Interesse
recursal
eventual
e
o
recurso
adesivo
condicionado ao julgamento do recurso principal
1 – Introdução
Apesar de vivenciarmos estarmos o início de nossa vida docente, a cada dia nos
convencemos de que a atividade de ministrar aulas é algo a ser considerado como
um dos maiores prazeres que o operador do direito pode experimentar em sua
área de atuação profissional. O contato direto com os alunos, a constante
necessidade de aperfeiçoamento e reciclagem, a fraterna troca de idéias e de
experiência, e finalmente os intrigantes questionamentos lançados por aqueles
que - como o professor - não se cansam de criar dúvidas e encontrar soluções.
Essa atmosfera é potencializada quando a matéria ministrada é o processo civil,
dada às constantes e interessantes discussões a respeito do tema, sempre com
vistas ao aperfeiçoamento do sistema processual e a melhora da prestação
jurisdicional.
A breve introdução serve tão somente como uma justa lembrança de como surgiu
a iniciativa para a elaboração do presente texto. Durante aula ministrada em um
dos Cursos em que tenho o prazer de ser professor, tendo como tema os
pressupostos de admissibilidade recursal, mais especificamente o interesse
recursal, fui arrebatado por uma pergunta cativante, profunda, difícil de ser
respondida de pronto. Fiz o que pude no tocante à resposta, e no final da aula
ainda me reuniu com alguns alunos que trouxerem mais alguns argumentos além
daqueles já expostos durante a aula. Dessa troca de idéias e informações, foi um
passo para o aprofundamento a respeito do tema e o surgimento do presente
artigo.
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Originariamente a questão formulada – que veio a ter depois outros
desdobramentos – girava em torno do interesse de agir do autor vitorioso na
demanda, diante de recurso interposto pelo réu, em alegar a prescrição que até
então não havia sido objeto de alegação das partes ou de apreciação do juiz. Não
tendo o autor sido sucumbente na sentença, teria tal interesse recursal? Não
admitindo tal alegação sob forma de recurso, ainda que na forma adesiva, e
reformada a sentença em segundo grau, como fazer para que a prescrição fosse
reconhecida? Tais questões demandam algumas considerações prévias a respeito
do interesse de agir e do próprio recurso adesivo, o que passamos a fazer. Nos
itens finais do presente artigo apresentaremos nossas conclusões específicas.
2- Interesse recursal
Dentre os requisitos intrínsecos de admissibilidade recursal encontra-se o
interesse recursal, entendido pela melhor doutrina como a possibilidade do
recurso interposto gerar efetivamente uma situação prática mais favorável ao
recorrente, o que demonstraria afinal a utilidade do recurso. É possível no tocante
a esse requisito de admissibilidade uma comparação com uma das condições da
ação, justamente o interesse de agir1, que deverá ser preenchido para que o
mérito seja julgado, da mesma forma como ocorre com o recurso, que somente
será analisado em seu mérito se demonstrado no caso concreto o interesse
recursal, além, evidentemente, dos outros requisitos de admissibilidade.
1
Alexandre Freitas Câmara, “Requisitos de admissibilidade dos recursos”, in Dos recursos – temas
obrigatórios e atuais, coord. Rodrigo Reis Mazzei, Vitória, ICE, 2001, pp. 95/99, afirma que todos
os requisitos de admissibilidade podem ser analisados à luz dos pressupostos processuais e
condições da ação. Especificamente sobre a relação do interesse de agir e interesse recursal,
consultar Luiz Orione Neto, Recursos cíveis, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 78; Nelson Luiz Pinto,
Manual dos recursos cíveis, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 70; Luiz Guilherme Marinoni e
Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, 2ª ed., São Paulo, RT, 2003, p. 541.
No direito italiano, Francesco P. Luiso, Diritto processuale civile, vol. II, 3ª ed., Milão, Giuffrè, 2000,
p. 285.
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Sendo possível uma comparação com o interesse de agir, a doutrina aponta para
a exigência de verificação de dois elementos que tradicionalmente compõe tal
condição da ação: a necessidade e a adequação. A necessidade do recurso se
demonstrará no caso concreto por ser esse o único meio da parte obter a melhora
fática em sua posição dentro do processo, por meio da reforma ou anulação da
decisão impugnada. A adequação diz respeito à efetiva aptidão do recurso em
gerar no caso concreto a melhora pretendida pelo recorrente.2
Dessa clássica definição doutrinária, algumas ponderações mais específicas se
fazem necessárias. É tradicional na praxe forense a idéia de que não havendo
sucumbência não haverá interesse recursal, afirmando-se que aquele que nada
perde, ou que ganha tudo que pediu, não teria interesse em ingressar com
recurso. Essa concepção é totalmente voltada para uma relação entre a pretensão
inicial das partes no processo e o conteúdo da decisão, verificando-se a
sucumbência a partir do momento em que se constata no caso concreto a
frustração de uma expectativa inicial da parte em sua pretensão. Como se
percebe, esse pensamento “consiste em limitar o confronto a uma ótica
retrospectiva. Apenas se compara a situação da parte em face da decisão
impugnada com aquele em que se achava antes”.3 Resta evidente nesse
pensamento o liame lógico entre vencedor e vencido e a sucumbência, o que
inclusive vem consagrado literalmente em nosso legislação por meio do art. 499,
CPC, que fala em “parte vencida”.
2
José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 166: “O interesse
recursal, assim, resulta da conjugação de dois fatores: de um lado, é preciso que o recorrente
possa esperar, da interposição do recurso, a consecução de um resultado a que corresponda
situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que a emergente da decisão recorrida; de
outro lado, que lhe seja necessário usar o recurso para alcançar tal vantagem”.
3
Cfr. Flávio Cheim Jorge, Teoria geral dos recursos cíveis, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 107,
apontando que essa espécie de entendimento leva em conta uma sucumbência formal, em total
desprezo à sucumbência material.
