A Cadeia de Valor na Administração Pública
Marcelo Motta Veiga – [email protected]
Departamento de Estratégias de Gestão – Escola de Administração – Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro
Resumo
A dinâmica do mundo moderno cria uma demanda social por novos instrumentos de
controle e de avaliação nas organizações públicas ressaltando ainda mais as
ineficiências do setor público. Muitos desses instrumentos para lidar com esses novos
desafios já estão incorporados na administração privada. Contudo, na administração
pública, respostas e utilização de instrumentos de estratégia tendem a ser mais lentas.
Na administração pública existe a tendência de serem adotadas e cooptadas
ferramentas do setor privado para uma análise de desempenho na sua forma mais
estratégica. O gestor público deve selecionar como muita prudência que arcabouço
estratégico utilizar em cada caso específico. A utilização de modelos estratégicos
teóricos, como o da Cadeia de Valor de Porter, devem ser adaptados para aumentar a
possibilidade de sucesso. Este estudo analisa a aplicabilidade e a eficiência de se
utilizar essa ferramenta de gestão estratégica comumente utilizada na administração
privada, a análise de cadeia de valor, no contexto da administração pública. A
utilização Cadeia de Valor como ferramenta estratégica já conta com uma longa
história de sucesso na administração privada, mas ainda carecem de mais estudos de
sua aplicabilidade no setor público. A utilização de ferramentas estratégicas, na
maioria das vezes necessitaria de ser bastante emendada para se adaptar ao contexto
estratégico e particularidades das diferentes atividades, objetivos e instituições
públicas. As experiências práticas demonstram que a simples aplicação da ferramenta
da Cadeia de Valor sem as adaptações necessárias levaria ao provável fracasso e
frustração. A aplicação da Cadeia de Valor, na sua forma adaptada, pode oferecer uma
perspectiva bastante abrangente, holística e estratégica das atividades desenvolvidas e
que criam valor nas instituições públicas. Por isso, a administração pública, de forma
geral, pode se beneficiar da utilização de ferramentas da gestão estratégica privada, na
distribuição de seus bens e serviços simplesmente por entender melhor como se
relacionam os elos de sua cadeia de valor. Contudo, os gestores públicos não devem
assumir que as técnicas, ferramentas, e abordagens do setor privado possam ser
transferidas para o setor público desrespeitando suas particularidades e diferenças.
Não devem considerar as atividades que agregam ou não agregam valor numa
determinada cadeia de valor, sem uma análise criteriosa e sem entender perfeitamente
a forma como esta cadeia opera. A adaptação da cadeia de valor as especificidades
contextuais é fundamental para o sucesso da avaliação de desempenho e sucesso da
administração pública. Na administração pública, o ambiente externo de uma
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organização cria diferenciais que, normalmente, são considerados como ameaças pelos
gestores, mas que também poderiam ser encarados como oportunidades dentro da
visão estratégica orientada pela cadeia de valor. Estas diferenças ambientais são
compreensíveis devido a todas as restrições de ordem legal, fiscal, política, burocrática
e social que uma organização pública está submetida. Portanto, com a utilização de
ferramentas da gestão da administração estratégica privada no setor público, torna-se
possível melhorar o desempenho e a qualidade dos bens e serviços públicos fornecidos.
Desta forma, se utilizado de forma adequada e adaptada, a cadeia de valor de Porter
pode ser um instrumento útil para subsidiar o processo decisório dos gestores públicos.
Palavras-chaves: Administração Pública; Cadeia de Valor; Porter; Estratégia
Introdução
No complexo e competitivo mundo atual, as organizações públicas de todo o mundo
sofrem uma enorme pressão social e política para serem mais eficientes e competitivas.
Essa dinâmica de mercados complexos cria novos desafios. Os avanços tecnológicos e
o aumento nas demandas sociais são exemplos deste dinamismo, onde as organizações
públicas têm que prover mais bens e serviços com cada vez menos recursos (McInerney
and Barrows, 2002).
O sucesso destas organizações está associado à capacidade de sua gestão em identificar
e em construir competências que agreguem valor para todos os atores sociais envolvidos
(clientes internos e externos). A maior motivação nas mudanças provocadas na forma
de gestão dentro de organizações públicas é a necessidade de se desenvolver
instrumentos de verificação de desempenho (Kloot, 2000; Bryson et al, 2007).
