PROJETO ‘MEMÓRIA SOCIAL SOBRE SAÚDE E AMBIENTE; UM PROJETO DE PESQUISA-AÇÃO COM AGRICULTORES FAMILIARES DE SUMIDOURO, R.J. RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA APRESENTADO AO CNPq AUTOR: EDUARDO NAVARRO STOTZ MODALIDADE: AUXILIO INDIVIDUAL DE PESQUISA PROCESSO: 472659/2006-5 PERÍODO: OUTUBRO DE 2006 A DEZEMBRO DE 2008 EQUIPE DE PESQUISA ANNA BEATRIZ DE SÁ ALMEIDA (DP/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz) AUREA MARIA DA ROCHA PITTA (DAPS/Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz) CARLOS TADEU GOMES (CIEP SÃO JOSE DE SUMIDOURO) EDUARDO NAVARRO STOTZ (DENSP/Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz) - Coordenador FREDERICO PERES (CESTEH/Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz) GABRIEL SANCHES BORGES (Direito/Universidade Estácio de Sá- PIBIC CNPq-Fiocruz) LUSYANA PORTO DA SILVA (Informática/Universidade Estácio de Sá- PIBIC CNPq-Fiocruz) PEDRO LUIZ DE CARVALHO PEREIRA (História/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Fundação Educacional Além Paraíba - IC/FAPERJ) RAFAEL DIAS (Geografia/Faculdade de Formação de Professores da UERJ IC/FAPERJ) Apesar de muitas variações de tempo e lugar, o sistema agroecológico capitalista mostra uma tendência clara ao longo da expansão da história moderna: um movimento em direção à simplificação radical da ordem ecológica natural no número de espécies encontradas em uma área e o intrincado de suas interconexões. Donald Worster, Transformações da terra: para uma perspectiva agroecológica moderna O dinamismo da economia brasileira não se explica sem uma referência ao sacrifício imposto a grande parte da população do país e ao caráter extensivo da exploração dos recursos naturais de um vasto território. Os instrumentos da análise econômica são inadequados para explicitar esses custos sociais e ecológicos. Celso Furtado, O Brasil Pós-“Milagre” SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................5 Apresentação: um breve histórico e agradecimentos....................................................5 Proposta e problematização...........................................................................................8 Objetivos e metas ........................................................................................................13 MARCO TEÓRICO-CONCEITUAL.............................................................................15 A identidade social do camponês no sistema capitalista.............................................15 A ‘modernização’ da agricultura.................................................................................19 A Revolução Verde e sua difusão no Brasil................................................................21 Educação rural na perspectiva dos educandos.............................................................31 PROCEDIMENTOS METÓDICOS...............................................................................34 OBJETIVOS ALCANÇADOS........................................................................................41 ANÁLISE DOS DADOS, INFORMAÇÕES E OBSERVAÇÕES COLETADAS .......45 As transformações na agricultura em Sumidouro: uma análise dos dados e informações econômicas e ambientais........................................................................45 Da agricultura ‘tradicional’ à ‘moderna’.................................................................53 A indução do processo de modernização................................................................60 A agricultura como prática econômica e o uso de agrotóxicos...............................70 Impacto do uso de agrotóxicos sobre o ambiente a saúde dos trabalhadores..........80 A consciência dos limites da agricultura ‘moderna’...............................................87 Memorizar é uma forma de lutar contra a opressão: as metamorfoses do campesinato em Sumidouro..............................................................................................................96 A escravidão em Sumidouro: memória dividida e dois destinos.............................96 Patrão rico, meeiro burro.......................................................................................107 Ver, avaliar, calar... resistir....................................................................................111 INTERPRETAÇÃO DOS ACHADOS DA PESQUISA..............................................115 Agrotóxicos como risco, perigo e insumo do processo de produção e de trabalho na agricultura..................................................................................................................116 A questão da escolarização na percepção do risco à saúde ......................................122 A questão das alternativas à agricultura convencional .............................................126 O campesinato e a “questão ambiental”....................................................................129 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS.......................................................133 BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................138 ANEXOS I a III.............................................................................................................153 ANEXO I...................................................................................................................154 ANEXO II..................................................................................................................155 ANEXO III................................................................................................................157 INTRODUÇÃO Apresentação: um breve histórico e agradecimentos A pesquisa Memória Social sobre Saúde e Ambiente financiada pelo CNPq na modalidade de Auxilio Individual à Pesquisa, teve seu primeiro esboço elaborado durante a fase final da participação do autor deste relatório no projeto de controle da esquistossomose desenvolvido em alguns bairros do município de Sumidouro, sob a coordenação de Marisa Soares, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz. Na segunda metade de 2004 estava claro que a esquistossomose como uma endemia rural na localidade da Porteira Verde estava controlada. As novas questões de saúde estavam relacionadas, do ponto de vista coletivo, aos usos da água naquele bairro devido a um matadouro e pocilgas em diferentes sítios localizados ora acima, ora abaixo, ao longo de cursos dos córregos. O certo é que havia uma demanda de parte dos moradores por saneamento básico e a melhor forma para resolvê-la era mediante a criação de uma associação de moradores. O relatório da pesquisa realizada foi publicado no primeiro número da revista eletrônica de educação Moçambrás – http://www.mocambras.org/ . Outro problema detectado na pesquisa coordenada por Marisa Soares foi a intoxicação dos trabalhadores devido à utilização de agrotóxicos na agricultura. Pensamos desenvolver um novo projeto que considerasse esse último problema, desta vez não como um estudo biológico ou clínico e sim sociológico. A preocupação, manifestada durante a pesquisa anterior, de saber o que pensavam os próprios moradores a respeito dos problemas de saúde e das formas de enfrentá-los, levou-nos a propor um resgate da memória do trabalho dos agricultores como parte da avaliação dos motivos do uso de agrotóxicos. Com apoio Fátima Curty Moura, técnica do escritório local da EMATER, começamos, no final do ano de 2005, a esboçar um projeto de pesquisa com o intuito de ouvir dos moradores mais antigos a história de suas vidas e, por meio delas, da sua infância, do seu trabalho e da própria cidade. Pediríamos que contassem a história de Sumidouro a partir de suas próprias vidas. Os problemas de saúde e aqueles relacionados ao ambiente deveriam aparecer no contexto dessas histórias. Foi assim que nasceu o projeto Memória social sobre saúde e ambiente: uma pesquisa-ação com agricultores familiares em Sumidouro, Rio de Janeiro que imediatamente contou com a participação dos pesquisadores Frederico Peres, do Centro de Estudos de Saúde e Ecologia Humana da ENSP/Fiocruz e de Anna Beatriz de Sá Almeida, do Departamento de Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. O passo seguinte foi ampliar a participação de pessoas do próprio município no projeto. Vale mencionar especialmente Antonio e Termelita Lavourinha; professores do CIEP São José de Sumidouro, nas pessoas de Carlos Tadeu Gomes, Elaine Gaspar e Iza Fragoso que contribuíram para atrair a atenção dos jovens do ensino médio para a importância de resgatar a memória social dos cidadãos sumidourenses, especialmente dos agricultores. Com eles tentou-se montar um Projeto Escolar de História Oral. É importante registrar apoio de Marcelo Vieira de Almeida, coordenador do Centro Pró-Memória de Sumidouro (CPMS): graças a ele pudemos explorar um arquivo de Recortes de Jornais que ajudou a esclarecer aspectos da agricultura sumidourense. Por outro lado, descobrimos no CPMS o acervo dos livros de fazenda do Barão de Aquino. Ao fazer a consulta, constatamos estarem bem preservados. Preocupou-nos, porém, as condições precárias de infra-estrutura do local onde estava instalado o CPMS. Acertamos então com Marcelo Vieira de Almeida a transferência desse acervo para o Arquivo Nacional, de modo a viabilizar o tratamento arquivístico e a guarda adequadas. A doação foi feita por Monica Pinheiro Gomes, em nome da família dos herdeiros do Barão de Aquino. Representante do Arquivo Nacional assumiu o compromisso, na medida da digitalização do material, de entrega de cópias em CD Rom para permitir fácil acesso aos sumidourenses interessados em pesquisar o acervo. Uma equipe local de pesquisa começou a tomar forma em abril de 2006. Fátima Moura, então estudante de Direito da Universidade Estácio de Sá – Campus de Nova Friburgo, Fátima apresentou Gabriel Sanches Borges e Lusyana Porto da Silva, colegas da mesma universidade e moradores de Sumidouro. A partir de agosto de 2006, foi possível incluí-los formalmente no projeto de pesquisa na condição de auxiliares de pesquisa, graças à concessão de duas bolsas no Programa de Iniciação Científica CNPq-Fiocruz. Assim, Gabriel Sanches Borges passou a desenvolver o projeto “Memória social sobre ambiente e saúde em sumidouro, RJ: um estudo do ponto de vista jurídico”, ora concluído; Lusyana Porto da Silva teve sua bolsa renovada para dar continuidade ao projeto “Memória Social sobre ambiente e saúde: organização de uma página de internet do projeto de história oral em Sumidouro, RJ”. Em 2007, a Fundação de Amparo à Pesquisa do estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) concedeu duas bolsas de iniciação científica a Pedro Luiz de Carvalho Pereira, com o projeto de pesquisa “Memória social dos agricultores de Sumidouro: a geração da ‘revolução verde”, já concluído e a Rafael Dias, com o projeto “A olericultura em Sumidouro: uma aproximação ao entendimento do sistema agrário baseado na pequena propriedade”, em fase de conclusão. O apoio do professor Carlos Tadeu Gomes, professor de História do CIEP 998, ao projeto, participando de reuniões da equipe e facilitando-nos a visita às áreas de difícil acesso do município, localizadas nas “terras frias”, foi de grande importância para o conhecimento mais aprofundado da realidade da agricultura em Sumidouro. A participação de Áurea Pitta em 2007 foi fundamental na organização e irradiação do programa “Fala Sumidouro”. O mestre de Aécio Flávio Rego deu a este programa mais do uma bela trilha musical, reinterpretou o Hino Municipal de Sumidouro. Devo ao senhor Altivo da Silva e a recepção de sua esposa, Isabel e da filha deles, Maura, o convívio de bons momentos, em que as lembranças do passado se misturaram com café, sucos, bolinhos e muito afeto. A todos, nossos agradecimentos. Proposta e problematização De acordo com Guilherme Delgado, a importância da agricultura tem sido subestimada uma vez que 35% da população brasileira dependem da atividade agropecuária1. Pesquisas têm demonstrado que, apesar da diminuição de postos de trabalho na agricultura esta é ainda responsável pela manutenção de um contingente considerável da população rural, tanto no Estado do Rio de Janeiro como em âmbito nacional (Carneiro e Teixeira, 1999). Trata-se de um debate em torno dos destinos da ruralidade na época atual (Veiga, 2004). Como o município se insere neste quadro? Vejamos alguns dados demográficos, econômicos e sociais de Sumidouro com base no Censo Demográfico de 2000. Sumidouro é um município do estado do Rio de Janeiro situado na divisa com os municípios de Carmo, Duas Barras, Nova Friburgo, Teresópolis e Sapucaia que se estende por uma área de 396 quilômetros quadrados da região serrana ao Vale do Rio Paraíba do Sul. Área montanhosa com altitudes variando de 264 a 1.300 metros em clima tropical de altitude, abriga uma economia essencialmente agrícola e uma população predominantemente situada em área rural. Sumidouro, emancipado da comarca do Carmo e elevado à categoria de município por decreto estadual de 10 de junho de 1890, apresenta, ao longo da história, um baixo crescimento demográfico, principalmente quando se considera a notável transformação ocorrida no período dos anos 1950 a 1980 em nosso país, inclusive no Estado do Rio de Janeiro e na própria região serrana da qual faz parte. A população rural tem diminuído relativamente, mas a urbanização é ainda um processo lento. 1 DELGADO G 2005. Comunicação pessoal no Seminário sobre Exclusão social, promovido pelo Instituto DNA Brasil, realizado em São Paulo. 9 Tabela 1 População Residente por Ano e Situação Sumidouro Período:1950-2006 Ano 1950 1960 1970 1980 1991 2000 Urbana 662 7,3 1054 9,9 1316 12,0 1411 12,4 2011 15,5 2334 16,5 Rural 8468 92,7 9599 90,1 9687 88,0 9984 87,6 10966 84,5 11842 83,5 Total 9130 10653 11003 11395 12977 14176 Fonte: IBGE - Censos Demográficos Uma possível explicação para o fenômeno demográfico pode ser a migração, vinculada à estrutura fundiária e à transmissão da herança das pequenas propriedades rurais (menos de 1 a 10 hectares) que, de acordo com os dados do censo agropecuário de 1995/96, representavam 49% dos estabelecimentos segundo esta condição legal. Trata-se do resultado de um longo processo que remonta à crise da grande propriedade organizada em torno da cafeicultura. O colonato inicialmente e, depois, até os nossos dias, a parceria, aparecem como formas de transição neste processo. O censo agropecuário de 1995/96 registrou 37% dos estabelecimentos de Sumidouro sob esta condição legal, a maioria dos quais (75%) no grupo de menos de 1 a 5 hectares. A amplitude do sistema de parceria é um dado importante a ser considerado na pesquisa, sendo sintomática a expressão “patrão rico, meeiro burro” proverbial entre os sumidourenses. O fato de ser um município predominante rural implica, dentro das características sociais e políticas brasileiras, uma elevada taxa de analfabetismo e de alfabetismo funcional na população com 10 anos ou mais de idade: 10 Tabela 2 Escolaridade das pessoas residentes com 10 anos ou mais de idade Sumidouro - 2001 Anos de estudo 0->1 1a3 4a7 8 a 10 11 a 14 15 ou mais Total Nº habitantes 1982 3808 4049 729 785 191 11544 % 17,17 32,99 35,07 6,31 6,80 1,65 100,00 Fonte: IBGE, 2004 O problema do baixo nível de escolarização assume importância dada a associação com o uso de agrotóxicos apontada na literatura. “Sabe-se que os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde humana e o ambiente decorrem do modo como os agricultores escolhem, preparam e aplicam agrotóxicos na olericultura (Agostini, 1997). Importa constatar que o 'uso ideal' dos agrotóxicos é dificultado por diversos fatores, dentre os quais o nível de escolaridade e a falta de orientação técnica. Mas vale ressaltar outra sorte de dificuldades, como as apontadas pela autora, relacionadas ao cálculo econômico e técnico envolvido em decisões que precisam ser tomadas em momentos apropriados na lavoura.” Nossa proposta de pesquisa, ao levar em conta esta realidade do município, tinha em mente contribuir, por meio da pesquisa, na identificação do processo de mudança: “Município predominantemente rural, Sumidouro é uma vasta área de olericultura com uso intensivo de agrotóxicos e exploração do solo inadequada e danosa do ponto de vista ambiental. Modificar esta situação com a participação dos agricultores familiares supõe, de um lado, o reconhecimento das razões que respaldam tais práticas e, de outro, dar visibilidade a alternativas técnicas e formas diferentes de trabalho rural.” A pesquisa não se desvinculava de uma orientação educacional, espelhada no próprio título do projeto: 11 “Do ponto de vista educativo, este projeto de pesquisa insere-se na tendência, assinalada por Damasceno e Beserra, (2004), de discutir a educação rural da perspectiva da população a que se destina, isto é, os agricultores familiares.” Do ponto de vista metodológico, optamos pela história oral como um método de pesquisa-ação: “Quando a experiência de vida de pessoas de diferentes grupos sociais passa a ser utilizada como fonte histórica, uma multiplicidade de pontos de vista sobre certos fatos ganha relevância e, ao mesmo tempo, cada um desses pontos de vista confere ao conhecimento das pessoas uma importância antes ignorada. A história oral torna a história mais democrática, tornando equivalentes os saberes. Destaca-se, neste aspecto, o fato de que as informações privilegiadas pelos agricultores são aquelas oriundas de seus próprios pares, enquanto as informações dos técnicos tendem a ser avaliadas com desconfiança ou ceticismo (Guivant, 1997). Ao mesmo tempo, a história oral favorece o estabelecimento de vínculos comunitários entre pessoas de diferentes grupos sociais e etários que, de outra forma, dificilmente se conheceriam e trocariam informações e saberes entre si, dado o relativo insulamento que a dedicação do tempo à lavoura e as distâncias num município de relevo irregular e área de 396 km2 impõe à maior sociabilidade.” No dia 8 de dezembro de 2005 fizemos o primeiro contato com as autoridades para apresentar a idéia de um projeto de história oral voltado para a problemática da saúde e do ambiente e solicitar apoio para sua realização em Sumidouro. Contávamos com o fato de que a Fiocruz já era uma instituição parceira na área da saúde e havia interesse do poder municipal, por meio da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente (SAMA), em reduzir os impactos sociais e ambientais do uso de agrotóxicos na agricultura. De fato, a recepção foi ótima, inclusive pela indicação de vários nomes de moradores mais antigos de vários estratos sociais. Neste momento tivemos a oportunidade de conhecer praticamente todo o município, das “terras quentes” às “terras frias”, no percurso do Vale do Paraíba à região serrana, guiado por Fátima Curty Moura. Informações sobre a agricultura (ciclos da lavoura, tipos de cultivos em cada área, aspectos vinculados à sucessão da propriedade) e os limites da olericultura oferecer alternativas de trabalho para 12 todos os munícipes, bem como nomes de possíveis pessoas a serem entrevistadas foram-nos oferecidas ao longo da excursão. Participamos de uma reunião com os produtores de São Lourenço na Escola Flor do Campo que teve um importante papel na elaboração do projeto de pesquisa. Foi o ensejo para pensar um roteiro de entrevista que considerasse algumas “categorias do pensamento camponês” em Sumidouro, a saber: trabalho e “gosto” ou “capricho”; tempo e biografia (casamento, nascimento, morte, sucessão da propriedade); respeito. Destas categorias, o trabalho ocupava a centralidade, identidade e destino social da maioria. O trabalho distinguia o tempo da infância/adolescência e o tempo da vida adulta, da dependência e da autonomia, concretizando o tempo da vida de cada um e de todos. Eis as anotações daquela reunião com os agricultores, já ao anoitecer: O senhor José Joaquim Correia, Zé Lulu, lembrou que, quando casou, aos 19 anos, ainda existia café no lugar. Conheceu Fernando Gomes de quem comprava batata inglesa, colhia em saco de estopa, era “um lavourão” (3 hectares de terra). O sogro de Zé Lulu plantava cravo. Isso por volta de 1955. Nas conversas entrecruzadas com outros agricultores, alguém fez referência a um dos mais antigos de São Lourenço, o senhor Hermes, com mais de 80 anos que viveu “mais a vida ruim”. Os agricultores referiram-se às dificuldades de ontem e a comodidade de hoje. No projeto de pesquisa assim formulamos este entendimento: “Tomando como pressuposto a capacidade da história oral de "fazer conexões entre esferas distintas da vida" para evidenciar processos de transição e observar trajetórias singulares, pensamos na estruturação das entrevistas e da busca documental em módulos temáticos que, tendo por centro o 'trabalho', possa considerar aspectos da vida cotidiana relacionados à importância da família ('casa') na cultura do grupo e da participação política ('cidade'), especialmente das redes e associações capazes de viabilizar o acesso a financiamento e condições de comercialização dos produtos das lavouras. Este é um dos aprendizados da pesquisa anteriormente desenvolvida (Soares; Stotz; Barreto, 2005).” As ‘pistas’ surgidas nessa fase exploratória da pesquisa permitiram supor que a pergunta formulada para orientar a pesquisa tivesse consistência. Perguntamo-nos: 13 “...ainda existem, na memória e na cultura deste campesinato elementos da agricultura orgânica tradicional capazes de se contrapor à lógica prevalecente?” De qualquer modo, preocupamo-nos em admitir a possibilidade de achados contraditórios a esta suposição quando escrevemos: “A relativização do ponto de vista dos pesquisadores, geralmente impregnados pela mentalidade extensionista (Freire, 1971) a partir do contraponto oferecido pelas reflexões das ciências sociais, a exemplo do estudo das representações sobre os agricultores (Neves, 1987), de sua diferenciação interna (Neves, 1985) e da visão sobre a família rural (Almeida, 1986; Woortmann, 1990), devem manter os pesquisadores atentos quanto aos estereótipos que tradicionalmente cercam o "mundo agrário". A compreensão da forma como se realizou entre nós a chamada Revolução Verde (Peres, 2005) deverá ser o alvo preferencial dessa relativização sociológica.” Objetivos e metas O objetivo geral da pesquisa foi o de construir uma memória social sobre as relações entre trabalho, ambiente e saúde em Sumidouro (RJ). Especificamente pretendemos: 1 – Identificar as transformações ocorridas na base técnica da agricultura nos últimos 40 anos. 2 – Captar a percepção dos agricultores acerca das mudanças nas características ambientais (solo, água) decorrentes da agricultura intensiva. 3 – Captar a percepção dos agricultores acerca da proteção à saúde no uso de agrotóxicos. O caráter do projeto, voltado para a educação em saúde, também nos conduziu a propor, como metas a realização, em Sumidouro: a) de uma mostra coletiva em Sumidouro, com apresentação de relatos dos depoentes (trechos escritos e orais), exposição de fotografias, de documentos e instrumentos de trabalho; b) da participação dos pesquisadores em reuniões de associação de produtores para divulgação dos resultados da pesquisa será incorporada à prática 14 da pesquisa como parte do estímulo e apoio ao desenvolvimento do cultivo orgânico; c) da difusão do conhecimento sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde dos trabalhadores e de suas implicações ambientais junto às comunidades de agricultores familiares em diferentes localidades do município de Sumidouro; d) do intercâmbio de experiências, com a realização de excursões de trabalhadores mais jovens a municípios com agricultura familiar comercial organizada em princípios orgânicos, de modo a permitir a abertura da discussão de alternativas técnicas apropriadas à olericultura com apoio da EMATER e da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Sumidouro; e) do desenvolvimento de uma metodologia de pesquisa em história oral que proporcionasse o avanço de estudos interdisciplinares em ambiente e saúde. A constituição de fontes primárias (depoimentos e documentos textuais e iconográficos) como acervo para esta e outras pesquisas, sob cuidados da Casa de Oswaldo Cruz implicaria o apoio desta instituição à organização local dos acervos e da prática de história oral em Sumidouro de modo a propiciar a apropriação desta tecnologia. 15 MARCO TEÓRICO-CONCEITUAL Nossa interpretação sobre o comportamento e atitude dos agricultores familiares, no que diz respeito à problemática ambiental e sanitária parte do pressuposto de que agricultura familiar é uma categoria política (Neves, 2007), instituída por uma política pública específica, o Programa Nacional de Financiamento a Agricultura Familiar (Pronaf), a partir da segunda metade anos da década de 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Referir-se a esta agricultura significa abranger uma polêmica ‘espraiada’ por vários campos de saber científico-acadêmico, da qual prudentemente nos afastamos aqui. Para fins do nosso estudo, centrado na percepção sobre o uso e os impactos do uso de agrotóxicos, é suficiente tecer algumas considerações gerais sobre a agricultura familiar, e assumirmos uma posição neste debate, tendo em vista a perspectiva educativa que defendemos. A identidade social do camponês no sistema capitalista O termo familiar serve apenas para indicar, no âmbito agrário e da produção agropecuária, uma das características do campesinato como grupo social específico. Em obra de divulgação, Margarida Moura situa as duas vertentes interpretativas sobre a especificidade do campesinato na sociedade moderna: de um lado, a que postula, com Marx, a sua subordinação ao modo de produção capitalista; de outro, a que advoga, com Chayanov, a autonomia do camponês no interior deste modo de produção (Moura, 1988). Esta é também a visão de Ciro Flamarion Cardoso em seu estudo sobre a “brecha camponesa” no escravismo moderno (Cardoso, 2004). Se a afirmação de Shanin (1980, 44) de que o campesinato não poder ser compreendido ou descrito fora da estrutura societária mais geral situada em seu contexto histórico é verdadeira, então o processo de trabalho camponês é uma realidade subordinada a outra mais poderosa, capaz de ditar as regras do jogo (Moura, 1988, 62), isto é, o modo de produção capitalista. A questão a ser resolvida na vertente teórica da subordinação do trabalho camponês ao capitalismo diz respeito às razões da sua persistência, desafio histórico e teórico enfrentado por economistas, sociólogos e historiadores, compondo vasta literatura, cujo exame escapa aos propósitos de nossa pesquisa. Damos, portanto, a questão como resolvida de modo consistente por alguns outros, adotando os resultados alcançados por eles, como nossos pressupostos. 16 De um lado, admitimos a existência de uma estrutura camponesa com algum grau de autonomia no interior do sistema capitalista. A negativa de Chayanov levar em conta a subordinação ao capitalismo, afirma Ciro Flamarion Cardoso, prejudicou sua contribuição para o entendimento da estrutura camponesa. Para o historiador brasileiro, uma estrutura camponesa se caracteriza pelo acesso estável à terra (propriedade ou usufruto), pelo predomínio do trabalho familiar, pela auto-subsistência (sem exclusão do vínculo ao mercado) e certa autonomia na gestão das atividades agrícolas (Cardoso, 2004, 56-7). Esse grau de autonomia é atinente à organização da produção imediata e confere ao campesinato uma “elasticidade extraordinária de auto-exploração da força de trabalho” (Soares, 1981, 206). Por outro, deve-se consideramos a possibilidade do capitalismo coexistir com e subordinar a produção camponesa e, pois, de explicar a persistência do trabalho camponês no interior deste sistema. Há as duas formas de subordinação da produção camponesa às relações sociais capitalistas, direta e indireta. A primeira é a que prevalece na agro-indústria da fumicultura, da produção de carnes, de óleos vegetais, etc. Trata-se da “agricultura integrada” (Grzybowski, 1987) na qual se dá uma subordinação real do proprietário-trabalhador familiar à empresa capitalista em todas as fases do processo de produção e de trabalho. A segunda vincula-se ao mercado capitalista. Mas esta forma, por sua vez, contempla duas situações diferentes. Margarida Moura assinala que a produção de alimentos a custos extremamente baixos não é atraente ao investimento de capital em virtude de uma lucratividade abaixo da média (Moura, 1988, 64). Esta produção contribui para rebaixar o valor da força de trabalho e, portanto, tem impacto positivo no processo de reprodução das relações sociais capitalistas como um todo. Do ponto de vista teórico, trata-se da produção camponesa vinculada ao mercado, ou seja, subordinada à competição entre os capitais, ao movimento do capital no setor concorrencial da economia (Moreira, 1997). Outra situação é aquela configurada pelo conflito entre as pequenas propriedades e empresas agropecuárias voltadas para a exportação, situação na qual prevalece a lógica do monopólio. A subordinação indireta do proprietáriotrabalhador familiar ao capital cede lugar, cada vez mais, à transformação do camponês em proletário, mesmo que em tempo parcial. Nas áreas de expansão da fronteira agrícola, no chamado Arco do Desmatamento da Amazônia2, o conflito via 2 Os conflitos acontecem igualmente no interior das áreas de interesse capitalista consolidadas do sudeste e sul como se percebe nos conflitos entre o Movimento das Mulheres Camponesas e a Aracruz Celulose. 17 de regra se estabelece entre os camponeses e os agentes do “mercado de terras” que viabilizam a expansão das relações capitalistas no campo. O estudo sobre a agricultura familiar em Sumidouro remete à primeira situação apresentada, quer dizer, da produção camponesa subordinada às relações sociais capitalistas pela via do mercado. A existência do campesinato como grupo social específico implica em identificar as práticas adotadas por membros deste grupo para garantir a sua reprodução social (Soares, 1981). Essas práticas, afetadas pelas situações acima apontadas, envolvem: o destino dado a cada dos membros da família pela definição da herança da propriedade; as atividades de auto-subsistência e, pois, o saber prático da autonomia camponesa; as redes de compadrio e vizinhança que se imbricam na relação com o poder no nível local, inclusive com os agentes técnicos e de financiamento da agricultura. Obviamente não se pode pensar a reprodução social do campesinato no capitalismo sem a intervenção do Estado que tende a se fazer sob a ótica da acumulação de capital, da expansão das relações sociais capitalistas e, portanto, da seleção dos interesses das diferentes frações de classe implicadas. Tal intervenção tem de ser examinada, assim, à luz da diversidade das situações de subordinação apresentadas esquematicamente acima. Como veremos adiante, no item dedicado à Revolução Verde, a ação do Estado volta-se em parte para impulsionar a oferta de alimentos em quantidade suficiente e preço baixo para garantir a reprodução da força de trabalho na economia capitalista. Com isso, subsidia a produção camponesa, viabilizando a sua reprodução. É no interior desta ação que se apresenta o extensionismo rural enquanto elemento da reprodução social do campesinato. As práticas camponesas implicam o desenvolvimento da consciência social que, como adverte Luiz Eduardo Soares, é necessariamente relacional. Para fins da presente pesquisa, voltada para a construção da memória social, este é o núcleo da questão conceitual sobre o campesinato que nos interessa aprofundar. Com a palavra o antropólogo brasileiro: “... a questão da especificidade não é só um dilema conceptual de definição científica, é um problema vivido pela sociedade, enfrentado e pensado por ela, em direções diversas e contrastantes evidentemente. Sua tradução para o drama corrente vivido é a problemática da identidade social, tão marginalizada em estudos científicos”. (Soares, 1981, 213) 18 A assunção da identidade camponesa no Brasil faz parte da história dos movimentos de trabalhadores rurais desde o pós-guerra e, de modo mais expressivo, de meados da década de 1950 em diante. Contudo, após o golpe militar de 1964, esta contra-revolução preventiva – como a cunhou Vasco Leitão da Cunha - cujas conseqüências ainda estamos a avaliar, o campesinato deixou de se ver assim. Poucos a reivindicam, preferindo se ver como proprietários, meeiros, posseiros, arrendatários, assentados ou acampados. A retomada da identidade de classe pelo Movimento das Mulheres Camponesas é uma novidade que se expressa publicamente: “Somos mulheres ribeirinhas, camponesas: posseiras, agricultoras, bóias-frias, diaristas, arrendatárias, parceiras, meeiras, extrativistas, quebradeiras de coco, pescadoras artesanais, sem terra, assentadas... Mulheres índias, negras, descendentes de europeus. Somos a soma da diversidade do nosso país. Pertencemos à classe trabalhadora, lutamos pela causa feminista e pela transformação da sociedade”. (MMC, 2008) A concepção dominante sobre o campesinato compreende este grupo como manifestação da resistência de modos de vida tradicionais, opostos à ‘modernização’. A falta de escolarização, a ignorância e a superstição têm sido destacadas como características deste grupo social. Vale transcrever aqui uma memória do psicólogo social Serge Moscovici, devido à relevância da dimensão sócio-cultural dada por este autor na tipificação do campesinato: “Mas, quando o tempo estava bom, gostava de me aproximar dos camponeses para escutar o que falavam sobre seus animais, o crescimento dos cereais ou a qualidade das colheitas. Que saber minucioso e concreto! Sempre admirei seu empirismo e ceticismo com relação a tudo aquilo de que não tinham experiência direta. Eles acreditavam somente no que tinham visto. Sua epistemologia tinha como princípio muitas vezes reiterado: “só o que está na mão não é mentira.” Empirismo e ceticismo que deixaram sua marca em mim. Junto com uma outra, mais íntima e mais forte, que percebi mais tarde. O camponês está sempre exposto ao frio e à secura, à morte das crianças e dos animais. Cristão, sem dúvida, mas com um fundo pagão comum a todos, a magia era para eles um recurso contra os maus dias e um refúgio para os melhores. Era a pedra angular de seu mundo cheio de bons e maus presságios. Consolar os pobres, curar os doentes, trazer de volta o amor infiel, ter belos filhos. (...) Bem entendido, todos estavam convencidos 19 de que nada acontece por acaso; um sentido esconde outro sentido, um gesto imprudente chama outro gesto que o repare. Cada um vigiava o outro, com o ar de quem dizia: “Estou de olho em você”, e tanto os pequenos quanto os adultos prestavam atenção em tudo para ver se se tratava de boa coisa.” (Moscovici, 2005, 67-8) O comportamento social do camponês supõe uma atitude permanentemente atenta e, pois, o talento da observação para os detalhes, cujos sentidos somente se tornam compreensíveis numa totalidade intuída a cada momento da vida. Ele se põe diante de nós como o personagem Pedro Orósio, homem simples, frente ao seo Alquiste, cientista, no conto O Recado do Morro, de Guimarães Rosa: enquanto o primeiro raciocina de modo fragmentado e espontâneo, o último pensa como nós, pesquisadores científicos, continuado (Stotz, 2001, p. 28). A idéia de mundo do camponês é concreta, assentada na verificação prática das coisas. Sua visão de mundo contempla a possibilidade de que