A AGENDA DA PRESIDENTE
Samuel Pessoa
Estamos em uma situação em que a arrumação das contas públicas requererá forte elevação
da carga tributária e simultaneamente uma série de reformas para estabilizar o crescimento
do gasto público como proporção do produto da economia. Estas reformas são necessárias
para que o gasto público cesse de crescer a uma taxa maior do que a taxa de crescimento da
economia.
O ano fechará com um déficit primário na casa de 0,5% do PIB, quando deveríamos ter um
superávit primário de 2,0% do PIB. O buraco é de aproximadamente 2,5% do PIB. Por outro
lado, nosso contrato social – isto é, os critérios de elegibilidade para os diversos programas
sociais e as regras de evolução do valor dos benefícios – requer que o gasto público cresça 0,3
ponto percentual do PIB todo ano. O buraco cresce à velocidade de 0,3 ponto percentual do
PIB por ano.
Tapar o buraco com uma nova rodada de elevação da carga tributária, mas sem alterar as
regras com o objetivo de estabilizar o gasto público como percentagem do PIB, é enxugar gelo.
Já estabilizar o gasto público em percentagem do PIB sem aumentar a carga tributária não
estabilizará a dívida pública como proporção do PIB.
O leitor pode se perguntar sobre os motivos de esses desequilíbrios somente aparecerem
agora? O contrato social não está conosco há décadas?
A seguinte narrativa descreve a evolução das contas públicas desde meados dos anos 90. Em
seguida ao plano Real em 1997, apareceu um déficit primário de 1% do PIB, como
consequência do fim do imposto inflacionário. A crise externa da virada de 1998 para 1999
exigiu que o problema fiscal fosse enfrentado, caso contrário a inflação retornaria.
Entre 1997 e 1999 foi construído um superávit primário de 3% do PIB majoritariamente por
meio de elevação da carga tributária. De 1999 até 2011 o gasto público e a receita cresceram
em termos reais aproximadamente à taxa de 8,5% ao ano. Apesar do contrato social, o
superávit primário se manteve pois a receita cresceu naturalmente à taxa muito maior do que
a taxa de crescimento do produto.
Três processos condicionaram a dinâmica favorável da receita. A formalização da economia
aumentou a taxa de crescimento da receita; a elevação dos termos de troca (relação entre o
preço das nossas exportações e das nossas importações) permitiu a elevação das importações,
e a carga tributária na importação é maior do que a carga tributária média da economia; a
elevação da taxa de crescimento da produtividade acelerou o crescimento econômico e da
receita.
Esses três fatores não irão se repetir nos próximos anos. O crescimento real da receita
observado nos últimos três anos, em torno de 2% ao ano, deve ser o novo comportamento
normal da arrecadação. Vale notar que crescimento real de 2% ao ano é maior do que o
crescimento do produto. Ou seja, a carga tributária não parou de crescer. O que ocorreu foi
que o crescimento nos últimos três anos foi pequeno em comparação ao observado de 2000
até 2011. O comportamento na primeira década do século é que foi excepcional.
Estamos, portanto, em uma situação muito próxima da situação em que estávamos em 1997.
Há um déficit fiscal que mantém a dívida pública em trajetória explosiva e há forte rigidez no
gasto. A única maneira de estabilizar a dívida pública é por meio de uma nova rodada de
elevação da carga tributária, como fizemos entre 1997 e 1999.
É possível argumentar que uma nova rodada de elevação da carga tributária reduzirá muito o
crescimento. No entanto, o atual regime fiscal, que é não sustentável, produz distorção na
decisão de investimento. Por pior que seja o impacto ruim dos impostos sobre o
funcionamento da economia, ele é menor do que o impacto de um regime fiscal não
sustentável. No caso de impostos, temos um custo que será repassado ao consumidor. Um
regime fiscal não sustentável sinaliza ajustes à frente que não são passíveis de serem previstos.
A presidente tem à sua frente agenda complexa. A saúde da economia dependerá muito da
capacidade que ela terá de construir consensos e operar bem com o sistema político.
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