Do Ponto de Vista a Dimensionalidade Martin Grossmann no inicio estava a natureza dai veio o homem que criou a arte. homem e arte, pouco a pouco, foram sublimando e neutralizando a presenGa da natureza No Pitagorismo, o papel do homem na sociedade era relacionado a tr6s diferentes graus de participa~80nos Jogos Ollmpicos: no nivel mais baixo estavam aqueles que vinham para comprar e vender (ambulantes, espectadores comuns, etc ...), no intermedihrio havia os que participavam da competi$?io, e o terceiro era formado por aqueles que vinharn assistir o espethculo, os tebricos, no sentido literal do atraves das artimanhas da representa~lo. termo. 0 desvio etimologico de teoria ocorre justa- porem o mundo dos significantes e significados rebelou-se mente nesta gpoca: do mero ato de olhar para o de desconstruindo os mitos homem e arte de concep@o mental. contemplar e gradualmente adquirindo o significado A transforma~80deste termo acornpanha o abrindo espago ao caos. desenvolvimento do que ~ c l u h a n 'chamou de espaco mundo cabtico, pois entregue a relatividade do sujeito. visual. A elabora~io de uma concep~iomental de na sua relatividade o sujeito hoje espaFo, nos moldes desenvolvidos pelo Pitagorismo, necessita de outras formas de conhecimento, - a sua interiorizag80 atraves do subconsciente - para requer a dissimula~80do contexto das coisas em geral outras tecnologias, garantir uma uniformidade abstrata e esthtica do que 6 contemplado, ou seja, representa-se urna figura indivi- para entender esta outra disposiglo entre as coisas, o mundo e o prbprio sujeito. Item-3 tecnologia dualizada em detriment0 de seu contexto consciente. Neste sentido o espaGo visual 6, acima de tudo, uma constru@io de bom senso, resultado de uma percepc80 uni-sensorial baseada na i n t e r a ~ i omente-olho. 1. McLuhan, M. Laws of Media. Toronto. 1988. Do Ponto-de-Vista B Dimensionalidade MaRln Grossmann Atraves desta estrutura episternoldgica dernista. Portanto, n20 se trata de urna tentatlva de podemos comparar o papel do p~ntorcom o do cientlsta, arnbos tebr~cosque trabalham corn a rnesma no@o defini~Bodestes termos, nern de urna adequa~Bodestes ao esquema proposto, apenas aproprio-me deles para abstrata e geornetrlzante de espaco (ev~denteem si enfatizar a ideia de transformaqBo que a visualidade mesma) que surge corn os gregos (Eucl~diana). sofre em sua trajetdrla objetlvando a constru~Bode um No caso do artista-pintor, a tela branca sinte- conhecimento universal. tiza esta no~Boabstrata de espaCo corno urna por@o de Antes de enfocar cada urn destes rnornentos, urn plano extenso, infinito, esttitico e hornogeneo - urn Quantum continuum - que interrnedia o ato de contern- 6 necesdrio reafirrnar o cartrter generalizante desta explana~Boque inevitavelrnente encobre nuances e dls- plaC2o e o rnundo dos fenbrnenos (natureza) A tela 6 cussaes de grande importincia para debates corno este que estou desenvolvendo. conslderada corno urn espaCo perfelto que nBo est6 sujelto a qualquer forrna de interferhcia ou f r l c ~ i o momento pre-modernists proveniente do rnundo exterior, funcionando asslrn corno um melo a prior/, urna estrutura que permite a forrnal~za520 de conheclrnento Esta estrutura, al6rn de ser evidente em sr rnesma, 6 independente da exper~enc~a. Asslrn, corno qualquer conhecimento a prlon, a tela curnpre urn objetivo rnaior, que 6 o de modelar e ordenar toda possivel conternpla$io. Como jB explorado por Panofsky em seu celebre livro A Perspectlva como Forma Simbdlica, a tela funciona como urna janela, urn enquadrarnento de urn Instante lsto lmpl~caa presenCa de urn sujeito que conternpla (urn ponto-de-vlsta) de urn lado desta janela e de urn objetotcena conternplado do outro A ideia de um ponto-de-v~sta6 posslvel graCas a no@o de drstancia que separa estes dois lados, a distancia que o olhar necessita para apreender o urn ver atraves e em l~nhareta, que ao usar corno