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Parece-nos que esse não é o melhor entendimento para se aferir o interesse de
agir, embora seja impossível dissociar esse requisito de admissibilidade da idéia
de sucumbência da parte. A melhor doutrina vem entendendo que o conceito de
sucumbência, embora mantido, não possa ser analisado de forma meramente
formal, comparando-se a pretensão e a decisão, sendo preferível uma análise sob
ótica prospectiva, pouco importando a situação anterior à decisão, mas sim a
situação prática que poderá advir do julgamento favorável do recurso. O interesse
recursal, sob essa ótica, estaria presente sempre que fosse possível ao
recorrente,
por
meio
do
recurso,
obter
uma
melhor
situação
prática,
independentemente de sua situação anterior à prolação da decisão recorrida.
Esse pensamento leva em conta a sucumbência material, que por vezes até
poderá se identificar com a sucumbência formal, mas por ser mais ampla, com
essa não se confunde.
O entendimento é magistralmente exposto por José Carlos Barbosa Moreira:
“A construção de um conceito unitário do interesse em recorrer, ao que nos
parece, exige a adoção de uma óptica antes prospectiva que retrospectiva:
a ênfase incidirá mais sobre o que é possível ao recorrente esperar que se
decida, no novo julgamento, do que sobre o teor daquilo que se decidiu, no
julgamento impugnado. Daí preferirmos aludir à utilidade, como outros
aludem, como fórmula afim, ao proveito que a futura decisão seja capaz de
4
proporcionar ao recorrente”.
A utilidade do recurso, portanto, estaria umbilicalmente ligada a concreta – e
evidentemente eventual – possibilidade do recorrente obter por meio do
4
Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, 167, afirmando que a tese defendida será a única
a explicar o interesse recursal do terceiro prejudicado (que não é parte no processo, e, portanto,
nada pede e contra ele nada é pedido) e do Ministério Público como fiscal da lei (apesar de
participar do processo, nada pede e contra ele nada é pedido). No mesmo sentido Flávio Cheim
Jorge, Teoria geral dos recursos cíveis, op. cit., pp.107/110. Apontando para a ligação do conceito
de interesse à sucumbência, gravame, prejuízo, mas apontando para a necessidade de melhora na
situação prática do recorrente, as lições de Luiz Orione Neto, Recursos cíveis, op. cit., pp. 79/80 e
Nelson Luiz Pinto, Manual dos recursos cíveis, op. cit., pp. 69/70. No direito italiano, são essas as
lições de Crisanto Mandrioli, Diritto processuale civile, vol. II, 14ª ed., Torino, G. Giappichelli
Editore, 2002, pp. 375/376.
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julgamento do recurso uma melhora prática em sua situação. Dessa conclusão
será possível se concluir em regra que, julgada totalmente procedente o pedido do
autor, a esse faltará interesse recursal, considerando-se que a melhor situação
possível que poderia almejar já foi obtida com a decisão proferida. Da mesma
forma faltaria interesse recursal ao réu na hipótese de total improcedência do
pedido do autor, novamente porque nesse caso a parte (réu) não teria como
melhorar sua situação dentro do processo, considerando-se que a melhor situação
fática possível já foi obtida com o julgamento. Essa regra, entretanto, poderá ser
afastada em situações excepcionais, conforme veremos.
3 – Interesse recursal fixado pela parte dispositiva da decisão
As considerações feitas acima a respeito da inegável superioridade da tese da
sucumbência material em relação à da sucumbência formal tem relevante
importância para as questões que serão suscitas no presente artigo. O
entendimento defendido acima serve para se verificar a existência de interesse
recursal em hipóteses em que a simples consideração da sucumbência formal não
seria suficiente para demonstra-lo, tendo em vista a corrente lição doutrinária de
que a sucumbência deve ser analisada à luz do dispositivo da decisão, pouco
importando sua fundamentação para tal fim. A regra, portanto, é que eventual
sucumbência verificada na fundamentação da decisão é irrelevante para fins de
interesse recursal se a mesma não se projetar também em sua parte dispositiva.
Sucumbir na fundamentação, mas se sagrar inteiramente vitorioso na demanda
(total procedência para o autor e total improcedência para o réu), não gera, ao
menos em regra, o interesse recursal.5
5
Esse o entendimento majoritário da doutrina, tanto estrangeira como nacional: no direito
português, as lições de Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito processual civil, 3ª ed., Lisboa,
Almedina, 2002, 366 e José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, Coimbra,
Coimbra Editora, 2003, p. 20. No direito italiano, as lições de Francesco P. Luiso, Diritto
Processuale Civile, op. cit., pp. 286/287 e Enrico Tulio Liebman, Manuale di diritto processuale
civile, vol. II, 4ª ed., Milão, Giuffrè, 1984, p. 265. No direito argentino, Omar A. Benabentos,
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Assim, caso o autor ingresse com pedido de separação judicial, fundamentando
seu pedido em conduta desonrosa (art. 1.573, VI, CC) e abandono do lar (art.
1.573, IV, CC), e sendo a demanda julgada procedente, mas apenas em razão do
abandono do lar, rejeitada a alegação de conduta desonrosa, faltará interesse
recursal ao autor, considerando-se que na parte dispositiva da decisão o autor
obteve tudo que poderia esperar daquele processo judicial. O mesmo ocorrerá
com o réu numa demanda judicial em que o autor pleiteia o pagamento de uma
dívida, alegando em sua defesa o pagamento e a compensação integral. Rejeitada
a alegação de pagamento, mas acolhida a de compensação total, o pedido será
julgado totalmente improcedente, não se podendo vislumbrar na parte dispositiva
da decisão qualquer gravame à sua situação.
Registre-se que nem mesmo na hipótese da alegação acolhida pelo juiz ser
afastada pelo Tribunal no julgamento do recurso da parte contrária haverá
qualquer espécie de prejuízo à parte vitoriosa em primeiro grau, apesar de nem
todos seus fundamentos terem sido acolhidos. Tal circunstancia decorre da
profundidade do efeito devolutivo do recurso, que independentemente da vontade
das partes permitirá ao Tribunal o exame dos fundamentos rejeitados na decisão
recorrida no caso do fundamento acolhido não ser considerado legítimo no
julgamento do recurso. Trata-se da aplicação do art. 515, § 2º, CPC: “Quando o
pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um
deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais”.6
Perceba-se que as considerações acima levaram em conta a sucumbência formal
das partes, considerando que aquele que recebeu tudo que poderia esperar do
Recursos de apelación y nulidad, Rosário, Juris, 2000, p. 129. No Brasil, dentre outros, José Carlos
Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., 167. e Nelson Nery Jr., Teoria
Geral dos recursos, op. cit., p. 319.
