Agosto | 2012
Política fiscal e crescimento econômico no Brasil
O superávit primário do setor público consolidado no 1º semestre de 2012 recuou para 3,1% do PIB, ante 4% em igual período do ano passado. Parte deste
declínio deriva do resultado de estados e municípios, que neste ano acumulam um superávit de 0,8% do PIB, ante 1,2% na primeira metade do ano passado. A maior
parte da redução, contudo, se concentra no governo central, que abarca o Tesouro Nacional, o INSS e o Banco Central.
A piora no desempenho do governo central se dá em um contexto em que as receitas líquidas ainda crescem a uma velocidade superior ao produto – como
proporção do PIB elas chegam a 20% do PIB neste ano, 0,3 p.p. acima do resultado registrado no 1º semestre de 2011. Sendo assim, a diminuição do superávit primário
do governo central de 2,8% para 2,2% desde o ano passado reflete um crescimento do gasto público em velocidade muito superior à expansão do produto, fazendo
com que, em percentual do PIB, ele passasse de 16,8% para 17,7%. Parte importante dessa expansão do gasto se concentra nos benefícios previdenciários, que
crescem 7,2% em termos reais no acumulado do ano, como resultado do forte reajuste do salário mínimo concedido no início deste ano. Há igualmente uma
significativa elevação real dos gastos de custeio.
Parece claro, portanto, que a trajetória das contas públicas aponta para forte elevação do gasto público como proporção do PIB neste ano. Os dados sugerem
também que o superávit primário do setor público consolidado deve ficar abaixo da meta de 3,1% do PIB, que foi integralmente cumprida no ano passado. Há, contudo,
maior incerteza em relação a este segundo ponto. Isto porque o governo demonstrou nos últimos anos enorme capacidade de gerar receitas com dividendos pagos por
empresas públicas ou de produzir manobras contábeis que impliquem elevação do superávit primário. De qualquer forma, a forte elevação do gasto como proporção do
PIB indica que a política fiscal está em postura francamente expansionista.
Parte da deterioração fiscal recente pode ser atribuída ao fato de a economia ter tido um crescimento muito pobre nos quatro últimos trimestres. Contudo, o
crescimento do gasto público em velocidade muito superior ao produto tem sido persistente nas últimas décadas. De fato, se compararmos os dados do 1º semestre
deste ano com igual período de 1997, observamos que a despesa primária do governo central saltou de 13,3% para 17,7% como proporção do PIB. A implicação disto é
que o equilíbrio fiscal no Brasil tem se dado através de uma contínua elevação da carga tributária e essa tendência persiste em 2012.
A literatura sobre finanças públicas demonstra de forma bastante clara que os países que têm mais êxito em produzir aceleração do seu crescimento a partir
de um ajuste fiscal em geral adotaram a estratégia oposta: eles concentraram o ajuste no controle dos gastos e não na elevação da carga tributária. A estratégia
adotada pelo Brasil nas últimas décadas nos leva a uma carga tributária que se aproxima dos 35% do PIB, que é extremamente elevada se comparada a países com
nível de renda per capita semelhante ao nosso. Diante do imperativo de expandir a carga de impostos de forma contínua, a evolução do sistema tributário brasileiro nas
últimas décadas colocou em segundo plano questões como os seus efeitos sobre a alocação de recursos, o crescimento econômico e o bem-estar.
A pesquisa Doing Business, publicada anualmente pelo Banco Mundial, avalia em 180 países a evolução de diversos aspectos do ambiente de negócios. No
ranking construído a partir da todas as variáveis consideradas, o Brasil aparece em uma pouco lisonjeira 126ª posição. Especificamente na questão de pagamento de
impostos, porém, o Brasil figura no 150º lugar. Nesse ranking se considera não apenas a parcela dos lucros de uma empresa média comprometida com o pagamento de
impostos, mas também o número de pagamentos que essa empresa deve fazer por ano, bem como o total de horas de trabalho administrativo requerido para cumprir
as obrigações tributárias.
Por mais que esse seja um diagnóstico apenas parcial do sistema tributário, esses resultados são eloquentes em relação à extraordinária complexidade do
sistema brasileiro e seus efeitos deletérios sobre a competitividade da nossa economia.
