Os Evangelhos da infância
Por “evangelhos da infância” entendemos os primeiros dois
capítulos de Mateus e Lucas.
Marcos, o mais antigo dos evangelhos, não tem nenhum conto da
infância, pois não o achava importante para a mensagem que
queria transmitir.
Pelos anos 70-80, quando Mateus e Lucas escrevem, nascem nas
comunidades novas exigências que precisavam de respostas.
Mateus e Lucas acham importante falar do nascimento de
Jesus, porque estão nascendo algumas correntes de pensamento
que negam a humanidade de Jesus, apresentando-a somente
como “aparente” (docetismo).
Existe uma diferença radical entre as duas narrações. É
impossível harmoniza-los, criando uma “super narração” da
infância.
O pano de fundo é oposto: Mateus apresenta os
acontecimentos de modo dramático, a matança dos inocentes, a
fuga no Egito; Lucas tem outra atmosfera; a família não foge,
mas até vai na “toca do lobo”, ao templo de Jerusalém, para
apresentar Jesus.
Nenhum episódio é narrado ao mesmo tempo por ambos os
evangelistas.
Dos 180 versículos os raros pontos em comum se reduzem a
duas linhas: os nomes das pessoas, Jesus, Maria, José e
Erodes, os lugares, Belém e Nazaré e o fato que Jesus não tem
origem de José, mas do Espírito.
Os Evangelhos da infância (1)
Com o nascimento de Jesus, o
Deus encarnado, Mateus e Lucas
quiseram falar de sua
humanidade.
Em Mateus, são os pagãos, os
Magos, que percebem o
nascimento de Jesus; em Lucas,
são os pastores, os
marginalizados da sociedade
judaica
O paradoxo que os dois
evangelistas apresentam é que o
nascimento de Jesus foi
percebido pelas pessoas mais
distantes, por aqueles que,
segundo a religião judaica, eram
excluídos, e que a sociedade do
tempo desprezava.
O nascimento de Jesus adquire
um sentido particular que vai
muito além do sentimentalismo do
Natal.
Os textos da infância de Jesus
contém uma força violenta; a
denúncia de toda forma de
marginalização feita em nome da
religião.
Os Evangelhos da infância
Os Evangelhos da infância(2)
Os dois evangelistas tem um ângulo visual diferente: os acontecimentos de Mateus parecem contar o
ponto de vista de José, enquanto em Lucas visam o ponto de vista de Maria.
Em Mateus, as visões acontecem de noite, em sonho e aparece o “anjo do Senhor”; em Lucas o “anjo
Gabriel” aparece a Zacarias e Maria e as aparições acontecem de dia e a pessoas despertadas.
A perspectiva geográfica é diferente: o nascimento acontece em Belém, para Lucas, José precisa
fazer o recenseamento, imposto pelo imperador, para Mateus, José já se encontra em Belém com a
família.
O perigo sério é acreditar de conhecer tão bem
estes contos até misturar os dados de um com os do
outro, juntando informações tiradas das narrações
natalinas e dos evangelhos apócrifos.
A primeira operação e desbastar as muitas lendas,
nascidas sobretudo na idade média que enfeitam as
narrações natalinas, tornando-os talvez mais
atraentes mas distanciando-os da realidade dos
evangelhos, bem longe da atmosfera de fada, própria
dos evangelhos apócrifos.
Não devemos nos escandalizar se nos textos dos
evangelhos não encontramos a presença do boi e do
burro; que os magos são magos, isto é astrônomos,
astrólogos, expertos de ciências ocultas, que não são
três, ainda menos não são reis e de raças diferentes;
do fato que de gruta se fala só numa tradição do IIº
século e que a data de 25 de dezembro é
convencional e substitutiva de festas pagãs.
É preciso ler o texto assim como ele é, sem
imaginar nada, e sem dar interpretações
voltadas ao conto paralelo.
Outra dificuldade é dada pela presença do
“maravilhoso”, como a estrela dos magos e a
luz dos anjos.
Há um “gênero literário” que pode ser definido
“conto da infância” e que era conhecido e
praticado.
Para falar do nascimento de Jesus, os autores
não dispensaram a linguagem do seu tempo;
isto tem consequências para nossa
compreensão.
Os capítulos da infância são em primeiro lugar
um testemunho de fé em Jesus Filho de Deus.
São o “concentrado” que Mateus e Lucas
fizeram da mensagem de Jesus.