Muito embora as avaliações de desempenho e da qualidade na administração pública
sejam necessárias para subsidiar os gestores públicos nos seus processos decisório, elas
não ocorrem com freqüência. As complexidades e as particularidades presentes na
administração pública dificultam uma delimitação clara das responsabilidades dos
gestores públicos e, ainda, a implantação de instrumentos eficientes de controle.
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Nesse aspecto, os indicadores de desempenho organizacionais das instituições públicas
devem subsidiar os processos decisórios fornecendo informações fundamentais aos
gestores públicos, sobre o nível de efetividade, de eficácia, de eficiência e de qualidade
sobre cada etapa das atividades e processos de produção e de criação de bens e serviços
públicos.
A estratégia de gestão é se utilizar uma das ferramentas para planejar, gerir e controlar a
administração pública. Porter (1985) propõe a utilização estratégica do modelo da
cadeia de valor como forma de análise sistemática de todas as atividades executadas por
uma organização. Porter, ainda, ressalta a importância de se considerar as diversas
alternativas de configuração da cadeia de valor, uma vez que estas seriam limitadas
pelas condições ambientais (internas e externas) organizacionais.
Para Porter, qualquer restrição imposta a uma cadeia de valor de uma determinada
organização deve ser considerada como temporária, dentro de um sistema dinâmico,
uma vez que decisões gerenciais podem alterar os recursos disponíveis por qualquer
organização (Porter, 1991 e 1996).
Além disso, o papel da história de uma organização na obtenção e desenvolvimento de
competências organizacionais críticas, juntamente com a importância das diferentes
rotinas organizacionais para explicar as diferenças de eficiência entre organizações se
constituem num complemento à análise estratégica de Porter, onde “a estratégia futura
da organização estaria condicionada pelas suas escolhas no passado.”
Essa visão de Porter da limitação na estratégia organizacional, onde a configuração da
cadeia de valor está limitada pelos recursos existentes, premissa do Resource-Based
View, é discutida por diversos autores, com destaque para Hamel e Prahalad (1994) que
fazem uma clara distinção entre recursos e competências.
Os recursos seriam elementos básicos, não específicos da organização e que podem ser
adquiridos a qualquer tempo. Por outro lado, as competências seriam elementos
essenciais, específicos da organização, resultantes do aprendizado organizacional e da
combinação única de vários recursos. Prahalad e Hamel (1990) utilizam o termo core
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competencies (competências essenciais) e consideram que estas são o real aprendizado
coletivo da organização na busca da eficiência.
Com isso, novas ferramentas podem ser incorporadas a gestão estratégica. Para isso, a
utilização dos conceitos relativos à cadeia de valor, defendidos por Michael Porter na
década de 80 podem ser valiosos. Segundo Porter, uma cadeia de valor designa uma
série de atividades relacionadas e desenvolvidas por uma organização (que pode ser
uma instituição pública) devendo satisfazer as necessidades dos seus “clientes”, internos
e externos (Porter, 1991 e 1996).
Essa cadeia de valor proposta por Porter é composta por conjuntos de atividades
organizacionais, primárias e de apoio, que se relacionam entre si e agregam valor a uma
determinada organização, quer seja pela margem de valor acrescentado por cada uma
das atividades, quer seja pela importância das relações estabelecidas entre essas
atividades (Porter, 1991 e 1996).
Para efeito de avaliação de desempenho, considera-se que uma organização pode ser
decomposta em diversas atividades segundo a sua relevância estratégica.
Essa
decomposição da organização possibilita analisar o comportamento de cada componente
que compõe a cadeia de valor de uma organização, ou seja, avaliar, separadamente, cada
atividade organizacional que está integrada formando um sistema de cadeia de valores.
Ao decompor uma cadeia de valor pode-se dividir uma organização segundo seus
processos estratégicos, finalísticos e de suporte, capturando, assim, a riqueza e a
heterogeneidade dos diversos setores organizacionais, viabilizando uma estrutura
disciplinada de análise organizacional, que deve incluir tanto os clientes internos,
quanto os clientes externos (Porter, 1991 e 1996).
Stabell and Fjeldstad (1998) argumentam que a cadeia de valor seria apenas um dos três
modelos de configurações teóricos que criam valor numa organização.
Eles afirmam
que além da cadeia de valor (value chain), haveria ainda os modelos da valor de compra
(value shop) e do valor de rede (value network). O valor de compra seria aquele criado
onde a organização é configurada de modo a mobilizar seus recursos e atividades para
resolver um determinado problema de um cliente. O valor de rede seria aquele valor
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criado por uma organização que é configurada para facilitar a relação em rede.