o mundo seja regido por diversas forças, segundo a lógica dominante em cada esfera da vida (Ngokwey apud Minayo, 1988). Por isso o sobrenatural também constitui a realidade, cuja vigência é tão certa como a do clima e a ação das doenças e pragas nas lavouras. Tais observações remetem ao reconhecimento da problemática da identidade social acima apontada e, simultaneamente, servem como advertência contra os estereótipos sociais que invadem o campo científico nas áreas de conhecimento aplicado, como é o caso da Saúde Pública. A ‘modernização’ da agricultura Como afirmamos no início deste tópico, a pequena agricultura, instituída como objeto da política de governo por Fernando Henrique Cardoso e em seguida por Luis Inácio Lula da Silva, agora sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ganhou um novo estatuto, diferente do tradicional sentido de estudos sobre o campesinato. A “agricultura familiar”, ao emergir como um tema acadêmico (Abramawoy, 1997; Neves, 2005), repõe a discussão sobre o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Em boa parte isto se deve ao fato de que a modernização da agricultura se sustentou nas grandes empresas e no benefício da acumulação do capital privado (Carneiro, 1997), o que levou os estudiosos a ressaltar os processos de exclusão social e política do campesinato. É interessante observar, neste sentido que o estudo de Leonarda Musumeci (1987) destaca a importância assumida pela grande 20 produção na política governamental voltada para a “modernização da agricultura” nos anos 1960 a 1980. Mas ressalva que esta: “... não se deu por um caminho único e totalmente excludente [cf. Sorj (1980, p.117)], como também que não se revelou qualquer inferioridade ou incapacidade intrínseca da pequena produção (onde lhe foi facultado o acesso aos recursos necessários) para fornecer ‘respostas rápidas’ erigidas como critério de eficiência da ação do estado no setor agrícola”. (Musumeci, 1987: 175). Entretanto, o processo da difusão da ‘revolução verde’ entre os camponeses ou trabalhadores da “agricultura familiar” é pouco conhecido ainda que se saiba bastante a respeito do uso de agrotóxicos (Meirelles, l c 1995; Peres, 1999; Moreira, J C et al. 2002; Fehlberg L CC, Lutz, L V e Moreira A H, 2003; Menasche, R., 2004; Peres, F; Rozemberg, B; Lucca, S R de. 2005). De qualquer modo, parece-nos importante não confundir a adoção dos pressupostos práticos da agricultura ‘tradicional’ com uma mentalidade tradicional. Crenças e práticas tradicionais podem expressar esta mentalidade no caso de grupos camponeses não integrados ao mercado e, portanto, às relações sociais capitalistas. Trata-se da ‘agricultura de subsistência’ que hoje se reduz cada vez mais às “populações tradicionais” (quilombolas, indígenas, ribeirinhos). Mas todas estas denominações colocadas entre aspas representam interpretações sobre a História do Brasil contemporâneo. O termo “modernização” baliza uma visão das mudanças necessárias ao desenvolvimento capitalista e, portanto, estabelece uma valorização sobre o que é avançado e atrasado. Para Moacir Palmeira, a “modernização da agricultura” é a compreensão (Graziano da Silva, 1987) das transformações técnicas ocorridas na agricultura que, associadas à indústria produtora de insumos e bens de capital, mantiveram inalterado o padrão histórico de concentração da propriedade agrária. Tais transformações definem o desenvolvimento do capitalismo no Brasil: Palmeira (1989) apóia-se em estudo de Guilherme Delgado para assinalar que o investimento de capital nas atividades agropecuárias teve – e continua a ter – a motivação de uma taxa de lucro “... comparativamente vantajosa, dentro dos marcos de uma determinada política econômica e considerada a conjuntura do mercado, a outras aplicações financeiras (Delgado, 1985, parte II).” (Palmeira, 1989, 88) 21 Em outros termos, não se pode pensar o capitalismo no Brasil no período recente, inclusive no campo, sem considerar a hegemonia do capital financeiro. Palmeira chama atenção ainda para a ação do Estado na ‘modernização da agricultura’, vinculada às mudanças na legislação social (Estatuto do Trabalhador Rural, Funrural), criação de incentivos fiscais, investimentos em infra-estrutura pública e política creditícia a juros subsidiados, dentre outras medidas. A importância da política creditícia na ‘modernização da agricultura’ ressalta sobre as demais medidas, uma vez que propiciou a incorporação, pelos capitalistas mas também pelo campesinato, dos pressupostos da Revolução Verde, sem os quais, a rigor, não se poderia falar em mudança no padrão técnico da agropecuária no Brasil. Dada a importância do tema para a nossa pesquisa, resolvemos dedicar algumas páginas a sua apresentação e avaliação. A Revolução Verde e sua difusão no Brasil Revolução Verde é o conjunto de conhecimentos técnico-científicos sobre desenvolvimento de variedade de cereais de alta produtividade com apoio na quimificação e mecanização da agricultura. Estes conhecimentos, acumulados desde meados do século XIX na Europa e nos EUA, deram origem, entre 1930 e 1950, a sistemas agrícolas tendentes à monocultura 3. Esta agricultura em larga escala e elevada produtividade exigiu alta dosagem de nitrogênio na adubação e, em conseqüência, de agrotóxicos para combater doenças e pragas, insumos de alto custo, implicando transferência de renda para os fabricantes, poluição ambiental, resistência de pragas e problemas para a saúde dos trabalhadores. O padrão foi transferido para os países capitalistas periféricos por iniciativa do governo dos EUA e de fundações privadas, mediante a constituição de centros internacionais de pesquisa agrícola do milho no México e de arroz nas Filipinas e de instituições nacionais de pesquisa na América Latina entre 1957 e 1964 (Sartori et al, 1998). Esta orientação foi endossada pelos sucessivos governos militares e técnicos da área no Brasil a partir de 1964. Eis o que se afirma em documento da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER) publicado em 1975: “O aumento da produção ou o crescimento da economia agrícola poderá ser alcançado através da incorporação de novas áreas e/ou da modernização da agricultura. A modernização expressa a incorporação de padrões técnicos, vigentes em centros mais desenvolvidos, por parte dos centros mais 3 A agroquímica resultou do esforço bélico duas guerras mundiais, afirma José Lutzenberger (2004): a primeira deu origem aos adubos nitrogenados solúveis de síntese; a segunda, os herbicidas do grupo do ácido fenoxiacético (2,4-D e outros) e os inseticidas organofosforados do grupo parathion e organoclorados como o DDT. 22 tradicionais. Na agricultura, a modernização se refere ao processo de melhoria da produção agrícola pela adoção de técnicas modernas” (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, 1975a: 19). (apud Oliveira, 1984: 77). O processo foi, como assinala Musumeci (1987), induzido pelo Estado. A instituição do crédito rural, em 1966; a criação e funcionamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) em 1972-73 e da EMBRATER em 1974; o lançamento do Plano Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA) em 1975 (Pessanha, 1985) são alguns marcos significativos do processo político-institucional de modernização do campo. O indicador mais significativo do sucesso da Revolução Verde no Brasil foi, sem dúvida, a expansão das lavouras de soja na região sul com a adaptação de cultivares oriundas dos EUA a partir da década de 1960, uma cultura praticamente desconhecida dos agricultores, rapidamente incorporada por eles graças aos ganhos de renda alcançados com as exportações. A soja, ao cumprir o mesmo papel desempenhado pelo café no século XIX, é a cultura que mais tem incorporado as “técnicas modernas” do binômio fertilizante-agrotóxico. A propósito, eis o que se lê na página da Embrapa dedicada à “Soja no Brasil”: “O explosivo crescimento da produção de soja no Brasil, de quase 260 vezes no transcorrer de apenas quatro décadas, determinou uma cadeia de mudanças sem precedentes na história do País. Foi a soja, inicialmente auxiliada pelo trigo, a grande responsável pelo surgimento da agricultura comercial no Brasil. Também, ela apoiou ou foi a grande responsável pela aceleração da mecanização das lavouras brasileiras, pela modernização do sistema de transportes, profissionalização e pelo pela expansão incremento do da fronteira comércio agrícola, pela internacional, pela modificação e pelo enriquecimento da dieta alimentar dos brasileiros, pela aceleração da urbanização do País, pela interiorização da população brasileira (excessivamente concentrada no sul, sudeste e litoral do Norte e Nordeste), pela tecnificação de outras culturas (destacadamente a do milho), bem como impulsionou e interiorizou a agro-indústria nacional, patrocinando a expansão da avicultura e da suinocultura brasileiras.” (Embrapa, 2004) O PNDA estimou metas de consumo nacional, de elevação da produção nacional e de implantação de novas fábricas no país (Pessanha, 1985). O crédito rural foi o principal instrumento para o aumento do consumo nacional, menos para o investimento do que para o custeio dos insumos. De acordo com José Prado Alves Filho, o sucesso da incorporação tecnológica da Revolução Verde dependeu de uma 23 oferta de crédito que vinculou empréstimos a aquisição de agrotóxicos. No caso do Banco do Brasil, este vínculo era obrigatório: 15% do valor dos empréstimos para custeio estava destinado à aquisição de agrotóxicos. Entre 1974 e 1981, a parcela do crédito rural destinada a esta compra aumentou de 5 para 8% do volume do crédito total de custeio, principalmente para as culturas de soja, trigo e algodão. Um indicador importante que oferece uma visão mais aproximada do consumo de agrotóxicos é o da relação entre valor do crédito sobre as vendas do setor que elevou-se de 54% em 1977 para 71% em 1980 (Alves, 2002). Os efeitos nocivos dos agrotóxicos descritos por vários autores e políticas restritivas adotadas nos países de capitalismo desenvolvido, com a imposição de redução do uso e produção de certos produtos (organofosforados e herbicidas) e a proibição de outros (organoclorados) (Peres, 1999) não deixou de ter conseqüências no Brasil, ainda durante o regime militar. No Rio Grande do Sul e no Paraná, o movimento de reação ao uso indiscriminado de agrotóxicos partiu de engenheiros agrônomos e ambientalistas. No Rio Grande do Sul destaca-se o nome de José Lutzemberg e da Associação Gaúcha de proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN). Em 1977 a Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul instituiu a obrigatoriedade do Receituário Agronômico, vinculado ao financiamento agrícola, uma medida incorporada pelo Banco Central em 1978. O receituário tornou-se política oficial em 1981 mas, devido a falta de controle social mediante a complementação de outras políticas públicas o instrumento deixou de cumprir seu objetivo original (Alves Filho, 2002) e nunca foi implantado de modo amplo no país (Pessanha, 1985: 10). O impacto sobre a saúde dos trabalhadores e no ambiente foi denunciado por engenheiros agrônomos fitossanitaristas do Paraná reunidos no XI Congresso Brasileiro de Agronomia, realizado em Curitiba de 22 a 26 de outubro de 1979, uma vez que o consumo de agrotóxicos foi considerado três vezes maior do que o necessário (Pessanha, 1980: 9). Em 1982, a repercussão da denúncia da contaminação das águas do Rio Guaíba por agrotóxicos, ao ameaçar a população da capital do Rio Grande do Sul, levou o governo estadual a proibir o uso de organoclorados, especificar princípios ativos de uso restrito e instituir o Receituário Agronômico. No ano seguinte, foi aprovada neste estado a lei estadual no. 7.747/83, a primeira lei sobre agrotóxicos. Sistematizava o conjunto de medidas legais implantadas até então, servindo de modelo para a elaboração de projetos de lei em 12 unidades da Federação. A reação da Associação Nacional de Defensivos Agrícolas (ANDEF), criada em 1974 e do Sindicato da Indústria de Defensivos do Estado de São Paulo não tardou a se fazer sentir, com ação, em março de 1983, junto à Procuradoria Geral 24 da República sob argüição da inconstitucionalidade das leis estaduais face à competência da União para legislar sobre normas gerais de proteção à saúde. A decisão final do Supremo Tribunal Federal em maio de 1985 reafirmou a posição da Procuradoria contrária à ação, legitimando as legislações estaduais, com alguns vetos importantes, dentre os quais o direito das entidades civis impugnarem o registro de determinados produtos nos órgãos fiscalizadores (Pessanha, 1985: 11). Denúncias da contaminação de rios e da intoxicação de trabalhadores rurais apareceram na imprensa no município paranaense de Maringá durante a década de 1980: “No biênio 82/83 foram totalizados 1.600 casos de intoxicação e 26 mortes. Segundo o jornal [Estado do Paraná], os agrotóxicos mais prejudiciais à saúde e responsáveis pela contaminação de um número tão elevado de pessoas são os seguintes: Endrex-20, com 187 vítimas no estado; Nuvacron-400, com 145; Furadan, com 174; Folidol-60, com 168; Azodrin, com 149; Metaxystox, com 131 casos. As pessoas contaminadas são geralmente bóias-frias”. (Paula, 1998, 143-44) O processo de regulamentação do uso de agrotóxicos culminou com a formulação da Lei no. 7.802, conhecida como a Lei dos Agrotóxicos, de 11 de julho de 1989, regulamentada pelo Decreto 98.816, de 11 de janeiro de 1990, substituído pelo Decreto 4.074, de 4 de janeiro de 2002. Uma nova consciência social tomou corpo ao longo dos debates e embates apontados entre os engenheiros agrônomos. Já em 1980, o autor acima citado escrevia: “...já há uma forte corrente na classe agronômica que preconiza uma revisão da tecnologia para aqui transplantada, que faz do solo substrato estéril, demandante permanente de fontes exógenas de nutrientes para plantas. Procedente de regiões ecológicas diversas das nossas, essa tecnologia, típica de nações desenvolvidas, vem sendo presentemente reavaliada nos próprios países de origem, pois passou a provocar uma elevação dos custos de produção, sem que se obtivessem incrementos correspondentes nos níveis de produtividade” (Pessanha, 1980a: 4). Mais de uma década depois, José Maria Gusman Ferraz fazia o seguinte diagnóstico: 25 “O modelo de agricultura nascido da Revolução Verde praticado há muitos anos no Brasil e em outros vários países, onde o aumento do uso de insumo, mecanização e monocultivo visando somente a produtividade e a ampliação da fronteira agrícola, com pouca ou quase nenhuma preocupação com a degradação ambiental, está se esgotando” (EMBRAPA, 1994). O reconhecimento destas limitações (Raij, 1998) assimiladas ao ‘paradigma da revolução verde’ não tem conduzido a uma revisão de seus princípios e tampouco do sistema agrícola implantado. Antes, suscita o apoio a uma nova revolução, ou a uma nova fase da Revolução Verde, a dos transgênicos. A nova fase da Revolução Verde tenta responder aos impasses criados pela fase anterior, a saber, a resistência cada vez maior das pragas, doenças e “ervas daninhas” que implicaram em doses mais fortes e custos mais altos dos agrotóxicos. A ferrugem na soja exemplifica o esgotamento tecnológico dos agrotóxicos químicos. Ao basear-se nos novos conhecimentos da biologia molecular e da engenharia genética, a terceira fase abre caminho para a incorporação das tecnologias químicas no aprimoramento de plantas conhecidas como transgênicas. As plantas passam a conter, em seus genes características resistentes a algum produto (herbicida, inseticia, fungicida, acaricida, etc.) que elimina espécies invasoras, pragas ou doenças. Trata-se, na verdade de plantas “resistentes” a agrotóxicos, biocidas que entram na cadeia alimentar, tanto do solo como dos animais e humanos que as consomem. Contudo, a falta de estudos sobre a toxicidade é encarada pelos defensores dos Organismos Geneticamente Modificados como prova de sua ausência (Loureiro e Oliveira, 2004). Os argumentos a favor dos transgênicos envolvem a alegação de aumento da produtividade, diminuição da quantidade de agrotóxicos e, portanto, dos gastos com este insumo e redução da contaminação ambiental. Em contrapartida, as críticas suscitam a necessidade de uma agricultura sustentável não apenas do ponto de vista econômico, mas também ambiental, social, técnico e cultural (Primavesi, 1992), capaz de revalorizar os conhecimentos do agricultor vinculados à agricultura artesanal, principalmente no que diz respeito ao manejo do solo (Veiga, 1991), mais adequados às regiões climáticas do tipo tropical e subtropical como é o caso de países como o Brasil. O esgotamento do desenvolvimento técnico-científico orientado pelos interesses da indústria agroquímica devido a preocupações crescentes com o aumento da produção agrícola em condições de sustentabilidade tem aberto caminho para pesquisas de microbiologia do solo. Contudo, este caminho também pode ser atalhado. A advertência de Cruz, Rocha e Campos Jr. (2005: 256) sobre a 26 necessidade de manejo do solo para a “construção de uma microbiota diversificada e eficiente no controle de fitopatógenos de solo”, dificilmente obedecerá ao princípio da precaução se a técnica tornar-se de uso comercial. A polêmica em torno da diversidade das vias de desenvolvimento econômico atesta a possibilidade de mais de uma via de desenvolvimento científico-técnico, (Lacey, 1998) e, também, de política pública. É relevante lembrar, neste sentido - em que pese a tendência ao monocultivo implicada na descoberta - a aplicação da fixação biológica do nitrogênio feita por Johanna Döbereiner na aclimatação da soja às condições do solo e clima brasileiros em 19634, no âmbito da Comissão Nacional da Soja: "Os geneticistas da comissão, todos com formação norte-americana, achavam que trabalhar com bactérias era brincadeira de cientista, que não tinha aplicação alguma. O melhoramento genético da soja nos Estados Unidos foi feito com adubação nitrogenada. Eles selecionaram a soja que respondia melhor à adubação. Mas eu reagi. Nas reuniões, tivemos uma discussão muito forte tentando convencê-los a fazer o melhoramento da soja sem adubo nitrogenado - que era muito caro para o Brasil - e com a aplicação de bactérias, o que conseguimos. A soja, devido à decisão tomada pela comissão, foi selecionada e melhorada para produzir muito sem adubo nitrogenado, aproveitando a simbiose entre as bactérias e as raízes da planta. Com isso, calculando de modo muito conservador, o Brasil está economizando anualmente cerca de US$ 1 bilhão. Se a soja (...) tivesse sido melhorada com adubo, provavelmente o Brasil jamais poderia competir no mercado internacional. (...) O preço baixo da soja brasileira, hoje em dia, é função desse fato". Mesmo este ganho na lavoura da soja começou a ser revertido em 2003, quando governo federal autorizou a plantação e comercialização de soja transgênica em nosso país. Diversidade de caminhos de desenvolvimento científico-técnico é o que se vislumbra como cenário para a agricultura no contexto da mudança climática global. De um lado, o trilhado pelas empresas multinacionais no novo e espetacular campo dos transgênicos. É o que já está em curso, num processo liderado pelas multinacionais como Dupont, Monsanto e Syngenta com vistas a desenvolver 4 Matéria dedicada a J Döbereiner na http://www.cnpab.embrapa.br/aunidade/johanna.html Embrapa Agroecologia na página 27 variedades de milho resistentes às secas e, obviamente, a “pesticidas” cujo consumo inclusive seria reduzido (CIB, 2008). Por outro, uma variante da biotecnologia que se apóia na própria biodiversidade para desenvolver plantas resistentes ao aumento de temperatura de até dois graus de temperatura. Ao comentar a previsão de que apenas cana-deaçúcar e mandioca conseguirão ter ganhos de produção, o engenheiro agrícola Eduardo Delgado Assad, da Embrapa “lembra que esse tipo de transgenia é diferente daquele que confere às plantas resistência a herbicidas e pesticidas, sobre o qual se diz contrário. ‘No caso da transgenia para enfrentamento das mudanças climáticas usaremos a biodiversidade para proteger a própria biodiversidade.’” (Ferraz, 2008, 47) Ainda há que se situar a alternativa da agricultura orgânica, baseada na agro-ecologia (Altieri et al, 1999). Estas são possibilidades de desenvolvimento. Analisando o processo em curso, dominado pela agricultura convencional comandada pela indústria de fertilizantes e agrotóxicos, é importante considerar que a ‘revolução verde’ representou um grave problema na medida de sua universalização para todos os sistemas agrícolas, nalguns dos quais, a exemplo do praticado na olericultura em regime de pequenas propriedades, o uso de fertilizantes e agrotóxicos era inadequado. A importância econômica do consumo de agrotóxicos no Brasil fica evidente quando se verifica que o país situou-se, em 1983, em 4º lugar (Pessanha, 1985) e passou a ser, a partir de 1990, o 3º maior consumidor de produtos agrotóxicos no mundo (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 1998). Para Letícia Rodrigues, gerente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o país já o 2º maior consumidor mundial (O Estado de São Paulo, 30/07/2008: Intoxicação por agrotóxicos aumenta 14% em SP). A situação do mercado de agrotóxicos em 2005, segundo dados do Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para a Defesa Agrícola (SINDAG) era a seguinte: 28 QUADRO 1 MERCADO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL - 2005 Agrotóxicos Herbicida 40,8% Fungicida 30,9% Inseticida 23,7% Consumo de agrotóxicos por cultura Soja 50% Algodão 10% Milho e cana de açúcar 7% Tratamento de sementes 4% Trigo, café e citros 3% Arroz 2% Demais culturas (hortaliças e 11% frutíferas) Fonte: SINDAG, Embrapa Meio Ambiente, 2008. O mercado nacional de agrotóxicos exclusivamente na agricultura movimenta, segundo SINDAG elevados valores – US$4,495 bilhões em 2004 e 4,244 bilhões em 2005 – num amplo espectro de culturas. Vale assinalar que o consumo de agrotóxicos concentra-se praticamente na soja, mas ressalta o fato de que, nas demais culturas, dentre as quais hortaliças e frutíferas, este consumo representou 11% do total em 2005. Tais dados, ainda que pontuais, expressam uma tendência de aumento do consumo de agrotóxicos em ingrediente ativo por unidade de área para estas culturas no período compreendido entre 1990 e 2000. Esta foi uma das avaliações da reunião das autoridades do Ministério da Agricultura, ANVISA e IBAMA que se reuniram em março de 2008 para analisar o uso de agrotóxicos não adequados e autorizados para lavouras tradicionalmente organizadas na agricultura familiar como hortaliças, frutas e leguminosas (Embrapa Meio Ambiente, 2007). O aumento das intoxicações por agrotóxicos registrados pelo Sistema Nacional de Informação Toxicológicas (Sinitox) da Fiocruz serve de alerta. Matéria a Agência Estado divulgada na internet (UOL – Ciência e Saúde, 2008) dá conta de que no Brasil os intoxicados somaram 9.585 em 2006, número 17% maior do que em 2005, quando foram registrados 8.167 casos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que os registros não mostram o real alcance do problema, já que, para cada caso notificado, estima que outros 50 não chegam ao público. Fazendo as contas, dados 1.965 envenenamentos acumulados em São Paulo no ano de 2006, seriam 96.285 vítimas intoxicadas que não entraram nas estatísticas deste estado. De acordo com a coordenadora do Sinitox, Rosany Bochner: 29 "O fato de termos mais intoxicação indica também que os produtos estão sendo cultivados com mais tóxicos e as frutas, legumes e verduras acabam comercializados com excesso de resíduos". (...) Os problemas nos produtos in natura estão expressados nos índices de reprovação do Programa de Avaliação de Alimentos do governo federal (Para). A maioria das amostras analisadas foi reprovada por excesso de resíduos tóxicos ou utilização de substâncias não recomendadas para a cultura. A propósito da avaliação e reavaliação toxicológica de agrotóxicos realizadas no âmbito do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA, 2008), em decorrência da observação do uso de agrotóxicos não autorizados ou acima dos Limites Máximos de Resíduo permitidos em oito culturas agrícolas de consumo regular pelos brasileiros durante o ano de 2007, surgiu uma forte reação dos fabricantes e do Sindicato das Indústrias de Defensivos Agrícolas (SINDAG) que paralisou juridicamente a ação da ANVISA. A proibição legal do Programa sob alegação de falta de transparência da agência franqueou a importação de ingredientes ativos proibidos na União Européia, China e Índia a partir de julho de 2008 (EcoDebate, 2008a). Apesar de o Brasil ser signatário da Convenção de Roterdã que impõe limitações ao comércio internacional de substâncias perigosas, a Justiça favoreceu os interesses industriais amparados no Ministério da Agricultura contra os Ministérios da Saúde (Anvisa) e do Meio Ambiente, processo gerador de tensões interministeriais (Ecodebate, 2008b; CTA, 2008). Outra questão polêmica é a relativa aos “minor crops” (pequenas culturas sem suporte fitossinatário adequado) ora em pauta na regulamentação da Instrução Normativa Interministerial número 20 (MAPA/ANVISA/IBAMA). A autorização temporária para uso de vários agrotóxicos para culturas nas quais não estavam autorizados – a regulamentação está em processo de finalização por outro Grupo de Trabalho das mesmas instituições (BRASIL, 2008) – pode representar uma legitimação das práticas abusivas vigentes e agravamento dos impactos do uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores e no ambiente (solo, água, polinização por insetos, etc.). Na verdade, trata-se da retomada de um processo que remonta a 2005, por ocasião da mobilização dos ruralistas do agronegócio denominada ‘tratoraço’ para renegociar a dívida agrária e modificar a legislação ambiental. Uma das exigências era a livre importação de agrotóxicos ou a flexibilização das exigências de avaliação 30 toxicológica ou ecotoxicológicas. Os movimentos sociais e inúmeras entidades da sociedade civil assumiram então uma posição contrária em carta enviada a Roberto Rodrigues, então ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (ANVISA, 2005; Carta, 2005). Ao longo da história do desenvolvimento econômico e político do Brasil pode-se perceber o predomínio dos interesses do que se convencionou chamar de “complexo agroindustrial” (Delgado, 1985; Kageyama, 1987) fortemente organizados no Ministério da Agricultura com apoio na bancada ruralista no Congresso Nacional. Ainda durante a ditadura militar, as diferentes agências do governo federal agiam concertadamente em favor desses interesses. Neste sentido vale observar que em fevereiro de 1981, portaria do Ministério da Saúde alterou a classificação toxicológica dos agrotóxicos que até então era baseada em portaria anterior pela qual “... cerca de 96% dos produtos pertenciam às classes I e II, devendo, portanto, serem controlados pelo instrumento da receita [agronômica]. (Alves, 2002, 112) A diminuição da abrangência da medida de controle permitiu, segundo Sebastião Pinheiro, a reclassificação de produtos extremamente e altamente tóxicos (classes I e II) para medianamente e pouco tóxicos (classes III e IV) (Alves, 2002) da qual tem se beneficiado até hoje empresas produtoras de agrotóxicos. É o caso de herbicidas como o Roundup da Monsanto, classificados como pouco ou medianamente tóxicos apesar de estudo (Dallegrave, 2003) comprovar experimentalmente a toxicidade do produto do ponto de vista reprodutivo. Como vimos anteriormente, os novos avanços na transgenia permitem às empresas produtoras de sementes divulgarem produtos considerados (pelos seus dirigentes e técnicos) menos tóxicos. Isso vale inclusive para a produção das hortaliças onde se constata até o momento o sobre-uso de agrotóxicos. É o caso da Seminis Brasil, subsidária da Monsanto dedicada a pesquisa e produção de híbridos resistentes a doenças. As sementes de hortaliças são apresentadas como alternativas sustentáveis, ora por dispensar agroquímicos, ora por reduzir o seu uso, como é o caso dos híbridos de cebola, alho-poró e pimentas que exigem “menos água, fertilizantes, agrotóxicos e mão-de-obra.” (Seminis Brasil, 2008) Como se percebe, um novo capítulo da Revolução Verde no Brasil está em curso e aparentemente estamos na marcha-ré de conquistas consideradas históricas. 31 Educação rural na perspectiva dos educandos Qualquer estudo – tenham ou não consciência disto os pesquisadores pertence a um determinado campo intelectual caracterizado pela sua temática, questões e referenciais teóricos e metodológicos. No caso de pesquisas definidas pela sua orientação como o da educação rural, dever-se-ia agregar a estas características a perspectiva ideológica5 assumida pelos pesquisadores. Foi assim que definimos esta inserção: “Do ponto de vista educativo, este projeto de pesquisa insere-se na tendência, assinalada por Damasceno e Beserra, (2004), de discutir a educação rural da perspectiva da população a que se destina, isto é, os agricultores familiares”. (Stotz, 2006) Os estudos expressam a produção de objetos científicos construídos e desenvolvidos em programas de pós-graduação em clara articulação com os atores sociais que os reivindicam como parte integrante de sua própria identidade, interesses e perspectivas. Este é o caso do CPDA – Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro que em 2003 tinha um de seus núcleos de pesquisa organizado em torno do tema “Movimentos sociais e políticas públicas no campo”, sob a responsabilidade da professora Leonilde Servolo Medeiros. Provavelmente a criação do NEAD – Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério de desenvolvimento Agrário em 2004 teve um papel indutor de pesquisas nos programas de pós-graduação. De qualquer forma, o NEAD tem apoiado os encontros da Rede de Estudos Rurais, já em sua terceira edição. Temas como luta pela terra e política fundiária, questão ambiental, saber camponês, agricultura familiar, direitos sociais trornaram-se parte da agenda dos estudiosos (NEAD, 2006; Terceiro encontro, 2008). Há também iniciativas desenvolvidas no âmbito de projetos institucionais como o HOSANA – Homem, saber e natureza (1992-1994), apoiado pela Fapesp e voltado para investigar temas ligados à “lógica da natureza” e á “ética do ambiente” junto a comunidades de pescadores do litoral e de lavradores do interior 5 Por ideologia entendemos, de acordo com Maurice Dobb, o “conjunto coordenado de convicções e idéias” ou filosofia social compartilhada por certos grupos da sociedade numa época histórica (Dobb, 1973). Este entendimento é comum a Schumpeter (History of Economic Analysis, 1954). Em nota de pé de página, Dobb assinala o ponto de vista de Schumpeter de que os juízos de valor revelam a ideologia mas não são a sua ideologia (idem, 12). Esta perspectiva é congruente com a da sociologia da ciência (construtivismo) que assinala os compromissos do pesquisador com seu tempo, lugar e posição na sociedade. 32 do Estado de São Paulo. O projeto foi uma articulação entre o grupo Aldebarã – observatório a olho nu e o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. O componente rural ficou sob a responsabilidade de Carlos Rodrigues Brandão (Brandão, 1999). Importa considerar, em todas essas iniciativas, o papel do agricultor na chamada “questão ambiental”. Como assinala Wanderley (1999), “Mais recentemente, tem se aprofundado, no interior dos estudos rurais, a necessidade de alargar a percepção dos agricultores, para além de sua condição de produtor, mero agente de uma atividade econômica. Já falei anteriormente da preocupação com sua condição de cidadão, participante da sociedade.” Desconhecido até pouco tempo como sujeito, cidadão, trabalhador, o camponês acaba por conhecer da política ambiental apenas a sua face repressiva, como Carlos Rodrigues Brandão constatou na sua pesquisa em Joanópolis, na Serra da Mantiqueira: “Entre muitas outras coisas, chama atenção a maneira imprópria como a atualidade da questão do ambiente e uma decorrente legislação ambiental têm sido levadas aos homens e às mulheres do campo. Sem, sequer, um pequeno manual adequado às suas culturas e sem qualquer oferta, por precária que seja, de um acesso inteligente aos mesmos conhecimentos e preocupações que nos roubam a calma dos dias e o sono das noites, tudo o que se conhece a respeito dos ‘problemas do meio ambiente’ , em algumas comunidades rurais de São Paulo e de Minas Gerais, onde estive pesquisando, é a ação sempre tida como arbitrária e injusta da ‘Polícia Florestal’, da ‘Floresta’, da ‘Florestal’, tão temida hoje entre os camponeses, guardadas as proporções, quanto o foram a polícia militar e as forças armadas entre aqueles que um dia sonharam organizar os homens do campo para que eles fizessem por sua conta a justiça política que a maioria deles reconhece lhes faltar até hoje”. (Brandão, 1999, 16) A preocupação em dar aos agricultores o lugar e o papel de sujeitos é ressaltada por Muller, Lovato e Mussoi (2003), nem sempre considera as dificuldades da incorporação desses atores sociais à lógica e aos valores implícitos nas propostas alternativas à agricultura convencional (Terceiro encontro, 2008). Vejamos, pois, estas contribuições. 33 Admitir que os agricultores possam ser, mais do que participantes, atores no processo da formulação, implementação e avaliação da política pública voltada para a agricultura requer, como advertem Muller, Lovato e Mussoi (2003, 105) “... criar as condições necessárias para que os agricultores sejam os sujeitos de seu próprio desenvolvimento, garantindo a sustentação política das ações e projetos locais”. Contudo, se há alguém que deve ser primordialmente educado, este é o próprio educador, o pesquisador e o técnico. Mesmo não se percebendo como educadores, eles o são em suas relações com os agricultores, interessados em modificar a consciência deles para introduzir mudanças no modo de praticar a agricultura. A importância dos estudos científicos voltados para a educação deste educador, de modo a facilitar o processo de ‘escuta’ dos agricultores fica evidente na seguinte passagem do artigo dos autores acima citados: “Diante disso, é imprescindível que haja uma maior compreensão acerca das reais necessidades dos agricultores, seus valores, suas motivações e a lógica que orienta e dá sentido às suas decisões, seu modo de viver e de se relacionar com seu entorno físico e sócio-econômico.” (Idem, p. 105) Reconhecer os membros de um grupo social como sujeitos não implica em deixar de questionar as práticas consideradas destrutivas. Na identificação das questões relevantes sobre a relação entre as questões agrária e ambiental, Valeria Comitre aponta6 simultaneamente para a dificuldade de entender a agricultura como prática preservacionista e para a necessidade de viabilizar o diálogo e a expressão dos conflitos de interesse ao se tratar da política pública sobre recursos naturais (Terceiro encontro, 2008). 6 A autora debateu os trabalhos apresentados na sessão 1 – Meio ambiente e recursos produtivos - do GT2 – Interfaces entre a questão agrária e a questão ambiental, apresentando questões para discutir no grupo durante o 3º. Encontro da Rede de estudos Rurais (Terceiro encontro, 2008). 