Os Evangelhos da infância
Genealogia de Jesus
“Sonhos”
De
José
Ações
de
Herodes
Os Evangelhos da infância: a
narração de Mateus (1)
Mt. 1,1-17
Anúncio a José
Mt. 1,18-25
Visita dos Magos
Mt. 2,1-12
Fuga no Egito
Mt. 2,13-15
Matança dos inocentes
Mt. 2,16-18
Volta do Egito
Mt. 2,19-23
Jerusalém
Egito/Êxodo
Nazaré
Jesus = o novo Moisés
O evangelista, após ter juntado e reescrito elementos diferentes
da tradição que dizem respeito a José e Herodes, provavelmente os
“encaixou” um no outro, por meio de uma composição chamada a
“sanduiche”, praticada na época
Os Evangelhos da infância
A genealogia (Mt. 1,1-17)
O costume oriental previa iniciar uma
história com a genealogia da personagem
principal para situa-la socialmente.
A genealogia apresentada divide-se em
três ciclos de 14 gerações
correspondentes aos três períodos da
história de Israel: período patriarcal, da
monarquia e após exílio.
Mateus começa com Abraão para chegar
até Jesus; Lucas, ao contrário, começa de
Jesus para chegar até Adão.
Anúncio a José (Mt. 1,18-25)
A genealogia entendia responder à
pergunta “quem é Jesus”, o conto do
anúncio a José à pergunta “donde vem
Jesus”: Deus está diretamente envolvido
no seu nascimento.
“O anjos do Senhor” na linguagem bíblica é
o próprio Deus (Gên. 16,7-13 ; Es. 3,2).
O sonho é um dos meios costumeiros com
que Deus alcança as pessoas.
A narração segue o esquema tradicional
dos contos da anunciação.
Os Evangelhos da infância: a
narração de Mateus(2)
A visita dos Magos (Mt. 2,1-12)
Herodes, citado em todos os textos do conto, vai além
do simples colocar Jesus no tempo.
O jogo de contraposição das personagens chave, Jesus
e Herodes, é o fio condutor do conjunto dos trechos.
Herodes, em sua ambição, não podia aceitar a
existência de um pretendente, descendente de Davi.
Herodes torna-se adversário do verdadeiro Rei, e
encarna o faraó, perseguidor do novo Moisés.
“Magos” ; ocupavam-se de astrologia, que, na Bíblia não
goza boa fama (Dn. 1,20 ; 2,2-10 ; At. 8,9 ; 13,8).
“magos” aparecem também no conto do nascimento de
Moisés feito ao faraó.
É evidente uma intenção polemica: Herodes e
Jerusalém não reconhecem o Messias; os “magos”,
símbolo nas nações pagãs, o acolhem. O Messias
inaugura uma religião aberta a todos os povos.
A “estrela” não evoca algum fenômeno natural; mas o
tema da estrela que aparece no nascimento de um
grande homem era difuso na comunidade judeu-cristã
de Mateus e também no ambiente helenístico
Os Evangelhos da infância
A fuga no Egito (Mt. 2,12-15)
O breve texto da fuga no Egito tem uma
construção paralela àquela do retorno do
Egito (Mt. 2,19-23).
O Egito era considerado como um lugar de
refugio tradicional para um palestinense da
época.
Para a comunidade judeu-cristã de Mateus,
Jesus revive em sua pessoas a história de
Israel e, particularmente, a história de
Moisés, que voltou ao Egito após a morte
do faraó.
É evidente um aspecto polêmico: o faraó e
o Egito, terra de escravidão, são
identificados com Herodes a a Judeia.
A matança dos inocentes (Mt. 2,16-18)
Herodes repete o gesto do Faraó nos
contos do nascimento de Moisés (Êx. 1,1522).
Herodes é o novo faraó perseguidor do
enviado de Deus.
Os Evangelhos da infância: a
narração de Mateus (3)
O retorno do Egito (Mt. 2,19-23)
(Mt. 2,20) 20 e lhe disse: «Levante-se, pegue o menino e a mãe dele, e volte para a terra de
Israel, pois já estão mortos aqueles que procuravam matar o menino.»
O versículo é a transposição do mesmo trecho do livro
do Êxodo referido a Moisés, tanto que Mateus deixa
ao plural as palavras:
(Es. 4,19-20) 19 Em Madiã, Javé disse a Moisés: «Volte para o Egito, porque morreram
todos os que projetavam matar você». 20 Então Moisés tomou sua mulher e seu filho, os fez
montar num jumento, e voltou para a terra do Egito. Moisés levava na mão a vara de Deus.
Como a morte do faraó permite a Moisés de voltar pro
Egito, assim a morte de Herodes permite a Jesus de
deixar o Egito.
Para Mateus, Jesus devia reviver a história do seu
povo;, não somente a perseguição do faráo, mas
também a libertação do Êxodo, sinal de todas as
libertações.