Para
eles, a análise de cadeia de valor deveria ser transformada numa análise da configuração
de valor para esclarecer os pressupostos principais da análise de competitividade.
De qualquer forma, não cabe a discussão sobre a importância de uma avaliação de
desempenho das instituições. O que se procura buscar são instrumentos eficientes e
viáveis de avaliação.
Por isso, este estudo visa identificar através de revisão da
literatura e busca de estudo de casos, a viabilidade da utilização dos conceitos
associados à cadeia de valor de Porter na avaliação de desempenho de instituições
pertencentes à administração pública.
Diferentes atividades possuem diferentes modelos econômicos, que contribuem de
forma diferente para a cadeia de valor. O modelo da Cadeia de Valor proposto por
Porter permite desenhar critérios de desempenho específicos e adequados a cada
organização, respeitando sua complexidade e particularidade. Por isso, considera-se
que a lógica básica do modelo da cadeia de valor de Porter, na sua concepção mais
genérica poderia ser utilizada em qualquer tipo de organização, seja pública ou seja
privada. Contudo, a grande contribuição encontrada na academia e nas atividades
profissionais da cadeia de valor sempre foi direcionada para instituições privadas
(Stabell e Fjeldstad, 1998).
Por isso, este estudo visa analisar a aplicabilidade e a eficiência de se utilizar essa
ferramenta de gestão estratégica comumente utilizada na administração privada, a
análise de cadeia de valor, no contexto da administração pública. A hipótese central é de
que a ferramenta da cadeia de valor pode ser utilizada com eficiência, nas organizações
públicas, muito embora, na sua aplicação se deva adaptá-la, respeitando as diferenças
significativas entre os setores públicos e privados.
O desenvolvimento e a incorporação de novas ferramentas de gestão no setor público se
fazem necessários.
No modelo tradicional da administração pública torna-se
complicada qualquer avaliação criteriosa e, por conseguinte, difícil de ser melhorada.
A Gestão Estratégica na Administração Pública
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A administração pública é a materialização jurídica da competência executiva estatal,
atribuída por lei, para atingir uma finalidade pública, devendo sempre ser submetida ao
controle social, isso dentro de uma perspectiva organizacional.
A idéia de que a
administração pública seria auto controlada pelo instituto da responsabilização
administrativa pode ser considerada um paradigma (Lynn, 2003).
Desde o início do século XX, já se considerava que o gestor público cumpre o seu papel
quando age dentro da lei, gerencia de forma responsável e criativa todas as
oportunidades e ameaças que aparecem. Contudo, gestores públicos são seres humanos,
que tentam fazer o melhor, mesmo sob situações complexas.
Nesse sentido,
administração pública está associada, também, a bom senso.
Porém, por muitas vezes, a administração pública pode autorizar pessoas imperfeitas a
utilizar procedimentos inadequados para lidar com problemas insolúveis. O resultado
poderia ser catastrófico, dado as condições em que foram realizados.
Por isso, a
administração pública sempre necessita ser monitorada (Lynn, 2003).
Bertelli e Lynn (2001) identificaram quatro atributos necessários à administração
pública e que constituiriam a base da avaliação dos gestores: accountability,
ponderação, equilíbrio, e racionalidade.
Gestores públicos devem ser sempre
responsabilizados pelos seus atos e decisões e estes institutos tornariam possível indicar
quais são valores devem ser relevantes no seu processo decisório.
Comparando a administração privada e a pública, os gestores públicos e privados
lidariam de uma forma geral, com os mesmos problemas.
Eles gerenciam uma
quantidade escassa de recursos, onde a principal tarefa é fazer o melhor uso possível
desses recursos.
Tanto os gestores públicos quanto os gestores privados devem
encontrar a melhor maneira de utilizar os recursos a eles confiados, produzindo bens e
serviços com a finalidade de atingir os resultados esperados com o menor custo
possível. Dentro desse nível de abstração, os desafios das administrações públicas e
privadas seriam semelhantes. Contudo, ao se incluir os aspectos, sociais, econômicos e
políticos a que cada um dos gestores está submetido, essa diferenciação se mostra mais
evidente (Moore, 1995).
