Por Jorge Mauricio Porto Klanovicz Embora seja muito mencionado, o conceito de Liberalismo é, sem dúvida, um dos mais polêmicos e controvertidos da Ciência Política. Segundo Norberto Bobbio, há especificidades que dificultam a definição do Liberalismo como um fenômeno histórico. De acordo com o estudioso italiano, são três os principais motivos que culminam na inexistência de um consenso, seja entre os historiadores ou entre os estudiosos da política, da economia, da filosofia ou de outros ramos do conhecimento. Bobbio afirma, em primeiro lugar, que, em função de a história do Liberalismo estar intimamente relacionada à história da democracia, é difícil chegar a uma conclusão acerca do que existe de liberal e do que há de democrático nas sociedades. Em segundo lugar, explica o italiano, o Liberalismo manifestase pelo mundo em tempos bastante diversos, o que impossibilita caracterizá-lo como um fenômeno temporalmente uniforme. Por último, de acordo com Bobbio, a difusão do Liberalismo ocorreu de tal modo que, por diversas ocasiões, ele se obrigou a submeter-se a costumes, tradições culturais e estruturas de poder que não condiziam com sua essência. Norberto Bobbio: Pensador e senador italiano falecido recentemente, explicitou seu conceito sobre o Liberalismo em várias obras, dentre as quais o Dicionário Político. Além de tudo, é facilmente notável, nos nossos dias, a utilização da denominação liberal em inúmeros sentidos. No Brasil, a aliança do Partido dos Trabalhadores, que historicamente se caracterizou como uma força de esquerda, ao Partido Liberal, que representa setores conservadores do empresariado nacional, soa como algo paradoxal ao mundo acadêmico. Nos EUA, sabe-se que o adjetivo liberal representa um radicalismo de esquerda dotado de posições bastante semelhantes aos ideais libertários da contracultura do final da década de 60. Já na Inglaterra e na Alemanha, a palavra liberal indica um posicionamento de centro, capaz de conciliar certos conservadorismos a alguns progressismos. Na Itália, por sua vez, o vocábulo liberal adquire um significado que si liga ao ideário daqueles que buscam manter a livre iniciativa econômica e a propriedade particular. Em suma, a acepção de Liberalismo não é nada consensual, apresentando consideráveis divergências em função do período e da realidade em que está inserida. Entretanto, de um modo geral, o mundo acadêmico tem trabalhado com alguns pressupostos convergentes. Ainda que sejam consideradas corretas as afirmações de que não é possível estabelecer uma definição exata do que vem a ser o Liberalismo, os estudiosos têm trabalhado consensualmente em diversas questões. É praticamente unânime, por exemplo, a necessidade de buscar os fundamentos norteadores do Liberalismo no legado dos teóricos iluministas, que, em pleno período absolutista, ousaram divagar acerca de uma sociedade em que a “liberdade” fosse o valor maior. José de Alencar, do PL, e Lula, do PT, certamente se constituem como um paradoxo para os estudiosos da Ciência Política, os quais relutam em encontrar argumentos justificáveis para uma aliança de um partido que se diz de esquerda, o PT, com um partido historicamente reacionário, o PL. O século XVIII é tratado por muitos como a época em que se deu o auge do Absolutismo. Contudo, simultaneamente ao seu auge, o Absolutismo enfrentou o ponto máximo de suas contradições, que se refletiram em incontáveis tensões envolvendo monarcas, a nobreza e a burguesia. Ao final do século XVIII, o mundo conheceu, na Revolução Francesa, o triunfo das armas teóricas que os burgueses vinham acumulando, às quais se deu a denominação de Iluminismo. As origens do Iluminismo, todavia, datam do século XVI, quando o francês René Descartes lançou a idéia de que o racionalismo seria a única fonte do conhecimento e de que Deus não interferia no universo. As descobertas de Isaac Newton no campo da física colaboraram significativamente para confirmar a tese deísta de Descartes, o que representou um avanço tremendo no que diz respeito à interpretação do mundo natural baseada na razão. No entanto, foi apenas com o inglês John Locke que se passou à investigação das leis da