Sob a ótica dos efeitos da política fiscal sobre o crescimento, as coisas se tornam piores quando consideramos a composição do gasto público. A despeito da
trajetória de forte expansão nas últimas décadas, o investimento público tem se mantido em níveis muito baixos como parcela do total do gasto. Excluindo-se os
gastos associados ao programa Minha Casa, Minha Vida, o investimento do governo federal foi de apenas 1,2% do PIB no 1º semestre deste ano. Diante disto, o
crescimento do gasto público se concentrou nos gastos correntes, incluindo tanto o custeio da máquina pública como as transferências ao setor privado. Nos últimos
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quinze anos, uma fonte de pressão especialmente relevante foram os benefícios do INSS , que saltaram de 4,6% para 7,5% do PIB no período. Isto se deve tanto à
tendência de expressiva elevação real do salário mínimo (ao qual está indexada grande parte dos benefícios) como a questões demográficas.
O Brasil, portanto, tem um setor público muito grande em comparação a economias com nível semelhante de renda, mas a capacidade de investimento
governamental é muito pequena. O Estado é grande porque a máquina pública é pesada e porque as transferências às famílias, notadamente através do sistema
Agosto | 2012
previdenciário, são elevadas e exibem trajetória notadamente ascendente. Esse é um padrão especialmente adverso em relação aos efeitos da política fiscal sobre
o crescimento de longo prazo. Em horizontes mais longos, a expansão da economia está ligada fundamentalmente ao crescimento da oferta agregada, que somente
pode se dar através da acumulação de capital físico e humano, do crescimento da força de trabalho e dos ganhos de produtividade.
Dessa perspectiva, uma dificuldade crônica da economia brasileira é o baixo nível de poupança doméstica, que nos últimos anos tem oscilado ao redor de
16% do PIB. Isto limita o espaço para a ampliação do investimento, que somente pode exceder a poupança doméstica na medida em que o país absorver poupança
externa. Nossa poupança é baixa, em parte, porque o setor público se apropria de uma parte expressiva da renda nacional e mesmo assim tem poupança negativa.
Ao mesmo tempo, o crescimento das transferências às famílias desestimula a poupança privada.
Até certo ponto, é possível compensar a baixa poupança doméstica através da absorção de poupança externa, que é equivalente, por definição, ao déficit
em conta corrente do país. Afora o fato de que existem limites para o tamanho do déficit que pode sustentar sem comprometer a solvência do balanço de
pagamentos, é importante observar que a ampliação do déficit, no caso brasileiro, tem se dado principalmente através da ampliação da importação de bens
manufaturados. Isto se explica pelas vantagens comparativas do Brasil na produção de bens primários, exacerbadas pela forte elevação no preço relativo das
commodities nos últimos dez anos.
No quadro de baixo crescimento da economia brasileira nos últimos trimestres, o aspecto mais sombrio é exatamente a contínua queda da produção
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industrial. Como observamos em outra oportunidade recente , essa queda se dá principalmente porque uma parcela crescente da absorção doméstica de bens
manufaturados tem sido atendida através de importações. A redução do superávit primário, implicando redução da poupança pública, pressiona por uma maior
absorção de poupança externa, que se dá através da importação de manufaturados, o que tende a acentuar as dificuldades do setor industrial.
Em suma, acreditamos que a política fiscal brasileira tem efeitos negativos sobre o crescimento econômico de longo prazo. O que assistimos nas últimas
décadas é uma tendência de contínua elevação do gasto sobre o PIB. Isto é especialmente perverso quando consideramos que esse gasto tem sido financiado por
um sistema tributário muito distorcivo e que o setor público, embora muito grande, tem baixa capacidade de investimento. O debate macroeconômico recente
parece dar muito importância a um eventual estímulo à demanda agregada vindo da política fiscal, mas perde de vista os efeitos perversos que ela tem tido sobre o
investimento, a produtividade e o crescimento potencial. A maior vítima dessa política é o setor industrial brasileiro.
Alexandre Bassoli
Economista-chefe do Opportunity e Mestre em Economia pela USP.
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Incluindo-se os benefícios associados à Lei Orgânica de Assistência Social (Loas).
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Ver “O que está acontecendo com a indústria?”, comentário macroeconômico de junho de 2012 do Opportunity.
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