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No setor público, a principal fonte de recursos financeiros e operacionais não segue a
lógica capitalista e financeira, ou seja, não se trata de investidores decidindo se
investem ou não em determinado projeto. Esses recursos têm sua origem nos cidadãos,
contribuintes e representantes eleitos. Gestores públicos não garantem os recursos que
necessitam vendendo produtos ou serviços para consumidores individuais, mas,
vendendo uma concepção de valor público criado aos representantes eleitos pelo povo
que ocupam cargos no legislativo e no executivo (Blaug et al, 1996).
Grande parte dos recursos da administração pública se origina do executivo com
autorização do legislativo. Com isso, nessa fase inicial de cadeia de valor pública
(upstream), quem autoriza o recurso público para determinada finalidade pública são
verdadeiros “clientes” do gestor público. Isso explicaria porque os verdadeiros usuários
dos serviços e bens públicos, normalmente, têm pouca influência neste processo
decisório, e ainda, porque muitas vezes “a finalidade pública” privilegia bens e serviços
a um determinado grupo ou classe de indivíduos (Moore, 1995; Blaug et al, 1996).
Os modelos mais recentes de Políticas Públicas já começam a refletir este afastamento
das teorias tradicionais de gestão na administração pública e do desenho organizacional,
e ainda, incluem um processo sistemático de criação e melhoria contínua do
desempenho. Estas mudanças já estão presentes nas estruturas e nos processos de
muitas organizações públicas (McInerney and Barrows, 2002).
Essas novas dinâmicas sociais que configuram a gestão pública mostraram que a
normatividade do modelo burocrático tradicional se constituía num labirinto, onde
aspectos como flexibilidade e inovação encontravam poucos espaços.
Devido a
constantes alterações sociais, diversos autores tem se preocupado com novos modelos
de gestão pública que pudessem atender de forma mais eficiente essas demandas (Poeta
et al, 2000).
Originalmente, as burocracias eram consideradas os modelos mais eficientes de gerir a
coisa pública. Mas, do ponto de vista gerencial esses modelos burocráticos sempre
foram muito criticados e tidos como ineficientes. Na década de 80, o modelo de gestão
que incorporou as ferramentas gerenciais a essa administração burocrática, ficou
conhecido como Novo Administração Pública (NPM).
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O NPM ficou associado ao modelo que conseguiu incorporar o gerenciamento ao
burocratismo.
Enquanto
os
modelos
burocráticos
se
preocupavam
com
responsabilidade administrativa e manutenção da ordem pública através do modelo
hierárquico tradicional, no NPM, o foco é na gestão (não na política), na avaliação de
desempenho e da eficiência.
O NPM é tipicamente uma gestão estratégica que
privilegia a eficiência (Steurer, 2007).
A partir da década de 80 constituiu-se um novo modelo de gestão pública, conhecido
pela expressão em inglês “New Public Management (NPM)” que se trata de uma
tendência de reforma baseada nos modelos de gestão de negócios da administração
privada.
O NPM nasce num ambiente externo de incerteza, ambigüidade e
envolvimento dos atores sociais em todas as fases do processo decisório. Trata-se de
uma gestão mais estratégica que carece de novos métodos e ferramentas que importarão
numa mudança do modelo tradicional de gestão pública (Crawford et al, 2003).
Os princípios que norteiam o NPM já estão inseridos nas novas teorias sobre
administração pública. Contudo, ainda se questiona a possibilidade e a eficiência de se
utilizarem modelos e ferramentas comumente aplicados na administração privada para
auxiliar na prática da gestão pública (Williams e Lewis, 2008).
Contudo, NPM pressupõe que a competição expulsa do mercado organizações menos
eficientes. Com isso, o típico instrumento de política do NPM é o outsourcing dos
serviços e bens fornecidos pelas instituições públicas.
A lógica da eficiência de
mercado seria um teste para as instituições públicas, ou seja, deve se estimular um
ambiente de livre competição entre instituições públicas e privadas, privatizar
instituições públicas e desmembrar estruturas departamentais em agências de serviços,
onde cada agência seria responsável por um produto específico (Steurer, 2007).
De uma forma geral, NPM não resolve o problema da administração pública, mas
reforça um modelo baseado em agências (agencification). Por focar na gestão intraorganizacional, o NPM pode ajudar a melhorar a eficiência da administração pública.
Contudo, o NPM muitas vezes desconsidera as possíveis colaborações interorganizacionais entre os diversos setores (Steurer, 2007).