sociedade. Locke, que é considerado o “Pai do Iluminismo”, foi o autor do Segundo tratado sobre o governo e do Ensaio sobre o entendimento humano. Em suas obras, defende que todos os homens têm direito à vida, à liberdade e à propriedade. Foi um contratualista, visto que afirmava que os governos deveriam ser criados com o intuito de garantir os direitos dos indivíduos. Todavia, diferentemente de Hobbes e Bossuet, admitia a possibilidade do governante ser derrubado pelo povo quando usasse de seus poderes para obter vantagens particulares. Surgiu, assim, um verdadeiro contraponto ao Absolutismo. John Locke: Autor do Segundo Tratado sobre o governo e do Ensaio sobre o entendimento humano, refutou o Absolutismo e é considerado o “Pai do Iluminismo”. Outro grande nome do Iluminismo é o do francês Voltaire, que se destacou pelas críticas que dirigiu ao clero católico, à intolerância religiosa e à prepotência dos poderosos. Apesar de não ter defendido a participação da maioria do povo no poder, clamou aos monarcas pelo respeito às liberdades individuais. Notório defensor da liberdade de expressão, Voltaire apontou a propriedade privada como um dos mais importantes pilares de sua teoria, enfatizada principalmente no Ensaio sobre os costumes. Montesquieu, sem dúvida, também teve uma parcela importante no legado que culminaria no Liberalismo. Autor de O espírito das leis, foi o grande defensor da separação dos poderes do Estado em Legislativo, Executivo e Judiciário. Dessa forma, segundo ele, evitar-se-iam abusos dos governantes. É importante frisar, porém, que Montesquieu não defendia um governo burguês, mas uma espécie de liberalismo aristocrático. Não se pode deixar de citar também o nome do francês Jean-Jacques Rousseau. Na obra O contrato social, manifestou sua crença na liberdade dos homens. Foi um grande defensor da democracia, a qual era entendida como a expressão da vontade geral da população de uma nação. Em função de ter criticado o excesso de racionalismo e a propriedade privada, sua ideologia foi rejeitada pela alta burguesia, tendo maior aceitação junto aos setores mais populares e influenciando significativamente a Revolução Francesa. Voltaire Montesquieu Rousseau Percebe-se com veemência nas teorias iluministas uma clara ruptura com os valores cristãos, que durante a Idade Média estabeleceram-se hegemonicamente. Nesse sentido, é possível considerar que as críticas ao catolicismo e a defesa da liberdade de religião agiram como sinais de que um novo modo-de-produção começava a espraiar-se. É bastante interessante a leitura que o alemão Karl Marx faz desse tipo de processo. A História mostra que, quando o mundo antigo declinava, as velhas religiões foram vencidas pela religião cristã. A seguir, em plena Idade das Luzes, assistiu-se à batalha decisiva entre a sociedade feudal e a então revolucionária burguesia. Esse desenvolvimento histórico, segundo Marx, comprova que as idéias de uma época sempre foram as idéias da classe dominante e que, tendo em vista a conjuntura na Idade Moderna, era inexorável a ascensão do Liberalismo. Haveria ainda muitos outros teóricos que influenciaram nas concepções liberais a citar. Os legados de Diderot e do fisiocrata Quesnay, por exemplo, certamente tiveram sua parcela de influência na engendração do Liberalismo. Porém, foi com o economista Adam Smith que o pensamento liberal ganhou contornos definidos. Autor de A riqueza das nações, Smith defendia a necessidade da divisão do trabalho para que houvesse o crescimento da produção e do mercado. Segundo ele, também a livre concorrência seria essencial ao Liberalismo, pois ela forçaria o empresário a ampliar a produção, buscando novas técnicas, aumentando a qualidade do produto e baixando ao máximo os custos de produção. A conseqüente diminuição do preço final favoreceria a “lei da oferta e da procura”, viabilizando um sucesso econômico generalizado. Ao Estado, portanto, caberia somente a função de zelar pela propriedade e pela ordem, não sendo necessário interferir na economia. Adam Smith: Teórico de origem inglesa, foi quem deu contornos definidos ao Liberalismo clássico. Seguiram-se a Smith outros teóricos liberais, que