1 O Contrato de Arrendamento Mercantil ou Leasing Maria Bernadete Miranda Fernando Silveira Melo Plentz Miranda Mestre em Direito das Relações Sociais, sub-área Direito Empresarial, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Coordenadora e Professora do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Itu e Professora de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Mediação e Arbitragem da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis de São Roque. Advogada. Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de Ciência Política e Teoria Geral do Estado e de Direito Processual Civil na Faculdade de Administração e Ciências Contábeis de São Roque – Advogado e Administrador de Empresas. 1. Introdução Embora no Brasil o instituto tenha se consagrado sob a denominação arrendamento mercantil, seu nome histórico e natural é leasing, acompanhando as diversas expressões usadas nos países onde se originou. Os contratos de arrendamento mercantil, ou simplesmente leasing, formaramse ao longo da história da humanidade, na busca de uma forma para que os empreendedores obtivessem condições de exercerem as suas atividades, multiplicando assim o potencial humano e a riqueza da sociedade. O contrato de leasing, como atualmente conhecemos, começou a ser concebido na segunda metade do século XX nos países capitalistas, inclusive no Brasil, sendo uma das formas de se fomentar a atividade industrial e comercial da época. Os contratos de leasing sempre foram e continuam sendo uma das formas que os empreendedores encontraram, para adquirir bens, geralmente destinados a produção. Mas, nos últimos anos, os contratos de leasing perderam espaço para os contratos de financiamentos com garantia de alienação fiduciária, muito em função da influência das instituições financeiras que facilitaram o financiamento de bens. Porém, com o fim da cobrança do imposto da CPMF em 31 de dezembro de 2007, o Governo Federal com receio de perder parte da sua arrecadação com impostos, aumentou a alíquota do imposto do IOF (imposto sobre operações Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 2 financeiras) nos contratos de financiamentos. Ocorre que o IOF não incide sobre os contratos de leasing, motivo que levou as instituições financeiras brasileiras a oferecerem cada vez mais às pessoas, físicas ou jurídicas, os contratos de leasing, como forma de não pagamento do imposto. O arrendamento mercantil ou leasing aparece como uma modalidade de financiamento ao arrendatário, facilitando-lhe o uso e gozo de um bem de sua necessidade, sem ter que desembolsar inicialmente o valor desse bem, e com a opção no final do contrato, de tornar-se proprietário do bem, pagando nessa ocasião o valor residual. Assim, mais uma vez, os contratos de leasing estão em expansão no montante das realizações financeiras, motivo pelo qual deve-se entender e estudar este instituto. 2. Origem Histórica Operações com características de leasing podem ser encontradas na antiguidade, praticadas por centenas de anos. Apesar de vaga e escassa a literatura acerca de seu histórico, uma forma de leasing já era utilizada pelo governo ateniense sobre as minas de propriedade do Estado: determinada quantia de dinheiro era paga pelo Estado como garantia de exploração e uma renda anual estabelecida como percentagem dos lucros, o arrendatário podia vender o minério ou subarrendar o direito de exploração. As minas de ouro e prata em Thaos e Laurium, cidades gregas antigas, eram exploradas dessa forma. Leasing perpétuo em terras aráveis na península da Ática e era mencionada em listas de propriedade por oradores gregos, aproximadamente 500 anos antes de Cristo. Na Inglaterra, os primeiros barões eliminaram de suas terras uma forma de leasing, a fim de manterem o direito de posse sobre elas. O arrendamento mercantil ou leasing foi introduzido nos Estados Unidos por volta de 1700, pelos colonos ingleses. Entretanto, sua real expansão ocorreu em Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 3 março de 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, com a promulgação da Lend and Lease Act, pelo então presidente Roosevelt. O governo americano efetuava empréstimos