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Esta tendência em desagregação foi uma das forças que impulsionaram uma nova
reforma administrativa dos modelos de gestão da administração pública, conhecida
como Nova Governança, se distancia dos modelos hierárquicos (tradicional) e
mercadológicos (NPM).
Esse novo modelo de administração pública (Nova Governança) está dirigido para a
extensão que uma determinada atividade atinge seus objetivos (efetividade), ao
contrário do NPM que estava preocupado com os custos de uma determinada atividade
para atingir seus objetivos (eficiência).
Essa nova governança estimula que as
atividades sejam desenvolvidas de forma mais cooperativa, em redes interorganizacionais e em network trans-setoriais.
Um resumo da evolução da gestão
pública está descrita no Quadro 1.
Burocracia
Nova Adm. Pública
(NPM)
Nova Governança
Período
1920-1970
1980-1990
1990 - atual
Principal
Desafio
Ordem Pública e
Responsabilização
(legalidade e legitimidade)
Falha na gestão devido
à falta de eficiência
(ineficiência)
Falha na gestão devido a
complexidade
(inefetividade)
Abordagem
Burocratismo
Gerenciamento
Governança
Princípio
Accountability
Eficiência
Efetividade
Modo de
Governança
Hierarquia
Mercado
Network
Mecanismo de
Governança
Comando-e-controle
Competição
Colaboração/Cooperação
Escopo
Organizacional
Intra-departamental
Intra-organizacional
Inter-organizacional
Quadro 1: Alterações na Gestão da Administração Pública desde a década de 20 (Steurer, 2007 adpatado)
Contudo, os modelos de gestão pública ainda necessitam de maior integração nas suas
políticas e necessitam incorporar novas ferramentas associadas à gestão estratégica. A
utilização de teorias e práticas da administração privada na administração pública
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parece incompatível, porque buscam diferentes objetivos e seguem regras e mecanismos
distintos (Steurer, 2007).
Porém, as experiências das últimas décadas demonstraram que em termos de estratégia
e planejamento os setores, público e privado, estavam bastante relacionados.
A
utilização das ferramentas de estratégia, com a cadeia de valor de Porter parece um boa
tentativa de ajudar uma gestão pública mais efetiva e capaz de integrar diferentes
políticas.
Analisando a cadeia de valor de diversos bens e serviços públicos pode-se analisar quais
desses bens e serviços realmente criam valores públicos.
A Análise da Cadeia de Valor
O desafio de gerenciar e desenvolver organizações públicas que sejam responsáveis,
inovadoras, alto desempenho e atendam as necessidades sociais, pode ser mais bem
entendida pelo conceito do valor criado. O modelo da cadeia de valor de Michael Porter
ilustra como as atividades de uma determinada organização são compatíveis e
interrelacionados.
A cadeia de valor é definida como o levantamento de toda a atividade ou processo
necessário para gerar ou entregar produtos ou serviços a um beneficiário. É uma
representação das atividades de uma organização e permite melhor visualização do
valor ou do benefício agregado no processo, sendo utilizada amplamente na definição
dos resultados e impactos de organizações.
Mensurar o desempenho da organização (ou outros objetos) com base nesses elementos
da cadeia de valor permite que os gestores analisem as principais variáveis associadas
ao cumprimento dos objetivos: quantos e quais insumos são requeridos, quais ações
(processos, projetos etc.) são executadas, quantos e quais produtos/serviços são
entregues e quais são os impactos finais alcançados.
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A cadeia de valor descreve todas as atividades dos bens e serviços desde a concepção,
passando por todas as fases de produção, até a entrega ao consumidor, incluindo a
disposição final pós-consumo.
A análise da cadeia de valor é uma importante
ferramenta para se entender a competitividade dentro de uma visão sistêmica. A análise
e a identificação das competências fundamentais (core competences) nas organizações
direciona as atividades para qual ela não possui competência relevante (Kaplinksy and
Morris, 2001).
Mapeando os fluxos de entrada e saída (bens e serviços) na cadeia de valor, permite
avaliar que atividades contribuem e não contribuem para agregar valor.
Naquelas
atividades em que as organizações não conseguem internalizar o valor criado nas suas
operações de forma eficiente, devem ser mais bem analisadas e monitoradas.
Originariamente utilizada em auditorias, Michael Porter (1985) incorporou essa
ferramenta no dia-a-dia da gestão estratégica, enfatizando os elos internos e externos
das atividades que agregam valor a uma organização. Porter diferencia atividades
primárias e de apoio, ver figura 1.