34 PROCEDIMENTOS METÓDICOS Nosso ponto de partida do trabalho de campo, ou seja, da identificação dos possíveis depoentes, contou com o apoio de Fátima Curty Moura. É importante registrar que ela sugeriu um contato com pessoas de autoridade governamental no município, e, portanto, a publicização do projeto de pesquisa. Assim é que no dia 8 de dezembro de 2005 conversamos com o assessor do prefeito, Luis Henrique Silva e com o secretário de Agricultura e Meio Ambiente, Silmar Serafim. Eles acolheram bem a idéia e indicaram alguns nomes de pessoas com mais de 80 anos capazes de falar coisas interessantes sobre cidade, a agricultura e a problemática ambiental. As indicações sugeriam idosos pertencentes a grupos sociais distintos, sugestão que acatamos e acabamos por incluir com um critério a mais na seleção dos depoentes baseada na identificação pelos depoentes, de sua rede de realções pessoais (parentes, compadres, vizinhos). Uma decisão que se fortaleceu depois de visitarmos o cemitério local, enquanto “fazíamos hora” para visitar o segundo dos nossos depoentes. Olhamos para a separação entre os túmulos com lápide e os com simples placas numeradas fincadas no chão. Também aqui observamos a permanência das diferenças sociais7. FIGURAS 1 E 2 – Chão dos pobres e dos ricos Circulamos entre as lápides e encontramos a seguinte (Figura 2) inscrição tumular: “Deus resiste aos soberbos/ mas aos humildes concede a graça” (Tiago 4,6-54). 7 A diferença é também administrativa. De acordo com um informante local, o cemitério é dividido entre a Igreja (Irmandade, Apostolado) e a Prefeitura. Esta se encarrega de enterrar os pobres, identificados por uma placa fincada no chão. 35 Perguntamo-nos: a inscrição não seria uma mensagem destinada aos cidadãos sumidourenses? Na oposição entre soberbos e humildes estaria contida uma crítica cujo alvo poderia ser a elite local, ainda desconhecida para nós? Os versos do apóstolo Tiago parafraseiam Provérbios, 3, 34, cujo sentido é um pouco diferente: “Se Ele escarnece dos zombadores/ concede a graça aos humildes”. A mensagem de Tiago é mais ‘radical’: além do verbo ‘resistir’ ter o sentido de um inequívoco posicionamento ao lado de quem sofre, a palavra ‘soberbo’ é adjetivo substantivado, denota alguém arrogante, que se supõe mais elevado que o outro, superior, pretensioso. De fato, este foi um dos sentidos que apareceu com bastante força nos depoimentos dos irmãos José e Altivo da Silva que, segundo as mesmas indicações, seriam descendentes de ex-escravos. Pouco tempo depois, percebemos, no exemplar do opúsculo História de Sumidouro, de Luis Henrique da Silva, uma imagem8 da porteira de entrada da fazenda do Barão de Aquino no qual estava inscrita a frase: “Para que tanto orgulho se o nosso futuro é a morte” (Figura 3). Figura 3 Porteira na Estação de Trem É importante assinalar que a nossa presença como grupo de pesquisa produziu, infelizmente, um efeito negativo sobre tais registros, pois a porteira com a imagem acima reproduzida foi retirada da entrada da antiga estação ferroviária de Barão de Aquino. Porém, a fotografia disponível na forma virtual pela internet, serve para contestar o vandalismo daqueles que se sentiram atingidos com a 8 A imagem reproduzida encontra-se disponível na página <Estações Ferroviárias>, elaborada por Ralph Mennucci Giesbrecht, no endereço http://www.estacoesferroviarias.com.br/efl_ramais_1/fotos/braquino.jpg 36 mensagem e pretenderam “apagar” o passado. O virtual tornou-se o real jamais visto pela maioria! Estávamos, portanto, a entrar em contato com uma denúncia moral dos poderosos, embora revestida de sentido religioso. Neste sentido é importante constatar a impossibilidade, persistente até o final da pesquisa, de conseguir entrevistar as pessoas das famílias mais “importantes” ou da elite local. Conseguimos nos aproximar delas, obtendo doação de documentos e informações, mas nada além. Atitude diametralmente oposta dos agricultores das chamadas “terras frias” de Sumidouro, acolhedora e, em certos casos, até de exposição dos fatos mais difíceis das suas vidas. Numa pequena cidade como Sumidouro, as redes de parentesco pareceramnos definir, ao lado daquelas de cunho econômico, as redes sociais subjacentes de cada um de nossos depoentes tanto mais porque um percentual de aproximadamente 80% dos moradores encontra-se na área rural e dependem da atividade agropecuária. Isso revelou ser uma constatação parcialmente verdadeira. As redes eram mais fragmentadas e diversificadas que supúnhamos, tanto em virtude do predomínio de constituição de famílias nucleares numa vasta área de pequenos proprietários e parceiros, como pelo fato de que, sobrepostas a estas se ‘desenhava’ uma outra rede, de caráter político. Ao longo do período assinalado foram realizadas 25 entrevistas com moradores mais antigos de Sumidouro, cujos depoimentos, devidamente autorizados nos termos do Comitê de Ética em Pesquisa, foram em sua maior parte transcritos e se encontram em fase de edição e de sumarização. Cada depoente foi fotografado e em alguns casos houve doação de fotografias e outros documentos pessoais9. Quanto à relevância do roteiro das entrevistas, com sua ênfase na trajetória de vida dos depoentes (casa, trabalho, cidade), constatamos que, além de favorecer os “trabalhos da memória” (Bosi, 1971), propiciou a “conexão entre diferentes esferas da vida social” e evidenciou “processos de transição” (Thompson, 2002) desconhecidos por nós. A entrevista, principalmente a de tipo semi-estruturada, é um processo de conhecimento cuja complexidade escapa à consciência dos dois sujeitos envolvidos porque, como nos lembra o filósofo tcheco Karel Kosik, é um processo marcado pela ambigüidade – o conhecimento tanto é reflexo, como projeção e ainda avaliação (Kosik, 1976). Por isso, a entrevista tem um caráter indeterminado e inconcluso que precisa ser objeto de um esforço da interpretação. A entrevista não 9 Os depoentes cederam os direitos sobre o depoimento oral para a Casa de Oswaldo Cruz e assinaram o termo de consentimento esclarecido no qual tomaram ciência dos e acordo com os objetivos da pesquisa e reconheceram a cessão de depoimentos. 37 é um conjunto de falas que podem ser simplesmente transcritas e analisadas segundo “temas específicos”; é um texto complexo, aberto a influências, a exigir o desvendamento do valor conferido a certas práticas e crenças implicadas nos eventos dos quais o entrevistado participou e dá seu testemunho. Verificamos, mais uma vez, que o significado da história oral é o de ser um método adequado para captar os significados que certos eventos ou processos tiveram para os depoentes e, em conseqüência, para o próprio grupo social no qual se inserem de suas relações sociais e políticas mais amplas. Mas igualmente, em alguns casos, de processos ou ângulos ignorados pelos historiadores. Neste sentido incluímos, no final do roteiro, as seguintes perguntas: Gostaria de deixar algum recado para os sumidourenses? Uma última pergunta: o(a) sr(a) lembra de algum acontecimento diferente ou mesmo fantástico que tenha presenciado? Sabíamos que a história oral é, inevitavelmente, uma prática de construção de fontes que instaura uma relação sócio-cultural cujos sentidos, para nós, teriam de ser (re)descobertos no decorrer da pesquisa. Pressupúnhamos a necessidade de controlar os aspectos mais evidentes na relação entre pesquisador e depoente, a exemplo, de um lado, da indução de respostas e, do outro, da projeção de identidades expressas na valorização do próprio depoimento. Este último aspecto vinha inevitavelmente associado, sabíamos, ao fato de sermos ‘estrangeiros’ hospedados na cidade. De fato, o nosso distanciamento propiciou, em muitas oportunidades, maior autonomia para os nossos depoentes falarem de aspectos da vida considerados mais ‘problemáticos’ no cotidiano das relações sociais. Certamente a idade avançada de nossos depoentes, entre 80 e 97 anos, facilitou esse processo devido ao desprendimento de compromissos sociais consagrados em nossa sociedade. A maior parte das entrevistas foi conduzida pelo coordenador da pesquisa, com a participação, sempre que possível, dos auxiliares de pesquisa, estudantes de graduação, moradores do município que obtiveram bolsas de iniciação científica. Embora este aspecto ainda não tenha sido avaliado pela equipe, vale registrar que a partir da gravação das entrevistas em programa irradiado no aniversário de fundação do município de Sumidouro pela rádio FM local, a equipe tornou-se ‘publicamente’ conhecida. Além do mais, a radiodifusão desencadeou o interesse de alguns moradores em esclarecer melhor diferentes aspectos da história do município, apontando outros possíveis depoentes para a pesquisa. A participação de um professor de Historia na equipe – Carlos Tadeu Gomes– também abriu caminho para a apropriação dos depoimentos no âmbito escolar, de modo a envolver jovens do ensino médio, uma boa parte filhos de agricultores. 38 Vejamos agora o tratamento do material da pesquisa. Procedemos a uma transcrição literal das entrevistas, tarefa não muito simples, devido ao fato de que muitos dos transcritores tiveram de realizar a tarefa como aprendizagem inicial. Isso nos obrigou à conferência de fidelidade cuidadosa. Uma vez enfrentada esta tarefa, o desafio mais importante foi, como lembra Thompson (2002), construir uma história a partir dos relatos orais. Algumas preocupações relacionadas ao método assinaladas pelo autor na obra citada foram tentativamente incorporadas: cada entrevista ser considerada como um todo; compará-la às demais do mesmo grupo; verificar as informações oferecidas em outras fontes; situar as evidências dentro de um contexto mais amplo, tendo presente as transformações ocorridas na agricultura e na sociedade no período da vida dos entrevistados. Quanto à análise, seguimos também a sugestão do autor (Idem, 307-14) de adotar os pressupostos da literatura, quer dizer, entender a fala, em geral, como “gramaticalmente primitiva, cheia de redundâncias e de rodeios, empática e subjetiva, hesitante, voltando repetidamente às mesmas e frases feitas” (Idem, 310). Destacamos as hesitações e as repetições de palavras, frases ou sentidos atribuídos porque entendíamos que se a entrevista poderia ser analisada como uma narrativa destinada a transmitir um significado, sendo este o objetivo explícito do Projeto, por outro lado, tínhamos consciência de que a fala deveria ser entendida como um discurso construído na entrevista (Idem, 314). As entrevistas analisadas no próximo tópico foram construídas com o recurso de um roteiro que explorou, propositalmente, a “ilusão biográfica” (Bourdieu, 1998). A suposição de uma continuidade na experiência de vida e os ardis da manipulação da memória para reconstruir identidades é, para nós, o fulcro do interesse. A história de vida foi utilizada, portanto, para tentar captar as ressignificações de experiências de vida. Não por acaso, mas porque sabíamos o quanto entrevistas sobre o tempo da infância, do trabalho e da vida cidadã envolviam a temática “ambiental”. O próprio título do projeto e os objetivos da pesquisa a que eram solicitados a colaborar, mediante assinatura de um termo de consentimento esclarecido e de cessão de direitos, não deixava qualquer margem de dúvida. Também tínhamos de supor o contexto de suas próprias vidas, influenciadas por esta temática sob a forma de questionamentos às práticas agrícolas. Entendemos, portanto, a entrevista e seus resultados – os depoimentos, relatos orais ou “testemunhos” (Voldman, 1998) – um discurso que remete a diversas vozes, as que se enunciam na entrevista com outras implícitas na 39 argumentação em pauta numa entrevista ainda que os sujeitos nela envolvidos disto não tenham consciência imediata, manifesta ou não. Para Ana Maria Mauad, de acordo com a perspectiva analítica de Meneses (1992), trata-se de rejeitar a idéia de resgate da memória para investir na noção de construção da memória. Uma construção que se faz no presente, para atender às solicitações do presente como advertia Marc Bloch (1993). Na rememoração do passado suscitado pelo entrevistador, ...o sujeito social, ao relatar o passado no presente, elabora um passado composto pela contemporaneidade, pelo diálogo que estabelece com a sociedade no qual está inserido e da forma pela qual se insere. (Mauad, 2001, 66) Esta foi, aliás, a perspectiva original de nossa investigação. Mas a análise dos depoimentos propiciou o esclarecimento do sentido mais preciso da sugestão, feita por Thompson (2002, 308), de adotar os procedimentos da análise literária. Podemos sintetizar os procedimentos relacionados à análise e interpretação dos depoimentos nos seguintes tópicos: 1. A construção da memória sobre a passagem da agricultura tradicional à convencional é marcada pela tensão entre os sentidos próprios do trabalho agrícola para os depoentes e a problematização social deste trabalho à luz das preocupações com a preservação ambiental e a saúde dos trabalhadores explicitada pelo entrevistador. 2. A memória do passado tem no trabalho a categoria de pensamento mais relevante, fonte da experiência a partir do qual se estabelece a temporalização (passado, presente, futuro) e, portanto, a descontinuidade, a diferença entre passado e presente. 3. O objeto desta memória é alvo de uma problematização proposta pelo entrevistador: dá-se então a construção, inconclusa, compartilhada e disputada, de significados atribuídos ao trabalho rural, aos usos da terra e à propriedade mediados pelo ambiente e saúde dos trabalhadores. 4. Na entrevista transcrita se expressa a narrativa ou relato de um diálogo que envolve categorias sociais como remuneração/empate; reprodução do grupo familiar/preservação ambiental; e carga de trabalho/técnica. 40 5. Esta narrativa ou relato oral é fruto de um diálogo entre vozes sociais (Bakhtin, 1986; 1992); as vozes são sociais por serem representações sociais de diferentes agentes sociais, a saber: os depoentes, como integrantes do campesinato enquanto grupo social; o entrevistador como pesquisador científico; os técnicos agrícolas; os professores do ensino fundamental e médio; os vendedores de fertilizantes e agrotóxicos, etc. 6. Ao entendermos a memória como processo de construção da identidade de um grupo social, podemos também entender como a apercepção social do tempo pode implicar a apropriação de memórias alheias. No projeto tivemos a preocupação de evitar a generalização das evidências obtidas nos depoimentos. Por isso falamos na construção da memória social sob a forma de ‘mosaico de lembranças’ e, portanto, na história oral como modo de organizar, como assinalamos no documento, “... ‘coletâneas de narrativas’ (Thompson, 2002, 303) de um grupo de pessoas com a intenção de retratar o modo de vida de toda a comunidade nos temas selecionados. Vale ressaltar a preocupação em não dar a tal coletânea ou mosaico o caráter de verdade sobre os fatos, mas apenas de versões sobre a vida cotidiana que estimulem ao diálogo e a problematização e o espírito de pesquisa.” Originalmente previmos analisar os depoimentos de acordo com os módulos temáticos estruturadores do roteiro de entrevista (casa, trabalho, cidade), mas abandonamos tal propósito em favor de uma análise das transformações do sistema agrícola (base técnica e relações de produção e de trabalho) percebidas pelos depoentes. A adoção de uma perspectiva histórica pareceu-nos mais adequada a um dos achados da pesquisa, a saber: os agricultores mais antigos participaram da transição de um tipo de agricultura ‘tradicional’ para outra ‘convencional’ com a percepção de ganhos e perdas. 41 OBJETIVOS ALCANÇADOS Para alcançar os objetivos da pesquisa, dedicamo-nos a duas tarefas. De um lado, procuramos fazer um levantamento documental que servisse de referência “objetiva”, quer dizer, externa às percepções dos agricultores acerca das transformações ocorridas na agricultura do município. Este trabalho baseou-se na compilação de dados censitários e de trabalho do escritório local da EMATER-RJ e no registro fotográfico e /ou cópia de imagens da geografia do município. Por outro, a partir de indicações, fomos identificando os depoentes capazes de nos oferecer uma visão “subjetiva” das mesmas transformações, com ênfase nas características ambientais e sanitárias do tipo de agricultura por eles praticado. As entrevistas começaram imediatamente no final de dezembro de 2005, a começar das pessoas com idade avançada, a exemplo do senhor José da Silva, então com 96 anos de idade. Eis uma lista das 25 entrevistas realizadas no período entre dezembro de 2005 e julho de 2008: 1. Alaor Brügger Neves, nascido em Sumidouro, Rio de Janeiro, no dia 16 de abril de 1926, filho de Alaíde Brügger Neves e de Heitor de Oliveira Neves. 2. Altair da Silva Fenes, nascido na Fazenda Boaventura, em Sumidouro, R.J., em 31 de março de 1945, filho de Leordina da Silva Fenes e de Maximiliano da Silva Fenes. 3. Altivo José da Silva, nascido em Ubá, Minas Gerais, no dia 26 de fevereiro de 1916, filho de Maria Helena da Silva e de Jovito José da Silva. 4. Anna Bertoloto de Oliveira, nascido em Boa Vista, Sumidouro, RJ, no dia 3 de julho de 1915, filha de Rosa Bertoloto e de Domingos Bertoloto. 5. Bruno Marcus Rangel Pessanha, nascido em Campos, RJ em 11 de julho de 1933, filho de Maria Dolores Rangel Pessanha e de Canor Cordeiro Pessanha. 6. Cristhiano Joaquim de Jesus, nascido em Campinas, Sumidouro, RJ, no dia 12 de setembro de 1902 (carteira de identidade) ou 17 de julho de 1919 (CPF), filho de Francisca Bento de Jesus e de José Joaquim de Jesus. 7. Georgina Rodrigues Bertoloto, nascida em Sumidouro, RJ, em 22 de julho de 1942, filha de Maria Augusta dos santos e de Afonso Rodrigues do Espírito Santo. 8 Iná da Silva Torres, nascida em Miracema, RJ no dia 25 de setembro de 1915, filha natural de Eugênia da Silva Azevedo. 42 9. Irani da Rocha Charles, nascida em Campo Leal, Sumidouro, RJ, no dia 05 de dezembro de 1948, filha de Ermenegue Dejair da Rocha e Virginia Martins da Rocha. 10. Isabel Maria da Silva, nascida em João Cardoso (Calado) em Sumidouro no dia 30 de outubro de 1920, filha de Albertina Maria da Silva e de Paulino da Silva. 11. João Batista Miranda, nascido em Sumidouro, RJ, em 21 de maio de 1957, filho de Leontina Celestina Hottz e de Antonio Miranda. 12. José da Silva, nascido em Sumidouro, RJ no dia 25 de janeiro de 1909, filho de Maria Helena da Silva e de Jovito José da Silva. 13. José Ildephonso Chermouth, nascido em Lambari, Sumidouro, RJ, no dia 23 de janeiro de 1922, filho de Alexandra Abelha Chermouth e de Diogo José Chermouth. 14. Julia Ferreira da Silva Andrade, nascida em Santo André, Sumidouro, RJ, no dia 15 de setembro de 1931, filha de Ema Vitória Ferreira da Silva e de Daniel José da Silva. 15. Lizete Evangelista da Conceição, nascida em Sumidouro, RJ no dia 22 de julho de 1942, filha de Afonso Rodrigues do Espírito Santo e Maria Augusta dos Santos. 16. Luzia Paulino Pinto Porto, nascida em Petrópolis, RJ. No dia 15 fevereiro de 1935, filha de Josina de Oliveira Pinto e José Paulino Pinto. 17. Manoel dos Santos Filho, nascido em São João da Pirapitinga, Sumidouro, RJ, no dia 19 de dezembro de 1940, filho de Máxima Chapieta dos Santos e de Manoel dos Santos. 18. Maria Cândida Marques Gaspar, nascida em Nova Friburgo, RJ, no dia 18 de junho de 1935, filha de Ana Maria Marques Gaspar e de Miguel da Silva Gaspar. 19. Maria José Storani Gonçalves, nascida na Barra de São Francisco, Sumidouro, RJ, no dia 25 de novembro de 1914, filha de Maria Máxima Storani e de Nazareno Storani. 20. Nair da Silva Rosa, nascida em Sumidouro, RJ, em 02 de fevereiro de 1922, filha de Arsênio José da Silva e Antonília Rosa da Silva. 21. Nobuko (Rosa) Noguchi Inada, nascida em Tomeaçu, Pará, em 03 de junho de 1938, filha de Hanako Noguchi e de Konozuke Noguchi. 22. Paulo de Souza Mattos, nascido em Botafogo, Sumidouro, RJ, em 8 de julho de 1909, filho de Ana Luiza de Souza e Manoel de Souza Mattos. 23. Petronilha Rosa dos Santos, nascida em Sapucaia, RJ, no dia 05 de dezembro de 1923, filha de Maria Carneiro e de Manoel Joaquim Carneiro. 43 24. Vivian da Conceição Zão, nascida em Sumidouro, RJ, no dia 8 de dezembro de 1975, filha natural de Guilhermina Lucia Zão. 25. Entrevista temática com Adilson da Rocha Charles e Rodrigo de Castro Pereira, técnicos da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente, gravada conjuntamente em 25/10/2007. Em relação às metas propostas, contávamos com a participação de professores do Centro Integrado de Educação Pública “São José de Sumidouro”, o CIEP 998 para viabilizar a divulgação dos conhecimentos dos agricultores entrevistados. Em 2005, alunos do curso normal e formação geral do Brizolão CIEP 998 “São José de Sumidouro” realizaram entrevistas, fizeram levantamento fotográfico e filmaram em vídeo depoimentos, uma iniciativa de construção da memória de Sumidouro, coordenada por Carlos Tadeu Gomes da Silva, que descobriu a riqueza do verdadeiro patrimônio cultural representado pelas lembranças dos moradores mais antigos. Daí à idéia de um projeto escolar de história oral capaz de ser um instrumento educativo, isto é, de aprendizagem e circulação de idéias, foi um passo a mais que contou com a participação de equipe de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz. A discussão da proposta de um projeto escolar de história oral encontrou ampla receptividade junto às Secretarias de Agricultura e Meio Ambiente (SAMA), de Educação e Cultura e especialmente do corpo de professores da rede municipal de educação, em reunião ocorrida no CIEP 998 no dia 21 de março de 2006. Destacou-se a importância da iniciativa para enfrentar o problema do uso indiscriminado de agrotóxicos nas últimas décadas que tornou Sumidouro parte do chamado “cinturão da morte” da olericultura desenvolvida em Teresópolis e Nova Friburgo, buscando-se a transição para a agricultura. Constatou-se, assim, a convergência da proposta do projeto escolar de história oral, então apresentada, e em fase de discussão, com os projetos da Horta Orgânica Escolar, de caráter ecodidático e voltado para abastecimento escolar, com recursos da Central de Telemídia/Secretaria Estadual de Educação e Cultura e apoiado pela SAMA. O projeto foi encaminhado para concorrer ao edital CONCURSO DE PROJETOS “MEMÓRIA DO TRABALHO NO BRASIL” do Ministério do Trabalho e Emprego, sob o título “Casa, trabalho e cidade: um projeto escolar de memória e história de Sumidouro (RJ)”. Apesar do projeto não ter sido aprovado, permaneceu o interesse do corpo docente do CIEP de encaminhá-lo como parte das atividades de estágio dos alunos do Curso Normal. 44 Realizamos um exercício para selecionar os melhores entrevistadores da turma do Curso Normal, mas o projeto sofreu continuidade com o afastamento do professor orientador Carlos Tadeu Gomes, devido a doença crônica na família que se prolongou durante todo o período de duração da pesquisa. Em conseqüência, acabamos por não conseguir aplicar todos recursos disponíveis para entrevistas (gravação e transcrição) do Auxilio Projeto Individual de Pesquisa. O APQ foi, por sinal, aprovado em outubro de 2006 mas o valor aprovado liberado apenas em março de 2007 quando o trabalho de campo já estava avançado. Por isso, uma parte dos equipamentos (gravadores, mouse ótico, pen drive) teve de ser adquirida com recursos próprios do pesquisador. Cabe destacar, apesar das dificuldades apontadas, algumas iniciativas positivas do ponto de vista da divulgação dos resultados da pesquisa. A primeira foi a criação da página Fala Sumidouro na internet, com o domínio www.falasumidouro.com Esta página foi o resultado do projeto de iniciação científica “Memória Social sobre ambiente e saúde: organização de uma página de internet do projeto de história oral em Sumidouro, RJ”, com bolsa do CNPq concedida a Lusyana Porto da Silva, ora em andamento. A outra iniciativa teve lugar em Sumidouro durante a comemoração do 116º aniversário de fundação da cidade. Trata-se do programa de rádio “Fala Sumidouro” irradiado no dia 10 de junho de 2007 pela Conquista FM. Na medida em que nos tornamos conhecidos na cidade, pudemos contar com apoio da imprensa local, a exemplo do Jornal Foco e Olhar Público que divulgaram notícias sobre a pesquisa. Durante o desenvolvimento da pesquisa, participamos do VII Encontro Regional Sudeste de História Oral, realizado no campus da Fiocruz, com o texto “Memória, saúde e ambiente: Um projeto de pesquisa-ação com agricultores e familiares de sumidouro, RJ”, comunicação apresentada no dia 7 de novembro de 2007, no GT “Meio Ambiente”. Uma versão modificada do texto integra os resultados apresentados neste relatório. 45 ANÁLISE DOS DADOS, INFORMAÇÕES E OBSERVAÇÕES COLETADAS As transformações na agricultura em Sumidouro: uma análise dos dados e informações econômicas e ambientais Quem percorre o município de Sumidouro no sentido Teresópolis – Além Paraíba, percebe, de imediato, ao cruzar as áreas geoformológicas da região serrana e do Vale do Paraíba, uma vasta exploração agrícola e nela, os sinais de uma estrutura agrária baseada na pequena propriedade. Esta impressão é reforçada pelas imagens em campo e aquelas de satélite produzidas para avaliar o grau de desmatamento no município. Na imagem apresentada a seguir, obtida por Rafael Dias por meio do programa Google Earth em 02 de abril de 2008, os córregos foram demarcados em cor azul para facilitar a identificação e visualização. Observe-se, no caráter reticulado da paisagem, o avanço das lavouras sobre a mata: FIGURA 4 Imagem de Sumidouro em 2008 46 Na segunda imagem, também produzida por Rafael Dias no trabalho de campo em 28/04/2008, identifica-se o ponto mais elevado registrado na imagem anterior, a Pedra do Retiro, onde se encontram as nascentes do Rio Paquequer. FIGURA 5 Imagem da Pedra do Retiro - 2008 Os dados dos censos agropecuários (1940 a 1995) sistematizados por Rafael Dias indicam o processo captado nas imagens acima (2006 a 2008): 47 QUADRO 2 SÉRIE HISTÓRICA DAS ÁREAS DE MATA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, REGIÃO SERRANA E MUNICÍPIO DE SUMIDOURO (1940 – 1995) Matas (ha) 1940 1950 1960 1970 1980 1995 Estado Região 645.883 571.267 553.960 483.117 453.105 348.986 Serrana 102.785 78.011 97.327 82.623 79.450 49.980 8.221 3.846 6.974 4.667 3.924 4.152 13.847 7.822 8.944 9.058 7.806 6.740 2.880 3.115 4.259 3.032 3.296 2.874 3.238 1.313 1.364 1.894 1.872 5.688 6.929 5.729 5.087 4.634 4.153 Nova Friburgo 26.210 14.391 18.518 18.750 17.758 6.180 Petrópolis Santa Maria 11.624 10.876 16.122 8.039 9.771 2.208 Madalena São José do 18.103 12.375 19.604 14.510 14.738 11.204 do Alto 3.321 3.579 3.624 2.396 2.287 1.949 Sumidouro 3.247 5.755 5.555 10.241 5.026 3.727 Teresópolis Trajano de 9.644 6.085 6.685 5.479 8.316 4.921 Moraes 7.824 8.543 13.760 7.190 5.616 7.185 Bom Jardim Cantagalo Carmo Cordeiro Duas Barras Macuco* Vale do Rio Preto** São Sebastião *Emancipou-se do município de Cordeiro em 1995 **Emancipou-se do municio de Petrópolis em 1987 Fonte: Censos do IBGE (1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1995). 48 É notável que na região serrana tenha se registrado um aumento das áreas de mata entre 1950 e 1960, enquanto em Sumidouro estes aparentes ganhos somente acontecem uma década mais tarde. Contudo, o declínio da mata após 1970 é mais acentuado neste município que nos demais: aproximadamente 73% da área de mata foi eliminada e substituída no período compreendido entre 1970 e 1995. De acordo com o Instituto Estadual de Florestas (Governo do Estado do RJ, 1998), “... o desmatamento no estado ocorreu mais intensamente na primeira metade do século XX, quando a cobertura florestal diminuiu de 81% para 25% da área total. De 1960 para cá o desmatamento diminuiu mas não parou.” Aumentos e diminuições nas áreas de matas são resultados de processos agropecuários. Na primeira metade do século XX predominou o café, até sua erradicação final no início dos anos 1950. A recuperação da cobertura vegetal expressa a “decadência econômica” em que a região viveu até os anos da década de 1970 quando se torna uma área horticultora (olericultura) voltada para abastecer a região metropolitana do Rio de Janeiro, em acelerada fase de crescimento. É a época em que a Revolução Verde se impõe na região. Não por acaso, o desmatamento mais significativo ocorreu no período de 1985 a 1990 nos municípios de Nova Friburgo, Bom Jardim e Sumidouro onde a olericultura transformou-se em atividade econômica importante ou principal, como é o caso do último município. A memória social deste processo, construída a partir de diferentes depoimentos, auxilia e corroborar o entendimento deste processo macroeconômico mas permite também ressaltar outros aspectos do desmatamento perceptíveis apenas no nível local. Conforme relatório final de pesquisa de Gabriel Sanches Borges, “O Sr. Altivo da Silva (91 anos), refere-se em seu depoimento ao “trem de lenha” que subia de Sumidouro a Nova Friburgo nessa época. A indústria têxtil lá implantada parece ter sido beneficiária desta lenha resultante do desmatamento. Para o técnico Manoel Antonio Soares da Cunha, a lenha extraída na região serrana era usada como carvão vegetal nas ferrovias, nos veículos a gasogênio, na indústria têxtil e nas fábricas de ferro-gusa. A exploração da madeira, ao lado do plantio de caqui em Dona Mariana, durante a década de 1940, também é referida por Antonio Moura (86 anos). 49 Para confirmar tais informações em fonte escrita de caráter público, o IBGE registra nas atividades econômicas de Sumidouro mais de uma década depois a extração de 8.000 m3 de lenha, ao lado da produção agropecuária, na qual já se destacam as hortaliças (IBGE, 1956).” A destruição da Mata Atlântica é, portanto, na memória social dos agricultores, um processo que remonta à primeira metade do século XX. João Batista Miranda refere-se a um outro processo – o da criação de gado leiteiro nas “terras frias”, quer dizer na área dos distritos de Dona Mariana, nos limites entre Sumidouro, Nova Friburgo e Duas Barras – cujo fracasso explica o surgimento de mata secundária e também põe em questão a existência apenas de remanescentes da Mata Atlântica: - Eu tô perguntando isso porque quando se brinca no meio do mato, a pergunta é: tinha muito mato aqui na época, na sua infância? - Olha... eu credito que vai regular a mesma coisa... porque varias área aí que era pasto no passado, hoje virou capoeira, não é mata, mas virou capoeira. - Ah! Já era pasto? - Isso aqui mesmo era tudo pasto quando eu vim praqui que eu comprei isso aqui, já tava pau mais ou menos na grossura de garrafa, mas tem uma porção de lugar aí que transformo já numa capoeira, não mata, mas já tem algum pau, até mais grosso. - E quem que tinha pasto aqui? - Aqui... nessa região aqui era falecido Moacir Candido... é... Moacir da Silva, né. - Candido... Moacir Candido da Silva, né. - É. Mas todo mundo é conhecido aqui como Candido, mas no final das contas acho que nenhum deles leva sobrenome de Candido é Silva. - E tinha grande propriedade aqui? - É. Mas dele aqui...eram 20 alqueire, ai ele trocô com... não, vendeu pro Teodoro e Teodoro trocô isso daqui numa fazenda lá... em Duas Barras, com falecido seu... seu Luciano, aí trouxe a criação de lá, clima quente, lotô tudo aqui, começou a morrer tudo de fome, tudo de fome e ele já velho, ele era aposentado da marinha, ele foi vendendo, vendeu... - Ele criava o que? Gado? - É criava gado. 50 A intensificação do uso da terra para a olericultura a partir de 1970 e, em Sumidouro, mais fortemente nas décadas seguintes, restringiu também as áreas dedicadas ao descanso. Na compilação dos dados do Censo Agropecuário de 1995-1996, Daniela Egger (2006) nos mostra que as áreas de terra dedicada às lavouras temporárias, no caso de Sumidouro, à olericultura praticamente não deixavam margem para o pousio, comprometendo a prazo a fertilidade do solo: QUADRO 3 UTILIZAÇÃO DAS TERRAS SEGUNDO ESTADO, MESORREGIÃO E MUNICÍPIO 1995-1996 Temporárias Localização/ Permanentes Temporárias Forma de em descanso Utilização das terras Estado Região Serrana Sumidouro Área (ha) Área (ha) Área (ha) 78.758 258.483 5.393 6.736 26.778 1.241 919 4.724 175 Situemos agora o problema da estrutura agrária que está implícita na tabela acima. Quando examinamos a condição do produtor (proprietário, arrendatário, parceiro, ocupante) ao longo do período estudado, encontramos no Censo Agropecuário de 1995-1996 (ver Anexo I) as seguintes formas de apropriação nos 1.594 estabelecimentos registrados pelo Censo agropecuário de 1995-1996: 51 QUADRO 4 ESTABELECIMENTOS SEGUNDO A CONDIÇÃO DO PRODUTOR SUMIDOURO, 1995-1996 Condição do produtor Proprietários Arrendatários Parceiros Ocupantes N 800 137 600 40 % 50,1 8,5 37,6 2,5 Fonte: Censo agropecuário – IBGE – 1995/1996 Constatamos que na classe dos proprietários, 49% dos estabelecimentos estavam em áreas de até 10 hectares. Dos 600 estabelecimentos com terras em parceria, o maior número (453) se concentrava em áreas de menos de 1 a 5 hectares, representando 75,5% do total desta classe. Um registro feito pelo escritório local da EMATER-RJ aponta, dez anos depois, uma estrutura em que a minifundiarização se aprofundou enquanto se percebe um maior número de grandes proprietários. Considerando-se 2005 como ano-base, existem 1.500 propriedades cadastradas e 500 sem documentação, distribuídas em pequenas áreas (825 ou 55% das 1.500 em áreas com menos de 10 hectares). Há uma proporção incluída numa faixa muito ampla, de 10 a 100 hectares (615 ou 41%). Por último, 60 proprietários (4%) detêm áreas maiores de 100 hectares. É importante observar as diferenças em relação à ocupação da terra: QUADRO 5 ESTABELECIMENTOS SEGUNDO A FORMA DE OCUPAÇÃO DA TERRA SUMIDOURO, 2005 Formas de ocupação da terra Proprietários Parceiros Arrendatários Ocupantes N 1.100 2.500 200 60 Fonte: EMATER – RJ, Escritório local de Sumidouro Para termos uma idéia do significado sócio-econômico desta estrutura agrária precisamos dispor de dados relativos ao uso da terra e a remuneração dos agricultores. Em Sumidouro, o parcelamento da terra (maior número de propriedades é entre 1 a 10 hectares) não chegaria a ser um problema em si, pois em 1,5 hectares plantados com tomate, pepino, jiló e abobrinha, o agricultor 52 garantiria a subsistência de sua família, sendo que a diversificação das culturas propiciaria um rendimento médio por causa das oscilações do preço dos produtos 10. Mas é importante assinalar que, se a olericultura permite o cultivo anual, há de se ter mente pelo menos dois aspectos cuja análise será desenvolvida no tópico A agricultura como prática econômica e o uso de agrotóxicos: de um lado, o uso intensivo tende a esgotar o solo, donde a importância da adubação e do uso de agrotóxicos e, logo, maiores gastos com insumos; por outro, trata-se de um segmento de atividade econômica caracterizado pela concorrência. A importância econômica e social da parceria, acima ressaltada, merece alguns comentários adicionais. Graziano da Silva (1978, p. 89) compara os dados dos cadastros do INCRA de 1965 e 1972 e observa um aumento médio de 50% na área explorada em todos os estratos de propriedade. Mas enquanto nos estratos superiores as áreas inexploradas aumentaram proporcionalmente, houve uma diminuição deste registro nos estratos inferiores. A intensificação do uso da terra nas pequenas propriedades é uma das características marcantes desta época em que o crescimento da economia brasileira tomou um grande impulso, com taxas de até 11%, a ponto de ser comparado ao “milagre econômico” observado na Alemanha e Japão no pósguerra. Um traço importante destacado pelo autor diz respeito à parceria que inclusive teria adquirido relevância nos imóveis rurais de maior tamanho, a ponto de sugerir a possível substituição da mão-de-obra assalariada permanente. Para Graziano da Silva, a parceria é uma forma de pequena propriedade baseada no trabalho familiar. De acordo com o Manoel Antonio Soares da Cunha, a parceria na região fluminense do Vale do Paraíba desenvolve-se a partir do desaparecimento do café nos anos 1950. O antigo colono toma conta da mesma gleba, recebe parte dos insumos e entrega 25% da produção de café e 50% em outras culturas (milho, arroz de sequeiro, mandioca para farinha). Para ele, o parceiro somente aparece na estatística como produtor se ele for independente, ou seja, se tem o negócio, se ele for o que vende, se ele recebe em vez de pagar11. Provavelmente há um percentual elevado de pequenos proprietários com terra insuficiente para garantir a reprodução do grupo familiar. Mas é importante assinalar, também, a advertência de Manoel Antonio: o parceiro somente aparece nas estatísticas na condição de produtor se ele tiver o controle da comercialização do produto. Aliás, o interesse da EMATER em dar visibilidade ao parceiro tem a ver com o objetivo dos técnicos de combater o “atravessador” nas relações de parceria, 10 11 Informação prestada por Fátima Curty Moura em 08/12/2006. Entrevista informal com Manoel Antonio Soares da Cunha no Rio de Janeiro em 27 de março de 2006. 