de equipamentos bélicos aos países aliados, sob a condição de finda a guerra, serem eles adquiridos ou devolvidos. Na década de 1950, a experiência consolidou-se junto ao setor empresarial, quando Boothe Jr., proprietário de uma fábrica de alimentos na Califórnia, necessitando atender um importante contrato de fornecimento firmado com o exército, e não possuindo equipamentos e disponibilidades suficientes para adquiri-los, resolveu alugá-los. Tempos mais tarde, este mesmo industrial constituiu a US Leasing Company e a Boothe Leasing Corporation, empresas americanas destinadas ao aluguel de equipamentos. No Brasil, na década de 60, empresas locadoras realizaram operações assemelhadas ao leasing. Os primeiros contratos foram efetivados pela Rent-a-Maq, uma pequena empresa independente, localizada em São Paulo. Todavia, pela inexistência de regulamentação específica, notadamente quanto aos aspectos fiscais, houve dificuldade de expansão do setor. Outros fatores inibidores à implantação da nova idéia foram os altos custos financeiros e a aplicação de técnicas rudimentares. A partir da Revolução de 1964, em função da crescente expansão industrial e comercial, aliada a uma apurada técnica financeira, foi possível obter-se uma maior participação do leasing no mercado nacional. Em 12 de setembro de 1974, com a promulgação da Lei nº 6.099, que dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil e dá outras providências, este tipo de operação foi regulamentada, obedecendo as normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, com controle e fiscalização exercidos pelo Banco Central do Brasil. A partir deste momento passou a ser praticado oficialmente no mercado financeiro, tornando-se uma excelente alternativa para financiamentos de longo prazo e de alta flexibilidade, adequando-se ao fluxo de caixa e de investimentos, inclusive com carência. Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 4 Em 28 de agosto de 1996, a Resolução do Banco Central nº 2.309, passa a disciplinar e consolida as normas relativas às operações de arrendamento mercantil. 3. O Leasing no Direito Comparado Leasing nos Estados Unidos. O leasing surgiu nos Estados Unidos. O seu precursor foi o Lend na Lease Act, Lei norte americana de empréstimo e arrendamento, pela qual o congresso norte americano autorizava o presidente Roosevelt a “emprestar” material bélico aos aliados. Este material, escoado o prazo ou findas as hostilidades, deveria ser devolvido e pago pelo país que o receberá. É, todavia, na década de 50 que nasce o leasing nos Estados Unidos. É conhecido o caso de Boothe Jr., que inventou a técnica de leasing. Proprietário de uma grande empresa na Califórnia, e tendo recebido enorme encomenda, engendrou um sistema de arrendamento de bens de equipamentos, de maquinaria. Sem o dispêndio de capital, criou-se em 1952, uma sociedade com capital de 20 mil dólares, e o seu sucesso foi grande e imediato com o prestígio e crédito bancário que conseguiu. Leasing na Inglaterra.. A Inglaterra foi o primeiro país europeu a praticar o leasing em 1960. A forma primitiva do leasing na Grã-Bretanha foi a locação de compra, que data o fim do século XIX. Este hire purchase (locação de compra), desenvolveu-se muito depois da ultima guerra. A locação de compra ou hire purchare foi muito utilizado para automóveis, artigos eletrodomésticos, máquinas de costuras, etc. Iniciou-se tão somente com a intervenção de duas partes: o fornecedor e o cliente, aparecendo, depois, com a maior necessidade de recursos para o fornecedor, a financeira. Leasing na Alemanha. O leasing vem sendo praticado desde 1965, na Alemanha, sob duas formas principais: o operacional Operate-Leasing-Verträge e o financeiro Finanzierungs-Leasing. No operacional, há um contrato de locação normal Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 5 que pode ser dissolvido por ambas as partes, imediatamente, sob a observância de prazo de dissolução relativamente curto e sem o pagamento de multas convencionais. No contrato de leasing financeiro há prazos maiores. Para o tratamento fiscal é decisiva a destinação jurídica do objeto de leasing após o prazo básico de aluguel. Dentro