6
Nesse sentido Flávio Cheim Jorge, Apelação cível: teoria geral e admissibilidade, São Paulo, RT,
1999, pp. 129/130 e Alcides de Mendonça Lima, Introdução aos recursos cíveis, 2ª ed., São Paulo,
RT, 1976, pp. 353/354.
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processo não terá interesse recursal. À mesma conclusão, entretanto, será
possível
chegar
aplicando-se
a
superior
tese
da
sucumbência
formal,
considerando-se que o autor que teve somente um dos fundamentos acolhidos,
caso possa recorrer e convença o tribunal de que também tem razão quanto aos
outros fundamentos, não obterá qualquer melhora em sua situação prática. No
exemplo utilizado acima, o autor receberá exatamente a mesma separação que já
havia obtido em primeiro grau, o mesmo ocorrendo com o réu, que conseguirá no
tribunal a mesma declaração de que a dívida alegada pelo autor não existe. Sem
qualquer possibilidade de melhorar praticamente sua situação, faltará interesse
recursal à parte.7
Como se percebe dos exemplos utilizados, tanto a tese da sucumbência formal
como da sucumbência material satisfazem a demonstração de falta de interesse
recursal, mas nem sempre será assim. Exemplo costumeiramente dado pela
doutrina é o julgamento da ação popular ou ação civil pública fundada em direito
coletivo ou difuso, por insuficiência de provas, hipótese em que formalmente será
impossível se defender que o réu tenha sucumbido, mas materialmente não,
considerando-se que nesse caso a coisa julgada será “secundum eventum
probationis”, significando que a ação poderá ser proposta novamente no futuro
desde que fundada em novas provas, que inclusive poderão ser produzidas nesse
novo processo. Nesse caso, se mostra evidente que a modificação da
fundamentação da improcedência pelo tribunal por meio do julgamento de recurso
trará uma melhora prática ao recorrente, já que nesse caso a coisa julgada a ser
operada será a tradicional do Código de Processo Civil, o que impedirá a
7
Aplica-se aqui a correta lição de José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de
Processo Civil, op. cit., p.: “A razão de ser do processo não consiste em proporcionar ocasião para
o debate de puras teses, sem conseqüências concretas para a fixação das disciplina do caso
levado à apreciação do juiz. Nem pode a atividade do aparelho judiciário do Estado servir de
instrumento para a solução de questões acadêmicas. Por isso, não entra em linha de conta a
veleidade, que alguma das partes tenha, de obter satisfação psicológica com o acolhimento in
totum, pelo órgão ad quem, da argumentação utilizada na defesa do seu direito, se a decisão já
assegura a este tutela eficaz”.
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repropositura da demanda, sob qualquer circunstância. Essa segurança jurídica
que não terá com o transito em julgado da decisão de primeiro grau, gera o
interesse recursal no caso.
Seria possível ainda indicar duas situações em que o autor, apesar da
procedência integral de seu pedido, terá interesse recursal, o que somente se
mostrará possível com a aplicação da tese da sucumbência material. A primeira
situação se verifica na cumulação subsidiária de pedidos, na hipótese em que o
juiz acolhe tão somente o pedido colocado posteriormente na ordem indicada pelo
autor (pede A e, na eventualidade de não ser esse pedido acolhido, se satisfaz
com o pedido B). Tratando-se de cumulação imprópria (em sentido lato), ao juiz
somente será possível o acolhimento de um dos pedidos cumulados, de forma
que, independentemente de qual deles, a procedência de qualquer um dos
pedidos cumulados determinará a integral procedência do pedido do autor.
Processualmente o autor terá obtido o máximo que poderia esperar do processo; o
acolhimento de um dos pedidos, mas materialmente poderá receber o pedido de
sua preferência, o que gerará seu interesse recursal.8
A outra hipótese diz respeito a condenação em danos morais, embora em nosso
entender estejamos diante de situação que poderia ser resolvida pela tese da
sucumbência formal. Há entendimento – com o qual definitivamente não
concordamos – que defende a tese de que, havendo condenação em danos
morais, independentemente do valor de tal condenação, o pedido do autor terá
8
No sentido do texto, José Rogério Cruz e Tucci, “Reflexões sobre a cumulação subsidiária de
pedidos”, in Causa de pedir e pedido no processo civil, coord. José Rogério Cruz e Tucci e José
Roberto dos Santos Bedaque, São Paulo, RT, 2002, p. 289 e Fredie Didier Jr., “Considerações
sobre o regramento do pedido no CPC-73”, in Linhas mestras do processo civil, coord. Hélio
Rubens Batista Ribeiro Costa, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro e Pedro da Silva Dinamarco,
São Paulo, Atlas, 2004, p. 258. No direito português, José Lebre de Freitas, Código de Processo
Civil anotado, 3º vol. op. cit., pp. 19/20. Nesse tocante não concordamos com Nelson Nery Jr.,
Teoria geral dos recursos, op. cit., pp. 328/329, para quem acolhido o pedido principal o autor teria
interesse recursal para pleitear o subsidiário.
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sido acolhido integralmente, ainda que seu pedido inicial tenha sido em valor
superior ao da condenação9.
Nesse ponto é importante fazer uma importante distinção. Nos parece que feito
um pedido certo e determinado no tocante ao valor da pretensão em danos
morais, qualquer valor abaixo desse deverá gerar um julgamento de parcial
procedência. Não é possível se afirmar que o autor pretendia receber R$
100.000,00, recebeu R$ 2.000,00, e quem sucumbiu foi o réu!?
Outra situação, bastante distinta dessa, é a hipótese em que o autor faz pedido
indeterminado (pedido genérico, art. 286, II, CPC) no tocante aos danos morais.