base a Gornbrich ]ti dizia, "0 nosso olhar nBo dobra esqulnas". A perspectiva B portanto um estratagema, conc~sBovisual do ser-hurnano - como Durer esquernatlza em sua gravura A Demonstra~ioda Perspectiva (1525) - alrneja representar corn f~delidade urn objeto/cena conternplado. Assirn, divorciado do objeto objetofcena trl-d~rnenslonal em urna superfic~e bi- .contemplado, n20 hB necessidade do sujeito acionar ou- dimensional. Neste sentido, Gornbr~chressalta. "a pers- tros sent~dospara compreender o que estti sendo enfo- pectiva vlsa urna equa~80correta pretende que a cado, s6 a vis2o. Neste caso, a eplsternolog~aernprega- irnagern pareCa corn o objeto e o objeto corn a ~rnagern" da fundarnenta-se na predisposi~Boconternplativa e nBo 0 period0 prk-modern~stana hlstdr~ada visu- atraves da experi6ncla do sujeito corn o objeto e corn o alidade 6 marcado pela preocupa~Bocom a represen- context0 forrnado por esta intera@o Podernos aflrrnar ta@o da realidade atraves de sua reprodu~20em pin- entio que a lanela, o ponto-de-v~stae o ato contempla- turas de genero Podernos considerar a invenc80 da pers- tivo forrnarn urna tecnologia desenvolvida pelo homem pectiva baseada em regras matemtiticas (Brunellesch~, para simplificar e organizar a aquisl@o de conhec~rnento, que 6 norrnat~zadoatraves da p r o j e ~ i obi-dirnensio- 1377-1446) como a efetiva~20deste rnodelo de vlsualldade e o lrnpress~onisrnocomo o rnovirnento que sirn- nal do objetotcena contemplado na janela (plntura). boliza a sua exaustao ao que SBo tr6s os elernentos que estruturarn esta podemos charnar de estrutura elernentar da visualidade ocidental, 6 possivel ~dentificaros elernentos centrals Atraves desta rtipida ~ntrodu$?io fase parad~gmtiticapara a constru~20do conheclrnento oc~dentalatraves da vldo. a natureza, o artista e a pin- que promoverarn o desenvolvimento desta visso de tura. mundo, tendo corno ponto de part~daa Renascen~a lsto sera apresentado atraves da esquernatiza~Bodeste percurso em trgs momentos d~ferenciados.Para auxiliar-me 2PaMf*~EmPers~knYea1s QmWisf~Foim Munique 1927 3, Gombrlch, and ilus~on,Londres. 1960 nesta tentativa de generaliza~Bo,optei por identificar, de forrna clrcunstanc~al,estes momentos corno sendo consecutivamente: pr6-modernisfa, modernista e pds-motecnologia Item-3 Martin Grossmann Do Ponto-de-Viaa B Dirnenrionalidade 0 artista 6 o agente intermediador entre o mundo fenomenoldgico e sua representa~lo.N l o existem outros agentes, a obra 6 um produto executado e finalizado pelo artista atraves de meios e t6cnicas convencionais. 0 mundo e as coisas e os seres que o habitam siio retratados corno fachadas, como entidades subestimar a capacidade dos meios de aferir e gerar conhecimento, ao supor que tanto atraves da pintura como do texto por exemplo, ele, o homem, possula o conhecimento supremo do mundo. Criou-se assim a superflcie destes meios, pois eles 6 que representavam a realidade. A natureza passa assim a ser considerada enxergam e entendem o mundo bi-dimensionalmente. como um referente apriori, e nem a escola paisagista de natureza pintura Emprega-se basicamente a andlise neste enxergar o mundo, favorecendo o surgimento de disciplinas - como a estetica, a histbia da arte - que buscam normatizar esta r e l a ~ l oentre: a) o que 6 representado, b) a representa~iioe c) seu idealizador e produtor, o artista. 