A fórmula de Gauss Bruno Carvalho Palvarini Quando cursava o mestrado em Engenharia ouvi de um professor a fantástica resolução de um problema complexo pelo matemático Gauss quando este tinha apenas oito anos de idade. Tenho usado a passagem como um bom exemplo de resolução de situações de alta complexidade e de outras características fundamentais para a gestão de processos. Aproveito, aqui, para fazer uma pequena adaptação da história, partindo da formulação real que deveria ser solucionada antes que a classe pudesse ser dispensada: - Qual o valor da soma dos primeiros 1.000 números naturais? Em outras palavras: tomando-se o conjunto A = {1, 2, 3, 4, ..., 999, 1.000}, qual o resultado da soma de todos os seus elementos? Segundo o relato, o professor propusera o problema certo de que com tal atitude teria descanso, pelo menos, até o fim do dia; no entanto, cinco minutos após lançado o desafio, eis que Gauss lhe traz a resposta à questão e, diante da dúvida do mestre, demonstra a forma utilizada em sua resolução, tão revolucionária que fez o professor identificar ali o surgimento de uma fantástica vocação matemática. Imaginemos agora que três alunos, dentre eles Gauss, estivessem a resolver o problema nos dias atuais. Além disso, imaginemos que o professor, na ânsia de tornar a resolução mais difícil, tivesse dado apenas dois minutos para que a solução fosse entregue. Desesperado, o primeiro aluno pôs-se a somar a sequência a partir de seu início, tomando seus números aos pares e, a partir dos resultados parciais, efetuando uma nova soma (por exemplo: 1+2=3; 3+3=6; 6+4=10, e assim sucessivamente). Ao fim do tempo previsto, com grande esforço e concentração, digamos que o menino houvesse efetuado 29 operações de soma – relativas aos trinta primeiros números da sequência –, chegando a um valor igual a 465 (um erro de cerca de 99,91% em relação ao valor correto, 500.500). Note-se que, caso tivesse conseguido completar a resolução segundo o método escolhido, seriam necessárias 999 operações matemáticas, com somas parciais crescentes, o que aumentaria excessivamente o risco de erros e demandaria um tempo não disponível. O segundo aluno, refletindo os primeiros vinte segundos quanto à dificuldade de alcançar o resultado correto, decidira partir para uma variação do primeiro método – como os últimos números da sequência representavam os valores mais altos do conjunto, sua soma deveria ser mais representativa que a dos primeiros. Então, partindo do pressuposto que seria impossível entregar a solução correta no prazo previsto, começou a somar os elementos do fim para o começo (ou seja, 1.000+999=1.999; 1.999+998=2.997 e assim sucessivamente). Ao fim dos dois minutos, sendo mais ágil que o primeiro aluno, conseguiu também realizar a soma de trinta números, chegando ao valor 29.565. De novo, verificamos que, apesar da engenhosidade do menino em identificar os pesos dos elementos e em reduzir o número de operações algébricas (29, uma vez que não tencionava realizar todas as somas), o erro associado ainda mostrou-se absurdamente alto, de cerca de 94,10% em relação ao resultado correto. Tal método é similar ao que atualmente costumamos chamar corriqueiramente de “princípio de Pareto”, ao estimarmos que alguns elementos concentram a maior parte da informação necessária – mas o próprio Pareto não chegou exatamente a tais conclusões para todo e qualquer sistema. Isso, no entanto, seria objeto de um outro texto... O terceiro aluno, Gauss, gastou o primeiro minuto de seu tempo para avaliar o problema; como o primeiro colega, verificou a complexidade de realizar 999 operações em apenas dois minutos e resolveu descartar tal método. A exemplo do segundo 1 menino, concluiu que os números de menor valor concentravam-se no início da sequência e os maiores, em seu fim, mas brincando com o conjunto-problema, descobriu um fato interessante: a soma de elementos em posições relativas semelhantes era idêntica. Em outras palavras, a soma dos extremos da sequência (1+1.000=1.001) possuía o mesmo valor que a soma do par seguinte (2+999=1.001) e assim, sucessivamente. Dessa forma, existindo uma quantidade de pares de tais elementos igual à metade do número de elementos no conjunto (500 pares), bastaria realizar três operações algébricas – uma soma, por exemplo entre o primeiro e o último número –, uma divisão – a metade da quantidade de elementos – e uma multiplicação entre as duas parcelas anteriores, para se chegar ao resultado exato do problema! Ao fim dos dois minutos, Gauss tinha 100% de correção em seu resultado, cumprindo também a exigência do tempo e tendo minimizado o risco de tal forma que, com a aplicação de seu método, fora possível revisar e conferir as poucas operações algébricas realizadas. A realidade enfrentada pelos três alunos era idêntica – assim como a complexidade do problema e a exiguidade de tempo e de recursos. A primeira forma de resolução demonstrou o grave erro de falta de inovação e de planejamento. Partindo diretamente para a operação, o garoto partiu também direto para o fracasso, uma vez que o método se mostrara inaplicável ao contexto. Entretanto, havia um sentimento de demonstrar esforço e trabalho duro (ainda que em vão), na esperança de conseguir com isso o perdão do professor pelo resultado incorreto ou, ainda, a possibilidade de transferência da responsabilidade para o próprio professor – equivocado no mau dimensionamento dos recursos necessários para a resolução do problema (mais tempo, mais equipes – para dividir as somas em grupos menores e paralelos de números, por exemplo – ou calculadoras e computadores para realizar as operações de forma mais rápida). A segunda resolução demonstrou uma evolução em termos de planejamento mas um crasso erro de avaliação, ao simplificar a realidade complexa; descolado da verdade por não possuir dados que comprovassem suas suposições, o aluno presumiu que poderia somar apenas os elementos mais relevantes da sequência frente aos recursos disponíveis. Esperava, assim, que o problema fosse insolúvel e que sua estimativa fosse aceita diante da incapacidade do professor também conhecer o valor final esperado. A solução de Gauss foi perfeita em todos os aspectos; na inovação decorrente da reflexão voltada ao problema a ser entregue e não à operação (realização de um número excessivo de somas trabalhosas), na minimização do risco associado (sempre um número fixo de três operações algébricas, independente do tamanho da sequência), no cumprimento das premissas de recursos disponíveis (uma única pessoa, no tempo previsto, sem o uso de outros equipamentos) e, principalmente, no respeito e na compreensão da complexidade da realidade. Problemas complexos merecem ser assim reconhecidos, para que se busquem soluções simples. Eis a principal diferença entre as três abordagens: a primeira partiu de uma realidade e de uma resolução complexas e fracassou. A segunda, de uma premissa equivocada de realidade simplificada e não houve como consertá-la durante a evolução dos trabalhos. A terceira abordagem é admirável por considerar toda a complexidade do problema, não promovendo qualquer simplificação em seu entendimento; porém, apresenta uma brutal e definitiva simplicidade em sua resolução. Em muitos casos, a vida de nossas organizações ainda compele pessoas e unidades – por motivos culturais e pela repetição de antigas práticas –, a utilizar preferencialmente a primeira abordagem ou, no máximo, a adotar a segunda alternativa e considerá-la uma grande inovação. Inovação, de verdade, encontramos nas ideias de Gauss. 2