Diante de um acolhimento – nesse caso integral – do pedido, mas em valor
entendido por insuficiente pelo autor, não resta qualquer dúvida de que poderá
manejar o recurso cabível para majorar o valor no tribunal competente. E nem se
fale que o autor, ao deixar ao juiz a incumbência de fixar o valor, não teria
interesse recursal, porque na verdade a tarefa de indicar o valor da condenação
não é do juiz, mas sim do Poder Judiciário, e havendo forma processual de
revisão da decisão, esta poderá ser manejada pela parte. Nesse caso específico
somente a sucumbência material tem condições de explicar o interesse recursal
do autor, considerando-se que o pedido terá sido julgado totalmente procedente. É
evidente, entretanto, que eventual majoração do valor da condenação pelo tribunal
gerará ao recorrente uma melhora prática de sua situação, o que demonstra seu
inequívoco interesse recursal. Apesar de verificar-se que nessas exceções o
interesse de agir não se encontra no dispositivo, a possibilidade da parte ingressar
com recurso é facilmente justificável pela tese da sucumbência material.
9
É esse o entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça: REsp 752776/RJ, 4ª Turma, rel.
Min. Fernando Gonçalves, DJ 22/08/2005, p. 302; REsp 537386/PR, 4ª Turma, rel. Min. Jorge
Scartezzini, DJ, 13/06/2005, p. 311; AgRg no REsp 743060/RS, 3ª Turma, rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, DJ, 08/08/2005, p. 307; AgRg no Ag 614761/PR, 3ª Turma, rel. Min. Antônio de
Pádua Ribeiro, DJ 30/05/2005, p. 367.
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4 – Interesse recursal no recurso adesivo
O recurso adesivo encontra sua previsão no art. 500, CPC, que na verdade não
cria uma nova espécie recursal, tão somente prevendo uma forma procedimental
diferenciada para a interposição de quatro espécies de recursos já existentes
(apelação, embargos infringentes, recurso especial e recurso extraordinário).
Costuma-se dizer, com total acerto, que o recurso interposto em sua forma
adesiva – a par das fundadas críticas a respeito do nome que o instituto recebe da
doutrina pátria – é a forma recursal da parte que não pretendia recorrer, só o
fazendo em virtude da interposição de recurso pela parte contrária.10
Sendo apenas uma forma diferenciada de interposição de alguns recursos
específicos, o recurso adesivo segue as mesmas exigências formais no tocante
aos requisitos de admissibilidade que o recurso principal, não sendo diferente no
tocante ao interesse recursal. Costuma-se afirmar que o recurso adesivo somente
poderá existir no caso concreto havendo sucumbência recíproca e tendo somente
uma das partes interposto o recurso cabível contra a decisão. Havendo
sucumbência apenas de uma das partes, somente ela teria interesse recursal,
devendo exercer seu direito recursal de forma principal, enquanto no caso de
sucumbência recíproca tendo ambas as partes recorrido, não sobraria espaço
para o recurso adesivo, tendo em conta que ambas as partes já teriam exercido
seu direito de recorrer de forma principal.
10
Flávio Cheim Jorge, Teoria geral dos recursos cíveis, op. cit., p. 325: “Com efeito, há de se
ressaltar que o recurso adesivo não constitui um outro tipo de recurso diferente dos previstos no
CPC. O recurso adesivo não pode ser elencado no rol do art. 496 do Código de Processo Civil,
como se se tratasse de outro recurso. O recurso-tipo é o previsto no art. 496 do CPC. O adesivo
nada mais é do que uma forma de interposição do recurso. Uma maneira ou um modo especial de
interpor o recurso de apelação, de embargos infringentes, especial ou extraordinário, só que
interpostos de uma forma especial”. Ainda Nelson Rodrigues Netto, Recursos no processo civil,
São Paulo, Dialética, 2004, p. 30; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de
Processo Civil comentado, op. cit., p. 863.
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Diante das breves considerações feitas acima, é possível se concluir que também
para recorrer adesivamente o recorrente deverá demonstrar seu interesse de agir,
não se justificando a interposição do recurso se o mesmo não for apto a melhorar
praticamente a situação do recorrente. A única diferença no tocante ao recurso
interposto de forma principal é que naquele o interesse do recorrente se expressa
naturalmente diante da decisão, pela simples sucumbência, enquanto no recurso
adesivo, além da sucumbência, o interesse em recorrer só passa a existir a partir
do momento em que a parte contrária ingressa com o recurso de forma principal.
De qualquer forma, a idéia de melhora na situação como forma de expressão de
sucumbência material será idêntica para o recurso principal e adesivo.
Há ainda um último ponto com relação ao recurso adesivo que nos auxiliará nas
conclusões que pretendemos obter com o presente artigo. O recurso adesivo
guarda uma relação de acessoriedade com relação ao recurso principal,
significando que seguirá o destino do recurso principal, conforme dispõe o art.
500, III, CPC: “não será conhecido, se houver desistência do recurso especial, ou
se for ele declarado inadmissível ou deserto”. Assim, se por qualquer motivo o
recurso principal não chegar a ser analisado em seu mérito, o recurso adesivo
perderá automaticamente seu objeto, sendo julgado prejudicado. O julgamento do
recurso adesivo, portanto, está condicionado ao julgamento de mérito do recurso
principal, independentemente de seu provimento ou não; para ser julgado basta o
julgamento do mérito.11
5 – A alegação de prescrição e o interesse recursal adesivo
Toda a exposição introdutória feita nos itens acima buscou preparar uma base
para a solução de algumas questões, sendo a primeira delas a possibilidade de
11
Nesse sentido a melhor doutrina. Por todos, José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao
Código de Processo Civil, op. cit. 178;
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alegação de prescrição em sede de recurso adesivo. Dividiremos o tema em duas
hipóteses: (i) a prescrição já suscitada pelo réu e rejeitada ou omitida pelo juiz, e
(ii) a hipótese em que, somente após a sentença ter sido proferida o réu percebe a
presença da prescrição, podendo alega-la a qualquer momento do processo (art.
193, CC), em nítida exceção ao princípio da eventualidade (art. 303, III, CPC).
Nessas duas situações próximas, mas diferentes, pergunta-se: haveria interesse
recursal do réu nesse caso? Sendo a resposta positiva, seria o recurso adesivo o
melhor caminho para tal alegação?