53 uma vez que, ao manipular nos preços e nos prazos, deprime a renda e a capacidade de endividamento dos parceiros12. Uma questão a ser respondida é a de saber qual a forma predominante de contrato de parceria em Sumidouro. Há casos em que o proprietário fica com 60% e o parceiro 40%, num flagrante desrespeito ao Estatuto do Trabalhador Rural que limita a cota do proprietário em até 50%13. O controle da comercialização significa referir-se à diferenciação social do campesinato, do camponês empobrecido e do camponês rico e, neste processo à emergência da categoria social do ‘patrão’. O comerciante em Sumidouro tem suas próprias terras que explora em parceria, entregando os insumos e equipamentos. Por isso cabe-lhe o provérbio popular entre os sumidourenses: patrão rico, meeiro burro14. Da agricultura ‘tradicional’ à ‘moderna’ Essa menina não dorme na cama Dorme na limeira, em baixo da rma Xô, xô, passarinho Não me coma esse arroz Esse arroz é de Iaiá Que me mandou apanhar Canção popular O adjetivo ‘tradicional’ aplicado à agricultura indica o conjunto de técnicas utilizadas secularmente – muitas vezes até milenarmente – por grupos ou comunidades camponesas ou indígenas. O uso direto da terra e de mão-de-obra é seu traço comum, com manejo autônomo dos recursos naturais e de conhecimento com vistas à própria subsistência. Isto significa que a grande variedade de produtos requer tanto o uso e o intercâmbio de sementes selecionadas como mais produtivas, como o consórcio e a rotação de culturas. Por outro lado, a criação de animais como fonte de proteína implica o plantio de culturas adequadas a sua alimentação. Em 1990, segundo documento da Emater (1990), o Município de Sumidouro possuía 340 produtores de grãos que produziam anualmente 1.668 toneladas, 12 Conversa com técnicos da EMATER - Sumidouro no dia 22 de março de 2006. Idem. 14 A equivalência da figura social do comerciante com a do patrão é uma construção social da linguagem cotidiana. Assim, numa conversa com uma aluna da área rural, perguntada por que os pais vieram morar em Sumidouro, respondeu que o pai antes trabalhava como ‘assalariado’ num sítio, numa lavoura à meia. Esclareceu: lavoura à meia é quando o patrão dá a terra e o empregado a cultiva. 13 54 utilizando para isto uma área de 500 hectares (de um total de 3.000 dedicados à agricultura): “É uma atividade que na sua maioria os produtores plantam para subsistência, utilizando mão de obra familiar de aproximadamente 425 pessoas”. O milho plantados por 90% dos produtores registrados na data o faziam para consumo próprio, apenas 10% produziam pequeno excedente para venda, via de regra sob a forma de fubá. Na exposição agropecuária de Sumidouro em 2006, o pequeno público que passou por lá teve a oportunidade de ver algumas espigas de milho originárias do município. O milho ‘cateto’, por exemplo, variedade nativa selecionada por Gilécio Candido, de Dona Mariana, teria até mais de cem anos. Foi isto que entendemos de uma conversa com o senhor Antonio Moura: Esse milho está comigo tem uns 50 anos. Quem me deu essa semente foi o Antonio Wermelinger. Ele ganhou do pai dele, mas agora veio me pedir porque tinha perdido. Então o milho agora voltou pra família dele. O consorciamento de lavouras, com o aprendizado de cultivos que podiam repor os nutrientes ao solo, é outra característica da agricultura ‘tradicional’, inclusive na cafeicultura, onde se plantava milho intercalado aos pés de café. A agricultura ‘tradicional’ supunha, contudo, uma disponibilidade de terras que hoje praticamente se esgotou no município e na região serrana. Do ponto de vista técnico, a agricultura considerada ‘tradicional’ lidava com a terra como se fazia milenarmente: o trabalhador (colono, diarista ou autônomo) escolhia a área para o plantio e fazia o roçado, com a queima da mata; retirava os tocos das árvores e o capim; abria covas para a semeadura; irrigava a plantação com desvio de água de córregos por meio de canalização; após a colheita; o processo era repetido até a diminuição da produção; abandono da área para pousio; busca de nova área; surgimento de capoeira na área deixada em pousio15. Uma das depoentes, a senhora Rosa Noguchi, perguntada a respeito da derrubada de matas para o plantio, se havia alguma preocupação com a preservação ambiental na época em que começou a ter uma lavoura própria (em 1955), declara: Não, naquela época era bom. Podia derrubar mata e plantar caqui, plantar, porque ninguém zangava, eu acho que era bom, tinha esse negocio de preocupação não. 15 Em Sumidouro, a queimada era uma prática feita a cada cinco anos, disse-nos Fátima Moura em 10/02/2006. 55 É o que também constatamos no depoimento de Julia Ferreira da Silva Andrade. A fazenda da família era grande, pois quando perguntada pela dimensão respondeu que hoje, dá, já tem asfalto lá e tudo! Deve levar uma meia hora dum lado a outro! A possibilidade de uma lavoura itinerante, nos moldes da agricultura ‘tradicional’, implicava uma disponibilidade de terra sob uma floresta. Perguntada se tinha floresta na fazenda naquela época - Mata que você diz? - Mata. - Eu não... Eu não lembro, só lembro que meu pai, ele desmatou uma floresta quando eu era pequena. - Quando a senhora era pequena. - É! Isso eu lembro, os outros eu não lembro se... Acho que não tinha mais não! Não sei se era pasto... Eu sei que meu pai desmatou uma floresta e eu lembro de eu fazer muita arte. Depois ficou aqueles toco tudo assim, né? Aí eu fui pra lá, depois que meu pai queimou a ma...o mato, eu fui pra lá... - Ah! Ele não derrubou, ele queimou, ele não derrubou com machado não... - Machado! Que botou fogo, por que.... senão não tinha como acabar com aquilo! - Era uma quantidade grande. - É! Aí eu lembro que eu ia pra lá com minhas... amiga, minhas vizinha. Eu pegava um cipó daqueles que tinha pendurada naquelas árvore lá, que ele cortou as menores, né? As grandona ele não cortou não! Aquele cipó que tava agarrado lá em cima vinha pra ponta cá embaixo. Eu pegava um cipó daquele, eu ia subindo o morro assim, segurando o cipó. Quando chegava lá em cima, eu soltava, eu passava em cima daqueles tocos tudinho, não sei como é que eu não caí e não aconteceu uma coisa com(igo). É interessante assinalar a hesitação e ambigüidade, um misto de culpa e de afeto, no relato sobre o desmatamento feito pelo pai no trecho destacado em itálico negritado: o pai queimou a “mata”, palavra que Dona Julita corrige para “mato”, para identificá-lo a terreno inculto, a merecer, em nome da necessidade da sobrevivência da família, sua eliminação. O sentimento de que algo foi preservado aparece ao falar das brincadeiras, quando recorda que as árvores maiores não foram cortadas, afirmação contraditória com a afirmativa de que não tinha como “acabar com aquilo” (a floresta) com machado, somente com “fogo”. 56 Os agricultores referem-se à fertilidade da terra nesta época. É o que diz o senhor Christiano de Jesus: - Aquele irmão meu plantou milho lá na buracada do Jose Higino, José Barreto tinha apelido... então ele plantou uma quarta de milho sem terra de adubo, sem nada, deu dez saco, deu saco por litro. E hoje em dia ainda botando adubo é capaz de não dar. - Sem adubo? - É. Naquela época não botava nada, (ininteligível) batata e colhia boa para danar. Não tinha remédio de espécie nenhuma. Era só plantar só. Outro depoente, o senhor José da Silva, refere-se a uma adubação natural: - Adubo quando a terra estava muito fraca, quando a terra tava muito fraca, quando o terreno tava fraco, adubava, botava um bocado de porco no terreno... A superação deste sistema agrícola acontece nos anos da década de 1960, mas a experiência de cultivo das olerícolas que passa então a se tornar a principal atividade agrícola remonta a um período anterior, marcado pela presença da comunidade japonesa em Dona Mariana. Esta presença aparece associada ao cultivo de tomate no depoimento da senhora Rosa Noguchi, quando se refere aos primeiros plantios feitos pelo pai, a quem ajudava: - Nós plantava milho, que meu pai sempre plantou milho, porque, por causa do gasto, por causa da galinha, do porco, né, plantava milho desde que nos mudamo pra lá começamos a plantar o milho e tomate. Que a primeira lavoura que papai fez foi de tomate. Mas quando ele chegou lá, em 1947, outros já faziam ou tinham feito o plantio, como as famílias Kuçaga e Watanabe. O nome de Tacuso Kitame, também citado por Rosa Noguchi, aparece entre agricultores da região de Dona Mariana, uma das áreas de maior concentração da comunidade japonesa que, nas “terras frias” do município de Sumidouro, faz divisa com de Nova Friburgo (Centro PróMemória de Sumidouro, 1952). Os moradores de Sumidouro referem-se ao papel inovador dos imigrantes japoneses na agricultura, ao ensinarem o cultivo das olerícolas. Uma das depoentes, a senhora Petronilha Rosa dos Santos, afirmou que a experiência com 57 as culturas de tomate, pimentão, batata, jiló, repolho foi compartilhada entre japoneses e brasileiros ao longo dos anos 1940-1950: - É porque o pessoal daqui não sabia trabalhar em lavoura... Como é que se chama? (...) verdura, legume, essas coisas assim. Então os japoneses, como era gente muito trabalhadora, né? Veio uma turma de japonês de fora. Deve ter vindo lá do Japão, né? Então arredaram o terreno e começaram a trabalhar na lavoura. E o pessoal daqui aprendeu a trabalhar com eles. – Isso onde que foi? – Foi em Mariana. Foi também ali no paredão, também teve. Lá em Barão de Aquino também tinha. – A senhora falou que eles trouxeram também remédio, é isso? – É, remédio. Por que... de uns certo tempo pra cá, tinha que botar remédio na lavoura senão não produzia, né? – Mas isso foi naquela época ou mais tarde? –Mais tarde. – Mais tarde. - É. Mas eles conhece remédio próprio pra lavoura, né? Conforme a mercadoria... e conforme o remédio que tem que usar. Porque plantava batata inglesa, antigamente, não precisava de remédio. O cultivo do tomate pelos japoneses é referido pelos pesquisadores Cruz e Silva; Costa e Storch (2003: 69): “No Estado do Rio de Janeiro, a tomaticultura teve como origem as terras situadas nas baixadas litorâneas da região metropolitana. O crescimento da lavoura se deu com a fixação da colônia japonesa na área de santa cruz, na década de 1930. Com o surgimento das doenças e solo e a incidência agressiva de nematóides que atacaram as plantações de tomate, os produtores se viram obrigados a deslocarem suas culturas para as regiões mais altas dos municípios de Miguel Pereira e Teresópolis.” Nilton Rocha Leal sustenta16, a propósito deste problema: “Na localidade de Piranema, em Santa Cruz, existia então uma colônia agrícola, um assentamento do INCRA com famílias japonesas e portuguesas. 16 Entrevista não gravada. Rio de Janeiro, em 19 de junho de 2006. 58 Os japoneses estavam plantando quiabo. Seleções efetuadas dentro do material genético usado na época de quiabo gerou dois materiais genéticos melhorados: as seleções Piranema e Santa Cruz 47, as duas ainda cultivadas mas a SC-47 está nos catálogos das firmas de sementes.” “A colônia japonesa também desenvolveu o tomate: deu uma característica ao tomate bilocular, denominado de Tomate Santa Cruz que se espalhou pelo Brasil. Mas nesta região o plantio de tomate sofria muito o ataque da murcha bacteriana e fusarium (fungo), ambos existentes no solo, por causa da existência abundante do outras solanáceas17. A plantação de tomate foi iniciada então na região do Médio Paraíba, em Paty do Alferes e serrana, onde não havia este acúmulo de plantas e nem o hospedeiro da bactéria e também estavam livres de fusarium. Havia produção tomateira em Friburgo e Sumidouro18 mas as áreas de maior produção estavam localizadas em Vassouras e em Paty do Alferes.” O nome de Hiroshi Nagai (1935-2003) aparece vinculado, na qualidade de pesquisador científico, ao melhoramento genético com vistas à resistência de hortaliças a doenças. Tornou-se um virologista nas plantações de alface e pimentão, obtendo cultivares resistentes ao vírus-do-mosaico. Um aspecto importante da bem sucedida carreira científica deste engenheiro agrônomo, ressaltado na sua biografia, foi o estreito relacionamento com produtores de hortaliças. Um deles foi o produtor Hiroshi Watanabe, do Estado do Rio de Janeiro. (Melo, 2003) A difusão do cultivo do tomate na região serrana se expandiu nas décadas seguintes. A introdução do tomate em Sumidouro e o aparecimento de doenças na lavoura é uma lembrança do senhor Christiano: - Não tinha bicho, não tinha conversa não. Só plantava e colhia. Hoje em dia precisa tá com remédio em cima. Aquele tio meu plantou uma moita de tomate ali, tava vendo-se doido, tá um bicho cortando o pé dele de noite, corre a terra em baixo, deixou o pé lá murcho, o filho dele disse que é murchadeira, disse que o remédio é caro pra chuchu, mais que acha que é murchadeira, que lá não tem murchadeira... Não sei. 17 Dicionário Aurélio Digital XXI: família de plantas superiores, da ordem das tubifloras, composta de ervas, arbustos e trepadeiras, sendo poucas as árvores. Folhas alternas; flores solitárias ou cimosas, pentâmeras e actinomorfas; fruto: baga ou cápsula. Conhecem-se umas 2.000 espécies, em todo o planeta, muitas das quais brasileiras. O tomateiro, o tabaco, o pimentão, várias pimentas, a beladona, a batateira, etc., são solanáceas úteis (não falando das ornamentais). 18 Quando lembrei que a produção olerícola em Sumidouro era antiga, reportando às informações constantes da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, do IBGE, ele disse ter realizado viagem à região serrana no ano de 1956, na qual constatou que as hortaliças pertenciam a cultivares (variedades híbridas) sem resistência a doenças e pragas. 59 - Agora o senhor falou que não usava adubo nem remédio. O senhor lembra de quando mais ou menos começou a ser necessário usar? - Esse remédio mais ou menos, tem esse negócio de lavoura com adubo esse remédio para matar esse bicho, deve ser de uns cinqüenta anos para cá, que tinha... Naquela época, não tinha. - Não tinha. - Não. - E por que? - Porque eu peguei fazer lavoura de tomate eu já era casado e os filhos já estava grande, não havia lavoura de tomate aqui no nosso lugar. Pessoal falou que um homem com sessenta anos plantava tomate, esse eu acho que pegou, que num pode, não havia em lugar nenhum, não se falava em tomate. Havia um tomate garrafinha que jogava aí no meio da roça (risos) que nascia e colhia um tomatinho miudinho, bom pra comer. Não havia tomate de planta, não, pode ser que só se esse serviu, porque esse não era não. - O senhor acha que a introdução do tomate foi a razão... - Hem? - O senhor acha que o cultivo de tomate, é que trouxe o problema do... - Dos bichos? - É. - Ah, esses bichos esses nadava por cima da terra, né, tenta cuidar, né. ‘Murchadeira’ é o nome comumente dado pelos agricultores ao adoecimento do tomateiro. É ‘algo’ que faz a planta murchar e morrer. Mas para o senhor Chritiano, a origem estava um ‘bicho’ que nadava por cima da terra. A observação oriunda no manejo do solo ao longo de anos – na verdade a sua vida inteira até bem pouco tempo, pois na ocasião da entrevista, com 92 anos, já se afastara o trabalho mais pesado – permitiu-lhe identificar um possível processo de contaminação de uma bactéria do solo19 que provavelmente já devia existir, embora em pequena quantidade. Negaceando, demonstrou seu conhecimento: - Pois é. A minha pergunta é: se não tinha antes, por que passou a ter depois? - Então. Mais aí eu não sei que negócio é esse de murchadeira, não posso dizer ao senhor da onde que veio esse negócio. (Risos) 19 Murchadeira: designação popular de bactérias do solo como a Ralstonia solanacearum que afeta principalmente tomate e batata. 60 - Quer dizer num certo momento não tinha, no outro momento passou a ter. - É. - Alguma coisa aconteceu na terra, ou no uso da terra. Talvez no uso da terra que permitiu que aparecesse o problema, né? - Porque alguns aqui não entende, lavram a terra com o boi por aqui tratado, com arado, lavrava a terra do outro. Aquela terra vinha no arado, botava na outra terra que não tinha, pegava a murchadeira. A gente comprava uma batata inglesa pra comer e descascar ela e jogar no meio da terra do trabalho que tinha murchadeira. Pronto, afetou a terra toda. O senhor Christiano desconhecia, porém, que as variedades de tomate cultivadas em Sumidouro não eram resistentes a doenças e pragas20. Pragas aparecem associadas nas lembranças das transformações da agricultura que exigiam antes mais trabalho para lidar com a competição de outros seres, como os pássaros. É o que surge inesperadamente numa conversa de entretenimento entre Fátima Moura, o senhor Antonio “Cachoeira” e eu, ocorrida no escritório local da Emater em 09 de dezembro de 2008, enquanto a esposa daquele agricultor do Pamparrão assinava a carta de financiamento do Pronaf: F – Soube que o (fulano) está plantando arroz de sequeiro. A – Ah, a gente plantava muito, uma carreira de milho, outra de arroz, produzia muito. Quando eu era criança, meu pai mandava a gente espantar os passarinho, ainda de madrugada. Agora não planto mais. E – Por que? A – Porque tem muito inseto, precisa muito inseticida. É caro. Esse governo que tá aí até que manerou... E – Inseto? A – É, formiga, mosca... Essa mosca branca não tinha. Acho que foi [a introdução d]a braquiária. 21 20 Ver nota 7. Brachiaria mutica ou capim-angola. De acordo com Warren Dean (1996, 130), capins africanos teriam sido introduzidos nalgum momento do século XVIII nas invernadas próximas à cidade do Rio de Janeiro. A respeito dos capins exóticos introduzidos no Brasil a partir do século XVIII ver Primavesi (1999). De acordo com o senhor Antonio Lavourinha, o capim braquiária teria sido introduzido em Sumidouro por Miguel da Silva Gaspar, pai de Maria Cândida Marques Gaspar. Ele foi dono de uma fazenda em Bela Joana, na parte de Sumidouro que fica no Vale do Paraíba. 21 61 A indução do processo de modernização As mudanças na agricultura, principalmente com o uso de agrotóxicos, foi associada pelos depoentes ao cultivo do tomate. Mas inicialmente em pequena escala, como afirma Irani da Rocha Charles: Só a lavoura que consumia agrotóxico e em escala pequena era o tomate. Aí depois veio o jiló, veio o pimentão, que aí foi precisando né? Nas lembranças de dona Irani, o consumo de agrotóxicos se verifica quando ela e o marido começam a plantar no sítio próprio. Recorda que o tempo de casamento e o do nascimento do primeiro filho coincide com a intervenção do escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) em Sumidouro: - Sim. Então aí o uso de agrotóxico começou a se verificar exato quando? E que época assim... - Na época... -...mais pesado? –...na, agora pesado quando agora coisa... Ah isso é d’uns anos... Eu tenho quarenta e um anos de casada, quando eu comec... Quando eu conheci a Emater, que o Joaquim começou a orientar as pessoas, eu já tinha meu filho com uns três anos, dois anos e meio, três anos. Mas esse a... esse consumo maluco de agrotóxico não tem muitos anos não. Os anos de 1969 e 1970 surgem como marcos temporais da disseminação do uso de agrotóxicos, ainda que o sobre-uso seja, nas suas lembranças, algo mais recente. A introdução dos agroquímicos faz parte de uma mudança histórica na agricultura sumidourense, com o fim da cafeicultura que havia deixado um rastro de destruição: - Ó, pensa bem, nós moramos naquela propriedade trinta e três anos. Sempre trabalhando nela. Os nossos ancestrais, quando nós compramos, o solo tava acabado. Não tinha umas terra cultivada rotineira. Que meu 62 marido teve que fazer um bocado de composição de calcário, de esterco de galhinha.. - Pra compor a... - ...farinha de osso, prantar milho, de triturar tudo aquilo. Nós nunca queimamos um capim. - Hum, hum. - Até tapueraba que é uma erva daninha na propriedade, a gente amontoava. Amontoava, fazia aqueles montões... - Hum, hum. - ... deixa ali de um ano pro outro, no outro ano aquilo era um montão de esterco que a gente esparramava na terra. E tem proprietário que ele tem prazer de queimar. Vejamos agora quem são, para os depoentes, os agentes indutores da introdução da agricultura convencional em Sumidouro. Os vendedores de fertilizantes e agrotóxicos são citados por todos. É o que se constata no seguinte trecho do depoimento de dona Julita: - E como é, como é que vocês tinham acesso ao veneno, comprava aonde? - Comprava lá no... No mercadinho da... Água Quente... Não, não era lá não! Sei lá, o mercadinho foi bem depois... Acho que era em Teresópolis, que a carga que a gente colhia ia toda pra Teresópolis. - E lá que vocês compravam? - É, divera ser, os colono que comprava porque esse tempo eu nem saia de casa. Era eles que comprava os veneno. - Depois é que vieram vender... - È, é que vieram vender perto da gente. Mais eles compravam em Teresópolis que... Tinha um caminhoneiro que pegava carga nossa todinha, pegava carga de São Lourenço, daqui de Sumidouro levava pra Teresópolis pra vender a carga em Teresópolis, um caminhão só! - E ele mesmo que trazia o veneno? - Ele mesmo que trazia! As pessoas que ia levar as carga também comprava. Para Dona Irani, alguns destes vendedores se capitalizaram às custas do empobrecimento dos camponeses: - Porque a comunidade de Campo Leal, se você ir hoje lá, todos têm um sítio pequeno, que são herdeiros. Lá só tem uma, uma fazenda grande, que 63 é do seu Tomazinho, que vocês conheceram que é do Tomazinho, que é um dos homens predominante na região nossa lá, de bem financeiro. Porque ele era, ele era representante da... da Monte Lima, sabe? – Hum! – Então ele tinha uma casa de adubo, que ele era representante e ele, ó, riqueceu né? Muito, muitos empobreceram por ele, esse senhor Tomaz. É interessante observar a existência desse inicialmente ‘circuito marginal’ (Santos, 1985-1987) da economia comandada pelas empresas multinacionais produtoras de fertilizantes e agrotóxicos respaldadas no Estado que drenavam a renda da agricultura para a indústria. Como assinalamos na Introdução, a intervenção estatal tornou fácil a instalação dessas empresas no país, com vistas a garantir a auto-suficiência na oferta desses insumos e garantiu uma oferta de crédito barato com ênfase no custeio e não no investimento, de modo a viabilizar a compra dos insumos na agricultura. Além do mais, viabilizou uma ação sem limitações legais, ou seja, sem avaliação toxicológica para a saúde humana e o ambiente. Tudo foi feito “a toque de caixa”. Eis o que diz Bruno Pessanha em seu depoimento: ...as empresas vinham, faziam, treinavam equipes e faziam publicidade nas rádios principais, é, come que se chama, assediavam, vamos dizer assim, as grandes cooperativas do Paraná de São Paulo, então o uso cresceu muito e... Ele trabalhava na época (anos 1970) no Instituto de Economia Agrícola do Estado de São Paulo, na seção de economia florestal. Depois ingressou na CibaGeigy22, onde atuou na área de marketing da divisão agroquímica. Fazia estudos sobre o mercado de fertilizantes agrícolas no Brasil para a Ciba-Geigy: Bom, a empresa, por exemplo: tinha um novo produto para ser lançado, ai eu fazia o estudo de mercado pra saber a focalização do..., quais os principais mercados em termos de plantas, em termos de..., vamos dizer, área geográfica era perspectiva de venda, fazia um calculo do potencial de venda e fiz pra essa empresa também outros grupos de produtos, fiz a parte de sementes que na época, em seguida eles compraram uma empresa 22 Foi incorporada à Novartis em 1996, com a fusão entre as duas grandes companhias suíças do setor, a Ciba-Geigy e a Sandoz numa fusão de interesses no ramo químico entre indústrias produtoras de fármacos, agrotóxicos e aditivos para alimentos, etc. A propósito, em 2000, a Novartis Agribusiness e a Zeneca Agrícola se fundiram, formando a Syngenta. Ver http://www.novartis.com.br/_sobre_novartis/historia/index.shtml 64 internacional de sementes agrícolas, aí quando a gente fala que é semente melhorada... Pode então acompanhar a ação da empresa na colocação dos produtos no mercado. Uma destas consistia em “malhar o mercado”. - ... o gerente de departamento geralmente era submisso aos interesses da empresa e na área de venda eles tentavam pressionar sempre o cumprimento das metas do mercado, que todas as empresas tem metas de mercado, por mês, por semestre, por ano...tinha que atingir a cota em termos de dinheiro. Isso implicava, as vezes em... fazer o que eles falavam lá “malhar o mercado”, internamente, e eu, vamos dizer, se opunha a esse, a essa linha de atuação. - O que era “malhar o mercado”? - Era quando chegasse perto do fim do mês, você chegar em uma cooperativa e dar, vamos dizer, um presente, uma coisa ao gerente de compras dessa cooperativa pra ele comprar mais do que a necessidade da própria cooperativa. Tratava-se de produtos com periculosidade alta, principalmente inseticidas com uma dose letal (LD) baixa que os agricultores aplicavam nas culturas de algodão, tomate e batata muitas vezes acima do que o recomendado. As aplicações, segundo ele, poderiam ser menores se as pesquisas tivessem sido dirigidas tanto para a produtividade agrícola como para a resistência a pragas. Mas não era esta a política naquele momento, inclusive da EMBRAPA. O engenheiro agrônomo e florestal Sebastião Pinheiro conta sua própria experiência com agrotóxicos, relatando o período de trabalho na Bayer no Rio Grande do Sul. Faz também referência ao sistema de “cotas” de produtos que era obrigado a comercializar em função do mercado potencial. Na primeira viagem para o interior como empregado da Bayer, ficou sabendo da intoxicação de muitos agricultores em três cidades. Saiu da Bayer e foi trabalhar numa Cooperativa mas a realidade encontrada não foi diferente: “Na cooperativa, os dirigentes avisavam que, com o lucro da venda dos venenos pagavam a folha de todos os funcionários... Assim, éramos obrigados a comprar os produtos mais baratos, logicamente os mais perigosos e podíamos concorrer com os vendedores ambulantes e o comércio da cidade.” (Pinheiro, Nasr; Luz, 1998: 112) 65 Ainda denuncia o fato de que muitos escritórios da EMATER, das Secretarias de Agricultura e da EMBRAPA nos estados “passam o tempo experimentando graciosamente produtos das empresas” (idem, 112). Mas o comportamento das empresas estatais não era também diferente das multinacionais. É o que depreendemos do depoimento do senhor José Chermouth, analisado detalhadamente a seguir. José Chermouth trabalhou na lavoura, tornou-se administrador de fazenda em Simplício, Minas Gerais, deixando a atividade depois da erradicação do café, por volta de 1955, a introdução do gado e o parcelamento da propriedade da terra. Retornou a Sumidouro e então se tornou vendedor autônomo de “adubo” (fertilizante) por indicação de Jóe Teixeira Vogas, técnico que trabalhava no escritório local da EMATER. Assumiu a licença de vendedor autônomo vinculado ao CORE, com o que podia não apenas vender diretamente ao produtor, mas também revender. Vendia adubo da empresa Ultrafértil, na época uma estatal que mantinha fábrica em São Paulo23. A matéria-prima era vendida para as empresas privadas que fabricavam o produto mas, em dado momento, a Ultrafertil resolveu produzir fertilizante, concorrendo com estas empresas. Foi numa época em que houve forte subsídio à oferta de fertilizantes por parte do governo e se considerava um passo decisivo na “modernização da agricultura”, como destacado na matéria “Idéia fértil” do número inaugural da Revista Veja (Ver Anexo II). A procura pelo adubo da Ultrafértil era maior, porque era de melhor qualidade e mais barato, mas a empresa estatal teria parado de produzir o adubo por pressão das outras empresas. Contudo a empresa atuava exatamente como as demais empresas. Impunha a “venda casada”: - Agora o senhor me contou, quando eu estive aqui há uns dois meses atrás, que o senhor também vendia veneno também. - Ah vendia também, junto com adubo! - Mas desde o começo, ou mais tarde? - Foi mais tarde!Mais tarde... que eu comecei primeiro com adubo Maná, depois passei pro adubo...adubo Fertiza; depois do adubo Fertiza que eu 23 A Ultrafértil foi uma empresa privada constituído em 1958 com o nome de Fosfértil. Em 1965, assume o nome Ultrafértil como resultado da fusão da Fosfertil com a Philips/PS Petroleum e o Grupo Ultra. Em 1970, a Ultrafértil inaugura seu complexo industrial de fertilizantes em Cubatão, S.P. Em 1974 a Petrobrás adquire o controle acionário da Ultrafértil. Em 1977 a Fertilizantes Fosfatadas S/A, Fosfertil, é criada como uma empresa do governo federal com o objetivo de promover o aproveitamento da rocha fosfática da jazida de Patos de Minas (MG). Em 1992, através do Programa Nacional de Desestatização, a Ultrafertil é privatizada, tendo seu controle acionário assumido pelo consórcio Ferifos, um grupo de empresas do setor de fertilizantes. Neste mesmo ano a Fosfertil é registrada como companhia de capital aberto, passando a ter as suas ações negociadas na Bolsa de Valores. Em 1993 acontece o leilão de desesestatização da Ultrafértil. A Fosfertil adquire o controle acionário da Ultrafertil. 66 passei pra Ultra Fertium, passei pro adubo Índio, de Campos. Então eu trabalhei pra quatro firmas... - Ah... - Três de São Paulo e uma de Campos! - E o senhor passou a vender veneno por quê? - O veneno? Eu vendi pra Ultra Fértil!A Ultra Fértil quem mandava vendê! - Ah, a Ultra Fértil que mandava? - È! Mandava o remédio pra vendê e eu vendia. - Ah, então ela fabricava também o... - Não ela comprava, comprava e passava pra... - O senhor lembra o nome do... - Dos veneno? - É! - Ah! Um era Ditane, era Folidol, era essas porcaria aí! O comentário de Adilson, o outro técnico da SAMA aponta para o sobre-uso de fertilizantes: - Em cima desse assunto, a PESAGRO, que foi a responsável por uma parte do Projeto de Micro-Bacias em Campo Leal, eles fizeram um estudo sobre perda de solo. E aí eles fizeram um levantamento também da quantidade de NPK no solo e tal, dos micro e macro nutrientes presentes nos solos em Campo Leal. E eles constataram adubação excessiva. Tanto que os índices chegaram a ponto que eles disseram assim: “Olha, vocês podem ensacar essa terra que vocês trabalham e vender como adubo”. Não é? Outros agentes da modernização foram as instituições de pesquisa e de extensão rural, como já observado por Sebastião Pinheiro. No Plano Municipal de Extensão Rural (Emater, 1990) assinala-se para o biênio 1990-1991 os seguintes objetivos e metas na assistência a 130 produtores de olerícolas, representando 9% do número estimado de produtores nesta atividade naquela data: 67 QUADRO 6 PLANO MUNICIPAL DE EXTENSÃO RURAL: OBJETIVOS E METAS SUMIDOURO, 1990-1991 Educação sanitária vegetal Controle de pragas com produtos caseiros Controle químico de pragas e doenças Construção de fossa para descarte de embalagens vazias 60 03 80 30 produtores hectares hectares unidades Fonte: Escritório local da EMATER Notável como os agrotóxicos praticamente constituem o insumo fundamental da olericultura, dado o controle químico empregado em 80 hectares contra apenas 3 hectares dedicado ao controle com produtos caseiros. Outro ponto é a recomendação de aterrar as embalagens quando o procedimento recomendado atualmente é a coleta das mesmas. No mesmo documento, a responsabilidade pela “educação sanitária vegetal” é atribuída a Jóe Teixeira Vogas. O papel deste técnico inclui, ao lado desta, as seguintes atividades: correção e fertilização do solo, plantio correto e conservação do solo, manejo de culturas, comercialização e abastecimento, educação e organização rural. A metodologia da Educação Sanitária Vegetal utilizada incluiu os seguintes procedimentos: demonstração do método (Soledade, Dona Mariana), unidade demonstrativa (Soledade), excursão (Serra do Pamparrão, Soledade) e reunião (Boa Vista). Os depoentes confirmam este papel da Emater. Tanto José Chermouth como Irani Rocha Carles e João Batista referem-se aos técnicos da EMATER. O primeiro, como assinalamos, por ter repassado o negócio dos fertilizantes; a segunda por ter ensinado a seu marido e a ela como usar agrotóxicos, como se constata no depoimento a seguir: - E o Joaquim muito, ele era uma pessoa tímida assim, bem devagar, então ele se familiarizou com a gente. Então ele tava diariamente em nossa casa. E nessa época, ele apres... Ele tava lançando é... Um produto que chamava difolatan, que era pra pinta.24 – Hum, hum. – Então esse difolatan, ele que foi ensinar o José como trabalhar. Como nós não tinha habilidade, não tinha conhecimento de agrotóxico, desses remédio 24 Pinta ou pinta-preta é o nome comum da doença causada pelo fungo Alternaria solani em olerícolas como batata, tomate, pimentão, brócolis, couve-flor, berinjela e o jiló, favorecida pelo monocultivo, calor e umidade. O produto usado, Difolatan, é um agrotóxico específico, isto é, um fungicida. 68 venenoso, brabo, ele começou ensinar meu marido como trabalhar. Então meu marido começou a trabalhar com agrotóxico, dentro da receita que é devida. – Hum! – Entendeu? – Então foi a Emater que indicou o... Começou a introduzir o uso do agrotóxico. – Ensinar o uso do agrotóxico... A identidade de alguns agricultores como o senhor João Batista com os técnicos foi construído na convivência com os técnicos da Emater e da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente que orientam a prática agrícola, como aparece também noutro trecho da entrevista aqui destacada: - E a outra coisa que tem muita gente que não dá valor, mas, às vezes, parece alguém aqui... , por causa do caqui aqui veio um agrônomo do Paraná, mostro ele, me ensinou a podar a agente fez muita gente passo aí chamou de maluco e a gente só veio ganhar com isso, só veio multiplicar, de maluco não teve nada. Deu pena de fazer a podação que foi recomendada, mas tem alguma coisa quando a gente olha alguma pessoa de bem a gente tem que acreditar e ir à luta. Por que “muita gente não dá valor”? Isto é, porque a atitude reativa dos agricultores diante dos técnicos? Tratar-se-ia de um problema de ‘educação’, de que o técnico não sabe chegar e o agricultor não sabe receber? Muitas vezes somos levados a esta crença devido ao autoritarismo do saber competente. Contudo esta é apenas, por assim dizer, uma ‘camada’ de uma problemática mais profunda. A questão é saber se os agricultores são capazes de ‘manipular’ adequadamente o ‘pacote tecnológico’ da Revolução Verde. Na opinião de Rodrigo, isto não tem se mostrado viável, a exemplo do problema do manejo do solo: O nosso agricultor, ele sabe plantar, mas infelizmente ele não... ele não, ele não usa o pacote inteiro. Esse pacote seria o que? A análise de terra. Ele não faz análise de terra. O nosso agricultor aqui no nosso Município não faz análise de terra. Se ele bota cinqüenta gramas de adubo numa planta ele sempre vai botar cinqüenta gramas. - Ele não, ele não...verifica...que de ano a ano a terra... tá mudando. 