança tem dificuldade
para considerar dois pontos
de vista em um assunto
moral; tem dificuldade para
conceber as diferenças de
interesse. Aceita a
perspectiva da autoridade e
considera as conseqüências
físicas da ação, sem levar
em conta a intenção.
2. Orientação
hedonística ingênua
ou hedonismo
instrumental relativista
Aparece a consciência de
que podem existir distintos
pontos de vista. A ação
correta é a que satisfaz as
próprias necessidades e,
ocasionalmente, as dos
outros, mas desde um
ponto de vista físico e
pragmático. Aparece
também uma reciprocidade
pragmática e concreta de
que se faço algo pelo outro,
o outro também fará por
mim.
3. Orientação para o
“bom menino”, “boa
menina”, ou a
moralidade da
concordância
interpessoal
A boa conduta é a que
agrada ou ajuda aos outros
e é aprovada por eles.
Orientação para a conduta
“normal”, a conduta
estereotipada. As boas
intenções são muito
importantes e se procura a
aprovação dos demais,
tratando de ser uma “boa
pessoa”, leal, respeitável,
colaboradora e agradável.
Pré-convencional
A moralidade está
governada por regras
externas, o que pode
acarretar um castigo é
considerado errado
Nivel II
Convencional
A base da moralidade é
a conformidade com as
normas sociais e manter
a ordem social é algo
importante
117
4. Orientação para a
manutenção da ordem
social
O indivíduo é capaz de
considerar não só a
perspectiva de duas
pessoas, como também a
das leis sociais. A conduta
correta consiste em realizar
o próprio dever, mostrando
respeito pela autoridade e
pela ordem social
estabelecida para o nosso
bem. A moralidade
ultrapassa os laços pessoais
e se relaciona com as leis,
que não devem ser
desobedecidas, para poder
manter a ordem social.
Nivel III
5- Orientação para o
Pós-convencional
“contrato social”.
A moralidade se
determina mediante
princípios e valores
universais, que
permitem examinar
criticamente a moral da
própria sociedade
A orientação legislativa
A ação correta tende a
definir-se em termos de
direitos gerais; sobre o que
está de acordo na sociedade
em seu conjunto. Há um
ênfase no ponto de vista
legal, mas as leis não são
eternas, mas sim instrumentos
flexíveis para aprofundar nos
valores morais, e que podem
e devem modificar-se para
melhorá-las. O contrato social
supõe a participação
voluntária em um sistema
social aceito, porque é melhor
para cada um e os demais que
precisam.
6- Orientação para o
principio ético universal
A ação correta se baseia em
princípios éticos eleitos por
cada um que são
compreensivos, racionais e
universalmente aplicáveis.
São princípios morais
abstratos, que transcendem as
leis, como a igualdade dos
seres humanos e o respeito
pela dignidade de cada
pessoa, não são normas
concretas como Os dez
mandamentos. Aparece uma
forma abstrata de considerar
as perspectivas de todas as
partes e de tratar de organizálas com princípios gerais.
118
No entendimento de Habermas
capaz de compreensão e de competência
há uma dependência recíproca entre a
de usar a linguagem, tem domínio das
filosofia moral e a psicologia da
normatizações reguladoras dos discursos
evolução
moral,
em que está envolvido e, junto a outros
sobretudo quando se reformula esta
sujeitos de fala vai “criar suas formas de
última no marco de sua teoria da ação
vida
comunicativa; reformulação exposta por
reconhecendo-se reciprocamente como
ele como a fundamentação lógico-
sujeitos capazes de agir autonomamente”
evolutiva das etapas morais e segundo a
(HABERMAS, 1990, p. 233) Tem-se
qual os estágios cinco e seis de Kohlberg
desse modo a formação de um eu, cuja
são
pós-
liberdade põe “limites a si mesma”
convencional da moralidade quer seja
(HABERMAS, 1983B, p. 72), um eu
individual,
social/coletiva
cuja ação ocorre sem pressão, mas por
(MARTINS, 1991, 1056; Habermas
convicção de que alguns princípios são
1983a, p. 146-222).
legítimos,
da
consciência
característicos
quer
da
seja
fase
Na idéia de um sujeito capaz de
processar
seus
juízos
e
interesses
integradas
socialmente
racionais,
demonstrados
universais,
discursivamente
e
acordados consensualmente.
argumentativamente, submetendo-os a
Apenas
em
sociedades
que
exigências de universalização implica
tenham levado a cabo a maioridade de
que está se requerendo dele capacidades
seus membros, é que a comunicação se
que não são inatas, que dependem do
desdobra em diálogo livre de dominação
processo de socialização, mas de um
de todos com todos, Desse diálogo tanto
determinado
é oriundo o padrão da identidade do eu
tipo
de
socialização,
predominante em certas culturas capazes
reciprocamente
de
e
também a idéia do verdadeiro consenso.
motivacionais à disposição de seus
Logo, há que se inferir que a identidade
cidadãos.
pós-convencional,
colocar
O
recursos
“eu”
cognitivos
pós-convencional
se
constituída
apta
a
como
examinar
problemas e questões de um modo
aparta do convencional, se emancipa das
descentrado,
normas
sociais,
universais,
constrói
concebida para contextos sociais que já
intersubjetivamente seu mundo social.
apresentam seus membros num processo
Ao individuar-se esse “eu” não se isola,
de
pelo contrário, se firma como sujeito
condições
e
autodetermina-se
convenções
e
segundo
é
só
princípios
possível
desenvolvimento
históricas,
moral,
de
ser
cujas
materiais
e
119
normativas já estejam se sedimentando;
outras palavras, propõe que a razão
contextos
está
prática seja substituída, pela razão
política
comunicativa, o pressuposto básico da
exercitada na perspectiva comunitária da
Teoria da Ação Comunicativa, elaborada
prática da autodeterminação”, ou seja,
por ele na década de 80 e publicada em
contextos
política
dois volumes. “A Teoria da Ação
libertária” (HABERMAS, 1997 v. I, p.