A primeira hipótese suscitada se apresenta no caso do réu alegar, entre outras
matérias de defesa, a prescrição, sendo a mesma afastada pelo juiz na sentença
ou nem chegue a mesma a ser apreciada, embora naturalmente seja acolhida
outra matéria de defesa para julgar o pedido do autor totalmente improcedente. É
evidente que diante de uma procedência do pedido, o réu terá interesse recursal,
podendo aí alegar a prescrição como qualquer outra matéria de defesa que tenha
alegado. Conclusão diversa, entretanto, deverá ser obtida na hipótese de
julgamento de improcedência do pedido, afastada na fundamentação a alegação
de prescrição.
Já tivemos a oportunidade de expor em tópico anterior que a sucumbência, em
regra, deve ser determinada pela parte dispositiva da decisão, sendo a
fundamentação irrelevante para tal fim. Dessa forma, no exemplo acima citado nos
parece ser inegável a absoluta ausência de interesse recursal do réu, quer seja de
forma principal ou adesiva, para ingressar com o recurso de apelação. É evidente
que a ausência de interesse se mostra ainda mais manifesta no tocante ao
recurso em sua forma principal, considerando-se que, ausente o recurso do autor
a decisão totalmente favorável ao réu transitaria em julgado, não havendo
qualquer sentido prático ao réu em recorrer de tal decisão.
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A conclusão será a mesma diante da interposição de recurso pelo autor, ainda que
com essa atitude positiva o autor tenha tornado sua sucumbência – e em
consequência a vitória do réu – provisória. Poder-se-ia afirmar que no caso de
eventualmente o tribunal não concordar com o fundamento que levou o juiz de
primeiro grau a julgar a ação improcedente, a ausência da alegação pelo réu da
prescrição poderia prejudica-lo, nascendo daí seu interesse recursal. É com esse
pensamento da eventualidade de sucumbência do réu, que acompanhamos
equivocados recursos adesivos serem interpostos, absolutamente ausente
qualquer interesse recursal no caso concreto. O temor de que a prescrição – bem
como qualquer outra matéria de defesa afastada pelo julgamento de primeiro grau
ou nem mesmo enfrentada – não seja analisada pelo Tribunal não se sustenta
diante da profundidade do efeito devolutivo do recurso, regulado pelo art. 515, § 1º
e 2º, CPC, que automaticamente transfere ao Tribunal todos os fundamentos de
defesa, inclusive aqueles rejeitados ou nem ao menos considerados. Assim já
havia se manifestado com total propriedade Flávio Cheim Jorge:
“Caso um dos fundamentos tenha sido rejeitado, a parte não pode utilizarse do recurso adesivo, por faltar-lhe interesse. A ausência de interesse na
interposição do recurso adesivo, nesse caso, é ainda mais nítida, porque a
apelação principal, por foca do art. 515, § 2º, do CPC, terá o condão de
12
levar à apreciação do tribunal todos os fundamentos”.
A segunda hipótese levantada gera dúvidas mais difíceis de serem resolvidas. A
situação a ser imaginada é de ausência de alegação de prescrição pelo réu
naquelas hipóteses em que o juiz não possa se manifestar de ofício (art. 194, CC)
com julgamento de improcedência do pedido do autor. Após o ingresso da
apelação interposta pelo autor, o réu, intimado para apresentar contra-razões,
percebe que existe no caso concreto a prescrição, matéria que até então não
havia sido objeto de qualquer manifestação ou debate. Partindo-se da permissão
12
Cfr. Teoria geral dos recursos cíveis, op. cit., p. 344. Ainda, Sérgio Shimura, “Recurso adesivo –
sentença que rejeita a prescrição”, in Revista de Processo nº 76, São Paulo, RT, 1994, p. 177. Na
jurisprudência, STJ, REsp nº 214250/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
08/05/2000, p. 99.
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do art. 193, CC, que admite a alegação de prescrição a qualquer momento do
processo, qual a forma procedimental adequada para tal alegação?
É tranqüilo o entendimento no sentido de que, diante da mesma percepção tardia
do réu, mas de um julgamento de procedência do pedido do autor, a apelação
poderá conter, originariamente, alegação de prescrição.13. Nesse caso, inclusive,
será manifesto seu interesse recursal – inclusive de forma principal – em
decorrência da sucumbência gerada pela parte dispositiva da sentença. O
problema sugerido, entretanto, retira tal sucumbência do caso concreto,
considerando-se que o réu não sucumbiu diante da decisão de improcedência do
pedido do autor. Teria interesse o réu no ingresso do recurso adesivo alegando
originariamente a prescrição, mesmo tendo se sagrado totalmente “vitorioso” na
demanda?
A apreensão é gerada por uma conclusão empírica. Não tendo sido suscitada a
questão da prescrição (evidentemente com exclusão da hipótese em que a
matéria deve ser conhecida de ofício – art. 194, CC), o réu, embora vitorioso na
demanda em primeiro grau diante do julgamento de improcedência do pedido do
autor, correrá o risco da reforma de tal decisão em razão do recurso interposto
pelo autor, situação na qual será de seu manifesto interesse que o tribunal
enfrente a questão da prescrição. O paradoxo, entretanto, é que o réu só terá
interesse na análise da alegação de prescrição no caso de provimento do recurso
da parte contrária, única situação em que a alegada prescrição poderia melhorar
sua situação, piorada em razão do julgamento positivo da pretensão recursal da
parte contrária.
13
Cristiano Chaves de Farias, Direito civil – teoria geral, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005,
p. 554 e Joel Dias Figueira Jr., Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 4, tomo II, São
Paulo, RT, 2001, pp. 261/262.
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É evidente que, para o recurso em sua forma principal, não haverá qualquer
interesse de recorrer do réu, afastada tanto a sucumbência formal como a material
no caso concreto. O problema surge a partir do momento em que o autor ingressa
com o recurso de apelação, o que torna a situação de ausência de sucumbência
do réu provisória, dependente do julgamento de tal recurso. Como ficará a questão
da prescrição, se o tribunal der provimento ao recurso do autor? Por qual
mecanismo o réu deverá fazer chegar ao conhecimento do órgão julgador o seu
desejo condicionado de ver tal alegação apreciada?