Atividades primárias seriam todas as atividades de uma organização relacionadas com a
criação e entrega do bem ou serviço. Elas podem ser agrupadas em cinco áreas:
logística interna, operações, logística externa, marketing/vendas e serviços. Cada uma
dessas atividades está relacionada em colaborar em aumentar a eficiência e a efetividade
dos bens e serviços. Por outro lado, existem quatro áreas de apoio: infraestrutura,
recursos humanos, tecnologia e compras. As atividades de apoio também são capazes
de agregar valor e são essenciais às atividades primárias.
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Figura 1 – Cadeia de Valor de Porter (Porter, 1985)
A análise da cadeia de valor avalia quanto uma atividade em particular contribui para
“criar valor” em bens e serviços para uma organização. A idéia é que uma organização
é mais do que uma compilação aleatória de equipamentos, pessoas e dinheiro. Dentro
de um mercado competitivo, somente se esses recursos estiverem organizados dentro de
uma visão sistêmica eficiente os “consumidores” estariam dispostos a pagar o preço.
Porter defende a hipótese de que a capacidade de executar uma atividade em particular
com eficiência, gerenciando as interrelações entre as atividades é a fonte da vantagem
competitiva (Kaplinksy and Morris, 2001).
Mensurar o desempenho da organização (ou outros objetos) com base nesses elementos
da cadeia de valor permite que as organizações analisem suas principais variáveis
associadas ao cumprimento dos seus objetivos: quantos e quais insumos são requeridos,
quais ações (processos, projetos etc.) são executadas, quantos e quais produtos/serviços
são entregues e quais são os impactos finais alcançados (Elloumi, 2004).
A análise da cadeia de valor contribui para que a organização determine que tipo de
vantagem competitiva deva investir e como investir nela. Existem dois componentes na
análise da cadeia de valor: cadeia de valor do mercado e cadeia de valor interna da
organização. A cadeia de valor interna da organização é a que já foi discutida.
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A cadeia de valor do mercado é composta de todas as atividades que criam valor dentro
de um determinado mercado. Michael Porter (1985) identificou 5 forças competitivas
que interagem dentro de um determinada mercado: Concorrentes, Entrantes,
Substitutos, Compradores e Fornecedores. Analisando como essas forças interagem
pode revelar importantes determinantes da competitividade de um determinado
mercado.
A atratividade estrutural de um determinado bem ou serviço pode ser
determinado analisando essas mesmas cinco forças (Elloumi, 2004).
Portanto, a atratividade competitiva de um serviço ou bem público pode ser analisado
esse modelo das 5 forças competitivas de Porter.
A análise da cadeia de valor
reconhece o fato de que as atividades dentro de uma organização não são independentes,
mas sim interdependentes. Ao reconhecer essas interdependências, a análise da cadeia
de valor admite a possibilidade que o aumento de custos em uma atividade pode gerar
diminuição de custos totais. O mais importante na análise da cadeia de valor na
administração pública é perceber em quais atividades criou-se vantagem competitiva,
depois gerenciar estas atividades para que sejam aprimoradas (Elloumi, 2004).
Portanto, a análise da cadeia de valor reconhece explicitamente as interdependências
existentes, explorando as relações todas as atividades que criam valor dentro de uma
determinada organização. Os elementos básicos de uma cadeia de valor são: Insumos
(inputs); Processos/Projetos (actions); Produtos/serviços (outputs); e Impactos
(outcomes).
No setor público, a análise pode ajudar na distinção entre atividades e
empresas públicas que criariam um maior valor público se fossem privatizadas.
A Cadeia de Valor na Administração Pública
Na administração pública existe a tendência de serem adotadas e cooptadas ferramentas
do setor privado para uma análise de desempenho na sua forma mais estratégica.
O
gestor público deve selecionar como muita prudência que arcabouço estratégico utilizar
em cada caso específico. A utilização de modelos estratégicos teóricos, como o da
Cadeia de Valor de Porter, devem ser adaptados para aumentar a possibilidade de
sucesso.
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A utilização Cadeia de Valor como ferramenta estratégica já conta com uma longa
história de sucesso na administração privada, mas ainda carecem de mais estudos de sua
aplicabilidade no setor público. A utilização de ferramentas estratégicas, na maioria das
vezes necessitaria de ser bastante emendada para se adaptar ao contexto estratégico e
particularidades das diferentes atividades, objetivos e instituições públicas.