Comunicativa”, tem como proposição
288).
básica que a “razão” é razão do todo e
cuja
“acostumada
à
população
liberdade
com
“cultura
Desta forma a superação das
também “de suas partes”, pois
patologias só pode ocorrer mediante os
de
A racionalidade pode ser entendida
como uma disposição dos sujeitos
capazes de linguagem e de ação [...]
as emissões e manifestações
racionais são sensíveis a um
ajuizamento
objetivo.
Esse
[ajuizamento, J.S.P.] é válido para
todas as manifestações simbólicas
que, ao menos implicitamente, estão
vinculadas a pretensões de validade
(pretensões que guardam uma
relação interna com uma pretensão
de validade suscetível a crítica).
Todo o exame explícito de
pretensões de validade controversas
requer uma forma, mais exigente de
comunicação, que satisfaça os
pressupostos
próprios
da
argumentação. (HABERMAS, 1992,
v. I, p. 41-42)
racionalidade – capazes de orientar
Tal racionalidade é a condição
conscientemente o comportamento nas
inicial e fundamental da ética do
sociedades modernas.
discurso, a qual embasa toda teoria do
princípios (PU) princípios universais e
(PD) princípios do direito da Teoria da
Ação Comunicativa e as pretensões de
validade da ética do discurso é possível,
pois, de acordo com a compreensão
habermasiana, vislumbrar que o direito
com suas normas pode manter um nexo
com as circunstâncias concretas nas
quais se dá a reprodução da vida social, e
ao mesmo tempo não renuncia à idéia de
que é possível estabelecer normas gerais
–
baseadas
em
princípios
Habermas reconhece o limite que
discurso que permeia, por sua vez, a
traz a conexão entre as formas de vida
filosofia do direito presente nos dois
concretas e a incorporação de outros
volumes de “Direito e Democracia”
conteúdos teóricos, para além daqueles
escritos na década de 1990. A razão
de cunho exclusivamente moral: “A
transformada em racionalidade ética-
razão comunicativa, ao contrário da
comunicativa reúne em si o mundo
figura clássica da razão prática, não é
objetivo, reúne a intersubjetividade do
uma
sujeito que passa a agir e a subjetividade
fonte
de
normas
do
agir”
(HABERMAS, 1997, p.20 v. I). Em
de
cada
um.
A
unidade
e
a
120
multiplicidade de suas partes permite a
ética do discurso passar do individual
________ A constelação pós-nacional.
(Trad. Márcio Seligamann-Silva) São
Paulo: Littera Mundi, 2001B.
para o universal, do contingente para o
necessário, da fala para a ação.
A
obra
Teoria
da
Ação
Comunicativa não é apenas relevante
enquanto uma discussão filosófica a
respeito da razão, mas também como
________ Direito e democracia: entre
faticidade e validade. [Trad. Flávio Beno
Siebeneichler] Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997. Vol. I e II.
________ A inclusão do outro. [Trad.
George Sperber e Paulo Astor Soethe].
São Paulo: Loyola, 2002.
uma teoria da sociedade que pretende
dar conta do processo de modernização
contemporâneo.
A ética do discurso decorrente da
teoria da ação comunicativa procura não
obstaculizar a razão, e sim detectá-la nos
________ Para a reconstrução do
materialismo histórico. Trad. Carlos
Nelso Coutinho. São Paulo: Brasiliense,
1983 B.
________ Pensamento pós-metafísico.
[Trad. Flávio Beno Siebeneichler]. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
fragmentos discursivos mais variados do
mundo da vida.
Desse modo, Habermas encontra
na razão possibilidades de emancipação
e é nesse prisma que desenvolve toda sua
teoria e nos permite pensar a superação
________ Teoría de la Acción
Comunicativa. Madrid: Taurus, 1992,
v. I e II.
________ Teoría de la Acción
Comunicativa:
Complementos
y
estudios previos. Madrid: CÁTEDRA,
1997B.
das patologias do mundo contemporâneo
a partir dele mesmo.
REFERÊNCIAS
HABERMAS, J. Consciência moral e
agir comunicativo. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1983 A.
________ Comentários à ética do
discurso. Trad. Gilda Lopes Encarnação.
Lisboa: Fundação Gulbenkian, s/d.
________ A crise de legitimação do
capitalismo tardio. [Trad. Vamireh
Chacon] Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1994.
MARTINS, C. A. “Universalismo e
relativismo”. In: Fragmentos de cultura.
V. I, n. 1, Goiânia: IFITEG, 1991, p.
1049-1060.
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O presente artigo, ainda que sucinto, pretende fazer uma