Partindo-se da possibilidade do ingresso de recurso adesivo nessa hipótese,
teríamos um peculiar interesse recursal condicionado ao resultado do julgamento
do recurso principal. Qualquer decisão negativa do recurso principal (quer seja
não o conhecendo ou negando provimento) seria o suficiente para a pretensão do
recorrente adesivo não subsistir, de forma que só teria sentido o julgamento do
recurso adesivo interposto na hipótese de - por meio da decisão do recurso
principal - o réu se tornar sucumbente, o que somente irá ocorrer na hipótese de
provimento de tal recurso. Seria uma interessante hipótese de julgamento do
recurso adesivo condicionado ao julgamento também de mérito do recurso
principal, somente se antevendo interesse recursal no caso de provimento de tal
recurso.14
No caso específico da alegação de prescrição, entretanto, nos parece que a
interposição de recurso adesivo seja desnecessária, não for falta de necessidade,
mas sim de adequação. Conforme desenvolveremos com maior profundidade no
próximo item, nos convence a hipótese de interesse de agir eventual, gerando a
possibilidade de existir um recurso adesivo condicionado ao resultado do recurso
14
O conceito de recurso adesivo condicionado já havia sido manifestado, por razões diferentes,
por Bernardo Pimentel Souza, Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, 3ª ed., São
Paulo, Saraiva, 2004, pp. 127/128, afirmando que a relação de subordinação entre o recurso
principal e o adesivo deve ser analisada no caso concreto. Também trata do assunto José Carlos
Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., pp. 327/329.
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principal, de forma que somente seja apreciado se tal recurso for provido. Seria
possível, assim, se falar em necessidade eventual do recurso adesivo com a
alegação da prescrição, mas justamente em virtude da liberdade formal concedida
pela omissão da literalidade do art. 193, CC, em nosso sentir o recurso adesivo
não será o meio adequado para o réu fazer tal alegação, podendo se valer de
outras formas mais simples e menos complexas que a interposição do recurso.
Admitindo-se a alegação de prescrição a qualquer momento do processo, com
exclusão de sua alegação originária em sede de Recurso Especial e Recurso
Extraordinário em virtude da necessidade de pré-questionamento, será possível
ao réu durante todo o momento do tramite recursal alegar tal matéria por meio de
mera petição15. Ora, se tem essa flexibilidade para alegar a prescrição no
processo, não parece conveniente que o réu recorra adesivamente somente para
argüir tal matéria, bastando que o faça por meio de simples petição,
evidentemente condicionando o efetivo conhecimento da matéria ao provimento
do recurso de apelação do autor. É também decorrência dessa ampla liberdade de
formas de alegação, a possibilidade do réu nas próprias contra-razões alegar a
prescrição. Registre-se finalmente que, qualquer que seja a forma optada pelo réu
– contra-razões, peça simples ou embargos de declaração em primeiro grau – o
contraditório deverá ser respeitado, devendo o autor ser intimado para
manifestação sobre a alegação de prescrição.
6 – Novamente o interesse recursal eventual do recurso adesivo
Já adiantamos nossa simpatia com o entendimento de que em algumas hipóteses
específicas, em que o provimento do recurso do autor gere um prejuízo real ao
15
Há resistência de aceitar a alegação originária de prescrição que não poderia ser acolhida de
ofício nos embargos de declaração, porque tecnicamente o juiz não se omitiu com relação à
matéria. Nesse sentido, STJ, REsp 553244/BA, 2ª Turma, rel. Min. Castro Meira, DJ 17/11/03, p.
314.
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réu, seja admitido o ingresso de recurso adesivo condicionado ao julgamento do
recurso principal, devolvendo ao tribunal de forma condicionada matéria que
somente pelo recurso principal interposto não seria devolvida. Essa excepcional
situação nos fez pensar em outra situação, bastante diversa daquela descrita
acima a respeito da alegação originária após a prolação da sentença da
prescrição, atitude totalmente albergada pelo art. 193, CC. Trata-se da hipótese de
decisão interlocutória irrecorrível que prejudique justamente a parte que vem a se
sagrar vitoriosa na demanda, hipótese plenamente possível de se verificar na
Justiça do Trabalho e no Juizado Especial Cível, nos quais se aplica o princípio da
irrecorribilidade das decisões interlocutórias.
Imaginemos o seguinte exemplo. O autor pede a produção de uma determinada
prova que é indeferida pelo juiz, não sendo cabível o recurso de agravo contra tal
decisão. O processo prossegue e ao final o juiz sentencia favoravelmente ao
autor, mesmo sem ter produzido as provas requeridas por ele. É evidente que de
forma principal não será possível se apontar qualquer interesse do réu em recorrer
dessa sentença, considerando-se que a ausência de recurso do autor fará com
que a decisão transite em julgada, tornando imutável e indiscutível a situação de
“vitória” do autor. Tendo sucumbido, entretanto, o réu ingressa com recurso
justamente alegando que a prova produzida no processo que fundamentou a
decisão não é suficiente para demonstrar a veracidade dos fatos, e que por essa
razão o pedido deve ser julgado improcedente. A partir desse momento, seria
possível se apontar para um interesse recursal adesivo, ainda que eventual e
condicionado ao resultado do recurso principal?
Por mais paradoxal que possa parecer, acreditamos que a solução a essa questão
poderá ser buscada justamente no sistema que permite o recurso da decisão
interlocutória. No sistema adotado por nosso processo civil comum, de toda
decisão interlocutória caberá o recurso de agravo, segundo dispõe o art. 522,
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CPC, e uma vez não sendo a decisão recorrida por esse recurso específico se
verificará a preclusão, não sendo mais possível à parte que se sentiu prejudicada
com a decisão reviver seu objeto no processo (com exceção, é claro, das matérias
de ordem pública, para as quais não se opera a preclusão). Para que alguma
serventia tenha esse sistema à solução da questão sugerida, devemos imaginar
uma situação específica de recorribilidade contra essa decisão.
Tomemos exatamente o mesmo exemplo dado acima. O autor requer a produção
de uma prova, pedido indeferido pelo juiz diante da fundamentação de que a prova
requerida é desnecessária, sendo tal decisão recorrida por agravo retido.