0 problema corn este convincente sistema de significa~80,como alerta Nietzsche em rela~iioA linguagem textual, 6 que a sua eficiencia levou o hornem a item-3 tecnologia ADemO"Sira@O Perspectiva, 1525 , iludo de que estes meios eram aeternae veritates, ou seja, um mundo A parte do mundo em que vivemos. A natureza assim foi sendo gradualmente sublimada pela bi-dimensionais (simbolosl, pois a observa$Bodo mundo se dd atraves da janela. HA portanto uma compatibilidade entre a representa(;lo e a visualidade, pois ambos artista Albrecht Direr, Barbizon (1830) como tampouco os lrnpressionistas foram capazes de reverter esta tendencia A simula@io. 0 process0 de encantamento do homem corn este seu artificio 6 analisado por Baudrillard quando ele explora historicamente e conceituatmente as ordens e efeitos do simulacra como sistemas que visam, n l o apenas entender o mundo, mas ordend-lo e controld-lo. A obra de arte adquire assim o status de uma coisa em si mesma, independente do mundo experiencial. Pode-se afirrnar entiio que esta independencia do mundo extemo, da vida, significa tambem a morte da represent a ~ l como o mimesis da natureza. lsto tambem nos leva a determinar o primeirocisma, a passagem do momento pr6- 4. Nieaxhe. F. Menschliches, rnodernista da visualidade ocidental para o modernista. Paris. 1983. A1lzumenschh"ches, Chernnitz. 1878-80. ,,,,, illard, J, Sirnu Do Ponlo-de-VistaIDimensionalidads Marlin Grossmann momento modernista Por que o Cubismo e n8o CBzanne? Simplesmente porque o Cubismo transforma-se em uma generaliza~io,um movimento que mesmo incorporando a experihcia singular de CBzanne - como bem demonstra o artista cubista nas tentativas de representa~iode sua multivis30 - acaba par abandonar a natureza como referencial maior voltando-se 8s preocupaQ3esconceituDuas produ~tiesselvem como pontes entre ais e pictdricas do prdprio meio. lsto B explicitado por estes dois momentos. CBzanne e sua ddvida, e Manet e Appolinaire quando ele considera o Cubismo como sua pinturas explicitamente planas. Mais urna vez f a ~ o sendo o inicio de urna nova arte plastics, pura pintura. uso da generalizag80 ao usar o trabalho destes dois Neste caso, ja que a pintura como represenartistas para indicar o desdobramento desta fase mo- ta@o da natureza estd monta, slo apenas dois os eledernista em dois segmentos diferenciados mas conver- mentos responsdveis pela manuten~30deste segmento gentes em d i r e ~ i o8 tendencia reducionista herdada do paradigmdtico relacionado B visualldade do momento: o prB-modernismo. artista e a pintura. Ao questionar intuitivamente, atraves de sua pintura, a rigidez do modelo de visualidade empregado na Bpoca, CBzanne busca manter atraves da a ~ 3 ode representaS30 da natureza (o ato de pintar), como os Impressionistas e os artistas da escola Barbizon, urna relac80 mais intensa e experiencial com este seu modelo. Mas, segundo Merleau-Ponty !a inten~8ode CBzanne B singular, um paradoxo: "procurar a realidade 2Qsegmento modernista sem abandonar as sensa~aes,sem ter outro guia sen80 a artista natureza da impress80 imediata, sem delimitar os con- ' tornos, sem enquadrar a cor pelo desenho, sem compor a perspectiva ou o quadro". A natureza, na pintura, deixa assim de ser urna representa~80bi-dimensional, fotogrdfica, e passa a ser um objeto. 0 ponto-de-vista perde seu papel de agente focalizador, de lente objetiva e B substituido por urna apercep~20pessoal orientada pela inteligencia do pintor, que em unissono organizam a obra. IQ segmento modernista artista natureza 6. Merleau.Ponty. M. Sens et NO+ Sens, Paris. 1965. 7. Appoiinaire, G. Les Peintres Cubistes, Esthbtiqws. Paris, 1913. 8. Argan. G.C. L'Arte Moderna 1770/1970.Roma. 1970. 9. Greenberg, C. Modernist Painting. Nova York. 1965. obra Resultante deste process0 fenomenoldgico entre a pintura e a natureza temos o Cubismo, movimento que simboliza o infcio do segundo momento da visualidade ocidental marcado pela intens80 de se estabelecer um novo parametro para as artes plisticas: uma arte auto-referente, capaz de superar os objetivos anteriores de representa~30da natureza dedicando-se exclusivamente a seus prdprios preceitos e caracteristicas. @+I obra 0 segundo segmento modernista tem como artista referencial Manet. Argan da a dica: "As figuras e o espaFo formam, pois, um dnico contexto: Manet nlo ve as figuras dentro, e sim com o ambiente". 