69 - Tá mudando. Porque se você tá botando fósforo no teu solo, nosso solo é pobre em fósforo entendeu? De modo geral a gente faz a análise dum solo de pastagem aqui, ele tem um PPM de fósforo. A partir do momento que você começa a adicionar fósforo naquele solo, com três, quatro, cinco anos, aquele solo já vai ter trinta PPMs de fósforo. Se você tá botando cinqüenta gramas, dez gramas já bastariam para suprir a necessidade. Não. Mas ele continua botando as cinqüenta. Esse excesso de fósforo, com certeza, causa o que? Ele passa de... Ele, por exemplo, o zinco, ele já não consegue absorver direito. E o zinco é um nutriente que faz o que? Faz a planta ficar mais forte. Entendeu? Faz a planta ter resistência a determinadas doenças. Ativa o sistema imunológico da planta. Se a planta tem muito fósforo e não tá absorvendo o zinco, ela vai ficar uma planta mais o quê? Mais suscetível a um ataque de praga. Ou de doença. Ela não vai ter a defesa própria dela, vai tá mais fragilizada. O mesmo vale quando se trata da aplicação de agrotóxicos. Rodrigo lembra que muitos não respeitam sequer a dose recomendada para determinado produto. Ao ser perguntado sobre a razão do desrespeito respondeu: - E por quê que não respeitam? - Porque eles acham que aquilo é tão pouco, que eles acabam acrescentando mais. Por exemplo, vários produtos, a dose dele é ce... Determinado produto. Folisuper, a dose dele é cem ml pra sem litros. O Folisuper é um produto que já tá há muito tempo no mercado. Vários insetos já pegaram resistência a esse folisuper. Tem produtores que usam... Que dobram essa dose. Porque se você dobrar a dose você mata o inseto, porque você está botando o dobro da dose25. - Pois é. Mas ele faz isso porque esse produto já não dá mais conta não é? - Mas aí não é que não dá mais conta. Existe um negócio chamado manejo de produtos. Você vai determi... Vai plantar determinada cultura, que, que a gente sabe que vai usar mais agrotóxico, você pode fazer manejo de praga ou o manejo de produto. O quê que é o manejo de produto? É você usar vários princípios ativos diferentes, porque ele vai usar um princípio ativo, vai sobrar cinqüenta por cento da população de insetos, que se chama inseto praga. Aí, dali a três dias, você usa um outro princípio ativo, que tem um 25 Produto inseticida e acaricida de contato e ingestão do Grupo Químico Organofosforado, altamente tóxico. Nome comum: parationa metilica. Produzido pela Agripec. Ver indicações em http://www.agripec.com.br/2007/produtos/Fispq/FISPQ_FOLISUPER600BR.pdf 70 modo de ação diferente naquela praga. Aquele cinqüenta por cento vai sobrar só vinte. Aí depois cê usa um outro produto voltado só pra aquela praga. Específico. Quer dizer, daqueles vinte vai sobrar um por cento. Existe hoje em dia tecnologia, conhecimento, voltado a isso. Ao controle populacional. Como superar esta limitação? Os técnicos apontaram duas alternativas distintas: de um lado, o engenheiro agrônomo apontou o vínculo com as lojas e as empresas: - E você acha que o agricultor teria condição de fazer o manejo? - Teria. Ele teria. O tanto que vários já fazem esse manejo. Vários já fazem, mas não todos. Mas principalmente um entrave que eu vejo isso, que é o quê? É a falta de pessoas pra passar esse conhecimento pra o agricultor. Porque hoje em dia principalmente são só os agrônomos que trabalham nas lojas, nas revendas de semente, de adubos, de produtos químicos, que fazem isso. Os agrônomos da Rede Pública não fazem isso. os agrônomos da EMATER não fazem isso. Eu aqui da Secretaria de Agricultura, eu faço isso porque eu já trabalhei em loja. Eu tenho esse conhecimento, por isso que eu faço. Enquanto Adilson a importância de aumentar o raio do trabalho de extensão técnica ao agricultor: É. E esse tipo de informação que no caso aqui ele como técnico tá passando pra gente, eu presencio todo dia, essa informação tinha que chegar ao produtor de forma simples. Então [é] a assistência técnica. Esse apoio técnico aqui [em Sumidouro] ao produtor é muito insuficiente. Porque assim, o número de técnicos é muito pequeno em relação a grande quantidade de produtores rurais não é? Que trabalham nesse tipo de coisa, o ano inteirinho, todos os dias. A resistência dos camponeses em seguir as prescrições técnicas, mais do que expressão da ignorância, manifesta uma forma de gestão da atividade agrícola que será agora examinada. A agricultura como prática econômica e o uso de agrotóxicos 71 A paisagem vislumbrada pelo viajante vindo de Teresópolis, assim que, ultrapassada a divisa entre Sapucaia e Sumidouro, inicia a descida em direção ao Vale do Paraíba, é de uma área densamente cultivada com vestígios de mata, a exemplo da imagem registrada por satélite apresentada na página 71. Falar de agricultura em Sumidouro significa referir-se praticamente a olericultura. Olericultura é uma denominação genérica do cultivo de legumes ou hortaliças cujo ano agrícola acompanha o civil. Por ser uma atividade realizada durante todo o ano, requer uma dedicação de trabalho permanente. Em condições de solo e clima favoráveis, é possível obter, numa mesma área, de acordo com Oliveira e Campos (2006, 7), “... durante um ano agrícola. 3 cultivos de tomate – ou 6 cultivos de alface – ou 12 cultivos de rabanete. Com o advento de pesquisas com consórcios culturais, se trabalha arranjos com as culturas no espaço e no tempo, o que tem permitido ganhos no volume de produção e com isso o ganho do produtor.” Para os técnicos do escritório local da Emater (1990), a distribuição da produção, favorecida pelo aspecto geográfico que situa o município entre altitudes médias de 400 metros e temperaturas médias de 27º C, na região do Vale do Paraíba, e 900 metros e temperatura média de 22º C na região serrana, se dá durante todo o ano, sem piques ou baixas de produção em épocas distintas conforme se constata no quadro abaixo: 72 QUADRO 7 VARIAÇÃO SAZONAL DA PRODUÇÃO 1989-1990 EM PORCENTAGEM Produção Repolho Vagem Pimentão Tomate Cenoura Batata-doce Abobrinha Pepino Jiló Alface Jul 8,11 12,73 4,27 5,42 12,94 9,23 11,75 13,49 2,67 9,52 Ago 11,41 8,05 2,67 7,83 21,53 6,93 15,67 13,49 2,57 11,90 Set 12,01 7,92 2,67 6,02 14,39 7,69 10,44 13,49 3,57 11,90 Out 9,61 4,81 2,13 4,82 5,76 7,69 10,44 7,14 3,57 9,52 Nov 9,01 3,49 6,40 7,23 5,76 6,93 10,44 10,32 6,25 7,15 Dez 9,01 8,77 10,67 6,63 6,47 6,25 6,30 3,17 5,36 7,15 Jan 12,01 9,34 14,93 11,45 5,76 6,15 9,92 8,73 10,50 4,76 Fev 6,31 5,66 16,00 12,05 5,04 12,31 4,70 7,94 15,18 5,95 Mar 6,01 4,53 10,67 10,24 5,04 9,23 3,13 5,56 15,18 5,95 Abr 4,50 7,27 10,92 10,84 5,04 6,15 3,13 5,56 11,61 7,15 Mai 4,50 9,90 10,67 9,04 5,76 7,69 5,22 3,97 11,61 7,15 Jun 7,51 12,73 8,00 8,43 6,46 13,85 8,36 7,14 8,93 11,90 73 Para entender a olericultura como prática econômica é necessário situar as evidências oriundas dos depoimentos dentro de um contexto mais amplo, tendo presente as transformações ocorridas na agricultura e na sociedade no período compreendido pela vida dos entrevistados. A organização dos “cinturões verdes” nas regiões metropolitanas durante os anos 1968-1984, quando o Brasil se encontrava sob o regime militar, propiciou o desenvolvimento da olericultura como atividade agrícola especializada. As Centrais de Abastecimento (CEASA) organizadas nos anos 1970 impulsionaram a sustentação deste processo. No Estado do Rio de Janeiro dizia-se que Teresópolis, Sumidouro e Nova Friburgo constituiriam o “Triângulo Verde” que, de acordo com Nilton Salomão, em discurso na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Salomão, 1997), contou com o apoio do Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ). Estudo de Belik e Paulillo (2001) sobre a importância do crédito na “modernização da agricultura” propõe a hipótese de que, na década de 1980, quando a política de juros subsidiados da década anterior teve de ser abandonada, alguns setores específicos da agropecuária brasileira já dispunham de “maturidade e estabilidade” para se auto-sustentar, contando “com formas de financiamento e sustentação paralelas”. Mas no caso da pequena produção agrícola e especialmente da olericultura da Região Serrana do Rio de Janeiro, esta forma de financiamento foi garantida pelo Banerj. Em entrevista não gravada com o senhor Antonio Lavourinha26, soubemos que a carteira de crédito rural representava 50% dos negócios do Banerj e que em Sumidouro o financiamento agropecuário era grande e a juros mais baixos do que os praticados no mercado. O sistema funcionava assim: o agricultor apresentava a proposta ao banco; a Emater visitava a propriedade para elaborar uma avaliação; depois, de acordo com o agricultor, elaborava um projeto técnico para a lavoura a ser financiada. O financiamento voltava-se praticamente para o custeio, pago no prazo da lavoura, feito por pequenos proprietários, arrendatários e meeiros. Os grandes proprietários solicitarem financiamento para investimento em pecuária. A falência destes27 por ocasião do Plano Cruzado aprofundou o processo de parcelamento da propriedade da terra com dedicação a olericultura. A importância e o interesse do financiamento ao custeio agrícola – isto é, à compra dos insumos como sementes, fertilizantes, agrotóxicos, de mecanismos de irrigação e de material de embalagem dos produtos – pelo Banerj foi também 26 Entrevista realizada em 11/08/2006. O senhor Lavourinha ingressou como funcionário do banco em 1978 e mais tarde assumiu a gerencia da agência local do Banco Itaú, incorporador do Banerj. 27 Fazendeiros das famílias Veloso, Ramos, Mendes, Serafim, Pinheiro. 74 ressaltada por uma das depoentes, Irani da Rocha Charles.28 No trecho transcrito a seguir, ela faz referência à apresentação de Joaquim, técnico da Emater, para o marido, José, pelo gerente do banco: Quem, quem fez a apresentação do Joaquim para o José, foi o, o gerente do banco. Que aí nessa época, o banco tava muito interessado nisso aí. Aí ele falou, “-ah agora nós temos o escritório da Emater”. E tal e tal, apresentou o Joaquim pra o José. Na década de 1990, o Banco do Brasil assumiu o papel de intermediador financeiro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) com o apoio técnico da Emater. Para entendermos a prática econômica da olericultura, de um lado, há de se levar em conta que a chamada “revolução Verde” acarretou elevação da produtividade por área plantada. Para Oliveira e Campos (2006, 6), a olericultura envolve “... altos investimentos por área explorada (alto ‘input’)” que traz, em contrapartida, “elevada produção e maior renda líquida por área, quando comparada a grandes culturas (alto ‘outpu’), em termos de atributos econômicos”. Conforme observam Peres, Rosemberg e Lucca (2005), a prática agrícola baseada em agroquímicos tem elevada produtividade. A produtividade, contudo, pode ou não ser favorável em termos de preços pagos ao produtor. Os agricultores dependem da compra dos insumos que, para eles, representam elevado “empate” (investimento), muitas vezes deixando uma remuneração pequena, nula ou negativa. Em outros termos, há uma expectativa generalizada entre os agricultores de rendimentos capazes de compensar os custos num setor da economia caracterizado pela concorrência como é o da olericultura. 29 Análise da editoria da revista Agroanalysis a respeito dos preços da batata no ano de 1980, revela a importância da relação entre economia de mercado e condições climáticas. Como em 1980 os elevados preços dos principais insumos – principalmente no caso da bata-semente, cujo peso no custo total era de 50% transferiram renda dos agricultores para as indústrias e acabaram por conduzir o agricultor a uma diminuição do plantio da batata. Na explicação seguinte 28 Entrevista prestada em 12/10/2007. Uma análise mais detalhada do setor será realizada adiante, no tópico 5 – Interpretação dos achados da pesquisa. 29 75 Agroanalysis (1981, 17) pode ser generalizada na medida em elucida a prática econômica na agricultura: “A maior queda [da área plantada] se fará sentir na safra das águas, a maior das três, cujo período de comercialização é quase coincidente em todos os grandes estados produtores. Esta simultaneidade ocasiona uma oferta muito grande, pressionando demasiadamente os preços para baixo e reduzindo de forma significativa a remuneração do produtor. Por esse motivo, os agricultores têm optado por incrementar as safras da seca e de inverno, cuja quantidade produzida é bem inferior à da safra das águas, embora estas produções demandem maiores investimentos e um uso mais intensivo de mão-de-obra durante o ciclo produtivo”. No caso de Sumidouro, onde, nas “terras frias” (Soledade, Campinas), os agricultores plantam “folhosas” (alface, couve, repolho, coentro, salsa, rúcula, agrião, etc.), o aumento da produtividade não significa preços altos. Rodrigo – Hoje em dia ali se trabalha mais com folhosas. Por quê? O ciclo de produção é menor, aí quer dizer, o movimento financeiro é mais rápido, é mais intenso. Eduardo – Mas também a renda... R – A circulação... E – ...costuma (ser) menor também? R – Não necessariamente. Adilson – Não necessariamente. E – Não necessariamente. R – Não necessariamente. É. O quê que caracteriza? As folhosas são, são culturas que produzem o ano todo. No inverno não há chuva e todos eles utilizam da irrigação. Adubação química, irrigação, defensivos agrícolas. Todos eles utilizam disso. A produção no inverno é uma beleza, que não tem problema climático. Agora, no verão, devido principalmente e chuva, há problema fitossanitários, por causa do excesso de umidade, o quê que acontece? Ele perde produção. Perdendo a produção, o mercado... É a lei de mercado não é? Abaixa a oferta. Abaixando a oferta, a procura é a mesma, o preço sobe. Geralmente as folhosas dão dinheiro quando? No verão. E – No verão. R – Na época chuvosa. No inverno não dá. No inverno o cara é a subsistência. É só para ele se alimentar. No verão que ele faz um 76 dinheirinho para ele comprar um carro, uma moto, uma bicicleta, melhorar a casa...30 Esta informação é corroborada na análise dos dados do Quadro 7 acima: a produção de alface é proporcionalmente maior no período de junho a setembro. Há de considerar, portanto, que o comportamento econômico do camponês implica a maximização do rendimento como os demais “agentes econômicos” no mercado. Quer dizer, do ponto de vista econômico, age como se fosse um capitalista. Contudo, por utilizar predominantemente força de trabalho familiar e não controlar os principais custos de produção, não é um capitalista. Cada safra torna-se então um desafio entre a riqueza e a pobreza, entre aumentar o patrimônio (terra) ou correr o risco de diminuí-lo ou até perdê-lo. Conforme um dos participantes da equipe de pesquisa, Carlos Tadeu Gomes, professor de História no município, o custo de produção agrícola estava muito alto, o que poderia explicar algumas mudanças: o aparecimento de gado nas terras frias, antes restrito às terras quentes; o êxodo rural para áreas urbanas periféricas, como Riograndina, distrito de Nova Friburgo, onde 80% seriam oriundos de Sumidouro, Carmo, Duas Barras. Outras localidades de destino seriam Bonsucesso e Hortas, no Estado do Rio de Janeiro, e Mar de Hespanha, Senador Cortes e Estrela d’Alva, em Minas Gerais. A respeito desta migração, observou que há uma população que migra em função da safra (colheita) composta de não proprietários. Um indicador deste processo é a matrícula escolar, constatando-se transferências de escola e evasão. Provavelmente o camponês não consegue mais garantir a sua subsistência, como faria se pudesse dispor, tal como observado pela técnica Fátima Moura, de um mínimo de 1,5 hectares de terra para um plantio diversificado de culturas31. Por último, destacou a mudança na olericultura: o menor custo levou muitos agricultores se especializarem em folhagens. Citou o caso da família da esposa que abandonou o cultivo do tomate e da vagem pela folhagem (alface). Pesaram nesta decisão as dificuldades de comercialização: os comerciantes vinham até as áreas de produção, agora não vem mais; além disso, tem o problema do pagamento na forma de cheque com prazo de 30 dias às vezes não ser garantido32. Por outro lado, a ‘cobiça’ ou a ‘avareza’ que a primeira vista se percebe no comportamento individual do camponês quando, por exemplo, deixa de respeitar o prazo de carência da aplicação de agrotóxicos aos produtos de sua lavoura, deve ser explicado, sem ser justificado por isto, como um comportamento econômico 30 31 32 Entrevista com Adilson da Rocha Charles e Rodrigo de Castro Pereira, em 25/10/2007. Informação prestada por Fátima Curty Moura em 08/12/2006. Entrevista não gravada em 14 de dezembro de 2006. 77 compreensível à luz da situação ocupada na teia de relações em sua localidade ou “bairro rural”. Geralmente, o ‘avaro’ é um camponês pobre para quem o sobre-uso do agrotóxico significa uma safra salva da praga ou da doença. O ‘manejo integrado de agrotóxicos’ é praticamente uma prerrogativa dos camponeses mais ricos. Dispor de uma terra mais fértil, numa área plana e melhor de ser lavrada ou controlar a comercialização dos produtos da lavoura distingue um camponês rico, capaz de estabelecer relações de parceria e mesmo, por ocasião da colheita, de empregar diaristas, com os camponeses mais pobres33. A complexidade das relações de propriedade e de trabalho ficou visível para nós no início da pesquisa. No escritório local da Emater tivemos a oportunidade de assistir34 ao atendimento de um jovem agricultor por um técnico, cujas informações iriam compor o projeto para o pedido de financiamento junto ao Banco do Brasil. Anotamos o seguinte diálogo: - (fulano), o que vai plantar este ano? - Alface. - Quanto? - Uns 3 mil pés. - Só trabalha com alface? - Só. As terras têm 6 empregados. - Qual é a área do arrendamento? - Não sei... uns 20 hectares. O técnico lembrou de que ele deveria trazer o contrato de arrendamento para anexar à documentação35. Logo em seguida chegou o pai do jovem para renovar as condições do financiamento. Ele era quem arrendava terra para o filho. O pai pretendia plantar 3.400 pés de tomate, 12 pés de repolho e um tanto de pimentão. Em outros termos, é importante entender que numa mesma propriedade pode existir mais de um estabelecimento; na agricultura camponesa, a unidade econômica pode estar dissociada do grupo doméstico, como assinala Almeida (1986). Um último aspecto da diferenciação do campesinato é a comercialização. 33 Registramos algumas histórias de vida que retratam os dramas vividos por esses camponeses (Anexo III). 34 Sumidouro, 28 de dezembro de 2006. 35 A definição legal da agricultura familiar para fins de financiamento da atividade agropecuária comporta os seguintes critérios: a) explorem parcela de terra na condição de proprietário, posseiro, arrendatário ou parceiro; b) residam na propriedade ou em local próximo; c) não disponham, a qualquer titulo, de área superior a quatro módulos fiscais, quantificados segundo a legislação em vigor; d) obtenham renda familiar oriunda da exploração agropecuária ou não-agropecuária do estabelecimento; e) tenham o trabalho familiar como base na exploração do estabelecimento. (Banco Central, 2008) 78 O controle sobre a comercialização dos produtos é uma forma de acumular capital e aumentar o controle sobre a produção de terceiros, sob as formas da parceria (meação) ou arrendamento e, ainda, empregar diaristas. Segundo informações do escritório local da Emater (1990), a comercialização era organizada por meio de intermediários (comprador na roça) ou encaminhada direta (proprietário) ao Mercado de Água Quente (Teresópolis), Mercado Municipal de Nova Friburgo, CEASA – Rio de Janeiro, CEASA de Colubandê (São Gonçalo). 79 QUADRO 8 SISTEMA DE COMERCIALIZAÇÃO – 10 PRINCIPAIS PRODUTOS OLERÍCOLAS DO MUNICÍPIO - 1989 Tipo de venda Culturas com percentual de comercialização Repolho Vagem Pimentão Tomate Cenoura Abobrinha 44 Batata doce 62 Intermediário 30 52 54,8 55 Venda direta 64 39 40 40 Consignação 5 9 0,2 Cooperativa 1 0 0 Pepino Jiló Alface 53 30 64 45 62 22 26 17,9 25 4,8 2 72 8 9,8 37 13 5,5 0,2 1 0 0,2 0,1 0 0,5 Fonte: EMATER-RJ, 1990 80 Em 2007, aproximadamente 1/6 do mercado fluminense (região litorânea, supermercados e rede hoteleira) de folhagens era abastecido por um único comerciante. Interessante a observação de que a compra, feita de acordo com padrão de qualidade (tamanho, cor da folha, quantidade de folhas), implica, além de uso de muito agrotóxico, elevado desperdício (descarte da folhagem fora do padrão)36. Impacto do uso de agrotóxicos sobre o ambiente a saúde dos trabalhadores Estudo relativo à bacia do Rio Paraíba do Sul realizado em meados dos anos 1990 aponta a região serrana como aquela caracterizada pela maior expressão de remanescentes florestais (26% da cobertura inicial). Contudo esta sobrevivência deve-se muito mais às dificuldades do relevo montanhoso (íngreme, rochoso) para a agricultura e a pastagem do que a uma ação preservacionista. “Na medida em que o relevo torna-se menos acidentado, verifica-se a diminuição de cobertura florestal, como nos casos de Cordeiro, Sumidouro e São Sebastião do Alto; este último já apresentando sérios problemas de escassez de água para abastecimento nas sub-bacias que já perderam grande parte das florestas protetoras dos mananciais”. (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 1998, 32) No primeiro tópico deste relatório apontamos o fenômeno do desmatamento associado à agricultura e à pastagem em Sumidouro, com a ocupação de todo o espaço disponível, do fundo dos vales às encostas de relevo mais suave, comprometendo as matas ciliares nas margens dos córregos e nas florestas protetoras das nascentes no topo dos montes. “O resultado é o aumento dos processos de erosão das encostas e de assoreamento dos rios desprotegidos” (idem, 32). Podemos observar as marcas do tipo de agricultura praticado na paisagem ilustradas na imagem abaixo: 36 A ideologia de que o ‘mercado’ exige este padrão desloca a responsabilidade do comerciante para o consumidor. FIGURA 6 IMAGEM DE DESMATAMENTO Fotografia do autor, em 28/04/2007 A agricultura de encosta praticada na região serrana depende de técnicas preservacionistas como o plantio com curva de nível, a proteção das nascentes e das matas ciliares, a análise do solo e a distribuição adequada de água por aspersão nas lavouras. Mas o baixo nível de conhecimento e de orientação dos agricultores para a adoção da chamada agricultura convencional é uma constatação comum nos estudos (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 1998a). Como a parte mais alta de Sumidouro se insere na região serrana, caracterizada por elevado índice pluviométrico, a ação antrópica acelera o processo natural. As chuvas de verão têm provocado enchentes, agravado a erosão e acarretado mortes e perdas materiais, com o desabrigamento de muitas famílias, a exemplo do que ocorreu no início de 2007. Outro problema ambiental é o da eutrofização dos corpos hídricos em decorrência da aplicação intensiva de nutrientes sob a forma de adubos, principalmente de nitrogênio e fósforo. O relatório da Bacia do Rio Paraíba do Sul sobre poluição por fontes difusas reporta à informação dos técnicos em agropecuária: “... análises pedológicas feitas pela Embrapa-Solos, em conjunto com a Emater-Rio, indicam saturação de nutrientes nos solos, com destaque para o fósforo. Tal fato se deve ao ciclo, em geral curto, das espécies cultivadas, nas quais o produtor aplica adubo químico a cada novo plantio. Neste contexto, os técnicos dessas entidades chegam a afirmar que os produtores, 82 adubando com tal intensidade suas lavouras, estariam tendo sua rentabilidade reduzida e que poderiam plantar as mesmas espécies sem adubação por vários anos, sem queda na produtividade agrícola” (Idem, 20-21). Finalmente há o grave problema do uso dos agrotóxicos, praticamente o único recurso utilizado pelos agricultores da região serrana para controlar pragas e doenças há várias décadas. Os resultados do trabalho de campo realizados por Freitas et al (1995) e Coutinho et al (1994) foram extrapolados para a região serrana do estado do Rio de Janeiro. O estudo abrangeu 17 lavouras olerícolas (abobrinha, agrião, alface, batata-doce, beterraba, brócolis, cebolinha, cenoura, chicória, chuchu, couve, couve-flor, jiló, pimentão, repolho, tomate, vagem) e examinou a proporção de ingredientes ativos de agrotóxicos por hectare plantado: “O resultado, que pode ser considerado conservador, alcançou na cifra de 174 mil quilogramas de ingredientes ativos para uma área de plantio de 12.053,9 ha, proporcionando uma média de 14,4 kg/ha, considerada bem acima da média brasileira, da ordem de 1,27 kg/há, segundo dados da ANDEF”. (Idem, 15) O estudo feito em meados da década de 1990 maponta para os seguintes aspectos: a) havia um percentual menor (20%) de ingrediente ativo de agrotóxicos nas classes extremamente e altamente tóxicos; b) os fungicidas – especialmente ditiocarbamatos (Dithane, Manzate, etc.) e cúpricos - representavam 3/4 do total dos ingredientes ativos, classificados nas classes medianamente e pouco tóxicos; c) observou-se também uso de inseticidas organofosforados (Paration, Paration Methil, Acafeato,etc.), de elevada toxicicidade; d) o glifosato – Roundup se destacava na classe dos herbicidas mais usados. A classificação toxicológica IV (“pouco tóxico”) estabelecida pela A ANVISA é alvo de polêmica (Dallegrave, 2003). A exposição dos trabalhadores aos agrotóxicos foi constatada no estudo de campo em Teresópolis, uma vez que 71% dos entrevistados não usavam equipamento de proteção individual, congruentes com achados posteriores. Casos de intoxicação têm sido notificados no sistema de saúde de Sumidouro. O sistema é constituído de cinco (5) Unidades de Saúde da Família, localizadas nas áreas rurais (Soledade, Balança, Dona Mariana, Campinas) e no 83 centro; de uma unidade de Pronto Atendimento em Campinas; do Centro de Saúde Dr. Carolino; do Hospital Municipal Dr. João Pereira; e do Centro de Vigilância em Saúde. Os dados abaixo coletados junto ao serviço de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Sumidouro, serviram de base para uma entrevista informal com um profissional de saúde. 84 QUADRO 9 REGISTROS DE ATENDIMENTOS POR UNIDADE DE SAÚDE PERÍODO 1 DE JANEIRO DE 2005 A 31 DE DEZEMBRO DE 2006 Unidades de saúde PS USF CS HM CVS Total Síndrome do Corrimento 8 322 211 67 90 698 Atendimento Anti-rábico - 12 1 88 8 109 Esquistossomose - 1 12 2 45 60 Acidentes com animais - 2 0 32 3 37 Varicela - 17 0 4 0 21 Intoxicação por Agrotóxico - 11 0 5 1 17 Tuberculose - 2 0 3 1 6 Condiloma acuminado - 1 3 1 0 5 Aids - 0 0 3 1 4 Hanseníase - 2 1 0 0 3 Doenças exantemáticas - 1 1 1 2 5 Herpes genital - 2 0 0 0 2 Tétano acidental - 0 0 1 0 1 Coqueluche - 0 0 1 0 1 Hepatite viral - 1 0 0 0 1 Varíola - 0 0 1 0 1 Síndrome da úlcera - - - 1 - 1 Agravos Fonte: SINAN – Secretaria Municipal de Saúde e Promoção Social de Sumidouro Uma análise inicial dos dados do SINAN a partir de conversa com técnico responsável pelo registro e encaminhamento das planilhas da SMS-Sumidouro para o Sistema Nacional de Agravos por Notificação indica um quadro de sub-notificação de doenças associadas a estigma e preconceitos sociais. Notável, neste sentido, a ausência de casos doenças sexualmente transmissíveis (DST), o registro de apenas um (1) caso soropositivo de HIV-AIDS, o baixo número de casos de esquistossomose numa área historicamente endêmica e mesmo o pequeno número de intoxicação por agrotóxicos quando é conhecido o sobre-uso dos mesmos pelos agricultores. Os agrotóxicos mais usados37 em Sumidouro eram, em 2006, os seguintes: 37 Informações prestadas por Fátima Moura, em 10/02/2006. 85 QUADRO 10 AGROTÓXICOS MAIS CONSUMIDOS EM SUMIDOURO TIPOS NOMES COMERCIAIS Herbicidas Roundup N.A., Gramoxone Inseticidas Decis, Tamaron, Orthene, Pirimor, Xentari, Agree Inseticidam Vertimec Fungicidas Cercobin, Dithane, Manzate, Cumulus, Cupravite Azul A propósito dos casos de intoxicação por agrotóxicos indicados na tabela vale observar, de acordo com o profissional de saúde: a) os casos notificados são, em sua maioria, de intoxicação digestiva, uma vez que a forma cutânea é mais tolerada e considerada menos grave pelos agricultores; b) a população afetada é praticamente do sexo masculino (13) em sua maioria (12) jovens na faixa de 19 a 30 anos; c) a existência de dois menores, um com 13 e outro com 15 anos, ambos do sexo masculino, é um indicativo do grau de envolvimento dos membros da família no trabalho de pulverização da lavoura com agrotóxicos; d) a presença de quatro mulheres corrobora a informação anterior; e) não se trata apenas das pessoas diretamente envolvidas no trabalho agrícola, mas afetadas pela pulverização uma vez que as casas dos agricultores geralmente estão cercadas de lavouras e nem sempre se observa a direção do vento na hora de pulverizar; f) há casos de intoxicação devido a inobservância de período de carência entre a aplicação e a colheita, o uso de mais de um produto simultaneamente e a guarda de recipientes de agrotóxicos em casa; g) o baixo número de notificações de intoxicação por agrotóxicos, quando é conhecido o sobre-uso dos mesmos pelos agricultores. Além da notificação formal relativamente baixa, citou a importância de uma avaliação cuidadosa dos casos de internação de pacientes com câncer que têm história de trabalho na lavoura. 86 O profissional relatou também o caso trágico de uma criança natimorta, sem cérebro e pernas; a mãe, uma agricultora de mais ou menos 30 anos, teria falecido devido a câncer na mama. Observou, nos casos psiquiátricos atendidos no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) elevado número de pacientes oriundos da área rural. Um dos casos foi o de uma agricultora com apenas 25 anos que se queixava de intoxicação por agrotóxico no Hospital em 2005 e tinha um grave processo alérgico a herbicida e larvicida. No CAPS ela alegava que o marido a obrigava a ir para a lavoura. Há casos de intoxicação por acidente, como nos relata Vivian da Conceição Zão, agricultora, 33 anos. Plantava tomate, pepino, berinjela e repolho, com uso de todos tipos de ‘veneno’. O acidente ocorreu no momento da manipulação de um herbicida: - Você já teve problema de intoxicação com agrotóxico, você lembra como foi a sua primeira intoxicação? - Lembro. - Então como foi? Conta um pouquinho pra gente. - Eu peguei o remédio pra mim matar o mato e como peguei, botei o remédio no armário, o remédio virou, em cima do meu pé. Aí, eu ao invés de pegar e lavar eu só passei uma água. Aí, aquilo empolou tudo, virou bolha e arrebentou e deu... No pé, aí depois arrebentou na mão, no corpo. - E quanto tempo você levou pra se curar? - Ah, curar, curar, levou uns nove meses. - Nove meses. - Curar tudo, né? Os machucados. - E você teve mais algum caso de intoxicação? - É... depois eu fiquei, né...agora acho que é o sangue contaminado, porque eu fico, eu tenho crise... eu não posso sentir o cheiro. Nada disso eu posso ter, contato nenhum. Por exemplo, se tiver dosando em algum lugar, eu não nem posso pensar de passar, se passar eu dou (?). Xampu, essas coisa, nada disso eu posso usar mais. Nada mais. Material de limpeza, nada disso eu posso sentir o cheiro, daí eu passo mal. Perguntada se tinha filhos e, como respondesse afirmativamente, procuramos saber sobre os riscos do uso de agrotóxicos durante a gravidez: - E você trabalhou na lavoura durante a gravidez ou mexeu com remédio? - Mexi. Trabalhei até os 6 meses. Aí depois eu parei. 87 - Tava difícil de trabalhar? - Sim. - E você acredita que tenha acontecido alguma coisa com eles por causa do remédio ou eles nasceram perfeitos? - Tem, acredito. Porque meu menino tem problema de rins, tem pressão alta, o médico falou comigo. Ela nasceu com problema no sangue. - Foi o médico que falou isso? - Foi a doutora Leila, lá no Carmo. Pediatra. - E hoje em dia ela tem 13 anos e tem esses problemas todos. Você deixaria ela trabalhar com esse tipo de remédio? - A gente deixar não é o caso, né. O caso é a necessidade. - Eles vão pra lavoura com você hoje em dia? - Às vezes vai. A consciência dos limites da agricultura ‘moderna’ Os depoimentos apresentados a seguir serão entendidos como expressões da consciência social camponesa marcada pela tensão entre o “afeto da terra”, fonte de sua identidade social e de valor comunitário, e a culpabilização interiorizada pelo uso abusivo e longo de agrotóxicos nas culturas praticadas. A culpabilização resulta da imputação de responsabilidade ao agricultor pelo uso indevido de agrotóxicos (desrespeito ao prazo de carência, inobservância de medidas de precaução quanto à área pulverizada, não uso de equipamento de proteção individual, uso e descarte indevido das embalagens, etc.). Perceberemos, nos depoimentos, que esta tensão ou ameaça de cisão conduz a duas atitudes: 1) a uma reavaliação do passado como um processo espontâneo, baseado na ignorância coletivamente compartilhada, ou a falta de alternativa econômica; 2) a uma identificação do agricultor com o técnico em agropecuário, detentor do saber que legitima a manutenção do suo de agrotóxico sob o suposto do manejo integrado. Julia Ferreira da Silva de Andrade ou Dona Julita, como é conhecida na cidade, nascida em 15 de setembro de 1931, já estava casada e mantinha uma família de três filhas e um filho quando resolveu, mais ou menos aos 48 anos, “cuidar da própria vida”: resolveu fazer uma lavoura de feijão de vagem, plantou mais ou menos dois litros que lhe rendeu um bom dinheiro, deu até para comprar um “fusca velho” e, assim, conquistar sua autonomia financeira do marido. No seu depoimento se percebe como a reavaliação do passado implica uma ruptura com o tempo presente – tempo da culpa e da ignorância que inclui o passado e se 88 apresenta como “de uns tempos para cá” – e a instituição de um outro tempo, “antes”, “naquele tempo” em que praticamente inexistiam doenças e pragas. Então se percebe também a associação ao tipo de agricultura ‘tradicional’ relatada no tópico anterior. - E a senhora lembra de ter dado em alguma lavoura que deu assim alguma praga mais séria? - A praga foi aumentando dia pra dia. Cada dia, eles falava que um remédio que era bom, um veneno que era bom. Mais eu sei dizer que a praga estar aí até hoje e não acabou (risos). - Mas então teve uma época que não tinha, né? - Isso no começo, que a gente começou a trabalhar, não existia muita praga não, as pragas foram aumentando, aí... Tempo que não tinha foi época em que era solteira, trabalhava com o pai na lavoura: - Quando eu era solteira meu pai trabalhava na lavoura, e eu trabalhava junto. Meu pai dosava as lavoura: era batata-inglesa, ele dosava com – ainda lembro conforme fosse hoje – a tal de água bordalesa... - Calda bordalesa. - Calda bordalesa, feita com um negócio azul, umas pedras azul me parece, não sei como é que chama. Esqueci o nome delas. Eu sabia, esqueci. - Aham. - E cal virgem, era que ele dosava, veneno não botava não. Meu pai não botava não, tão boa era essa terra. Tempo que eu era solteira. - Então era porque também não tinha praga, né? - É, não tinha, - Ah. E passou até quando mais ou menos? - Ah, isso... foi bem depois que eu casei Quando resolveu assumir uma lavoura por conta própria, contou com a ajuda do filho, Daniel. Então assumiu de modo absolutamente natural o modo como se praticava a agricultura em Sumidouro. Perguntada se usava ‘veneno’, palavra que expressa a consciência prática do camponês em toda a região, respondeu negativamente. Na verdade, negava que um dos produtos por ela usados para combater ácaros (fungos) fosse ‘veneno’, confundindo-o com fertilizante: 89 -Ah, daquele tempo usava muito pouco, usava só o Manzate38 que é um pó. - Hum. - E veneno, lembro se usei não. - Manzate era pra quê? - Manzate era pra folha, pra folha, pra segurar a vagem, pra segurar... - Mas pra quê, pra evitar alguma praga, algum bicho? - Não, isso era veneno não, isso era pra fortalecer a folha. - Ah, como se fosse um fertilizante. Quando se referiu a veneno propriamente dito, mencionou o produto Folidol 60, um inseticida pulverizado para o controle de percevejos e lagartas. - Quando é que a senhora começou a usar o veneno? - Veneno foi depois que já meu filho começou fazer umas lavouras comigo, aí já começou usar veneno. - Senhora lembra que idade mais ou menos ele tinha quando começou fazer essa lavoura? - Ah, tinha uns 17 anos mais ou menos. - 17 anos. Ele nasceu em que ano? - Ele nasceu em (19)60 - Agora, o Daniel ajudava a senhora, a senhora sabia que quando usava o veneno que tinha um perigo pra... - Naquele tempo não ouvia falar nada - Não? - Não. - Fazia aquilo naturalmente. - É, eu dosei muito com veneno. - Que veneno a senhora lembra algum? - Veneno era...Folidol 60. - Pra quê que era? - Pra matar os bichinhos, os ácaros, matar os bichos. Fica evidente que ela conhecia o perigo do produto 39, tanto que o qualifica de ‘veneno’. A distinção entre o Manzate e o Folidol pode ser do grau de toxicidade, mas também pode ser uma interpretação da orientação técnica do uso preventivo 38 Manzate, fungicida do grupo dos ditiocarbamatos (manganês com íon de zinco) é um agrotóxico de Classe III – medianamente tóxico para os seres humanos (irritante para a pele e olhos, pode causar problemas renais e neurológicos) e o ambiente, principalmente cursos de água, esgoto e subsolo segundo a ficha de segurança de produto químico da Du Pont do Brasil S.A. 39 O Folidol tem a denominação técnica de Paration Metílico, um organofosforado proibido nos EUA e em seguida no Brasil, em 1999, por sua aguda toxicidade. 