Prosseguindo o processo, depara-se o autor com um julgamento de total
procedência de seu pedido. Obviamente que não terá interesse recursal na
apelação somente para ver seu agravo retido julgado, porque a ausência de
recurso de forma principal contra a decisão fará com que a decisão transite em
julgado, consolidando definitivamente a “vitória” do autor. A questão a ser
enfrentada é como deverá proceder no caso do autor ingressar com apelação,
argüindo justamente “error in judicando” ligado à má valoração da prova,
afirmando que com a prova produzida não é possível se afirmar que os fatos
alegados pelo autor sejam verdadeiros. Como deverá o autor proceder nesse
caso?
O art. 523, § 2º, CPC, exige da parte agravante que expressamente requeira o
julgamento do agravo retido nas razões ou contra-razões de apelação, o que já
seria suficiente para afirmar que ainda quando vencedora na demanda, diante do
recurso da parte contrária, a parte agravante poderia requerer o julgamento do
agravo retido. A mesma conclusão se chegará por meio de análise individualizada
de sucumbência nas duas decisões, de forma isolada. Ainda que não tenha
ocorrido sucumbência na sentença, a mesma existiu na decisão interlocutória, o
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que manteria o interesse recursal do agravante mesmo quando vencedor na
demanda.
Esse raciocínio nos leva a algumas importantes considerações. A nítida separação
da sucumbência na decisão interlocutória e sentença, admitindo o agravo retido
por parte do vencedor da demanda, evidentemente só passa a ser considerada à
partir do momento em que a parte contrária ingressa com o recurso de apelação,
porque sem tal recurso a sucumbência suportada pela decisão interlocutória é
irrelevante à parte que venceu a demanda. Prova maior disso é que, não
interposto o recurso da parte contrária, qualquer tentativa do agravante de ver
julgado seu agravo retido será liminarmente rejeitada, por evidente ausência de
interesse recursal. Significa dizer que, apesar da sucumbência ser diversa
tomando-se as decisões isoladamente, a relevância da sucumbência na decisão
interlocutória está intimamente ligada à possibilidade de reforma da decisão pelo
tribunal em julgamento da apelação interposta pela parte contrária. Encontramos
aí o embrião da idéia que pretendemos desenvolver de recurso adesivo
condicionado, evidentemente por analogia à idéia de agravo retido condicionado.
Mas antes, é necessário fazer uma breve explicação a respeito do procedimento
recursal de processo com apelação e pedido expresso de julgamento de agravo
retido.
São duas regras que ditam o procedimento recursal nesse caso. A doutrina fala
com acerto que a apelação é o “meio de transporte” para o agravo retido chegar
ao Tribunal, devendo por essa razão ser perfeito do ponto de vista formal.
Significa dizer que, se por qualquer razão, a apelação não for admitida (recebida
em primeiro grau ou conhecida no tribunal), o agravo retido restará prejudicado.
Por outro lado, o agravo retido será prejudicial à apelação, considerando-se que
uma vez provido aquele, esse recurso perderá seu objeto, porque invariavelmente
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o efeito expansivo externo do agravo retido anulará a sentença, tornando a
apelação prejudicada. A conclusão é que, no mérito, o agravo retido tem que ser
julgado antes, mas isso só poderá ocorre se a apelação tiver sido conhecida, o
que gera uma interessante situação na ordem das questões a serem analisadas
pelo tribunal: (1º) juízo de admissibilidade da apelação; (2º) juízo de
admissibilidade do agravo retido; (3º) juízo de mérito do agravo retido; (4º) juízo de
mérito da apelação.
A ordem de julgamento exposta acima, entretanto, poderá significar um grave e
desnecessário prejuízo ao agravante vencedor da demanda, que naturalmente
entre anular a decisão ou vê-la confirmada pelo tribunal, preferirá a segunda
opção. Para ele o julgamento do agravo retido só terá algum sentido se o tribunal
pretender reformar a sentença, dando provimento à apelação da parte contrária.
Voltemos a nosso exemplo. Se o Tribunal não se convencer das alegações
lançadas pelo recorrente, é evidente que o agravante não mais desejará ver
julgado seu agravo retido, o que geraria, se provido, a anulação da sentença que
lhe favorece e que seria confirmada em segundo grau de jurisdição. Como se
percebe com facilidade, o interesse recursal no agravo retido só passa a
efetivamente existir a partir do momento em que o agravante passa a sucumbir
também com relação a decisão final do processo (acórdão que irá substituir a
sentença recorrida). Sem isso, é difícil crer que o agravante tenha efetivo interesse
em ver julgado seu agravo retido. Nesse sentido já se manifestou Nelson Nery Jr.
e Rosa Maria Andrade Nery: “Se vencedor na ação, pode reitera-lo nas contrarazões do apelo, ficando o conhecimento e julgamento do agravo no tribunal
condicionados ao provimento da apelação do adversário”.16
16
Cfr. Código de Processo Civil comentado, op. cit., p. 902, inclusive citando julgado de José
Carlos Barbosa Moreira: “Pode o agravante, validamente, condicionar a apreciação do agravo
retido ao provimento da apelação do adversário. Só as condições extraprocessuais são
incompatíveis com os atos da parte. (TJRJ, 5ª Câm. Cív., Ap. 27251, j. 27.10.1983, RP 32/225)”.
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Das conclusões obtidas acima é possível se concluir que apesar da sucumbência
gerada pela decisão interlocutória, o interesse recursal não nasce exclusivamente
disso, mas sim da real possibilidade de melhora na situação prática final da parte
no processo (sucumbência material), sendo determinante para tal fixação o
resultado do recurso da parte contrária. O que se nota é que, somente se também
for sucumbente com relação à decisão final haverá efetivo interesse recursal no
julgamento do agravo retido, e isso só se saberá concretamente após o
julgamento da apelação interposta pela parte contrária. O agravo retido, assim, só
seria julgado no caso exclusivo de provimento a apelação da parte contrária,
hipótese em que o provimento do agravo retido anularia tal julgamento, evitando
assim que a parte agravante sofresse a sucumbência gerada pelo acórdão do
recurso.