0 ambiente ou espaSo neste caso n8o 6 o da natureza, mas explicitamente o da prdpria pintura, sua tradig8o. Manet buscou representar, atraves de sua visualidade contemporlnea, a histdria da pintura, a histdria da representa~io0 . externo, para este pintor-historiador B um elemento puramente pictdrico, parte da composi~80da pintura, que antes de mais nada B um meio decididamente bi-dimensional. N l o 6 8 toa que Greenberg, tedrico exemplar do modernismo, considera Manet como o precursor da pintura modernista. aquela que se caracteriza pelo exercicio da auto-crltica que B operacionalizada no interior do prdprio meio empregado atraves de seus prdprios recursos thcnicos. Vale lembrar, como faz Greenberg que o emprego da auto-critica n8o visa a subverdo do meio, mas o seu fortalecimento. Por outro lado esta conscientiza~80das particularidades do meio tambBm acaba por promover urna crltica que 6 redutiva ', tecnologia Item-3 Martin Grossmann Do Ponto-ds-Vista B DImensionalidado e disciplinar, ou seja pragrnatica. 0 rneio vive em f u n ~ l o 0 estruturalisrno e, principalmente, Barthes " de si rnesmo, incapaz de transcender a sua prdpria 6 responsdvel pela prorno~loda metalinguagern como natureza, corno esclarece Krauss" ao dernonstrar a recurso tedrico indispensavel para revelarrnos o que existencia da grade (grid) corno urna estrutura referen- Foucault cia1 da arte modernista que favorece a recorrencia e mais sublimadas pelas carnadas conotativas de um l2 charnou de epist&m&s, sub-estruturas for- r e p e t i ~ l odos eventos, mesrno aqueles auto-denomina- signo ou meio, que d l o validade ao conhecimento dos de vanguarda. cientifico ou hurnanistico em um deterrninado perlodo hist6rico. A pintura de Magritte, 0 Uso da Palavra 16, sern dhvida, um born exemplo de tdtica desrnitificadora prornovida pelo estruturalisrno, uma vez que ela revela a verdade que sistemas de significa~lodo Ilurninismo, como a pintura e o texto, s l o obrigados a prornover e comunicar sublirninarrnente. Foucault, em seu ensaio Mas esta tendencia auto-critica do rno- lsto ngo B urn cachimbo (Ceci n'estpas une p i p e ) , r e a l ~ a dernismo tarnbBm 6 responsdvel por urna outra forrna de a capacidade que esta pintura tem em prornover crltica, a metalinguagern. deslocarnento das verdades a priori usadas pelo obser- Metalinguagem 6 o resultante de uma atitude crltica e cons- ciente que se relaciona as opera~Gesde urn meio ou linguagem empregada em pro1 da construFlo de conhecimento. No momento em que o produtor emprega conscientemente a linguagem, hA uma justaposic;lo de duas linguagens, a linguagemconteljdo e a linguagem-forma. Ou seja, a metalinguagem 6 formada pela intera~lode um discurso crltico cujo referente 6 o discurso de uma prAtica de significa@o (seja ela pintura, arquitetura, literatura.. .).Neste caso, esta pratica al6m de pronunciar-se a respeito de seu tema tamb6m comunica algo a respeito de si mesma: ela se apresenta como uma linguagem bl-facetada. i t e m 4 tecnologia urn vador na conternpla~loda arte. Para ele 6 a irrealizdvel c o n e c ~ l oentre texto e obra e a impossibilidade de definir a perspectiva usada na forrnula~lodo quadro que permitiria ao observador aferir se a a s s e r ~ l oB verdadeira, falsa ou contraditdria - que causarn um estranharnento conceitual no observador, levando-o a ques- 10. Krauss. R. The Origimlify of the Avant-Garde and Other Mps, Cambridga, 1985. 11. Barthes. R. Mflalogiss. tionar a estrutura episternol6gica deste sisterna de sig- Paris. 1957 & La nifica~lo.Magritte interroga a razlo de ser deste meio /'Auteur. Paris, 1969. onipresente ao desconstruir suas prernissas, trazendo para a sua superficie o que estava dissimulado. Ou corno Mort de 12. Foucault. M. LesMotsetles Choses, Paris, 1966 & Ceci n'estpas une Pip, Paris. 1983. Da Panto-de-Vista d Dimensianalldade Diego Velizquez. As Meninas. 1656 61eo sl tela. 318 x 276 cm Museu do Prado Lucio Fontana. Tela Cortada oleo sf tela e cortes colecao particular M a r l i n Grossmann