destes limites, são cogitáveis as seguintes possibilidades: a) Finanzierungs_Leasing sem opção de compra – trata-se de um contrato normal de locação. A opção de compra como se sabe, é irrelevante na operação; b) O contrato com opção de compra – o tratamento contábil dependerá de seu conteúdo; c) O contrato com opção de prorrogação – neste caso, o aluguel sucessivo é, em regra, um percentual do aluguel básico 5% (cinco por cento). É interessante notar que na Alemanha estabelece-se percentuais variando de 40% (quarenta por cento) à 90% (noventa por cento) do uso sobre a duração normal do objeto leasing com importantíssimas conseqüências jurídicas e econômicas para o arrendador e para o arrendatário. Leasing na França. Muito embora as primeiras operações de leasing tivessem sido tratadas já em 1961 na França, somente em 1966 surge a Lei que tratou do crédit-bail. Esta lei veio apenas estabelecer, e fixar o seu campo de incidência, nada dispondo no concernente aos aspectos tributários. Na França existem os termos de leasing crédit-bail. O leasing é o conjunto de operações que permite colocar certo material à disposição de um arrendatário contra o pagamento de um aluguel e, para alguns, com uma opção de compra ao final do contrato. O crédit-bail é a parte do Leasing. Leasing na Bélgica. Na Bélgica o leasing foi implantado em 1963 e seu desenvolvimento muito moroso. Isto, em virtude da forte imposição fiscal. A legislação daquele país estabelecia uma taxa de transmissão de 7% (sete por cento) sobre o custo do material quando de sua compra pela sociedade de leasing. A isto se acrescia uma alíquota de 7% (sete por cento) sobre os aluguéis mobiliários. Leasing na Itália. A primeira sociedade de leasing aparece na península italiana em 1963 e em Roma. Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 6 Embora inexista lei sobre o leasing naquele país, espera-se lá grande expansão e desenvolvimento da instituição. 4. Conceito de Arrendamento Mercantil ou Leasing Arrendamento mercantil ou leasing é o contrato pelo qual uma das partes, a arrendadora concede à outra parte a arrendatária, por um longo prazo, o direito de utilizar uma determinada coisa, cobrando aluguel por esse uso temporário, e admitindo que a certo tempo do contrato, a parte que vem utilizando aquela coisa declare sua opção de compra, pagando o preço residual, que será, o valor total da coisa, menos o valor pago pelo aluguel. Além da opção de compra no final do contrato, o arrendatário poderá optar pela prorrogação do aluguel, ou pela devolução da coisa. A Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974, em seu artigo 1º, parágrafo único, definiu o arrendamento mercantil sendo "o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica na qualidade de arrendatária e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta”. Para Maria Helena Diniz "o financial leasing norte americano, crédit-bail dos franceses, hire-purchase dos ingleses, locazione finanziaria dos italianos, traduzido por arrendamento mercantil, é o contrato pela qual uma pessoa jurídica ou física, pretendendo utilizar determinado equipamento, comercial ou industrial, ou um certo imóvel, consegue que uma instituição financeira o adquira, arrendando-o ao interessado por tempo determinado, possibilitando-se ao arrendatário, findo tal prazo, optar entre a devolução do bem, a renovação do arrendamento, ou a aquisição do bem arrendado mediante um preço residual previamente fixado no contrato, isto é, o que fica após a dedução das prestações até então pagas". 1 Segundo Stephen A. Ross, arrendamento mercantil é “um acordo entre arrendatário e um arrendador. O acordo estipula que o arrendatário tem o direito de 1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995, 431. Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 7 usar um ativo e, em troca, deve fazer pagamentos periódicos ao arrendador, ou seja, o proprietário do ativo. O arrendador pode ser o fabricante do ativo ou uma companhia de arrendamento independente. Se o arrendador for uma companhia de arrendamento independente, deverá comprar o ativo ao arrendatário, e o acordo entrará em vigor.” 