Voltemos ao problema proposto no início do presente item, no qual o ingresso de
agravo retido não será admitido. Nesse caso, nos parece que a única forma do
recorrido pedir ao tribunal que julgue seu recurso de agravo na hipótese do
recurso da parte contrária contra a sentença ser provido será por meio do recurso
adesivo. A proposta poderá encontrar críticas diante da evidente ausência de
sucumbência do recorrido no tocante à sentença, mas não é possível se esquecer
que o mesmo sucumbiu numa decisão interlocutória e não pode dela recorrer. É
evidente que não terá um interesse jurídico isolado em recorrer somente para que
a decisão interlocutória seja reformada ou anulada, por absoluta ausência de
interesse recursal, da exata mesma forma que aquele que agravou de forma retida
também não pode pretender o julgamento de seu recurso se a parte contrária não
ingressar com o recurso de apelação. Voltamos a idéia de interesse de agir
eventual, condicionando-se o julgamento do recurso adesivo ao provimento do
recurso principal, sendo que diante de qualquer resultado negativo ao recorrente
(não conhecimento ou negativa de provimento) o recurso adesivo perderia seu
objeto, faltando interesse recursal para sua análise. Isso já ocorre na hipótese de
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não conhecimento do recurso principal, conforme já visto, sendo novidade tão
somente a idéia do julgamento do mérito do recurso principal determinar se o
recurso adesivo deverá ou não ser analisado.
A idéia do recurso adesivo condicionado já havia sido enfrentada por José Carlos
Barbosa Moreira, que embora não trate especificamente do interesse recursal
eventual defendido no presente artigo, em muito contribui com o tema, apontando
inclusive que países como a Alemanha e a Itália admitem, ainda que com alguma
controvérsia, o recurso adesivo condicionado, somente julgado na hipótese do
recurso principal ser provido. Assim conclui seu pensamento:
“Em chegando a tal conclusão, o tribunal, em vez de dar provimento,
incontinenti, ao recurso principal, voltaria os olhos para o adesivo, e só
tornaria àquele se desprovido esse. Semelhante modo de proceder
asseguraria ao recorrido, no exemplo em foco, a possibilidade de manter a
vitória conquistada, na instância inferior, quanto à matéria principal, a
despeito de haver também ele impugnado a decisão, adesivamente, para
17
insistir na preliminar de nulidade”.
Em situações atípicas como a acima aventada, os esquemas tradicionais de
interesse recursal e mesmo de ordem e autonomia de julgamento do recurso
principal e adesivo não satisfazem a proteção mínima que se espera à parte
dentro do processo. A idéia de interesse recursal eventual e recurso condicionado
vem de encontro a expectativa da proteção efetiva daquela parte que, apesar de
vitoriosa num primeiro momento, teve uma sucumbência incidental durante o
processo, que uma vez revertida poderia impedir sua sucumbência final no
julgamento do recurso da parte contrária. Ao mesmo tempo, evitaria que o recurso
da própria parte a prejudicasse ao anular uma decisão que lhe é favorável no caso
de sua manutenção pelo Tribunal, o que significará que não haverá sucumbência
em nenhum dos graus de jurisdição.
17
Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., 179. Flávio Cheim Jorge, Teoria geral dos
recursos cíveis, op. cit., p. 332, aponta apenas a possibilidade de inversão na ordem do
julgamento, sem mencionar, entretanto, a possibilidade de recurso condicionado.
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Cabe somente uma derradeira observação. A hipótese aventada, conforme já
afirmado, só terá interesse nos processos em que for irrecorrível a decisão
interlocutória, como ocorre na Justiça do Trabalho e no Juizado Especial Cível.
Quanto ao procedimento sumaríssimo previsto pela Lei 9.099/95, cumpre observar
a existência de um Enunciado do Fórum Permanente de Juízes Coordenadores
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil (Enunciado 88 - Não cabe
recurso adesivo em sede de Juizado Especial, por falta de expressa previsão legal
- Aprovado no XV Encontro - Florianópolis/SC). Em tese, portanto, o entendimento
a respeito do recurso adesivo condicionado com interesse recursal eventual só
teria cabimento na Justiça do Trabalho. Não é, entretanto, possível se concordar
com o Enunciado acima transcrito. Cândido Rangel Dinamarco já teve a
oportunidade de defender, de forma irretocável, o cabimento do recurso adesivo
nos Juizados Especiais Cíveis:
“Ora, os objetivos do recurso adesivo coadunam-se muito
harmoniosamente com os da criação do processo especialíssimo dos
juizados, onde o zelo pela terminação rápida do serviço jurisdicional se
situa entre as preocupações centrais. Faz parte do espírito conciliatório
que aqui se alvitra essa atitude do litigante que, atendido em parte quanto
à pretensão sustentada em juízo, prefere não recorrer e só recorrerá se o
fizer o adversário. Por isso, também no processo dos juizados especiais é
admissível o recurso adesivo, embora não se tenha aqui o recurso de
apelação mas o inominado, uma vez que os objetivos práticos deste
18
coincidem com os daquela.”
Parece-nos que o cabimento do recurso adesivo dentro do microsistema criado
pela Lei 9.099/95 é indiscutível, mas mesmo para os adeptos do Enunciado 88,
que proíbe a existência dessa forma recursal, no caso específico do presente
artigo há de ser aberta uma exceção. É evidente que o entendimento consolidado
em tal enunciado leva em consideração a situação clássica de recurso adesivo, de
18
Cfr. Manual dos Juizados Especiais, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, pp. 182/183. No mesmo
sentido, Alexandre Freitas Câmara, Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – uma
abordagem crítica, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004, pp. 149/150 e Mantovanni Colares
Cavalcante, Recursos nos Juizados Especiais, São Paulo, Dialética, 1997, pp. 56/57. No sentido
do Enunciado 88, Ricardo da Cunha Chimenti, Teoria e prática dos Juizados Especiais Cíveis, 2ª
ed., São Paulo, Saraiva, 1999, pp. 175/176.
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sucumbência recíproca, na qual a parte poderia ter recorrido de forma principal,
mas não o fez. No caso analisado, entretanto, não será possível, nem necessário,
a parte vencedora ingressar com o recurso inominado de forma principal, só
surgindo o interesse recursal na hipótese de ingresso de recurso da parte autora.
Nesse caso, é inegável que, mesmo aplicando-se o criticável enunciado, deverá
ser concedido o caminho do recurso adesivo (único possível) à parte que
sucumbiu em decisão interlocutória, mas se sagrou vitoriosa na demanda.
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