Na realidade a volta na Judeia foi impossível por
causas políticas e José se refujou na Galileia.
A Judeia se torna símbolo do Israel que não acredita
e perderá a herança em favor da Galileia; na
comunidade de Mateus, este gesto já legitima uma
abertura radical da Igreja às nações.
Os Evangelhos da infância
Os Evangelhos da infância: a
narração de Lucas (1)
Em Mateus o centro da narração está no anúncio a José; em Lucas está no anúncio a Maria.
Maria será continuamente chamada a “confrontar” os acontecimentos e as personagens da infância con aqueles
da vida pública do filho. Neste sentido, Maria, é para Lucas, o modelo do cristão.
Um dos temas mais importantes de Lucas é a presentação de Jesus como o Salvador dos deserdados.
Lucas não fala de Magos ou de Herodes, mas de pastores e de mulheres; além da figura central de Maria,
aparecem outras personagens femininas, come Elisabete e a profetisa Ana.
Uns definem os evangelhos da infância de
Lucas como “o prólogo cristológico”, pela
quantidade de títulos dados a Jesus: “Filho
de Davi”, “Salvador”, “Cristo Senhor”,
“Santo”, “Grande”, “cheio de Espírito”, “Filho
do Altíssimo”, “Filho de Deus”.
Diferentemente de Mateus, Lucas nunca cita
a Escritura de modo explícito, mas toma da
Bíblia com muitas alusões, particularmente
nos hinos como o Magnificat e o Benedictus,
completamente entremeados de textos
bíblicos.
Lucas descreve a personagens partindo das
figuras bíblicas: João Batista é descrito
partindo de Sansão e Elias (Lc. 1,15.80 ; Jz.
13,14.25 ; Lc. 1,15.17 ; 1Rs 17,1 ; Mal. 3,1.24),
Elisabete de Sara mulher de Abraão (Lc.
1,7.25-37 ; Gên. 18,11.14 ; 21,6), Maria
relembra a “filha de Sião” descrita pelos
profetas (Sof. 3,14 ; Zc. 9,9), Jesus é o novo
“Emanuel” (Lc. 1,31 ; 2Sam. 7,14).
O esquema literário em que Lucas coloca Jesus são os “contos
do anúncio”: Isaac (Gên. 17,15-22 ; 18,9-15 ; 21,1-7), Gedeão
(Jz. 6,11-17), Sansão (Jz. 13,2-25), Samuel (1Sam. 1,9-20).
Mateus evoca os contos de Moisés para uma comunidade judeucristã; Lucas reflete a leitura da comunidade cristã
procedente do helenismo e coloca o acento sobre a figura
profética de Samuel.
Lucas usa bastante o “paralelismo”, um procedimento literário
muito conhecido no mundo helenístico do seu tempo, que tem a
finalidade de medir o valor de duas personagens procedendo
por antítese
Lucas coloca em paralelo João Batista e Jesus, cujas vidas se
entrelaçam. O primeiro é como “trampolim” que permite colher
melhor o mistério do segundo. Mateus nem lembra o nome do
Batista.
Também os desequilíbrios do “paralelismo” têm um valor: não
por acaso que Lucas se detenha sobre a circuncisão de João e
deixe só um rápido aceno para Jesus; ao contrário, a ampla
narração do nascimento de Jesus está precedida de um breve
aceno ao nascimento do Batista.
Os Evangelhos da infância
Eixo
Anúncio Cumprimento
Divisão
Ternária
Anúncios
Díptico
Anúncios
Prólogo
Díptico
Nascimentos
Cumprimento
Manifestação
Os Evangelhos da infância:
a narração de Lucas (2)
Lc. 1,1-4
Anúncio Batista
Lc. 1,5-25
Anúncio Jesus
Lc. 1,26-38
Magnificat
Lc. 1,39-56
Nascimento Batista
Benedictus
Nascimento Jesus
Lc. 1,57-58
Pastores e Anjos
Díptico
Visitas
ao
Templo
Apresentação Jesus
Cântico de Simeão
Simeão e Ana
Manifestação Jesus
Lc. 1,59-80
Lc. 2,1-7
Lc. 2,8-21
Lc. 2,22-28
Lc. 2,29-32
Lc. 2,33-40
Lc. 2,41-52
Tríptico dos Cânticos
Reconhecimento
É
S
P
Í
R
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O
S
A
N
T
O
Os Evangelhos da infância
O prólogo (Lc. 1,1-4)
Lucas necessita do desenho de sua obra: ajeitar
e organizar o material que ele tem para mostrar
a “solidez dos ensinamentos”.