2 Assevera Fran Martins que “entende-se por arrendamento mercantil ou leasing o contrato segundo o qual uma pessoa jurídica arrenda a uma pessoa física ou jurídica, por tempo determinado, um bem comprado pela primeira de acordo com as indicações da segunda, cabendo ao arrendatário a opção de adquirir o bem arrendado findo o contrato, mediante um preço residual previamente fixado”. 3 O contrato de leasing em sua forma tradicional envolve três figuras, o arrendante ou arrendador, o arrendatário e o fornecedor do bem. As operações de leasing prevêem um fluxo de pagamento periódico de contraprestações (amortização do valor do bem, mais encargos e impostos e a remuneração da arrendadora). É um negócio jurídico bilateral, pois é realizado entre instituição financeira e cliente, no propósito de oferecer recursos para aquisição de bens, sem que o arrendatário tenha que dispor de capital. Portanto, trata-se de uma operação em que o cliente pode fazer uso de um bem sem necessariamente tê-lo comprado. O bem, neste caso, deve ser entendido em seu sentido mais amplo, tais como, imóveis, automóveis, máquinas, equipamentos, enfim, qualquer produto cuja utilização seja capaz de gerar rendas e seja para uso próprio do arrendatário (cliente). Ao final do contrato, o cliente pode adquirir definitivamente o bem arrendado mediante o pagamento de um valor residual, definido no contrato. Citaremos por exemplo, uma empresa aérea que necessita de um determinado avião para fazer seus vôos, mas não deseja disponibilizar um capital tão alto para tanto. Neste caso, a empresa aérea irá procurar uma empresa de arrendamento mercantil, que irá comprar o avião em seu próprio nome, e o alugará para a empresa 2 3 ROSS, Stephen A. Administração financeira. São Paulo: Atlas, 2000, p. 537. MARTINS, Fran. Curso de direto comercial. Rio de Janeiro: Forense. 2002, p. 449. Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 8 aérea, por um determinado período. Ao final deste período, a empresa aérea poderá prorrogar a locação, comprar o jato pelo preço residual, ou simplesmente devolvê-lo à empresa de arrendamento mercantil. 5. Pessoas Intervenientes no contrato de Leasing São pessoas intervenientes no contrato de arrendamento mercantil ou leasing: a) arrendante ou arrendadora – é a empresa de leasing, a financeira, com o objetivo social expresso nos estatutos sociais; é ela que vai arrendar o bem de que a arrendatária precisa, se já o tem, ou vai adquiri-lo, atendendo especificações e nome do fornecedor; b) arrendatária – é considerada a figura principal do contrato, porque dela é a idéia; a iniciativa é resultante da necessidade de um bem móvel ou imóvel para atender a sua atividade, por não ter ou não querer descapitalizar parte de seu patrimônio na aquisição daquele bem; c) fornecedor do bem – é a terceira pessoa; é o vendedor do bem encomendado pela arrendatária para a arrendante. Somente aparecerá no contrato por interesses das partes, quando se trata de bem importado ou de bem de alta tecnologia. Não se envolvendo de nenhuma forma com o que foi pactuado entre arrendante e arrendatária 6. Características dos Contratos de Leasing O contrato de leasing tem como característica essencial, a possibilidade do arrendatário optar em adquirir o bem pelo valor residual previamente determinado, restituí-lo ou renovar o contrato. O leasing possui contratante específico pelo qual depende a existência do negócio jurídico e tempo determinado, pela força do artigo 5º da Lei 6.099/74, que dispõe: “Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições: a) prazo do contrato; b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não superiores a 1 (um) semestre; c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário; d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta cláusula”. Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 9 7. Classificação do Contrato de leasing O contrato de leasing classifica-se em: a) bilateral ou sinalagmático, pois gera direitos, e obrigações para os contratantes; b) consensual, pois se perfaz pela simples anuência das partes; c) oneroso, porque traz vantagens para ambos os contratantes, que sofrem um sacrifício patrimonial, correspondente a um proveito desejado; d) comutativo, porque cada contratante, além de receber do outro prestação relativamente equivalente à sua, pode verificar, de imediato, essa equivalência; e) por tempo determinado, pois a lei determina prazo para o contrato; f) de adesão, pois exclui a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as partes; g) típico e nominado, pois está previsto em lei; h) intuitu personae, pois deve ser executado pelas partes contratantes sem que haja permissão de serem substituídas na relação contratual. 8. Modalidades de Leasing As modalidades mais comuns de arrendamento mercantil ou leasing são três: leasing financeiro, lease back e leasing operacional. O leasing financeiro ou clássico necessita do envolvimento de três agentes, os quais são: o arrendador o arrendatário e o fornecedor. Ainda, para a caracterização deste instituto, é necessária a existência de cláusula contratual a qual forneça ao locatário a opção de adquirir o bem pelo valor residual, renovar o contrato ou restituir a coisa. Esta é uma das formas mais utilizadas dos contratos de leasing no nosso País, cuja finalidade é o financiamento. Seu funcionamento é simples: determinada instituição financeira adquire um bem específico e o cede, para uso e por lapso temporal limitado, mantendo-se como proprietário daquele. Ao seu término, o contrato ensejará na tríplice escolha ao arrendatário. As despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado serão de responsabilidade da arrendatária, e o Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 10 preço para o exercício da opção de compra será livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado. Salienta Marcelo M. Bertoldi que “nessa espécie de contrato todas as prestações deverão ser pagas, mesmo que o arrendatário pretenda finalizar o contrato com a devolução do bem arrendado antes do prazo ajustado”. 4 Dispõe a Resolução do Banco Central nº 2.309, de 28 de agosto de 1996, em seu artigo 5º, que: “Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade que: I – as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos; II – as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária; III – o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado”. O lease back possui o mesmo mecanismo de funcionamento do leasing tradicional, entretanto, sem a presença do fornecedor, visto que o bem, objeto da relação, é pertencente do ativo da arrendatária. Nesta modalidade, o objetivo é permitir aos empresários a transformação de seus ativos fixos em capital de giro, obtendo dinheiro efetivo para desenvolver sua atividade e através da produção, obter uma renda que lhes permita a aquisição desses ativos novamente. O leasing operacional é uma operação privativa dos bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil e das sociedades de arrendamento mercantil. Nele as contraprestações a serem pagas pela arrendatária devem completar o custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação a disposição da arrendatária, não podendo o valor presente dos pagamentos ultrapassar 90% (noventa por cento) do custo do bem. Neste contrato não há previsão de pagamento 4 BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006, p.751. Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 11 de valor residual garantido e pode ser realizado por pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária. Quanto ao prazo contratual deverá ser inferior a 75% (setenta e cinco por cento) do prazo de vida útil econômica do bem. O preço para o exercício da opção de compra será o valor de mercado do bem arrendado e não haverá previsão de pagamento de valor residual garantido. A manutenção, a assistência técnica e os serviços correlatos a operacionalidade do bem arrendado podem ser de responsabilidade da arrendadora ou da arendatária. Assevera Arnaldo Rizzardo que esta modalidade de arrendamento mercantil é “conhecido também como renting, expressa uma locação de instrumentos ou material, com cláusula de prestação de serviços, prevendo a opção de compra e a possibilidade de rescisão a qualquer tempo, desde que manifestada esta intenção com uma antecedência mínima razoável, em geral fixada em trinta dias”. 