90 do Manzate para fungos como equivalente a uma medida de proteção da planta. Ocorreu então, no diálogo com o entrevistador, a apropriação da palavra ‘fertilizante’ para evitar o de ‘veneno’ ou agrotóxico. Por outro lado, o uso dos agrotóxicos foi visto como uma atividade ‘natural’, uma vez que na época ninguém falava nada contra a manipulação desses produtos. A frase – “Naquele tempo não ouvia falar nada” – expressa uma atitude espontânea que se desenvolve pelo compartilhamento do sistema agrícola com os demais agricultores, o qual pode incluir uma atitude defensiva comum (Guivant, 1987). Houve um momento, contudo, em que uma tentativa de manejo mais cuidadoso chegou a acontecer, de acordo com o receituário agronômico. Eis o que conta a senhora Rosa Noguchi a esse respeito: - Agora era comum o uso de agrotóxico no cultivo agrícola e depois nas flores, vocês ou a... - Agrícola nós não podia usar assim remédio muito forte, porque nós era pela cooperativa e lá tinha agrônomo, então nós não podia usar um remédio que prejudicasse, porque nós era todo corrigido, não podia a gente usar de qualquer maneira, alguma coisa as vezes a gente usava, uma hora às vez que batia as vezes a gente usava alguma coisa diferente, mas o resto... - Essa cooperativa que a senhora fala, como é que ela funcionava? - Ela ajudava em tudo. É uma Cooperativa Agrícola Cutia, mas agora acabou. Então a gente entrava lá como se fosse um sócio, né? Então lá eles vinham visitar a gente, no tempo da colheita vinha visitar, mas a gente ás vezes sempre mandava bucado pros outros que é muita planta a gente acabava mandando, dava pouca pra poder mandar pros outros, mas a cooperativa era muito bom, eles tinha reunião pra gente acompanhar eles vinha também fazer reunião na casa da gente né, pra poder explicar, mostrar, então não era ruim não. O depoimento de João Batista Miranda, nascido em 21 de maio de 1957, agricultor dedicado à floricultura de modo sistemático depois da frustrada tentativa de retomar a lavoura em 1992, serve de contrapartida a esta consciência culpada na medida em que se afirma como um agricultor que faz o manejo integrado de pragas e doenças propugnado pelos técnicos. O nome dele foi indicado por Fátima Moura, técnica do escritório da EMATER em Sumidouro como um dos 20 nomes de agricultores indicados numa homenagem prestada pela instituição ao homem e mulher do campo em 2006. Conversamos em sua casa no sítio onde desenvolve a 91 floricultura especializada em crisântemo, na localidade de Córrego Bonito, distrito de Dona Mariana. - Que indicou seu nome, indicou a Dona Irani, Dona Delia, falo do seu Natalino do Caramandu, como pessoas que foram homenageadas pela Emater pelo o seu cuidado no manejo agrícola, né, e disse que o senhor fez um aprendizado de diminuir o uso de defensivo agrícola, né, conta pra nós como foi isso. - Isso ai é troço que foi também a cabeça da gente olhando, a gente diminuiu ai também adubação talvez de 70 a 80 por cento, ai atrás disso veio o defensivo que caiu também uns 70 por cento. Porque usa pouco adubo, usa adubo adequado, não se precisa... - E como é que o senhor percebeu isso? - Apanhando. - Conta, assim como o senhor foi... - Apanhando, bota adubo, aí vem à doença, vem praga, come tudo, (a)caba tudo. Aí o Alexandre da Emater, diariamente vem ai tomar um cafezinho com o sujeito e orientando “o adubo puxa isso assim, puxa doença”, a gente foi diminuindo, hoje se jogamos adubo orgânico, com um pouco de farinha de osso, farelo de mamona e capim moído, no passado metia adubo aí de qualquer maneira. - Adubo químico inclusive. - Químico e mais nitrogenado que... que ver cresce, nós não precisamos ver uma planta crescer muito rápido, ela tem que crescer dentro do padrão. - Da natureza? - Da natureza, um pouquinho de comida nós temos que botar é a mesma coisa que nos pega e come muita gordura ao que vai fazer? Vai mata nós. - É. - Né. - Aí o senhor foi percebendo isso na sua pratica. A orientação técnica: “o adubo puxa isso assim, puxa doença” é explicada nos seguintes termos pelo engenheiro agrônomo Rodrigo de Castro Pereira: - Porque isso aí você usando muito produto químico, muito adubo químico, a seiva da tua planta vai estar mais rica com... se eu não me engano são aminoácidos mais livres, que são açucares e são os que as pragas gostam. Entendeu? 92 - E aí, aí para combater a praga... - Aquilo atrai a praga. Aquela planta atrai a praga. Aí... tem que usar mais defensi... Mais inseticida. Apesar da crescente dependência das lavouras em relação aos agrotóxicos, bem como dos impactos desses produtos sobre a saúde e o ambiente, a agricultura convencional é percebida como uma determinação de suas vidas, uma espécie de caminho sem volta. Lembremos o depoimento de Viviane da Conceição Zão quando indagada se levava os filhos para trabalhar com ela: - E hoje em dia ela tem 13 anos e tem esses problemas todos. Você deixaria ela trabalhar com esse tipo de remédio? - A gente deixar não é o caso, né. O caso é a necessidade. - Eles vão pra lavoura com você hoje em dia? - Às vezes vai - Às vezes vão. Hoje em dia você planta mais o quê? - A mesma coisa: tomate, pepino... - O que tiver na época, né? - O que tiver na época e o que a gente achar que vai dar dinheiro, né. Vai dar alguma coisa, aí a gente planta. - E a sua família falou alguma coisa, de você ficar doente, tentou te tirar do trabalho? - Minha mãe mesma. Várias vezes. Mas a gente mora na zona rural, não tem como, né. A gente não tem serviço. Você vem lá de onde eu moro, pra vir trabalhar aqui, é mais de meia hora a pé até chegar no asfalto pra vir trabalhar aqui, é difícil. Você não consegue serviço aqui fácil. Poder-se-ia pensar na passagem a uma agricultura orgânica, de base agroecológica. Mas a questão é que a agricultura convencional destruiu a fertilidade do solo, tornou a lavoura quimicamente dependente. A transição requer tempo, algo que não está dentro das possibilidades do camponês, principalmente porque a parcela de terra de que dispõe precisa ser completamente utilizada. Não há possibilidade de deixar a terra em pousio para recuperar-se. Por outro lado, os riscos do uso de agrotóxicos para a saúde são claramente minimizados por razões de sobrevivência e/ou ganhos materiais. 93 Apesar das opiniões dominantes (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 1998; Veiga, 2005) sobre a falta de escolarização do agricultor como possível explicação para o sobre-uso de agrotóxicos (dosagem elevada, mistura de diferentes ingredientes ativos, etc.), a nosso ver esse problema está associado à prática econômica. O objetivo material aparece de modo ambíguo no depoimento de Dona Irani: – Mas olhe, uma coisa eu quero te falar, se o pessoal tem exagerado é por... É. Não é falta de conhecimento não. – Ignorância. – Ignorância. – Eu acho até é, por não é... Não querer aceitar o, achar que os veneno tá fraco e não querer respeitar o, a, a escala certa. Que eu acho até que é ignorância da pessoa mesmo. Porque aí que eu quero te falar. Oh, meu marido só sabe assinar e lê muito pouquinho. Porque aí depois que meu filho se formou, a gente já teve uma orientação maior né? Quando faz referência aos agricultores que ‘exageram’ explica o comportamento deles como uma escolha: não querem aceitar a orientação técnica para o melhor uso do ‘veneno’ (a escala certa). Prevalece o entendimento de que as pessoas são livres para escolher. Ignorância no sentido da incapacidade de ler e de entender a orientação pode até existir, mas o caso do próprio marido, sem saber ler e escrever, atesta para ela, o contrário uma vez que ele segue as recomendações para o uso correto dos agrotóxicos. Ao mesmo tempo, o fato do filho ter estudado reforça a importância da escolarização. Mas é interessante que em momento subseqüente da entrevista dona Irani seja capaz de relativizar o uso de agrotóxicos pois percebe o problema do sistema agrícola no qual se faz esse uso: – Assim, conversando com pessoas que mexem assim com, com lavoura, dizem que sem o uso de agrotóxico não tem como você competir. O produto não fica grande, não fica bonito, não vende. Então pelo que a senhora tá dizendo assim, isso não é a quantidade do agrotóxico que via influenciar? – Não. Hoje o que acontece? As praga tão mais resistente ao agrotóxico, vocês sabe disso. – Hum, hum. – ... Isso até na nossa saúde mesmo... Se você não tomar a dose correta do antibiótico, o quê que vai acontecer? – Ele não faz mais o efeito da... 94 – Ele não vai mais, não vai eliminar a bactéria da infecção né? Não vai eliminar, a bactéria vai criar resistência, depois você vai tomar uma quantidade dobrada e o mal vai continuar. – Elas evoluíram junto com o agrotóxico. – Isso aí. Entendeu? E isso que aconteceu... – E o problema é esse, que vai sendo lançado o agrotóxico mais pesado... – É isso. É. –...mais forte... – É isso... – ... e as pessoas continuam usando né? – É isso que tá acontecendo. Tá havendo né? Porque na nossa época, aquele, você plantava aqui deixava, plantava milho aqui, amanhã você plantava lá. Era uma... Você tinha diversidade de, de área de terra. Como hoje, tô falando de Campo Leal. Hoje Campo Leal é subdividido, é uma rotação. Eu conheço pessoas que herdaram um... Não chega nem a ter herdado um alqueire re terra, ele planta o ano inteiro. Ele planta três, cortes, quatro, de lavoura. Plantou aqui, plantou aqui, plantou aqui, plantou aqui. Quando a daqui tá colhendo a daqui já ta boa, ele já preparou ali já plantou, a daqui já ta acabando, a daqui... quer dizer, o quê que acontece com aquele solo? Todas as epidemia da lavoura que tiver na raiz ela vai continuar ali. Não deu tempo de podrecer! – Hum, hum. – Não deu tempo de fazer uma outra cultura, não dá tempo de descansar. De descansar. Veio uma época a orientação que deveríamos plantar uma, uma leguminosa, e cada área de terra para ela repor as necessidades extraída. A pessoa não dá tempo. Né? Há, portanto, uma consciência bastante clara do problema do desequilíbrio do solo, decorrente, dentre outros fatores, do excesso de agroquímicos (fertilizantes e agrotóxicos), da falta de rotação de culturas e de áreas de pousio para restabelecimento da fertilidade da terra. Talvez seja o senhor Christiano de Jesus, um dos mais antigos do município de Sumidouro quem ofereça a melhor explicação para a adesão à agricultura convencional apesar da consciência das limitações econômicas e dos problemas ambientais e sanitárias que acarreta. No seu depoimento ele compara as duas formas de agricultura, numa avaliação de mais de 50 anos: 95 Na terra, a gente trabaiava com esse negócio de tomate. A gente, aquela época preparava uma terra, roçava, ia arrancar toco, ficava três meses arrancando toco, lavrava, levava outros três meses para bater a enxada. O tempo tava chovendo, a gente pra plantar era difícil, pra sulfatar era o dia inteiro com a máquina francona nas costa sulfatando e era difícil. A gente colhia o tomate, ainda dava um dinheirozinho. Mais hoje em dia a felicidade tá demais, porque lavra hoje, amanhã já planta. No tempo nosso era o boi, batendo enxada, fazendo sementeira, lá não tinha estufa, não tinha nada. Vigiar o passarinho tico-tico, era desgraçado pra comer a sementinha, coitado, carregava aquilo lá pra fora, tentando se bota ali ficava. E hoje em dia tá tudo bom, se planta na estufa, chegou ali, bota na terra, tá pegado, né?´ 96 Memorizar é uma forma de lutar contra a opressão: as metamorfoses do campesinato em Sumidouro. Memória, saúde e ambiente: Um projeto de pesquisa-ação com agricultores e familiares de sumidouro, RJ ∗ Eduardo Navarro Stotz Anna Beatriz de Sá Almeida∗ A escravidão em Sumidouro: memória dividida e dois destinos A memória social está na origem da História: expressa a luta contra o esquecimento das regras, normas e valores tidos como fundamentais para a existência dos grupos sociais e das sociedades (Stotz, 2002). O resgate do passado é premissa de sua continuidade: lembra-se para não descumprir. Não por acaso, a memória importa mais quando se faz prospectiva, tornando-se um programa de ação (Ribeiro, 1996). Entretanto como quem recorda são os indivíduos, o termo ‘social’ diz respeito às recordações individuais partilhadas com outros no contexto dos grupos sociais de que participam. Assim, memórias individuais tornam-se sociais em virtude da comunicação. Quanto a sua finalidade ou função, a memória social deve ser compreendida enquanto reencenação formal do passado, isto é, uma comemoração (Fentress, J. e Wickhanm, 1992). A história oral oferece uma contribuição importante para apreender o processo da reconstrução do passado como comemoração, em suas contradições e ambigüidades, inclusive para dizer o indizível e, assim, lançar um pouco de luz sobre o horror que nos causam os genocídios de nossa época. É o que faz Portelli (1998). O texto O massacre de Civitella Val di Chiana trata da distinção e interação (intrincada, complexa) entre fatos e representações, tendo como ponto de partida o fenômeno da “memória dividida” sobre um massacre ocorrido no final da 2 ª Guerra Mundial. Por que dividida? O texto apresentado a seguir é uma versão atualizada da comunicação “Memória, saúde e ambiente: Um projeto de pesquisa-ação com agricultores e familiares de sumidouro, RJ” - Eduardo Stotz / Anna Beatriz de Almeida. Comunicação apresentada no dia 7 de novembro de 2007, no GT “Meio Ambiente” do VII Encontro Regional Sudeste de História Oral, realizado no campus da Fiocruz. Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz\ (COC/Fiocruz). E-mail: [email protected] 97 No dia 29 de junho de 1944, as tropas de ocupação alemã praticaram uma verdadeira chacina ao fuzilarem 115 civis do vilarejo aparentemente em represália ao assassinato de três soldados alemães por membros da Resistência local. Este evento trágico dividiu as lembranças e interpretações dos moradores de Civitella Val di Chiana, cidadezinha montanhesa situada nas proximidades de Arezzo, na Toscana. A chacina gerou o fenômeno da “memória dividida”: “memória oficial” que comemora o massacre como um fato significativo na resistência ao nazi-fascismo e outra, a dos sobreviventes, centrada nas perdas e no luto, marcada paradoxalmente pela culpabilização da Resistência. Portelli teve a oportunidade de entrar em contato com as duas e antagônicas memórias ao participar de um colóquio internacional em 1994. O esforço por captar as representações da dor e do sofrimento, leva o autor a refazer investigações, fazendo uma leitura crítica das entrevistas dos sobreviventes do massacre. Também no caso de Sumidouro temos um processo semelhante de “memória dividida” que remete ao duplo aspecto da lembrança e do esquecimento. Refiro-me aos depoimentos de José da Silva e de Altivo José da Silva, irmãos que foram separados ainda crianças e acabaram por trilhar, cada um, respectivamente, os caminhos da agricultura e da pecuária, trajetórias de vida (parceiro, campeiro) que expressam, na condição de trabalhadores, níveis de autonomia maior ou menor face aos proprietários de terras e, ao mesmo tempo, revelam traços da própria história, econômica, social e política do município. O tema é o da escravidão, ora ressaltado, ora diminuído nos depoimentos de José e Altivo, vivida pelos pais José Jovito da Silva e Maria Helena da Silva. José deu a entrevista quando tinha 96 anos, pouco antes de falecer. Era o irmão mais velho e, quando criança, tinha levado o mais novo, Altivo, para ser criado pelo capataz de uma fazenda, o senhor Chermouth. Conviveu com o pai, mas não com a mãe. Indagado sobre o tempo da escravidão, o senhor José declarou que a mãe não viveu o período da escravidão, apenas o pai. 98 FIGURA 7 FOTO DO SENHOR. JOSÉ DA SILVA FIGURA 8 FOTO DO SR. ALTIVO DA SILVA 99 Mas sua memória do escravismo se confunde com a da situação de pobreza em que viveu durante a infância. Eis o trecho da entrevista: Eduardo - E a sua mãe, ela contava pro senhor da época em que ela era mais moça? Ela contou dos tempos mais antigos dela? José - Não senhor, não deu tempo, adoeceu...trem daqui, trem dacolá, já foi embora. Fátima - Ela morreu nova, o senhor lembra? J - Não morreu nova não senhora, morreu já com bastante idade. E - Ela nunca falou pro senhor dos tempos mais antigos? J - Não senhor. E - Não falava do tempo da escravidão, nada disso? J - (pausa) Ela não era daquele tempo. E - Não? Só a mãe e o pai que foram. J - O meu pai que foi daquele tempo. E - E ele contou? J - Ele contava. E - E o que ele contava pro senhor? J - Os proprietários eram muito ruim. Naquele tempo não tinha regalia não, meu nego. Naquele tempo o pobre era fraco de posse e passava muito mal. (...) E - E o seu pai falava dos proprietários que o senhor estava falando aqui? J - Como assim? E - Ele contava como era viver na época dele? J - Naquele tempo as pessoas pobre eram muito castigada, não é meu senhor? E - Ele contou alguma coisa pro senhor? J - Contava. Eu era muito criança, mas contava (interrupção para sentar). Naquele tempo, meu senhor, naquele tempo da escravidão, pelo que dizem, só o rico que era gente. O rico tinha tudo, compreendeu o senhor? O coitadinho do pobre nada tinha (interrupção para se firmar). Em contraste com as lembranças do irmão mais velho Altivo disse não ter conhecido o pai, José Jovito, mas apenas aquele que foi o de sua adoção e criação, Diogo Chermouth. Ressaltou as lembranças da mãe que teria vivido a escravidão. Eis o trecho do depoimento: Altivo – Minha mãe falava, a gente era criança na época, mas ela conversava com os meus pais Chermouth que me criou abaixo de Deus, ela 100 dizia: que ela foi escrava, ela e uma companheira dela, com o nome de Balbina. A dona Balbina teve por aqui, morando por aqui depois da escravidão, daquele tempo de escravo. Então, na fazenda da Piedade, aqui atrás, então mamãe aprendeu a bordar, né, fazer crochê, né, ou crochet, como se fala. Ela tinha que fazer dois quadros assim, à noite, pra depois ir dormir. E a dona Balbina, a companheira dela, ficava nos buracos da parede catando baratas com espeto de bambu; catando barata e botando numa cuia e depois tinha que apresentar aquilo ao patrão e a patroa lá em cima, a “nhanhá” e o “nhonhô”. Primeiro não tinha patrão nem patroa, era “nhanhá” e “nhonhô”. Assim minha mãe dizia. Até na hora que eles decidiam botar elas no porão pra dormir. Elas dormia trancada no porão, pra não ir embora. Eduardo – Pra não ir embora? A – É, pra não ir embora. E – E a sua mãe trabalhava na lavoura também? A – Mamãe trabalhava na fazenda, era cozinheira, ajudando a dona Balbina. E aí o “nhonhô” descia, abria o porão, cá embaixo, no baixo da fazenda, onde elas dormiam. Elas entravam para o porão, ele fechava a porta e ia embora. Elas ficavam trancadas no porão. Quando eram três horas ou três e meia da madrugada, batia o sino, ele descia, abria a porta pra elas saírem para ir trabalhar. Assim minha mãe contava. Isso foi nos velhos tempos, né, naqueles tempos... E – E quando veio a lei Áurea e a liberdade? A – Ah, bom, aí... E - Ela continuou lá, ou saiu? A – Não, aí saiu. Aí a minha mãe mais meu pai saíram da fazenda, quando teve a liberdade, né, foi aonde eu fui nascido lá em Ubá, que eles foram pra lá, venderam a fazenda aqui, compraram lá e levaram o meu pai e a minha mãe. E – Ah, mas os mesmos...? A – É, os mesmos donos. E - Mais aí já deixaram de ser Nhonhô e Nhanhá. A - Já deixaram de ser então os escravos, como se dizia. A ‘memória dividida’ é uma memória de descendentes de escravos, na qual as relações sociais posteriores à abolição, por eles vivenciadas como ‘parceiro’ ou ‘campeiro’ são problematizadas à luz da escravidão (Rios e Mattos, 2005). O senhor José veio a falecer pouco tempo depois da entrevista. Consegui anotar a sua certidão de nascimento, um documento declarado da pouca valia dos 101 analfabetos e da história familiar imposta pela escravidão. Um fato de impunha: a pobreza alegada por ele estava na raiz da separação do irmão, entregue pela mãe para adoção. Contudo, será que a mãe de fato não tinha vivido como escrava? As lembranças dela, transmitidas ao seu filho Altivo, seria a de outrem, quem sabe sua própria mãe? Tentamos esclarecer a divergência mediante pesquisa cartorial, mas não conseguimos localizar nenhuma referência às datas de nascimento, casamento ou falecimento dos pais dos depoentes nos livros paroquiais, então responsáveis por este tipo de registro. A certidão de nascimento do sr. José não faz menção às datas de nascimento dos pais. A do senhor Altivo não foi ainda localizada, pois seu nascimento foi registrado em Além Paraíba. Conversei abertamente o assunto com o senhor Altivo e sua filha Maura, sobre a diferença de pontos de vista nos depoimentos, solicitando-lhes ajuda para o cálculo aproximado da idade de falecimento de Maria Helena da Silva. Na oportunidade, o senhor. Altivo acrescentou a informação de que a fazenda onde a mãe trabalhou como escrava chama-se Piedade, pertencente ao senhor Brüguer Neves, possivelmente avô do senhor Alaor Brüguer Neves, também entrevistado. Perguntada sobre a idade que ela, Maura, tinha quando a avô faleceu, disse ter provavelmente 12 anos. Ou seja, a avó teria falecido por volta do ano de 1957. Quanto à idade, a avó teria mais de 85 anos na ocasião. Fazendo as contas chegase ao ano de 1872 como data de nascimento da avó. Ou seja, Maria Helena da Silva seria nascida de Ventre Livre e teria 16 anos quando a escravidão foi abolida. Admitimos, contudo, em favor do depoimento do senhor José, a hipótese de que estávamos raciocinando com base em datas imprecisas. Procuramos localizar certidões de nascimento, casamento ou falecimento nos cartórios de Sumidouro e Além Paraíba. Finalmente, conseguimos no Cartório do 1º. Ofício de Justiça da Comarca de Sumidouro a certidão de casamento dos pais dos senhores José e Altivo da Silva. Consta na certidão lavrada aos 03 de abril de 2008, que Jovito Jose da Silva, brazileiro, solteiro, lavrador com 35 annos de idade filho natural de Ephygenia de tal e Maria Helena, brazileira, de serviços domésticos com 18 annos de idade filha natural de Helena Maria da Conceição já fallecida, casaram-se aos 21 de fevereiro de 1904, conforme registro do Cartório de Paz de Villa de Sumidouro, Comarca de Nova Friburgo. Então constatamos, pelas datas, que Maria Helena da Silva tinha apenas dois anos de idade quando a escravidão foi abolida. Provavelmente as lembranças dela, transmitidas ao seu filho Altivo, seriam as de sua mãe, Helena Maria da Conceição, já falecida em 1904, como consta no mesmo documento cartorial. Mas como entender esta assunção das memórias da mãe por Maria Helena da Silva? Uma possibilidade é a de que para ela o fim do cativeiro não implicou o 102 uma melhora na sorte dos recém libertos, a par da permanência da atitude dos fazendeiros para com os trabalhadores. Trata-se de uma situação comum, como demonstra o estudo de Ana Lugão Rios e Hebe Mattos, acima citado, ao faz referência à continuidade da experiência de privações e injustiças vivenciada pelos ex-escravos nas áreas cafeeiras do Rio de Janeiro e de Minas gerais, no Vale do Paraíba40. Quem eram os maiores fazendeiros em Sumidouro? Nesta época, contou-me o senhor Antonio Moura, havia a família Mendes, da fazenda São Lourenço, com lavoura de café e criação de gado leiteiro.41 O registro fotográfico da fazenda mostra as senzalas que ficavam no porão da casa grande (Anexo 2). Havia também os da família Melo, donos da fazenda Boa Mente, em São Caetano. Outros proprietários importantes eram os membros da família Wermelinger, descendentes de Xavier Wermelinger que, com outros colonos suíços, abandonara o projeto de colonização oficial de Nova Friburgo para explorar as terras conseguidas do Príncipe Regente em 1821 na região de Cantagalo – numa vasta área atualmente compreendida nos limites dos municípios de Carmo, Duas Barras e Sumidouro – para plantar café com o braço de trabalho escravo. Praticavam a escravidão como seus contemporâneos brasileiros. Nas memórias de von Tschdi (1980), aparece o nome de Jakob van Erven, administrador de nada menos 11 fazendas do Barão de Nova Friburgo, sendo co-proprietário de algumas delas. Ora, o Antonio Clemente Pinto, Barão de Nova Friburgo era conhecido como um dos homens mais ricos do império graças à especulações bem sucedidas na compra e venda de escravos e outros negócios. Outro grande proprietário, sem dúvida o mais ilustre de todos em Sumidouro, era José de Aquino Pinheiro, Barão de Aquino. Filho do Barão e Baronsea do Paquequer, respectivamente Tenente-Coronel Joaquim Luiz Pinheiro e Querenciana Maria de Souza Pinheiro, nasceu em Duas Barras a 7 de março 1837 na Fazenda do Ribeirão (atual Duas Barras). Foi o maior produtor e escoador de café de Sumidouro. Foi delegado de polícia do Carmo, vereador, presidente de Intendência e Juiz de Paz em Sumidouro, benfeitor da Santa Casa de Misericórdia e membro da irmandade dos Passos de Juiz de Fora, faleceu a 20 de agosto de 192142. A situação dos escravos foi assim descrita pelo Sr. Altivo: 40 Ouvi de um zelador de uma igreja em Diamantina a seguinte frase: “Eles (os fazandeiros) tiraram a escravidão das contas mas não da cabeça”. 41 Conversa informal com Antonio Moura, realizada em Sumidouro no dia 30 de junho de 2006. 42 Prefeitura Municipal de Sumidouro. Memorial do Barão de Aquino inaugurado no dia 7 de junho de 2002. 103 E – E as pessoas que trabalhavam na lavoura, como é que era a situação? A – Ah, isso a minha mãe contava que de madrugada batia o sino, o sino que tinha na varanda da fazenda, minha mãe contava isso, batia o sino, quando amanhecia o dia a já tava negrada tudo em volta do terreiro, esperando o cafezinho, esperando o café com a enxada na mão e tomando café com outra, caneca de folha. Já saía pra turma já com arzinho ainda de escuro. E – É, três horas tá escuro, né. A – É. E dali, meu velho, só saía de lá de noite, quando o administrador, né, o tomador de conta falava “tá na hora”. Ali ia s’embora. Quer dizer, pegava de noite e largava de noite. E – Quer dizer então quando escurecia... que voltava A – É, que voltava pra fazenda. Isso era ordem dos patrão, né. Quando o patrão dá uma ordem, tem que ser executada, não tem? E – Mas tinha gente que não queria obedecer? A – Não, mas naquele tempo não tinha esse negócio de não querer não, tinha quer ir mesmo. É igual a boi na canga. Botou a canga, botou a brota, mete o ferrão no suvaco, tem que ir. E – A turma seguia o capataz... até o lugar onde iam fazer o trabalho? A – Isso. Exatamente. E – E era o que, era café? A – Era café, era tudo naquela época, era café, milho, arroz, feijão, enfim, a fazenda tinha tudo. E – A turma dos escravos trabalhava em todas as lavouras? A – Em tudo. De acordo com o censo de 1872 havia um total de 2.167 escravos numa população total de 4.015 pessoas em Sumidouro, então parte de Nova Friburgo. No livro Sumidouro, Luis Henrique da Silva (1990) faz referência a dois processos penais: um relativo ao assassinato de um feitor por Thomaz, escravo de Dona Catherine; outro, ao assassinato de uma criança pequena, filha de escravos, por Antonio Pires da Costa devido à irritação do acusado ante o choro da criança (chorou, morreu). Memórias escritas da escravidão constam do livro Azas Pandas, organizado sob a forma de “casos” contados por Esmael Luis Ribeiro, descendente da família que se associara, no tempo da escravidão, a José de Aquino Pinheiro, Barão de Aquino, na gestão da Fazenda Nossa Senhora da Conceição (Ribeiro, s/d). 104 A escravidão é o fundo comum dos “casos” de uma cidade de belas lendas e histórias romanesca, das verdes lavouras de café, de milho e de cana-de-açúcar que abarrotavam os vagões da composição ferroviária. Casos como o da nomeação do filho da negrinha Maria das Dores, ignorante, semi-analfabeta, criada por Dona Theodomira na Fazenda Conceição; do preto velho Conrado, da Fazenda Boa Vista, contado por Altivo, sempre alegre, simpático e falador 43 ; o do preto Manoel Panela, da Fazenda Boa Fé, muito ignorante, mal sabendo escrever seu nome mas, mesmo assim, era metido a poeta; o de Pedro Grande da Fazenda Conceição que, nos idos de 1885, viu balançar ao vento da manhã o corpo inanimado de um negro escravo, ainda moço, enforcado por uma corda de linho. O acesso à documentação pessoal do Barão de Aquino é um dos achados da pesquisa de campo realizada durante o ano de 2006. Uma leitura inicial dos livros de fazendas manuscritos pelo Barão de Aquino permite inferir a relativa estabilidade das relações de trabalho nas fazendas, o que parece diferenciar Sumidouro no contexto do fim do escravismo no Vale do Paraíba fluminense, principalmente na maior região produtora (Vieira, 2001). Mas as idéias devem corresponder de algum modo às relações sociais vigentes na agricultura no período decorrido entre o escravismo e a exploração do trabalho livre até os nossos dias. Descobrir como se dá esta homologia é a tarefa do historiador. Santos e Mendonça (1987) afirmam que a parceria foi a forma predominantemente adotada pelos fazendeiros para enfrentar o problema do fim do trabalho escravo perceptível uma década antes da abolição. É interessante a seguinte passagem do depoimento do senhor Altivo: A –...Aí a minha mãe mais meu pai saíram da fazenda, quando teve a liberdade, né, foi aonde eu fui nascido lá em Ubá, que eles foram pra lá, venderam a fazenda aqui, compraram lá e levaram o meu pai e a minha mãe. E – Ah, mas os mesmos...? A – É, os mesmos donos. E - Mais aí já deixaram de ser Nhonhô e Nhanhá. A - Já deixaram de ser então os escravos, como se dizia. A propósito, vale transcrever a notícia das comemorações do primeiro aniversário da abolição registrada na imprensa44 da época, comemorações que envolveram mais de 2.000 libertos, com destaque para o caráter ordeiro das 43 Trata-se de Altivo da Silva, depoente citado. 44 O Carmense, Villa do Carmo (Província do Rio de Janeiro), no. 2, de 16 de maio de 1889: Notícias. Festejos realisados no 1º. Anno do aniversario da gloriosa lei no. 3.353. Arquivo pessoal de Mônica Pinheiro. 105 manifestações. Os festejos – o terço á tarde, levando em procissão imagens de São Benedicto e Nossa Senhora do Rosário; a visita, com música e muitos fogos do ar, ás pessoas gradas d’esta villa, o baile – foram presididos pelo Barão de Aquino na qualidade de delegado de polícia recém nomeado45. Então aparece uma referência importante para entender as relações sociais instituídas com a abolição do trabalho escravo: “Depois das 7 horas, os libertos começaram a retirar-se para as fazendas onde são empregados e os que ficaram, formaram um baile e dançaram até à madrugada de 14.” Permanecer festejando ou retornar à fazenda certamente não era uma escolha livre. O vínculo de emprego ressaltado na notícia aponta para a situação dos campeiros, a exemplo do senhor Altivo que nos contou, em conversa informal, que, na sua juventude, onde tivesse um oito-baixo roncando e a batida de um pandeiro, lá estava nós. Ressaltou, porém: o velho Chermouth liberava a diversão, mas advertia das obrigações: Tinha de estar de volta antes do sol raiar para tirar o leite das vacas.46 As memórias dos dois irmãos constituem representações da autonomia do trabalhador. O senhor José, agricultor tem uma história marcada pela liberdade de ir e vir: J - Peguei a rondar, trabalhei um bocado pra um, ali não se achava bem, mudava pra outro, ia assim. Eu rondei bastante. Bastante, mas bastante mesmo...Olha aqui, quer ver? ... (pausa) Eu, em 1930, saí de uma propriedade aqui, chamava...o patrão (era) um homem chamado José Pequeno. Enquanto o irmão, pela própria profissão de campeiro, estava mais limitado e subordinado aos patrões: E – O senhor se deu mais com os animais? A – É, eu lidei mais com boi, burro, cavalo. E isso assim E – Então o seu dia era cuidar dos animais? 45 Importante registrar que o delegado despachava de sua residência na Fazenda Santa Mônica; sua atuação como delegado se dá num contexto marcado por roubo de café, praticado por libertos a mando de terceiros, um dos quais, Agostinho da Rocha, era citado, em O Carmense de 16 de maio de 1889, como proprietário de uma casa de negócios. 46 Conversa mantida em Sumidouro no dia 14 de setembro de 2007. 