Mais, mostra os laços entre sua comunidade
proveniente do helenismo, herdeira do apóstolo
Paulo, e a comunidade judaica das origens.
Anúncio do nascimento de Jesus (Lc. 1,26-38)
Os Evangelhos da infância: a
narração de Lucas (3)
Anúncio do nascimento de João (Lc. 1,5-25)
Lucas retoma o esquema dos “contos de anúncio” como
Mateus fez para o anúncio a José.
Há uma situação paradoxal: Zacarias e Elisabete,
definidos “justos”, termo que indica os dois como bons
Israelitas que observam toda a Lei, em lugar de ser
abençoados por Deus, são aparentemente objeto de um
castigo, como a esterilidade era entendida na cultura da
época.
Temos a compreensão completa do conto com a
comparação do anúncio a Maria.
No ambiente da época uma moça maior de doze anos podia
Visita de Maria a Elisabete (Lc. 1,1-4)
ser ao mesmo tempo casada e virgem, pois a convivência
iniciava após o casamento.
A presença do anjo Gabriel evoca uma revelação que diz
É a primeira manifestação dio Espírito
respeito aos tempos definitivos (Dn. 9,21s).
sobre João e sobre Maria.
O anjo saúda Maria, fato tão esquisito, já que na cultura da
Encontra-se a primeira designação de Jesus
época, não era conveniente saudar uma mulher.
como “Senhor”, obra do Espírito em
O diálogo entre as duas personagens é entrelaçado de
Elisabete.
referências bíblicas (Rt. 3,9 ; 1Sam. 25,41 ; Sof. 3,14-17) e é
Maria expressa sua alegria com o
baseado no mesmo esquema do trecho precedente, mas com
Magnificat”. É um texto composto por um
algumas diferenças significativas.
“mosaico” de citações e referências
No primeiro conto domina a Lei; mas isso não impede ao
bíblicas.
sacerdote de não crer ao anúncio.
Maria não duvida, mas não compreende como isso possa
acontecer. O centro é a potência do Espírito de Deus.
Os Evangelhos da infância
Nascimento e circuncisão de João (Lc. 1,57-80)
O centro do trecho está no nome dado ao menino.
Lucas precisa a origem divina.
O Benedictus, pronunciado por Zacarias repleto de
Espírito Santo, entende revelar mais claramente ainda
a identidade do precursor.
Como o Magnificat, o Benedictus retoma muitas
expressões e temas da Escritura.
Apresentação de Jesus ao templo (Lc. 2,22-40)
A Lei previa dois ritos após um nascimento: a
purificação da mulher (Lv. 12,6-8) e o “resgate do
primogênito” (Es. 13,1-2) feito pelo pai no mês que
segue o nascimento.
Lucas não está interessado nestes ritos, tanto que os
misturas e fale indevidamente de “sua purificação” (Lc.
2,22).
O que lhe interessa é a apresentação de Jesus ao
Templo, parecida àquela do pequeno Samuel,
apresentado pela mãe Ana (1Sam. 1,22-28).
O cântico de Simeão, composto no estilo dos cânticos
bíblicos, mostra a missão de Jesus: a salvação
anunciada agora é realizada e é universal.
Após a profecia de Simeão, Lucas que nunca pede a
ocasião de falar de mulheres, lembra o testemunho da
profetiza Ana.
Os Evangelhos da infância: a
narração de Lucas (4)
Nasciemnto e circuncisão de Jesus (Lc. 2,1-21)
Para João, após um simples aceno ao nascimento, o
acento é posto na circuncisão e no nome dado ao
menino; para Jesus a insistência é sobre o
nascimento (Lc. 2,1-7) e sobre a identidade
revelada aos pastores (Lc. 2,10-14).
O conto sobre Jesus opõe a pobreza do nascimento
à ressonância gloriosa e cósmica que a segue.
Lucas atribui a Belém o título de “Cidade de Davi”
(Lc. 2,3) geralmente reservado a Jerusalém.
A revelação do anjo alcança o mundo inteiro: do
alto ao baixo, das turmas dos anjos aos pastores,
isto é, uma das categorias sociais mais desprezada
na época. Isso antecipa a acolhida que Jesus fará
dos pecadores.
Jesus entre os doutores (Lc. 2,41-51)
Também Samuel, na idade de doze anos foi chamado
ao templo.
A frase de Jesus: “Por que me procuravam? Não
sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?” (Lc.
2,49) coloca Jesus em relação com o Pai
Perda e reencontro de Jesus após três dias,
antecipa a permanência de Jesus no sepulcro por ser
reencontrado pelos seus na glória da Páscoa.
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Os evangelhos da infancia - Centro Studi Biblici "G. Vannucci"