enunciaram novas leis e idéias. Thomas Malthus, em sua obra Ensaio sobre o princípio da população, afirmou que havia limites ao progresso material, tendo em vista que a população cresceria em progressão geométrica e a produção de alimentos, em progressão aritmética. Segundo Malthus, a pobreza e o sofrimento eram inexoráveis na sociedade e as guerras e epidemias contribuiriam para que existisse um certo equilíbrio entre a produção e a população. Thomas Malthus Além de Smith e Malthus, David Ricardo é outro importante teórico do Liberalismo. Em Princípios de economia política e tributação, Ricardo desenvolveu a “teoria do valor do trabalho” e defendeu a “lei férrea dos salários”, a qual estabelecia que o valor da força de trabalho seria sempre equivalente ao mínimo necessário à subsistência do trabalhador. David Ricardo As teses liberais, em função de defenderem uma ordem social que privilegiaria a classe dominante, receberam diversos contrapontos ao longo da História. Karl Marx talvez tenha sido o teórico que mais se destacou em dirigir críticas qualificadas e contundentes ao Liberalismo. Segundo os princípios marxistas, a divisão do trabalho proposta por Smith agia no sentido de alienar o trabalhador. A livre concorrência, por sua vez, em função de impelir o burguês a reduzir os custos de produção, culminaria na exploração do trabalhador e num processo que recebeu a nomenclatura de mais-valia. Quanto à tese malthusiana, Marx rebateu-a afirmando que não é o aumento populacional o gerador da pobreza, mas que é a pobreza o gerador do aumento populacional. Ainda no que diz respeito a Malthus, o marxismo não admite que o sofrimento e a miséria sejam considerados inerentes à sociedade humana. Em suma, pode-se dizer que Marx ataca praticamente todos os pontos das teorias liberais, alertando e impelindo o proletariado à luta contra o Liberalismo. Karl Marx: Teórico alemão, autor de importantes obras como o Manifesto do Partido Comunista, Manuscritos Econômico-Filosóficos e O Capital, foi, indubitavelmente, quem teceu as mais duras e qualificadas críticas ao Liberalismo. Nesse sentido, é oportuno salientar a necessidade de a sociedade buscar uma subversão da realidade em que as teses liberais deixem de ser preponderantes. A despeito de ter séculos de idade, o Liberalismo encontra-se vivo e pujante por detrás de novas e modernas nomenclaturas. No Brasil, desde Collor de Melo o povo assiste às inconseqüentes aventuras dos neo-liberais e, embora os clamores e as promessas do governo Lula sejam grandes, ainda não temos visto mudanças na política econômica da dupla Meirelles-Pallocci. Todos sabemos das dificuldades e dos limites do governo. Não é devido a isso, porém, que devemos abdicar de protestar e exigir mudanças. Recentemente, ao discorrer sobre a Liberdade, o célebre cronista Luis Fernando Verissimo, parafraseando Norberto Bobbio, falou sobre a liberdade de (isto é, de religião, de palavra, de imprensa, de reunião, de associação, de participação no poder político) e sobre a liberdade do ou da (isto é, da necessidade, da miséria, do medo, da ignorância). É lamentável que, até os dias de hoje, não tenha havido sequer uma nação capaz de conciliar as duas liberdades. Na antiga URSS, que adotou uma espécie de pseudocomunismo, o povo era livre da necessidade e da miséria, mas, por outro lado, não tinha liberdade de religião, de palavra, de imprensa... No caso brasileiro, o que ocorre é o contrário. Todos têm a liberdade de, mas pouquíssimos possuem a liberdade do ou da. Não há dúvida de que é um reflexo do nosso modelo econômico. Lutemos, pois, contra ele. Na pele do “aventureiro”Collor de Melo, o Brasil assistiu ao desastre do nascimento de um filho problemático do Liberalismo: o neo-liberalismo. BOBBIO, Norberto. Dicionário Político. CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. COTRIM, Gilberto. História Global. DORIGO, Gianpaolo e VICENTINO, Cláudio. História Geral e do Brasil. MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. MONTESQUIEU. O espírito das leis. WEFFORT, Francisco. Os Clássicos da Política. Obs: As fotos foram retiradas da Internet, através do site de busca www.google.com.br