5 Dispõe a Resolução do Banco Central nº 2.309, de 28 de agosto de 1996, em seu artigo 6º, que: “Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade que: I – as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplem o custo de arrendamento mercantil do bem e os serviços inerentes a sua colocação a disposição da arrendatária, não podendo o total dos pagamentos das espécies ultrapassar 75% (setenta e cinco por cento) do custo do bem arrendado; II – as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária; III – o preço para o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado”. 9. Natureza Jurídica do Contrato de Leasing 5 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2006, p.1243. Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 12 A natureza jurídica do contrato de leasing é bastante controvertida, com isso, parte da doutrina admite ser o leasing contrato atípico, o qual aglomera caracteres dos contratos de locação, de financiamento e de compra e venda. No entanto, outra parte da doutrina entende ser de natureza mista como Waldirio Bulgarelli que defende a idéia de que o leasing possui estruturalmente as seqüências das obrigações decorrentes deste contrato, caracterizando-se muito mais misto do que complexo. Por fim, Fran Martins explica que o contrato em voga é de natureza complexa "compreendendo uma locação, uma promessa unilateral de venda (em virtude de dar o arrendador opção de aquisição do bem pelo arrendatário) e, às vezes, um mandato, quando é o próprio arrendatário quem trata com o vendedor na escolha do bem". 6 10. Leasing Imobiliário O leasing imobiliário consiste numa forma de financiamento a médio e longo prazo, em que a empresa arrendadora, durante um determinado prazo, coloca à disposição do arrendatário, mediante o pagamento periódico de um determinado montante, o uso temporário de um imóvel, construído ou a construir escolhido pelo locatário. No final do contrato, existe opção de compra, por um valor pré-estabelecido chamado de valor residual. Há alguns tipos básicos de arrendamento imobiliário, todos com pessoa jurídica, pois o imóvel deve, obrigatoriamente, destinar-se à atividade da empresa. O arrendamento imobiliário normal consiste na compra de um imóvel inteiro, pronto e acabado. A arrendadora adquire o imóvel especificado pela arrendatária, à atividade da compra, pré-determinada em contrato. O cliente pagará, no prazo contratado (em média oito anos), uma contraprestação equivalente à parcela do principal mais juro (taxa de compromisso). Ao término do contrato, restará um valor residual do total do financiamento. 6 MARTINS, Fran. Contatos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense. 2002, p.459. Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 13 No arrendamento imobiliário de construção de edifícios, o terreno pode ser comprado de terceiros ou ser feito o lease back do terreno da arrendatária. Durante a fase de construção, a operação fica sob o regime de pré-leasing. Neste período, a arrendatária paga à arrendadora apenas a taxa de compromisso, que incidirá sobre as importâncias desembolsadas no decorrer da construção. Essa fase de cálculo de juros é cumulativa. O acerto de contas entre arrendadora e contratante ocorre, geralmente, uma vez por mês. A arrendatária examina estes números e o pagamento só é liberado depois de sua autorização. Quando a obra termina, inicia-se o contrato de Leasing propriamente dito, calculado sobre o valor da obra concluída. O lease back imobiliário normalmente, é utilizado por empresas que desejam mudar o perfil de seu passivo com uma operação saneadora. Em síntese, consiste na venda do imóvel pela empresa proprietária à empresa de leasing. A ex-proprietária contratada recompra o imóvel, através do arrendamento mercantil. O próprio imóvel é dado em garantia de pagamento. Para a arrendatária, a vantagem é grande, pois continua na posse do bem e pode abater integralmente do imposto de renda as contraprestações referentes ao arrendamento, como despesas operacionais. 