As
experiências práticas demonstram que a simples aplicação da ferramenta da Cadeia de
Valor sem as adaptações necessárias levaria ao um provável fracasso e frustração
(Williams and Lewis, 2008).
Contudo, a aplicação da Cadeia de Valor, na sua forma adaptada, pode oferecer uma
perspectiva bastante abrangente, holística e estratégica das atividades desenvolvidas e
que criam valor nas instituições públicas. Por isso, a administração pública, de forma
geral, pode se beneficiar da utilização de ferramentas da gestão estratégica privada, na
distribuição de seus bens e serviços simplesmente por entender melhor como se
relacionam os elos de sua cadeia de valor.
Especialmente, no setor público, a análise estratégica da cadeia de valor deve ser o mais
abrangente possível, envolver todos os atores sociais, e trabalhar em network (em rede).
Essa análise em rede permite uma visão sistêmica de toda a cadeia de criação de valor
dentro de uma organização. Logo, a cadeia de valor pode ser considerada como uma
forma de abordagem inicial eficiente para avaliar em que atividades uma organização
perde e ganha valor.
No caso das cadeias de valor de distribuição de bens e serviços dentro do setor público,
o objetivo seria aumentar a satisfação dos cidadãos, através de um maior confiança nos
produtos públicos (bens e serviços). Esta satisfação estaria relacionada com diversos
aspectos da cadeia de valor na administração pública, com destaque para o desempenho
da gestão e o gerenciamento dos recursos humanos. A relação entre engajamento dos
servidores públicos (satisfação e compromisso) e a satisfação dos clientes do setor
público, e a relação entre a satisfação dos clientes do setor público e a confiança dos
cidadãos, estabeleceriam os elos da cadeia de valor no setor público, e
conseqüentemente a criação, ou não, de valor público (Heintzman e Marson, 2005).
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No estudo de Heintzman e Marson (2005) foram identificados como os principais
desafios da gestão de uma cadeia de valor de serviço na administração pública: a
melhoria da satisfação e compromisso dos servidores; melhoria da qualidade do serviço;
e melhoria a confiança nas instituições públicas. Além disso, devem-se identificar quais
são os fatores que contribuem para atingir os objetivos esperados.
Logo, a análise da cadeia de valor de serviços na administração pública mostra aos
gestores públicos que eles devem atentar para formas de responsabilização e de
avaliação de desempenho, tanto internas quanto externas.
Um trabalho de Williams e Lewis (2008) analisou e comparou a utilização real da
ferramenta da cadeia de valor em diversas instituições públicas.
As instituições
estudadas demandavam diferentes análises estratégicas de acordo com suas atividades
específicas, que variaram nos seus objetivos esperados.
Em cada uma dessas
instituições públicas foi necessário utilizar diferente adaptações da ferramenta de análise
da cadeia de valor, considerando as diferentes abordagens metodológicas.
A utilização do modelo de cadeia valor na sua forma tradicional ou genérica não é
sempre que permite focar no contexto e nos objetivos específicos esperados. Contudo,
o método da cadeia de valor se mostrou bastante preservado, na sua forma padronizada
e na forma de coleta de informações, demonstrando sua viabilidade e eficiência.
Destaca-se que todos os estudos envolveram a participação efetiva de todos os atores
sociais envolvidos, sendo esta uma condicionante do sucesso de qualquer análise de
cadeia de valor.
Por outro lado, já houve diversos autores que defenderam a utilização do modelo
tradicional da cadeia de valor de Porter em qualquer situação, sem a devida adaptação.
O estudo de Williams e Lewis (2008) demonstrou que a ferramenta da Cadeia de Valor
é muito valorosa à análise estratégica, mas que, realmente, necessita ser adaptada aos
objetivos e as atividades específicas de cada organização. Caso contrário, o processo
pode invalidar seus resultados e análises, especialmente em se tratando de instituições
públicas. Desta forma, qualquer abordagem tradicional da cadeia de valor em uma
organização tende a não representar corretamente todas as atividades que criam valor.
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Ainda no estudo de Williams e Lewis (2008) ficou demonstrada a importância de uma
análise mais abrangente das relações das atividades em rede dentre todo o setor público,
envolvendo também a relação inter-organizacional. Essa análise, normalmente, lida
com divergência de interesses entre os atores sociais.