106 A – Campeiro. Eu era tirador de leite, tirei muito leite pra fazendeiros. Depois os fazendeiros começou a transportar boi pra fora, então mandava a gente levar. Levei muito boi lá em São Gonçalo. Tempo em que o boi andava a pé. Hoje não! Na verdade, a escravidão em Sumidouro continua a ser uma história ainda ser escrita. Contudo subsiste, na forma de uma história não escrita, nas lembranças de assombrações e dos poderes dos ‘canjeristas’ 47 relatadas por outros depoentes. Estes poderes, aliás, eram reconhecidos pelos representantes da ordem, como se pode constatar nas aulas proferidas pela professora Filonema Viana, na Escola Barão de Aquino, onde o senhor Altivo aprendeu o “abecê”: Todo branco quer ser rico Todo mulato é pimpão Todo negro é canjerista Todo cigano é ladrão. Os preconceitos raciais eram explícitos e grosseiros, como nos relatou o sr. Altivo a propósito das aulas da mesma professora, de quem ouvia os seguintes versos: Anu é pássaro preto Pássaro do bico rombudo É o sinal que Deus deixou De todo negro ser beiçudo. Ainda de acordo com o sr. Altivo, “os grandes” costumavam cantarolar quando descascavam um queijo ‘curado’ (para ele o verdadeiro queijo ‘minas’) os seguintes versos: Eu gosto de ver esse preto carrancudo O branco descasca o queijo O negro come com casca e tudo. Em palestra proferida na Escola Nacional Florestan Fernandes, Emilia Viotti da Costa (2008) afirma que após a abolição, abandonados à própria sorte, os libertos tomaram vários destinos: tornaram-se posseiros, foram para as cidades, saíram em busca de parentes. 47 Aquele que faz canjerê (2); feiticeiro, mandingueiro. 107 “A maioria, no entanto, encontro serviço nas mesmas fazendas onde continuaram a viver nas mesmas senzalas (agora livre dos cadeados que os trancavam a noite) e passaram a trabalhar lado a lado com colonos estrangeiros que nos últimos anos tinham entrado em massa no Brasil. Os libertos sofriam freqüentemente dupla discriminação, por parte dos patrões e de trabalhadores estrangeiros”. O preconceito racial era então comumente manifesto de modo direto: negro era sinônimo de trabalhador braçal, equivalente a um ser ignorante e boçal. O preconceito contra os negros confundia-se com o preconceito em relação ao trabalho enquanto categoria social. Na sociedade escravocrata, conforme SaintHilaire, o trabalho manual era um desvalor, posto ser uma atividade confinada aos escravos e aos homens livres pobres. Para retratar a pobreza de um homem livre, bastava dizer não dispor de ninguém para buscar balde de água ou feixe de lenha. (Silva, 1998, p.93) Pode-se dizer que a tais imagens se sobrepõem, como numa estratigrafia, a categoria do camponês, agricultor ou lavrador, a camada mais recente da representação do trabalho e do trabalhador, expressa na fala comum dos estudantes do ensino normal diante daqueles da escola rural presentes nos dias de hoje: “escola rural, entra burro sai animal”. Patrão rico, meeiro burro A pobreza é um tema recorrente na fala dos depoentes. José da Silva, filho de escravos, nativo e filhos de imigrantes japoneses, como Rosa Noguichi, têm em comum, nas suas origens, durante a infância, uma situação de pobreza. Quando tentei entender a situação dos pais do senhor José da Silva, sugerindo que eles eram arrendatários, respondeu-me: José – Não. A minha situação de família? Não, era pobrezinho, meu nego. Os pais eram colonos na Fazenda Piedade, de Ana Maria Brüguer: - Morava nuns trecho, casa de colono para aqui, casa de colono pra acolá, tudo era colono, compreende o senhor? O pai contou para ele que: 108 J –... os proprietário eram muito ruim. Naquele tempo não tinha regalia não, meu nego. Naquele tempo o pobre era fraco de posse e passava muito mal. Esta situação de pobreza levou a mãe, Maria Helena da Silva, a entregar o filho mais moço, Altivo, para ser criado por outra família, como já relatado. Depois de ter saída daquela fazenda e tomado um rumo próprio na vida, José ficou jogando a vida por ali, tal e tal. Trabalhou na região de Dona Mariana. Quando se fixou por lá, no começo era: ...pobrezinho, ruim, roupa muito ruinznha e ruim. Dona Rosa Noguchi diz que ela e sua família trabalhavam como meeiros de um outro proprietário de origem japonesa, o senhor Kaçuga, em Dona Maria. Aos 10 anos já trabalhava na roça. A roupa era manufaturada de saco de adubo: É a roupa a gente fazia, minha mãe fazia, a gente fazia, os vizinho fazia... a família Kitano....a esposa dele tinha uma maquinazinha, a roupa era de saco, né? Só de sair que não era de saco, tudo era de saco tingido, pelo menos nós era pobre, então a gente usava muito saco que vinha com adubo... O infortúnio podia ser também o caminho que conduzia muitas pessoas para a mesma situação de pobreza e de dependência. Foi o caso de Maria José Storani Gonçalves, por conta do falecimento do pai e da inexperiência da mãe em cuidar dos negócios deixados pelo marido. Ela afirma: - ....que com dez anos eu comecei a pegar duro, enfrentar a vida, a vida! Eduardo – Com dez anos de idade não deu, a infância acabou. MJ – Acabou. Parou no segundo ano primário. Dedicou-se inicialmente a lavar roupa e mais tarde aprendeu o ofício de costureira. As razões mais profundas da situação de pobreza têm a ver com a forma de remuneração do trabalho prestado aos poucos fazendeiros com capitais investidos na cafeicultura. A forma de trabalho predominante então era o colonato. Colono era o trabalhador permanente com o contrato de trabalho de cuidar de 5 a 10.000 pés de café, em troca de uma remuneração variável, o direito à moradia e de uma área para subsistência no interior da fazenda. 109 Uma das grandes fazendas, ao lado daquelas de propriedade das famílias Wermelinger e Pinheiro, era a do Encanto, de Abel de Jesus Gonçalves, herdada pelo filho Geraldo que se casou depois com Dona Maria Storani. Nela trabalhavam 40 famílias que, além de cuidar de café e de cana de açúcar, plantavam milho no meio daquelas lavouras; o milho era trocado por fubá. MJ: Ele trazia, por exemplo, uma quarta e milho e levava uma quarta de fubá e a quarta de milho dava quarta e meia de fubá, então não cobrava, trocava. E: Ficava elas por elas, né. MJ: Elas por elas. E: Ham... ham... E o fubá era usado... MJ: Na fazenda. E: Na fazenda, não vendia não. MJ: Não. Pra cozinhar pra empregado, porque a fazenda, dois dias na semana, os colonos dava o dia de serviço a fazenda. Eu tinha que dá comida pra quarenta pessoas, usava o fubá em casa. E: Ah! MJ: E pra dá porco também, né, que eu tinha muito porco. E: Tinha criação de porco, também? MJ: Pensão. Engordava uma ceva enorme com muitos... É importante observar que os colonos, além de cuidar dos pés de café e de cana de açúcar ainda davam dois dias por semana para a fazenda. Esses dias gratuitos aumentavam o tempo de trabalho excedente para o fazendeiro, uma vez que o cuidado com o cafezal era atividade prioritária em relação à produção de subsistência (Martins, 1996). Por outro lado, a fazenda vendia todos, os gêneros necessários para as famílias dos colonos. Ainda que para Maria Storani, Todos colonos que saíram, compraram pedaço de fazenda, construíram casa, fizeram um sítio com tudo como eles aprenderam..., não deve ter sido a regra geral, como o caso da família José Jovito da Silva e Maria Helena da Silva atesta. O avô do senhor Alaor Brüguer Neves chegou em Sumidouro no final do século XIX com algum capital e comprou a fazenda Conceição, pertencente ao seu cunhado; lá chegou a dispor de uma produção de 22 mil arrobas de café. Levava uma vida de rico, andava de charrete importada da Inglaterra. Então sobreveio a crise: 110 ...e houve a queda do ciclo do café ...de repente foi aquela quebra geral e ele quebrou nessa queda do café (...) Não vendia nada, foi uma época terrível aqui em Sumidouro. Eduardo – E o que aconteceu a partir daí? Alaor – Daí ele vendeu a fazenda (...) comprou um sítio grande na Serra do Pamparrão, mas ficou praticamente reduzido só a uma vida modesta... Para Maria Storani, a política varguista de destruição de estoques de café para sustentar o preço no mercado internacional como forma de enfrentar a depressão mundial subseqüente ao crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929: MJ: Sabe o que aconteceu? Aqui! Sabe o que aconteceu? Todos os colonos foram embora, ia viver de quê? A terra não era dele, comprar boi não podia porque não tinha onde botar. Foram embora pro Rio, acabou. A bancarrota do café levou muitos fazendeiros à falência por toda a região. Contudo, na opinião de Sebastião Cardoso, 84 anos, cujo depoimento foi recolhido por um historiador de Duas Barras (Lisboa, 1992, p.9): ...os fazendeiros grandes não quebravam porque eles já estavam cheios. O colono era quem entrava numa fria. De acordo com o sr. Manoel Antonio Soares da Cunha a fragmentação da grande propriedade resultante da crise da cafeicultura, por se tratar de uma crise de longa duração (1930-1945), ao tempo em que fez desaparecer o colonato, favoreceu o desenvolvimento de outras formas de uso da terra, como o arrendamento e a parceria.48 Em Sumidouro, a parceria conviveu com o colonato, caracterizando, do ponto de vista social, a diferença entre as “terras quentes” (Vale do Paraíba) e as “terras frias” (zona serrana). O senhor José da Silva ilustra a situação do parceiro que em Sumidouro era denominado meeiro: 48 Entrevista não gravada concedida a Eduardo Stotz em 23 de março de 2006. De acordo com o sr. Manoel Antonio, a parceria desenvolve-se a partir de 1950, com o desaparecimento do café. O antigo colono toma conta da mesma gleba, recebe parte dos insumos e entrega 25% da produção de café e 50% em outras culturas (milho, arroz de sequeiro, mandioca para farinha). Para ele, o parceiro somente aparece na estatística na condição de produtor se ele for independente, ou seja, se tem o negócio, se ele for o que vende, se ele recebe em vez de pagar. 111 José – A gente trabalhava, vendia mercadoria, a metade porque o patrão dava alimento, a metade do capital era do patrão e o capital era da gente que trabalhava, era tudo dividido direitinho. Eduardo – Era uma espécie de meação, né? Meeiro... J - E o patrão ainda emprestava a condição, o patrão ainda emprestava dinheiro pro fulano, jogava aquelas carga lá na cidade e o dinheiro vinha limpo: o capital que dava dividia no meio. E - E vendia lá em Friburgo. J - Vendia em Friburgo. E - E quem ia vender? J - Era a gente que era mesmo dono da mercadoria. E - O senhor levava, vendida, dava a metade pro patrão. J - É sim senhor. E - Então era uma espécie de meeiro? J - É sim senhor. Ver, avaliar, calar... resistir A frase supracitada é uma lembrança recorrente do sr. Altivo da Silva, memória dos ensinamentos do sr. Diogo Chermouth, abaixo de Deus a figura mais importante para ele. Servem-lhe para evocar, aos 92 anos, as exigências imperiosas do comportamento da gente humilde e dos ‘pequenos’ em face de uma ordem social baseada no poder dos grandes proprietários. Tal frase geralmente antecedia os meus comentários sobre outras entrevistas ou leituras de documentos, como a dos livros de fazenda do Barão de Aquino. Em certo sentido era como se continuássemos a entrevista, agora sem a gravação em fita cassete, de uma história de vida cheia de vivências e informações, que ora ampliavam, ora aprofundavam fatos ou coisas já narradas. Assim, lembrou que nos anos 1950-60, quando trabalhava como campeiro49 para o Tenente Armando (capitão Armando Vidal Moreira) soube que os proprietários organizavam “listas negras” contra trabalhadores indisciplinados. Certamente na vida cotidiana o senhor Altivo mais calava do que reclamava. Não era diferente da maioria, para quem a obediência rima com a prudência. No cemitério de São Bento, localidade limítrofe de Sumidouro com Teresópolis, 49 Ser campeiro era ser assalariado, ganhar 30 a 40 mil réis, com as tarefas de tirar leite das vacas, ferrar cavalos, tocar boiada. A mais pesada era, de fato, a ocupação de tirar leite das 04:00 às 07:00 horas da manhã, num volume de 100 a 200 litros – o que fez diariamente durante 32 anos. Vez por outra, tocava boiada, como a que fez de Sumidouro a São Gonçalo na mesma época. Saiu no domingo, chegou no final da semana, sexta-feira. Dormiu na estrada, alimentando-se de pão com lingüiça. Ao voltar para o ponto de partida, o dono da boiada perguntou apenas: algum boi caiu? 112 registramos numa excursão em busca das nascentes do rio Paquequer, a seguinte lápide: Aqui jaz Saturnino Ferreira de Souza Pião da Fazenda São Bento ∗ 1º. de janeiro de 1866 + 15 de março de 1945 Homenagem de seus patrões Outros, porém, eram “indisciplinados”. Há registros de indisciplina bastante remotos no tempo. Assim é que Antonio Moura lembrou da indenização de um meeiro, por volta do ano de 1935, equivalente ao preço de uma fazenda. Fora meeiro do avô e depois do pai. O sr. Antonio tinha uma estima pelo meeiro, inclusive porque a mulher dele tinha sido parteira dos seus irmãos. Mas acredita ter sido mal aconselhado por um parente. Disse ainda que o meeiro faleceu pouco tempo depois de se tornar proprietário de imóvel em Além Paraíba, como quem diz: apenas a justiça humana falha.50 Eventos mais graves ocorreram nesta mesma época nas áreas canavieiras do Estado do Rio de Janeiro, num contexto marcado pela superprodução da oferta de açúcar. Chegou a ser instaurado um dissídio entre lavradores e usineiros em Campos em 1936 (Truda, 1971). O mesmo aconteceu na região de Itaboraí, onde Saramago Pinheiro atuou como advogado numa ação dos meeiros contra a usina Tanguá, por causa da avaliação do canavial abaixo do preço estipulado. Contudo, uma nova situação começou a se delinear no final dos anos 1950, com o desenvolvimento capitalista no campo que resulta na expulsão de pequenos arrendatários e posseiros em várias regiões do país. A resistência oposta pelos camponeses abriu caminho para a luta de classes no campo, com a emergência das Ligas Camponesas e a assunção da Reforma Agrária como política de governo por João Goulart. Também se constata um agravamento dos conflitos fundiários no Estado do Rio de Janeiro no começo dos anos 1960, com a “presença marcante no campo fluminense” da Superintendência de Política Agrária (SUPRA), expressa nas desapropriações de terra. Por outro lado, cresce a organização de sindicatos de trabalhadores rurais que já lutam pela extensão da legislação trabalhista ao campo (Grynszpan, 1986, 24-25). No começo dos anos 1960, Sumidouro também parece ter vivido a agitação social pela qual o país passava. Outra depoente, Maria Cândida Gaspar relata que a 50 Entrevista não gravada concedida a Eduardo Stotz em 30 de junho de 2006. Antonio de Moura corroborou o ponto de vista de Maria Storani de que decisão de queimar o café, tomada por Getulio Vargas, apesar de valorizar o café, atrapalhou o país porque levou os colonos embora para as cidades. 113 defesa da regulamentação da jornada de 8 horas por Miguel Gaspar, seu pai, então proprietário da Fazenda Santa Cecília, nos contratos com trabalhadores pagos por diária ou semana, poderia ter sido o motivo das acusações de ser um ‘comunista’ lançadas contra o pai, por ocasião do golpe militar de 1964. Nos anos subseqüentes, a luta social refluiu das formas coletivas para os conflitos individuais relatados pelos depoentes e também registrados nas demandas por direitos na Vara Única de Sumidouro. Transcrevemos aqui trechos do relatório final de pesquisa de Gabriel Sanches Borges: O Sr. Cristhiano, um dos mais antigos moradores de Campinas, área de intensa exploração da olericultura nas “terras frias”, declarou, em sua entrevista, que havia, entre os moradores de lá “muitas partes”, ou seja, denúncias e inclusive casos de assassinatos. Embora ele não explicite o processo de parcelamento da terra como possível motivo desses conflitos naquela área, outro dos depoentes, o Sr. Alaor Brügger Neves, delegado de policia em Sumidouro de 1958 a 1960, aponta para esta motivação de modo bastante claro. Ao dizer que ser delegado era ser uma espécie de juiz de paz, “a pessoa que tem de..., fazer parte ativa da comunidade, então conhece todo o mundo”, identificou tal motivação: ...então muitas vezes o caso de uma porteira, sai uma briga, sai até morte; saía até morte naquele tempo. Um pedaço de terra que não valia nada, um tanto de cerca, uma briga, uma água que desviava o sujeito dava pra tirar uma, uma polegada... a pessoa ia lá e fazia uma ‘banquetazinha’. Então daí surgia brigas. Estes depoimentos são confirmados nos poucos casos registrados em processos criminais. De acordo com a pesquisa realizada por Gabriel Sanches Borges no Arquivo do Estado do Rio de Janeiro, um dos registros de conflitos decorridos dos sistemas de exploração da terra é “representado pelo processo n°: 43/79 que trata do caso de “A”, acusado de agredir, com uma barra de ferro, os seus colonos, devido a um impasse na partilha da colheita, no Sitio Marmelo, em dona Mariana, Sumidouro, RJ, no dia 12 de dezembro de 1979” (Borges, 2008). O caso em pauta deixa patente o problema da exploração do parceiro (‘meeiro’) e do arrendatário pelo proprietário. Contra este pano de fundo, a história de vida do senhor Altivo da Silva adquire um significado especial. Ele viveu por todo o século XX, cuja turbulência 114 também alcançou Sumidouro, um dos milhares de pequenos municípios desse imenso país, como um personagem tranqüilo, socialmente aceito mas avesso à ordem opressiva51. Reconhecido na cidade por sua sociabilidade (foi leiloeiro em festas), desenvolveu uma forma peculiar de resistência devido ao gosto por contar histórias. Sua vida é um exemplo de que memorizar é desenvolver uma forma peculiar de luta contra o esquecimento da opressão – que ainda persiste. 51 Somente nos anos 1960 Altivo da Silva passou à condição de empregado da Prefeitura na qualidade de trabalhador da limpeza pública (vassouração) e na cozinha para os trabalhadores que construíam estradas. Aposentou 13 anos depois nesta condição. Apenas em 1973 conseguiu juntar recursos financeiros suficientes para comprar o terreno de 14 x 25 metros e edificar a casa onde reside com sua esposa, Isabel, e seus filhos Maura e Altair. 115 INTERPRETAÇÃO DOS ACHADOS DA PESQUISA Apresentados, no tópico anterior, os resultados da pesquisa realizada precisamos agora avaliá-los à luz da questão norteadora da investigação. No projeto “Memória social sobre saúde e ambiente...” a questão a ser respondida na investigação está formulada nos seguintes termos: “... ainda existem, na memória e na cultura deste campesinato, elementos da agricultura orgânica tradicional capazes de se contrapor à lógica prevalecente?” Uma outra forma de apresentar a mesma questão é a de saber qual o valor atribuído pelos camponeses aos elementos da ‘agricultura orgânica tradicional’ diante da ‘agricultura convencional’. Em outros termos, colocar em pauta uma avaliação sobre os sentidos atribuídos aos diferentes sistemas agrícolas. Como não poderia deixar de ser numa entrevista semi-estruturada, a avaliação implica, por parte dos entrevistados, uma reflexão sobre o sentido de suas próprias vidas, o significado do esforço despendido numa trajetória pensada à luz do presente, não apenas para si, mas a implicar a situação familiar, o patrimônio, as relações parentesco e de vizinhança, o pertencimento a uma comunidade e a uma cidade. Assim, a agricultura tradicional pode ser motivo de orgulho, uma memória dos ‘tempos heróicos’ a demonstrar a força e determinação dos camponeses serranos em extrair da terra o sustento para suas famílias e ainda produzir um excedente comercializável, a exemplo do depoimento do senhor Christiano de Jesus sobre o preparo da terra para o cultivo e da conversa sobre o cuidado com o arroz de sequeiro ocorrida no escritório local da Emater em 09 de dezembro de 2008 (ver Da agricultura ‘tradicional’ à ‘moderna’). Contudo, trata-se do passado. Um tempo que não volta. Retomamos aqui o registro de uma conversa dos camponeses ouvida na escola Flor do Campo, na localidade de São Lourenço, em dezembro de 2005. Eles se refiram ao senhor Hermes, com mais de 80 anos que viveu “mais a vida ruim”. Os agricultores referiram-se às dificuldades de ontem e a comodidade de hoje. (Ver A “modernização da agricultura” e seus impactos no ambiente e na saúde dos agricultores em Sumidouro). É preciso atentar, por exemplo, para a repetição quase infindável das tarefas do ‘campeiro’ como nos contou o senhor Altivo (Ver Memorizar é uma forma de 116 lutar contra a opressão: as metamorfoses do campesinato em Sumidouro), de repetir a proeza de extrair, das 4 às 7 horas da manhã, entre 100 e 200 litros de leite diariamente, ao longo de 32 anos52. Pensemos no trabalho de um campeiro em nossos dias, dedicado a vigiar a ordenha mecânica das vacas. No caso da lavoura, o depoimento do senhor Christiano (Ver A consciência dos limites da agricultura ‘moderna’ e as razões de sua persistência) deixa patente o esforço físico acarretado pelo sistema agrícola ‘tradicional’. Admitir o desgaste físico como categoria implícita nas narrativas significa conferir um sentido ao esforço despendido que, geralmente afastado com um gesto de mão pelos camponeses (isso “faz parte”, portanto “não me queixo”), vincula atos a expectativas, estas a sonhos. Uma colheita, não apenas à sobrevivência, mas igualmente à aquisição de uma motocicleta - desejo realizado pela maioria dos jovens agricultores com o resultado de seu trabalho, infelizmente marcado por muitas conseqüências trágicas (mortes, mutilações). Em outros termos, no cálculo camponês, o sistema da agricultura convencional precisa dar conta das necessidades da reprodução do grupo social. Mas o futuro sob as condições da agricultura convencional tampouco lhe parece promissor, na medida em que constata o aumento das despesas com agrotóxicos sem resolver o problema das pragas e doenças, como assinalam Julia, Irani e João Batista em seus depoimentos (Ver A consciência dos limites da agricultura ‘moderna’ e as razões de sua persistência). Como explicar o aparente paradoxo da persistência de elementos da agricultura tradicional e o reconhecimento dos limites da agricultura convencional, do ponto de vista econômico, sanitário e ambiental, com a manutenção dessa última? Para entender – e resolver – esse paradoxo, temos de analisá-lo como um processo real, o que implica situar as contradições do processo de produção e de trabalho na agricultura. Uma vez que nosso estudo volta-se para a problemática da saúde e do ambiente dos camponeses de Sumidouro, é por este aspecto que devemos começar. Agrotóxicos como risco, perigo e insumo do processo de produção e de trabalho na agricultura Em seu estudo sobre a percepção do uso de agrotóxicos entre camponeses catarinenses, Julio Guivant constatou a existência de recomendações conhecidas, desconhecidas, observadas e não observadas. Organizamos aqui o seguinte quadro analítico: 52 Conversa com Altivo da Silva em 11/02/2006. 117 QUADRO 11 QUADRO ANALÍTICO DA PERCEPÇÃO DO USO DE AGROTÓXICOS Recomendações técnicas Conhecimento Observação Período de carência, número de aplicações, problemas de saúde acarretados Sim Sim – “outros” não observam e são considerados irresponsáveis e culpados Depósito de vasilhames usados Sim Não Penetração dermal dos produtos Não Não O problema é a inobservância com o conhecimento de uma parte das recomendações técnicas. Não se trata, diz a autora, de um “desvio perceptivo” dos agricultores em relação aos riscos dos agrotóxicos, nem se pode atribuir a inobservância exclusivamente “à falta de cuidados e ao baixo nível educacional dos agricultores” (Guivant, 1994, 51). A autora chama a atenção para a falta de evidências empíricas que, como vimos no tópico da metodologia, é um traço fundamental da cultura camponesa: “Para os agricultores faltam evidências que confirmem a existência do risco, que para ser ‘real’ já deveria ter levado à morte não só eles próprios mas os outros produtores também.” (51) Claro, eles se deparam com os limites da exposição aos agrotóxicos no trabalho, quer dizer, os sintomas da intoxicação como tonturas, vômitos, dores de cabeça com os quais admitem conviver até certo ponto. Eis o limiar da “normalidade” no uso dos agrotóxicos que é avaliado ao longo de sua existência: se nada aconteceu de grave ao usar agrotóxicos, nada de mais grave acontecerá. Normal significa permitir o trabalho regular, registro universal da cultura somática entre os trabalhadores que relativiza a necessidade de cuidados médicos a partir de certos sintomas (Berlinguer, 1988). Por outro lado, se o risco é definido enquanto probabilidade de um indivíduo adoecer, atribuindo-se a ele a responsabilidade pelas condutas de risco, a apreensão da ameaça real ou perigo é uma elaboração do indivíduo. Enquanto o primeiro é uma abstração das circunstâncias, o último as impõe para definir uma ameaça concreta e eminente. O problema é que a lógica do risco não é congruente com a prática dos indivíduos sob os pressupostos do senso comum, eivado de 118 religiosidade, na qual a individualização dos riscos como probabilidade propugnada pelos técnicos é descartada pelos expostos ao risco porque a sua lógica é a da exclusão de si como possível alvo desgraça. A construção do saber sobre o uso dos agrotóxicos é uma reconstrução do saber do outro (técnico, vendedor) à luz do seu saber anterior, numa clara expressão da “ancoragem” das informações num sistema de crenças prévio, a requerer um estudo das “representações sociais” Moscovici (1978). Essa construção implica a adaptação do trabalho ao risco (Dejours, 1987; Douglas & Wildavsky, 1982), ou seja, a admissão do risco e a avaliação de situações de perigo. A adaptação ao risco no processo de trabalho agrícola, contudo, somente é eficaz sob o pressuposto do comportamento coletivo, “compartilhado pelos agricultores da região, cada um dos atores sociais encontrando no seu vizinho um espelho de confirmação.” (53) A própria memória social constitui um repertório de lembranças, mas também de esquecimentos ou de silêncios convenientes, a exemplo dos casos de comprovação do risco que inviabilizariam para o grupo o uso de agrotóxicos. Ressaltemos, na caracterização feita pela autora, a forma de controle social direta exercida pelo grupo sobre os indivíduos identificada também como um atributo dos camponeses da Romênia por Moscovici. Retomemos aqui a passagem do tópico Marco Teórico (Ver A identidade social do camponês no sistema capitalista) que explicita este sentido: “Cada um vigiava o outro, com o ar de quem dizia: ‘Estou de olho em você’.” A lógica do modo de vida camponês é apresentada por Carlos Rodrigues Brandão sob o ponto de vista de uma temporalidade complexa, na qual os ciclos da vida humana estão relacionados ao da natureza da qual, mediante o trabalho, o grupo extrai simultaneamente sustento e sentido: “É como se um grande relógio de sentimento e significando um desses complicados aparelhos de medida do tempo pregados no pulso vivo da cultura do bairro, com ponteiros que vão de segundos fugazes á medida do passar dos anos de uma vida, estivesse sob os olhos de todos (...) espiando os sinais de vida natural à sua volta: a que lhes é dada e os envolve, a que eles transformam com seus gestos de trabalho, inscritos nos tempos em uma boa medida.” (Brandão, 1998, 158) 119 Cultura do bairro significa principalmente falar em parentesco, compadrio e vizinhança, a rede das relações inter-pessoais que constituem a forma do grupo exercer tanto o controle social sobre as atitudes e os comportamentos individuais como a circulação de informações a respeito das regras de uso dos agrotóxicos dentro do saber empírico dos camponeses. A propósito do bairro rural como unidade territorial camponesa ou espaço de sociabilidade e de identidade sociais do campesinato, é interessante o destaque dado pelo IBGE ao laço de parentesco na definição do pessoal ocupado. Em Sumidouro, 4.460 pessoas têm laço de parentesco com o produtor, enquanto apenas 934 foram classificadas como pessoas sem laço de parentesco com o produtor (IBGE, 2004). Bombardi (2004) refere-se à troca de experiências entre as famílias sobre cultivos de frutas que permitiam auferir maior renda da terra: “Tal substituição de cultivos se fez através do contato estreito que os camponeses têm entre si, um vizinho ensina o outro” (Bombardi, 2004, 63) Ora, isso corresponde a uma espécie de sistema de ensino-aprendizagem que comporta processos de educação não-formal. Como Granjo (2004) observa em seu estudo sobre o perigo industrial na identidade dos operários de uma refinaria em Portugal, há um sistema de aprendizagem no processo de trabalho destinado a evitar situações de acidentes. A educação informal dos agricultores por eles próprios, desde a integração dos novatos até a assimilação de um novo produto pelos experientes, deveria constituir um capítulo a mais nos estudos sobre a construção social do risco e do perigo. Retomemos, então, o problema do risco e do perigo, detendo-nos na questão da adaptação ao risco. Reconhecer o risco, ao seguir as recomendações técnicas, diz a autora: “...é lembrar que o perigo existe, está presente, mas isto tornaria as tarefas mais difíceis, carregadas de ansiedade” (54) A autora adota o entendimento de que há uma opção entre risco econômico e risco à saúde decorrente do uso de agrotóxicos: 120 “A perspectiva da lucratividade não só leva a desconsiderar esses riscos, mas também a aumentá-los objetivamente com o sobre-uso de agrotóxicos e a falta de cuidados com seu manejo.” (55) Em que circunstâncias, porém, o sobre-uso e a falta de cuidados no uso dos agrotóxicos poderia justificar a alegação de eficiência ou “controle sobre o processo produtivo dentro de um quadro de incerteza generalizada” (55)? Em outros termos, a explicação para o uso incorreto não deve ser buscada no exame da prática agrícola como uma prática econômica concreta? Ser, portanto alvo de uma observação direta? Parece-nos o caso. Ressaltar a atividade agrícola como prática significa reportar o conhecimento técnico-científico, agrobiológico, ao saber empírico-prático do camponês e o risco biológico ao risco econômico real implicado nas atividades cotidianas da lavoura das quais os técnicos extensionistas rurais geralmente estão afastados. Contudo, como não era nosso propósito fazer um estudo desta natureza, apropriamo-nos dos resultados do trabalho de campo realizado por José Grabois e sua equipe junto ao campesinato do Campo do Coelho, em Nova Friburgo (Grabois et al, 2005). Para entender a prática agrícola como econômica, porém, é fundamental entender a lavoura como processo de produção – plantio de culturas destinado a garantir as safras esperadas e, portanto, a renda do camponês no final de um ciclo das lavouras e processo de trabalho - da limpeza do terreno ao plantio, desta à colheita – sob relações sociais determinadas pela estrutura agrária e de poder. A produção agrícola tem na sazonalidade uma condição fundamental. A sazonalidade da produção agrícola implica também um “regime anual de uso de agrotóxicos” (Peres e Moreira, 2007, 5613), devido à vinculação, no sistema agrícola convencional, entre clima e proliferação de pragas e doenças. Sabe-se (Grabois et al, 2005, 47) que as pragas mais comuns na olericultura serrana são: a broca, o pulgão e a lagarta. As doenças são: a requeima e a murchadeira. A requeima, causada por um fungo, propaga-se em épocas de maior umidade, isto é, no verão. Uma “boa” dosagem de fungicida passa a ser necessária para evitar que a planta seja destruída pelo fungo. Os agrotóxicos utilizados em Sumidouro, comuns na região serrana relatados na literatura, são os de maior nível de toxicidade como “o Metamidofós (Tamaron, Hamidpop), Paraquat (Gramoxone) e Mancozeb (Dithane, Manzate)” (Araujo et al, 2007, 119). A sazonalidade é apenas uma condição da produção e do uso de agrotóxicos, pois processo de produção e de trabalho agrícola, particularmente na olericultura, é razoavelmente complexo. Vejamos a descrição deste processo de trabalho sob a 121 forma concreta no caso da couve-flor “boa de neve”, plantada no inverno. Como esta variedade tem um ciclo de 65 dias, permite ao camponês a obtenção de duas safras: “Freqüentemente a couve-flor da variedade bola de neve sucede o tomate para aproveitar o efeito residual do adubo. Não é preciso passar o trator novamente, bastando aplicar o herbicida e afofar a cova que contém adubo químico, esterco e farinha de osso para colocar a muda de couve-flor; não há condições de se praticar a capina porque ocupa muita mão-de-obra e compromete o tempo necessário para se realizar duas safras. O veneno é misturado com água em um barril e aplicado sobre a vegetação herbácea que morre após cinco dias.” (Grabois et al, 2005, 47) Para entender o processo de forma integral, o processo de trabalho precisa ser visto também sob a sua forma abstrata, como valorização. A categoria do tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma ou mais safras de tal ou qual cultura dá conta do tempo de trabalho necessário e excedente. Assim, hipoteticamente, o tempo necessário para obter duas safras é tempo socialmente necessário para uma família camponesa obter, com a venda destas safras, a reposição das despesas com sementes, herbicida, inseticida, adubos; com a manutenção de seus membros e da propriedade e, portanto, com a reprodução de si mesma; e com a aquisição de insumos para nova produção. A sazonalidade, qualidade própria a uma estação, é uma condição natural subsumida à economia capitalista. Isso significa que a produtividade do trabalho agrícola é condicionada pelo clima. No caso da região serrana fluminense, o clima favorece maior ou menor produção por família camponesa, como vimos no item A agricultura como prática econômica e o uso de agrotóxicos: no verão se tem uma produção de alface menor do que no inverno. A interpretação do camponês e do técnico do mecanismo da formação de preços coincide em atribuir ao funcionamento do mercado, aparentemente regulado pela oferta e pela procura, a razão das oscilações dos preços da alface para cima e para baixo. Contudo, a oferta e a procura, ou a anarquia da produção, é apenas forma do tempo socialmente necessário ou a lei do valor regular a concorrência entre os pequenos produtores e, portanto, da oscilação dos preços em relação ao valor (Luxemburg, s/d). Vale citar aqui um trecho do estudo de Larissa Mies Bombardi sobre o Bairro Reforma Agrária, em Campinas, São Paulo. Apesar da autora também incorrer na mesma apreensão do real por meio de sua forma aparente, o que a leva a enxergar uma suposta 122 “renda de monopólio”, traz uma contribuição para o entendimento do processo econômico aqui sumariamente apresentado: “O cultivo da goiaba surge como uma possibilidade dos camponeses extraírem renda de monopólio com a venda da fruta na época da entressafra natural. Por meio da poda da goiabeira no decorrer de todo o ano e da irrigação da mesma no período da seca (de abril a setembro) os sitiantes conseguem garantir uma colheita durante todos os meses do ano. Assim, há uma época do ano (o inverno) em que há pouquíssima goiaba disponível no mercado e dessa forma ela atinge um preço elevado.” (Bombardi, 2004, 65) A autora percebe a importância da maior produtividade do trabalho na técnica (poda e irrigação) introduzida pelos japoneses como uma vantagem destes sitiantes sobre pos demais, conhecimento que, uma vez disseminado, tenderia a rebaixar o tempo socialmente necessário para a produção da goiaba: “A resistência em passar o conhecimento para as demais famílias parece advir da consciência de que a partir do momento em que o cultivos da goiaba – com a nova técnica introduzida pelos japoneses – se disseminasse, haveria uma redução ou ausência da renda de monopólio, como de fato parece estar acontecendo:” Na realidade a “renda de monopólio” não passa da apropriação, pelo camponês, de uma parte do trabalho excedente produzido por ele mesmo. Mas o camponês não percebe a diferença entre tempo de trabalho necessário e excedente na formação da renda do trabalho por ele realizado. As categorias da economia política como preço, capital, salário, juro e renda são estranhas ao camponês (Moura, 1988, 58). De acordo com Sylvio Wanick Ribeiro53, o valor estimado da terra e da própria força de trabalho não entra no cálculo do camponês, apenas as despesas e a diferença entre o preço esperado e o recebido por uma colheita. Vale assinalar que se o camponês consegue ou não 54 reter trabalho excedente então pode se reproduzir de forma simples ou ampliada. Esse é o processo característico da diferenciação social do campesinato (Moreira, 1981) e do surgimento de uma pequena burguesia rural. 