11. Leasing de Aviões O avião é espécie de gênero aeronave. Movendo-se de per si ou por força alheia, arrola-se entre os bens móveis. Tem uma situação jurídica que se assemelha ao do navio. Não a imobiliza a circunstância de ser tratada, no concorrente às mudanças de sua situação jurídica, como se imóvel fosse. Tampouco a de estar sujeita a hipoteca, direito real de garantia, imobiliário por excelência. É bem móvel, por natureza e por finalidade. No leasing, o equipamento é alugado pela sociedade financeira. Em se tratando de aeronaves, a instituição financeira, sendo de nacionalidade brasileira, adquirindo uma aeronave para alugá-la por certo tempo a uma empresa de transporte Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 14 aéreo, será ela proprietária da referida aeronave, e, conseqüentemente, a aeronave será em seu nome matriculada no Registro Aeronáutico, e não na da empresa de transporte aéreo, mera locatária. O contrato de leasing será averbado no Registro Aeronáutico Brasileiro, ficando desse modo a aeronave como destinada à exploração pela empresa arrendatária, conforme dispõe o artigo 1º do Registro Aeronáutico Brasileiro e o artigo 15, parágrafo único, do Código Brasileiro de Aeronáutica. O contrato de arrendamento mercantil de aeronaves deve ser inscrito no Registro Aeronáutico e para tal deve conter cláusulas de opção de compra ou de renovação contratual, com faculdade do arrendatário. 12. Extinção dos Contratos de Leasing O contrato de arrendamento mercantil ou leasing extingue-se sem maiores peculiaridades, conforme os contratos em geral. Logo, poderá o contrato de Leasing extinguir-se pela morte das partes, visto ser este contrato intuiu personae. Pelo decurso do lapso temporal, ou seja, pelo fim natural. Ainda, extingue-se pela rescisão, por inadimplemento de qualquer das partes, dependendo de intervenção judicial, ou nas hipóteses em que as partes entenderem por bem fazer a resilição unilateral. Sem dúvida, a maioria dos contratos se extingue pelo decurso do lapso temporal. Mas, a rescisão por inadimplemento da arrendatária é muito comum, motivo pelo qual esta forma de extinção deva ter o seu estudo mais aprofundado. Uma vez realizado o contrato de leasing, a arrendatária deverá realizar o pagamento das contraprestações à arrendante, para que o contrato de leasing seja integralmente cumprido, extinguindo-se este ao final do pagamento da última contraprestação. Se, por algum motivo, houver o inadimplemento da arrendatária, a arrendante deverá constituir aquela em mora, realizando para tal a devida notificação, seja judicial ou extrajudicial. No momento em que a arrendatária for constituída em mora, passará a ser considerada devedora e estará sujeita as penalidades da lei. Tendo em vista que o Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 15 contrato de leasing fora realizado para que a arrendante concedesse à arrendatária um determinado bem, para que esta a utilizasse por um período de tempo mediante o pagamento de um aluguel, este bem é propriedade da arrendante, tendo a arrendatária apenas a sua posse. Assim, quando há o inadimplemento da arrendatária e, sendo esta considerada devedora, poderá a arrendante ingressar com a devida ação de reintegração de posse, no juízo competente, solicitando ao juiz que defira a tutela antecipada de reintegração de posse, para que o bem descrito no contrato de leasing seja retirado da posse da arrendatária e devolvido à posse da arrendante. Neste caso, a rescisão do contrato dependerá da intervenção judicial e será decretada por sentença, condenando a devedora aos ônus sucumbenciais. 13. Jurisprudências sobre os Contratos de Leasing Após o êxito do Plano Real, em 1994, que consolidou a moeda brasileira de forma estável, consistente e duradoura, o Poder Judiciário começou a receber inúmeras demandas judiciais de arrendatárias que questionavam a validade dos contratos de leasing, solicitando ao Judiciário que decretasse a sua nulidade, descaracterizando-os para compra e venda. Argumentavam e defendiam a tese que a cobrança antecipada do valor residual garantido junto às contraprestações periódicas, descaracterizava o contrato de leasing, posto que ao término do contrato e paga a última contraprestação, a arrendatária não poderia exercer as opções que caracterizam o contrato de leasing. Esta tese começou a ser difundida e aceita, em vários Tribunais estaduais e, inclusive, no Superior Tribunal de Justiça (vide REsp 181095 RS; REsp 172432 RS; REsp 255628 SP; REsp 196209 RS; REsp 196873 RS; REsp 302448 SP). Desta forma, em julgamento realizado pela Segunda Seção, no dia 08 de maio de 2002, o Superior Tribunal de Justiça julgou, aprovou e publicou a súmula 263, redigida com o seguinte enunciado: “A cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação”. Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 16 Ocorre que este posicionamento, muito embora sumulado, não era totalmente aceito pelos senhores Ministros do Superior Tribunal de Justiça, motivo pelo qual houve decisões do próprio STJ, em sentido contrário a sumula 263, mesmo após a sua publicação (vide REsp 163845 RS; REsp 164918 RS; REsp 280833 RO; REsp 213828 RS; REsp 443143 GO; REsp 470632 SP). Alem disto, argumentavam os críticos da súmula 263, que esta gerava uma enorme insegurança jurídica, tendo em vista que milhões de contratos de leasing em todo o território nacional poderiam ser questionados a qualquer momento, uma vez que praticamente, a totalidade dos contratos de leasing, realizados por instituições financeiras, tinham o valor residual garantido cobrado de forma antecipada. Diante da divergência de interpretações dentro da Corte Superior, a própria Segunda Seção do STJ, reunida, deliberou pelo cancelamento da súmula 263 no dia 27 de agosto de 2003. Para unificar o posicionamento, o Superior Tribunal de Justiça reuniu-se em sua Corte Especial, julgando e aprovando no dia 05 de maio de 2004, a súmula 293, redigida com o seguinte enunciado: “A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil”. Deve-se salientar que a súmula 293 do Superior Tribunal de Justiça veio pacificar o assunto, assentando o posicionamento de que, mesmo que o valor residual garantido seja cobrado de forma antecipada, durante a vigência do contrato, este fato não descaracteriza o contrato de leasing. 14. Considerações Finais Ao se concluir este breve estudo sobre leasing, nota-se que este contrato possui um caráter de fomento da atividade empresarial, de forma a auxiliar o empreendedor a explorar as potencialidades da sua atividade. Verifica-se que o contrato de leasing possui inúmeras particularidades, que devem ser respeitadas, para a correta aplicação dos variados tipos de contratos de leasing possíveis a realidade de cada situação particular. Por este motivo, cabe Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 2 - 2008 17 àqueles que forem se utilizar, do contrato de leasing, que procurem conhecê-lo, e indicar a sua contratação de acordo com a necessidade do caso concreto. No Brasil, o arrendamento mercantil não pode ser encarado como uma operação financeira justamente porque o financiamento para a compra é simplesmente uma das modalidades de opção do arrendatário e, além do mais, uma opção que somente pode ser levada a efeito no final do contrato. O impasse que se observa, no momento, é que o mercado vem tendendo no sentido de transformar o arrendamento mercantil em simples operação de financiamento para a compra do bem. É evidente que, dentro dessa filosofia, surgirá uma função que não é própria das empresas de arrendamento mercantil, qual seja, a atividade de intermediação, já que a sociedade começará a calcular o valor do arrendamento sob o ângulo da captação de recursos. Por fim, o arrendamento mercantil ou leasing é contrato específico, muito utilizado em vários setores, contribuindo para a ampliação dos respectivos mercados, a nível local e nacional, com a possibilidade de obtenção de recursos no exterior para a sua efetivação. Recebe nomes diversos no exterior, por exemplo, crédit-bail, hire purchase, arrendamiento, locazione finanziaria, location financement e outros, prevalecendo, no geral, a designação leasing, e acentuada, em cada sistema, a característica fundamental de mecanismo de financiamento, a adquirentes de bens móveis duráveis, apontados pelo interessado e comprados pela arrendadora para a operação. Referências Bibliográficas ADCOAS, Iracema A. Valverde (org). Leasing. 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