Uma das principais conclusões do estudo foi que não restam dúvidas sobre a utilidade,
necessidade e eficiência do uso de ferramentas estratégicas para uma melhor gestão.
Contudo, essas ferramentas, como a da cadeia de valor, especialmente no setor público,
devem ser adaptadas para mais bem atender as especificidades de cada contexto e
ambiente (interno e externo).
Esse nível de contextualização não pode ser pré-
determinado, pois depende de uma análise caso a caso, mas está atrelado a um conjunto
de critérios pré-definidos.
Conclusões
Entende-se que, a administração pública, como qualquer organização privada, necessita
ser eficiente e competitiva, devendo direcionar suas estratégias para aprimorar seus
mecanismos de gestão.
A dinâmica do mundo moderno cria uma demanda social por novos instrumentos de
controle e de avaliação nas organizações públicas ressaltam ainda mais as ineficiências
do setor público. Muitos desses instrumentos para lidar com esses novos desafios já
estão incorporados na administração privada.
Contudo, na administração pública,
respostas e utilização de instrumentos de estratégia tendem a ser mais lentas.
Numa abordagem estratégica visando aumentar a competitividade das organizações
(públicas e privadas), Porter (1985) sugeriu que as atividades de uma determinada
organização devem ser agrupadas em duas categorias principais: atividades primárias e
atividades de apoio.
Atividades primárias são aquelas relacionadas à produção direta dos bens e serviços.
Atividades de apoio são aquelas que não estão diretamente envolvidas na produção dos
bens e serviços, muito embora, influenciem na eficiência e eficácia da cadeia de valor.
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Na prática, é muito difícil uma organização contar com atividades primárias e de apoio
semelhantes a de outras organizações, justificando a inviabilidade de uma ferramenta de
gestão que atenda indiscriminadamente todas as situações e atividades.
Neste contexto, a análise da cadeia de valor seria um método de se examinar em
detalhes os processos internos de uma determinada organização, identificando quais
atividades ela possui vantagem competitiva e quais atividades poderiam ser mais bem
providas por outras organizações.
Os princípios que balizam qualquer processo estratégico de gestão e planejamento, seja
no setor público ou no setor privado, diz respeito às mudanças que devem ser
implementadas.
O maior problema neste processo estratégico está em como
implementar essas mudanças; quem deve gerenciar essas mudanças; e como planejar os
avanços que levariam a um melhor desempenho da organização.
A gestão estratégica eficiente de uma organização está associada à criação de valor. O
que conhecemos como vantagem competitiva deve ser sempre considerado na sua forma
relativa, ou seja, comparativa com os competidores atuais e potenciais. A lógica da
análise da cadeia de valor é uma análise da posição competitiva de uma empresa
baseada nos pressupostos de liderança.
A complexidade das atividades e finalidades da administração pública não deve inibir os
gestores públicos de procurarem instrumentos mais eficientes de avaliação de
desempenho e no planejamento estratégico das atividades das instituições públicas. O
entendimento é que a análise da cadeia de valor pode auxiliar na administração pública,
tanto nos aspectos operacionais, quanto nos aspectos estratégicos.
Contudo, os gestores públicos não devem assumir que as técnicas, ferramentas, e
abordagens do setor privado possam ser transferidas para o setor público desrespeitando
suas particularidades e diferenças. Não devem considerar as atividades que agregam ou
não agregam valor numa determinada cadeia de valor, sem uma análise criteriosa e sem
entender perfeitamente a forma como esta cadeia opera. A adaptação da cadeia de valor
as especificidades contextuais é fundamental para o sucesso da avaliação de
desempenho e sucesso da administração pública.
17
Na administração pública, o ambiente externo de uma organização cria diferenciais que,
normalmente, são considerados como ameaças pelos gestores, mas que também
poderiam ser encarados como oportunidades dentro da visão estratégica orientada pela
cadeia de valor. Estas diferenças ambientais são compreensíveis devido a todas as
restrições de ordem legal, fiscal, política, burocrática e social que uma organização
pública está submetida.
Portanto, com a utilização de ferramentas da gestão da administração estratégica privada
no setor público, torna-se possível melhorar o desempenho e a qualidade dos bens e
serviços públicos fornecidos. Desta forma, se utilizado de forma adequada e adaptada, a
cadeia de valor de Porter pode ser um instrumento útil para subsidiar o processo
decisório dos gestores públicos.
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A Cadeia de Valor na Administração Pública