53 Anotações de conversa realizada no Rio de Janeiro, em 12 de março de 2006. A depender “das condições de produção, da divisão do trabalho familiar, do tamanho da família e da distribuição de sexo e idade”, observa Roberto José Moreira (1981, 53). Um aspecto importante que pode ser incluído nas condições de produção é o grau de endividamento sobre o patrimônio. 54 123 A questão da escolarização na percepção do risco à saúde A consciência dos riscos associados ao sobre-uso de agrotóxicos é admitida tanto por técnicos como pelos próprios agricultores, como vimos nos resultados da pesquisa. Entretanto, qual seria a importância da escolarização na percepção do risco? Constatamos no depoimento da senhora Irani da Rocha uma ambigüidade, pois se os camponeses sabem que “exageram”, e, portanto, não são ignorantes, há muitos ignorantes, quer dizer, sem instrução e a instrução melhora a orientação para o uso adequado dos venenos. Em que medida não estamos diante de uma representação social da escolarização, vista como condição de ascensão social e de melhoria da renda pela maioria da sociedade, continuamente reforçada pelos meios de comunicação, a exemplo de uma matéria com analogia entre o analfabetismo e a cegueira? “Não saber ler é escuridão. Dá um desespero que dói muito”, diz um homem, de 30 a 40 anos, de Teófilo Otoni (MG), entrevistado por Carta Capital (Lobo, 2004). A importância da escolarização na percepção do risco ambiental e sanitário associado a agrotóxicos é ressaltada em praticamente em todos os estudos e relatórios, de modo que se pode afirmar a existência de um consenso razoavelmente estabelecido entre cientistas e técnicos (Faria et al, 1999; Peres et al, 2005;; Araújo et al, 2007; Veiga, 2007; Governo do Estado do Rio de Janeiro, 1998) que lidam com o tema. A baixa escolaridade dos agricultores é um indicador censitário. Escolaridade é um conceito definido por anos de estudo ou de instrução numa escola. Indivíduos com menos de quatro (4) anos de estudo são identificados como alfabetizados funcionais. A média de escolarização no campo é reconhecidamente baixa, praticamente a metade da urbana. Em 2003, a média de escolarização no campo era de 3,4 anos e 28% da população rural com mais de 15 anos era composta por analfabetos absolutos (Ação educativa, 2005). Estudos de Iochpe (2006) e Ribeiro (2006), vinculados ao Projeto "Reescrevendo a Educação: Propostas para um Brasil Melhor"55 confirmam a elevada prevalência do analfabetismo funcional. Lembremos (ver Introdução) que a situação em Sumidouro, com base nos dados no Censo Demográfico de 2000, os analfabetos representavam, em 2000, 17% da população residente com 10 ou mais anos de idade, enquanto os alfabetizados funcionais alcançavam 33% dessa população. A separação de faixas de idade (1 a 3) sem correspondência com o sistema de ensino (1 a 4 anos) implica uma subestimação do alfabetismo funcional. Nos 55 Projeto da Editora Ática e a Editora Scipione, com o apoio da Fundação Victor Civita. 124 últimos oito anos provavelmente houve uma alteração positiva no indicador da escolaridade em Sumidouro mas para os trabalhadores adultos a situação pode ter se mantido pois as escolas rurais onde, à noite, funcionava o Programa Educação de Jovens e Adultos, foram fechadas e todo o ensino se concentra nas escolas da sede do município. Apesar da instrução não passar necessariamente pelo ensino formal, pois o termo instrução significa “conhecimento adquirido”, equivalente aos de cultura, saber e erudição, o uso consagrado de instrução é o de escolaridade. Veja-se, por exemplo, a seguinte passagem da Nota Técnica da Comissão Técnica de Agrotóxicos (CTA, 2008, 5): Desta forma, é de extrema importância que estejamos atentos às condições de trabalho dos agricultores, principalmente para aqueles com menos recursos financeiros e menor nível de instrução, realidade de boa parte dos trabalhadores rurais brasileiros. Estes trabalhadores geralmente utilizam equipamentos de aplicação manual, pouco ou nenhum tipo de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ficando mais expostos aos agrotóxicos e consequentemente às intoxicações agudas e crônicas por eles causados. A relação entre nível de escolaridade e intoxicações por agrotóxicos é assente nos estudos acadêmicos: os dados sobre intoxicação de uma população de 300 agricultores em Magé (Estado do Rio de Janeiro) realizado por Oliveira-Silva et al (2001) são congruentes com os dados sócio-econômicos, dentre os quais a escolaridade. “Estes dados foram confrontados com os indicadores sócio-econômicos e de utilização dos agrotóxicos, tendo se destacado a importância do nível de escolaridade sobre a prevalência das intoxicações. Aproximadamente 70% da amostra apresentava mínima ou nenhuma habilidade de leitura e escrita.” (Peres et al, 2005) A relevância dada à escolarização explica-se pela importância da instrução entendida como capacidade de leitura e entendimento de textos e símbolos dos produtos utilizados nas lavouras pelos agricultores - na percepção e prevenção de riscos à saúde e ao ambiente. Nos casos de intoxicação aguda, o entendimento correto de procedimentos de segurança com os produtos pode ser a diferença entre a vida e a morte. 125 Exatamente por causa disso é que se faz necessário uma adequação cultural da linguagem técnica, como apontam Peres e Rozemberg (2003) a propósito da discrepância de significados contidos e atribuídos nos pictogramas e rótulos de produtos agrotóxicos. A re-interpretação da linguagem técnica deixa entrever uma motivação mais complexa para o uso incorreto dos agrotóxicos. Assim, se a construção social do risco envolve informação a respeito das recomendações no uso dos agrotóxicos - da dosagem, passando pela avaliação das condições climáticas (temperatura, vento, etc.) da aplicação até o uso de equipamentos de proteção individual – não se limita a ela. Destacamos neste relatório a importância assumida pela prática econômica, principalmente a avaliação entre custos do insumo e preço esperado pela venda do produto na época do ano em que se espera aumentar a renda acima do nível de subsistência. Ultrapassar a dosagem recomendada e misturar produtos são medidas equivocadas que se aplicam, muitas vezes conscientemente, para evitar a perda de uma colheita que pode equivaler à fome ou a alienação da propriedade. Outro aspecto a ser destacado quando pensamos o risco como uma construção social é o do papel dos vendedores de insumos (fertilizantes, agrotóxicos, etc.), dos comerciantes e dos técnicos de extensão rural. Na realidade eles atuam como educadores não formais do agricultor, no sentido de que ensinam como manusear os produtos. Limitamo-nos aqui a discutir o papel dos técnicos em agronomia e veterinária. Um dos achados da pesquisa – presente nos depoimentos e em documentos (Ver A indução do processo de modernização e A agricultura como prática econômica e o uso de agrotóxicos) consiste no ensino das técnicas de manejo de agrotóxicos para controlar pragas e doenças, feito pelos técnicos em agropecuária do escritório local da Emater. O processo envolveu inclusive a adoção de demonstração (método, unidade demonstrativa), informação corroborada pelos depoentes. Os técnicos escolhiam um grupo de agricultores que eles consideravam propagadores de opinião em seu meio, com base no efeitodemonstração de uma colheita. A relação educativa entre técnicos e os camponeses não tem sido ressaltada nos estudos da área da saúde e mesmo os da área de ciências sociais enfatizam mais o caráter autoritário e tecnicista da atuação dos extensionistas rurais. Quando analisamos o discurso de Rodrigo e de Adilson (Ver A indução do processo de modernização) verificamos as dificuldades do processo educativo, uma vez que implica uma relação entre um saber científico e um saber empírico sem as necessárias correspondências. 126 Pode-se afirmar que ocorre na agricultura o problema do caráter fragmentado da apropriação do conhecimento constatado por Bolstanski (1984) na relação entre pacientes e médicos. Em outros termos, quando pensamos no ‘pacote’ da Revolução Verde em sua complexidade (da qual a análise do solo é um indicador) verificamos que há problemas na transferência do saber científico mediado pelos vendedores ou pelos técnicos extensionistas para os agricultores. Ainda que a assistência técnica pudesse ser mais abrangente, não poderia tornar viável a agricultura como prática econômica de milhares de pequenos proprietários, uma prática subordinada à lógica do mercado capitalista na qual o preço de venda do produto define as exigências para o ciclo de maturação e de colheita da plantação, bem como para evitar as intempéries do clima. A apropriação empírica de partes do ‘pacote’ segue a lógica do camponês vender rapidamente para assegurar as oportunidades de preço elevado, um imediatismo que sacrifica a orientação científico-técnica para o manejo agrícola dentro do ‘paradigma’ da Revolução Verde. Mas ao agirem desta forma, são responsabilizados pelos impactos que a manipulação inadequada do ‘pacote’ acarreta para o manejo agrícola, a saúde e o ambiente. Aqui chegamos à questão da situação-limite da agricultura ‘moderna’ ou ‘convencional’ quando se considera a prática camponesa: ela impede a autonomia do agricultor, tanto do ponto de vista econômico como do manejo agrícola, é, portanto, expropriadora de saber e de poder, ao mesmo tempo em que o culpabiliza pelos seus insucessos. A culpabilização está fortemente associada a uma prática que dissemina a informação sem considerar o nível sócio-cultural dos camponeses e, pior ainda, ignorando o seu saber, como destacam Peres e Rosemberg (2003). A questão das alternativas à agricultura convencional O drama de Viviane Zão, relatado no item A consciência dos limites da agricultura ‘moderna’ e as razões de sua persistência é o da dependência da condição camponesa às forças impessoais do mercado, no momento em que, ao responder à pergunta sobre deixar de usar agrotóxico, ela deixa patente o fardo de sua existência: - A gente deixar não é o caso, né. O caso é a necessidade. 127 A escassa perspectiva de mudança é também referida por um camponês entrevistado por José Grabois e equipe de pesquisa (Grabois et al, 2005) na localidade de Centenário, em Nova Friburgo: As pessoas são obrigadas a continuar plantando para sobreviver, senão vão morrer de fome. Elas não têm como fazer outra coisa; na cidade não tem emprego, o pessoal da roça não tem estudo. De fato, não parece existir alternativa imediata a este sistema agrícola, pelo menos quando se considera a situação dos camponeses empobrecidos, com pouca terra e sem recursos monetários para tocar a lavoura com as atuais exigências de capital, a saber, moto-bomba, aspersores de água, tratores, material de embalagem, fertilizantes e agrotóxicos. Esse depoimento para dar razão para autores que, no campo da Saúde Pública, advogam a defesa do sistema agrícola convencional uma vez que desempenham a função de compensar o baixo nível de desenvolvimento técnicocientífico na agricultura brasileira: “O agrotóxico pode ser visto como um insumo necessário à maioria dos sistemas produtivos rurais, uma vez que muitos destes sistemas produtivos só se sustentariam devido á utilização de agrotóxicos para compensar sua perda da produtividade. Em muitos casos, a utilização de agrotóxicos poderia ser considerada uma questão de sobrevivência” (Veiga, 2007, 148) A crítica a este ponto de vista deve começar pela limitação da análise ao sistema praticado na grande agricultura de exportação e que historicamente acabou por se tornar o sistema agrícola quase exclusivo no Brasil. Abstrai-se na verdade a história, deixando-se de lado o processo real de desenvolvimento capitalista no Brasil, no qual se deveria ressaltar o papel do Estado, para se falar genericamente na “agricultura brasileira”: “O modelo de produção agrícola brasileiro, historicamente, baseia-se na utilização de agrotóxicos para compensar problemas do processo produtivo. Neste contexto, os agrotóxicos foram introduzidos na agricultura brasileira como uma tentativa de corrigir as necessidades do solo e prevenir/eliminar as pragas que prejudicariam a produtividade. Buscava-se, ao aumentar a produtividade, elevar a eficiência econômica do processo produtivo rural.” (idem, 146) 128 Esta perspectiva de análise corresponde à subsunção da pequena produção ao chamado agronegócio, confundindo formas de organização, lógicas de funcionamento e valores distintos. Um segundo aspecto diz respeito à admissão da injustiça sócio-ambiental como estrutural a este sistema o que, em princípio é o reconhecimento da desigualdade inerente ao modo de produção capitalista. O raciocínio economicista de que há custos, inclusive de saúde, a serem assumidos com o uso de agrotóxicos para a obtenção de benefícios econômicos leva, porém, à inferência de uma inevitável disposição a aceitar os riscos potenciais daquele uso. Evidentemente o argumento implica, de um lado, a informação dos riscos potenciais do agrotóxico, de responsabilidade da indústria e do comércio, e, de outro, o acesso a esta informação pelo “produtor rural”. Neste modelo o agricultor age como um sujeito econômico racional. Contudo, ao admitir diferenças sócioculturais na percepção do risco o autor introduz explicações externas à racionalidade econômica. Mais ainda, na medida em que a pobreza geralmente implica baixo nível de instrução, a própria capacidade de assumir risco fica limitada por este “nível de instrução inadequado para o desempenho da função” de preparar e aplicar agrotóxicos na lavoura (Idem, 147). É o que resulta sua quando aponta o uso de agrotóxicos pelo pequeno agricultor como garantia da sobrevivência com a admissão de possíveis prejuízos à saúde e ao ambiente. “Enquanto que os prejuízos à saúde ambiental da mesma comunidade rural, advindos da utilização de agrotóxicos, poderiam ser de prazos mais longos e, portanto, desvalorizados em relação à necessidade de curto prazo (sobreviver)”. (Idem, 149) O que está em jogo, pois, é o grau de dependência do agricultor dos insumos agroquímicos o que nos leva a considerar outras questões, cogitadas por autores que operam numa perspectiva analítica diferente: “Olhando para o atual panorama de consumo de agrotóxicos no país e no mundo, algumas perguntas ainda permanecem sem respostas conclusivas: será que não existem mesmo alternativas a estes produtos? Será que a população se tornou, para sempre, refém dos agrotóxicos? Será que centenas de anos gastos com o aprimoramento de técnicas orgânicas devem ser, simplesmente, jogadas ao acaso de suas existências?” (Peres et al, 2005, 32) 129 A crítica ao “determinismo do discurso industrial” que permeia a sociedade e impregna a fala dos trabalhadores rurais deve ampliar-se, segundo os autores, ao próprio “modelo agrícola da monocultura exportadora, sustentado pelo uso abusivo de agrotóxicos e outros insumos químicos” e aos argumentos sobre a alegada produtividade sistêmica (Idem, 33) Se há correntes de pensamento que supõe os agricultores como “homens de negócio” que tomam decisões baseadas em informações recebidas do mercado, principalmente custos e preços (Müller, 1996) e, portanto, assumem a agricultura como “agronegócio”, outras, colocadas no lado oposto do espectro, supõem a agricultura familiar como uma economia camponesa. Afirmam a diferenciação da chamada agricultura familiar ao apontar a existência de um grau de autonomia no interior das relações capitalistas dominantes e ao destacar a convivência de “lógicas da gestão técnica” baseadas no mercado e na reprodução do grupo familiar (Silveira, 1997; Lamarche, 1997, apud Almeida e Ferreira, 2007). Parece-nos, contudo, indispensável integrar na análise a dimensão agrária, de modo a contemplar a heterogeneidade da condição camponesa. A propriedade do principal meio de produção (a terra) é elemento fundamental para definir o grau de autonomia frente ao mercado. Neste sentido é importante lembrar a observação de Fátima Moura, do escritório local da EMATER a respeito da relação entre disponibilidade de terra e subsistência, assinalada no tópico As transformações na agricultura em Sumidouro (ver nota 10). O campesinato e a “questão ambiental” Se “a consciência dos problemas ambientais mais gerais, do planeta, não é recente e, na verdade, surgiu, historicamente mais vinculada aos impasses gerados pela poluição industrial” (Wanderley, 1999, tópico 97), bem como pelos acidentes ambientais que afetaram trabalhadores e comunidades (Stotz et al, 1992), dando origem a organizações como a AGAPAN (ver Introdução) e a Associação de Combate aos POPs (ACPO), não se pode deixar de observar que especificamente no campo, a preocupação foi introduzida concomitantemente às transformações da base técnica da agricultura e seus efeitos deletérios sobre a saúde e o ambiente na segunda metade dos anos 1970. Waldman (1992) e Brandenburg (2005) referem-se aos movimentos sociais camponeses – como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) os seringueiros sob a liderança de Chico Mendes - e os “novos” movimentos sociais, dos setores intelectualizados das classes médias urbanas, a exemplo da referida 130 AGAPAN. Valeria acrescentar a participação dos engenheiros agrônomos na luta corporativa pela regulamentação do receituário agronômico (Alves, 2002) que acabou por implicar uma parte deles na questão da “sustentabilidade ambiental” do tipo de agricultura praticado. Os agricultores e ex-agricultores e técnicos entrevistados na nossa pesquisa têm consciência, em grau e sistematicidade variável, dos problemas acarretados pelo uso de agrotóxicos na lavoura. Eis o que nos disse Adilson da Rocha Charles, técnico da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente: É. Eu acho que o nosso produtor hoje em Sumidouro, ele tem informação sobres os danos que o agrotóxico pode causar à saúde e ao meio ambiente. Pode não ser assim, talvez as... as informações completas. Pelo menos noção ele tem. Nós temos produtores conscientes... Todo tipo de produtor não é? Que usa de uma forma ou de outra, mas todos eles têm informação sobre os riscos, os perigos que esses produtos podem causar. Não é? Isso é fruto de trabalho. Ao longo dos anos vem sendo feito. As informações repassadas em escola. Não é? As palestras com produtores. Os trabalhos dos órgãos de... ligados a essa...[secretaria, associação de produtores]. Ao setor aqui do Município. Não é?. A própria denominação Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente deixou evidente o interesse da Prefeitura nesta gestão que agora finda em apoiar uma agricultura sustentável do ponto de vista ambiental. O projeto de estimular a apicultura no município com a parceria da UADEMA, uma organização nãogovernamental ambientalista vinculada à Fundação Oswaldo Cruz, deve ter caracterizado esta possibilidade. Pode ter publicizado a preocupação ambiental no município e tornado mais concreta tanto a divulgação midiática sobre os riscos ambientais como as opiniões dos estudantes, muitos dos quais filhos de agricultores, adquiridas nos trabalhos escolares e nas experiências de hortas comunitárias sem uso de agrotóxicos. Temos de admitir, portanto, que a memória social seja influenciada pela atualidade do tema. Mas, ao mesmo tempo, precisamos considerar que a prática dos agricultores vai, em sua maioria absoluta, no sentido inverso a de uma agricultura que não usa agrotóxicos. Vale então perguntar-nos a respeito da consciência ambiental dos moradores que trabalharam na lida da terra no período assinalado. A consciência da “questão ambiental” por parte dos moradores (antigos e novos agricultores) expressa tanto as lembranças sobre o desmatamento que introduziu as pastagens e as lavouras como traço dominante na paisagem rural 131 (Ver Da agricultura ‘tradicional’ à ‘moderna’), como sobre perigos e danos devido ao uso de agrotóxicos na saúde humana e no ambiente, particularmente nas águas de córregos e rios (Ver Impacto do uso de agrotóxicos sobre o ambiente a saúde dos trabalhadores). Mas se trata de uma consciência social “dividida”: de um lado, as técnicas estão associadas aos usos da terra para plantar e criar gado com o intuito de garantir a reprodução do grupo familiar. É o que um camponês entrevistado por Carlos Rodrigues Brandão denominou de “afeto da terra”. O afeto, o enlace entre o lavrador e a terra tem uma dimensão “civilizatória”, de tornar culto o inculto, quer dizer, de transformar a floresta em campo e o campo em terra de lavoura, num processo de domesticação do mundo que implica o “prazer fecundante”, como afirma Brandão (1999, 64). É o que se constata no depoimento de dona Julita, citado no item Da agricultura ‘tradicional’ à ‘moderna’: Eu sei que meu pai desmatou uma floresta e eu lembro de eu fazer muita arte. Depois ficou aqueles toco tudo assim, né? Aí eu fui pra lá, depois que meu pai queimou a ma...o mato, eu fui pra lá... Vimos que o “prazer fecundante” aparece com bastante clareza no depoimento de Dona Irani, quando lembra o legado de seus antepassados: - Ó, pensa bem, nós moramos naquela propriedade trinta e três anos. Sempre trabalhando nela. Os nossos ancestrais, quando nós compramos, o solo tava acabado. Não tinha umas terra cultivada rotineira. Que meu marido teve que fazer um bocado de composição de calcário, de esterco de galhinha. A mesma visão aparece na análise de Mauro Zurita Fernandes, analista ambiental do escritório regional do IBAMA em Nova Friburgo, sobre a Mata Atlântica na região serrana do Rio de Janeiro apresentada sob a forma de ficção: Entre aqueles tempos difíceis restaram em minha memória algumas lembranças de lugares que não tenho a coragem hoje de rever, com medo de sofrer novas perdas. Tempo em que a estação de Teodoro só aparecia quando o trem nela chegava, tamanha era a serração que constantemente a encobria. Quanta água descia pelo Rio Santo Antônio. O Rio Bengalas e suas águas cristalinas onde se viam pequeninos peixes nadando. 132 Claro que a gente via nessa região, muito desmatamento e queimada abrindo caminho para as pastagens e agricultura. A floresta era forte e perspicaz . Bastava virarmos as costas e ela ressurgia forte e fagueira. Mas essa briga entre o homem e a natureza estava em curso e não havia, naquela época, quem intermediasse essa briga. As famílias precisavam manter limpos os espaços outrora desbravados pelos nossos avós. Era nossa missão, habitar essas áreas, plantar e criar animais. E essa guerra não era muito desigual. Não se usava moto-serra e não era qualquer um que possuía trator. A luta se dava de forma limpa, no corpo-a-corpo. O que eu não consigo entender é quando vejo, ainda hoje, a continuação do desmatamento ignorando toda essa preocupação atual como o meio ambiente, e que nos dá a impressão de que não estamos conseguindo pôr em prática os discursos e a intenção declarada de proteger a nossa Mata Atlântica. (Fernandes, 2004) Por outro lado, esta concepção expressa, de modo defensivo, o contradiscurso ambientalista predominante na sociedade a partir dos anos 1990 que produziu uma “ideologia do verde” influente até mesmo na propaganda institucional das empresas produtoras de biocidas. Tal influência acarreta uma inflexão no discurso anterior, de cunho “civilizatório” e conduz a uma consciência culpada. O que antes era considerado positivo agora é negativo (Carvalho, 2005). Uma consciência social ‘cindida’ não pode conviver muito tempo com o cinismo, principalmente quando se trata de pessoas comuns que não tem hábito de elaborar justificativas de modo contínuo com algum grau de consistência. Há uma tendência a rever o passado para explicar as condições de existência atuais. A memória procede a uma re-elaboração do passado, atribuindo perigos e danos à ignorância ou à necessidade econômica, por falta de alternativa (Carvalho, 2005). 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS Família com um hectare: para onde vai a próxima geração? Está claro, pelos dados e informações apresentadas, cotejados à luz da literatura, que a resposta à pergunta inicial da pesquisa - “... ainda existem, na memória e na cultura deste campesinato, elementos da agricultura orgânica tradicional, capazes de se contrapor à lógica prevalecente?” – inclui as duas possibilidades, afirmativa e negativa. O que encontramos nos depoimentos dos camponeses e na observação de suas práticas em Sumidouro é a incorporação de elementos da agricultura convencional (consorciação de culturas, terras em pousio, preservação de áreas de mata ou formação de capoeira/mata secundária) na agricultura convencional, a par da tentativa de reduzir custos com agro-químicos (fertilizantes e agrotóxicos). Podemos afirmar, portanto, que essa memória e prática expressam o aprendizado de alguns camponeses sobre o sistema agrícola mais adequado à sua reprodução social. Advirtamos não se tratar de um aprendizado que inclua a preocupação com a “sustentabilidade ambiental”. A destruição da mata é, para os camponeses como grupo social, a apropriação da terra capaz de produzir o sustento não apenas de si mas de toda sociedade. Como lembra Carlos Rodrigues Brandão, estamos diante de um ponto onde – teóricos e práticos de um ambientalismo militante e camponeses – nos separamos de maneira pouco conciliável (Brandão, 1999, 131). Apesar dos elementos da ‘agricultura tradicional’ servirem para manter a ‘agricultura convencional’ e não para questionar este ultimo sistema, a consciência e o saber empírico adquiridos atestam a possibilidade da passagem dos camponeses a um novo sistema agrícola, inclusive sem uso de agro-químicos, organizado segundo os pressupostos da agro-ecologia. Os camponeses, ao aprender a praticar uma outra forma a agricultura serão instados a equacionar a relação entre terra e natureza de modo mais favorável à sobrevivência das gerações futuras de seres humanos e demais seres vivos. Uma mudança brusca deve, porém, ser descartada como inviável uma vez que o sistema agrícola convencional produziu alterações profundas e amplas em todos os aspectos da agricultura, desde a fonte da agricultura, o solo, que está contaminado e, mais do que isso, dependente dos insumos químicos, passando pela 134 perda do controle sobre as sementes até especialização da produção para mercados organizados. O ponto de partida da transição para um sistema agrícola orgânico de base agro-ecológica é a recuperação da base da agricultura, o solo. Sabemos que o solo, em decorrência de décadas de uso e sobre-uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, encontra-se desequilibrado, sujeito a insetos, fungos e plantas concorrentes. Recuperar o potencial do solo em termos da microbiologia e a reposição dos nutrientes é trabalho lento, de vários anos. A maioria dos camponeses não dispõe de recursos financeiros e de conhecimento suficiente para arcar e assumir esta transição. Um aspecto importante a ser considerado nessa transição é o da estrutura agrária, na medida em que implica a convivência entre os dois sistemas e, portanto, na disposição de terra suficiente e adequada para tal. Não é o que se observa em Sumidouro e, de resto, na região serrana. Como vimos no Anexo I, quase 25% dos estabelecimentos agropecuários recenseados no município em 1996 encontrava-se nas classes de até 2 hectares. A sucessão da propriedade encontra aí um limite. Por isso a epígrafe incluída nestas considerações finais: a frase, fruto da observação diária dos técnicos da Emater é corroborada nos estudos monográficos realizados por César Pessôa Côrtes (2005) e Daniela Egger (2006) que indicam a importância da parceria e não raro, do trabalho assalariado, como alternativa de sobrevivência dos camponeses em Sumidouro. Outro observador local, o professor Carlos Tadeu Gomes, citado neste relatório, aponta o fato de que pequenos proprietários se tornaram comerciantes “atravessando” a produção de outros que, em busca do menor custo de produção, se especializaram em folhagens. Nosso estudo confirma as conclusões da pesquisa de José Grabois em Campo de Coelho (Nova Friburgo, RJ) na qual se assinala a emergência de pequenos capitalistas rurais de um lado e a proletarização de parte dos camponeses de outro (Grabois et al, 2005). Este contexto cria dificuldades para a superação dos problemas de saúde decorrentes do uso incorreto dos agrotóxicos que, como vimos não resulta da falta de consciência dos riscos e da importância de medidas de proteção. A modificação deste contexto implica, dentre outras transformações, a adoção de um novo sistema agrícola. Vimos que a ‘revolução verde’ foi um processo induzido pelo estado, ao se deparar com a necessidade de garantir a oferta de produtos agrícolas a baixo preço para consumidores urbanos de regiões metropolitanas. A transição agro-ecológica deve ser, portanto, uma responsabilidade do Estado, em todos os níveis de governo. 135 A transformação do sistema agrícola vigente não deve ser uma responsabilidade exclusiva do município, ainda que esta instância de poder possa assumir, sob a forma de compras governamentais, a sustentação do processo de mudança: pensamos principalmente na compra de produtos agrícolas (olerícolas, frutas) de base orgânica e de outros produtos alimentícios a exemplo do mel de abelhas para a rede de educação e de saúde públicas. Certamente um contrato de até cinco anos de duração propiciaria aos camponeses a oportunidade, individual e coletiva, de escolher a transição para uma agricultura orgânica sem o risco de fome e/ou de perda da propriedade. Contudo, o poder no nível local é excessivamente dependente dos maiores produtores e comerciantes, inclusive dos distribuidores locais de agrotóxicos. A política pública neste nível não alcança os grupos socialmente mais vulneráveis, na área urbana e, sobretudo, na rural, ou seja, os camponeses pobres. Assim, a emergência de um novo sistema agrícola depende da intervenção dos governos nos níveis estadual e federal. O zoneamento geo-agrário com avaliação dos impactos de mudança climática, a preservação das matas e dos cursos de água, a implantação de rede de assistência técnica são algumas das responsabilidades de governo esperadas do nível estadual. No nível federal, a formulação, implementação e avaliação da política, articulada com os sub-níveis nacionais e municipais de governo, precisa equacionar a política agrícola na perspectiva de resolver a questão agrária ainda pendente. Do ponto de vista institucional, o caminho da transição agro-ecológica está formalmente amparado em políticas e segmentos técnicos estruturados, a exemplo do Programa Nacional de Apoio à Agricultura de Base Ecológica, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Embrapa Meio Ambiente (unidade de Jaguariúna) que articula a Rede de Agroecologia Mantiqueira-Mogiana, envolvendo 39 municípios do leste paulista. Da mesma forma que no passado, deve-se esperar uma articulação entre a pesquisa científica e a extensão rural em novas bases. Um dos pressupostos é a participação direta dos agricultores. É interessante, neste sentido, registrar a seguinte afirmação constante no documento relativo às linhas de ação, atividades e metas do Programa Nacional de Apoio à Agricultura de Base Ecológica na página do Ministério do Desenvolvimento Agrário: “Do ponto de vista metodológico serão privilegiadas as abordagens metodológicas participativas, que utilizem técnicas vivenciais, estabelecendo 136 estreita relação entre a teoria e a prática, de modo a propiciar a construção coletiva dos resultados esperados.” (MDA, 2008) Queremos ressaltar a importância da educação popular de base freiriana como princípio orientador desta metodologia, na medida em que inclui necessariamente a relação entre saberes científico-técnico e empírico como dialética de aprendizagem de educadores e educandos em todos os níveis do processo político, isto é, da formulação à implementação e desta à avaliação e reformulação. A construção da memória social pode ser encarada como parte do método de problematização da realidade do campesinato quando se pensa a transição agroecológica. Isso porque a publicização dessa a memória do processo de trabalho e dos saberes vinculados às crenças e práticas agrícolas favorece o diálogo entre técnicos e cientistas e os camponeses em torno do processo da transição. A tentativa de encaminhar um projeto escolar de Historia oral e a divulgação do programa de rádio “Fala Sumidouro” que esboçamos na experiência da comemoração do 116º. aniversário de Sumidouro são ilustrações das possibilidades de uso da memória social em prol das mudanças do sistema agrícola e agrário no nível local. A entrada de nova gestão no governo municipal em 2009 abre a possibilidade da incorporação dos resultados da atual pesquisa, principalmente do acervo de depoimentos, documentos e imagens produzidas entre 2006 e 2008, pelo Centro Pró-Memória impresso. 56 de Sumidouro, sob os formatos virtual, magnético e Gostaríamos de ressaltar a importância da valorização do saber local quando se trata de formulação da política pública, tanto em relação aos governos como em relação aos concidadãos. A História Oral, ao resgatar o saber dos camponeses, se insere na perspectiva de lhes dar voz e vez para lutar contra as hierarquias e preconceitos amparados no saber competente legitimado socialmente. Obviamente não se pode esquecer que estamos a falar de perspectivas a partir de um cenário de disputa de caminhos de desenvolvimento. A ‘modernização da agricultura’ que se sustentou nos princípios da 'Revolução Verde' está solidamente implantada em todo o país, com aceitação inclusive no meio do campesinato. A nova fase da Revolução Verde, baseada no conhecimento da transgenia, inclusive na horticultura, fornece amparo para a manutenção da hegemonia do “agronegócio” no campo econômico e na política econômica. O avanço da alternativa da agroecologia dependerá da força dos atores sociais nela interessados, a começar do campesinato, mas igualmente dos centros 56 Os originais de todo o material serão encaminhados para a Casa de Oswaldo Cruz, unidade técnicocientífica da Fiocruz responsável pela memória institucional. 137 de pesquisa, ensino e cooperação espalhados pelo país, de modo a alterar o rumo da política pública, abrindo caminho para seu desenvolvimento. Vamos concluir este relatório da pesquisa a respeito das transformações na agricultura com a indagação de um dos antigos líderes da Liga Camponesa do Engenho da Galiléia, em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, feita a Robert Linhart que então o entrevistava: Você acha que o mundo chegou a um ponto estável, ou que as contradições vão continuar a se desenvolver? João da Silva 138 BIBLIOGRAFIA ABRAMOVAY, Ricardo, 1997. De volta para o futuro: mudanças recentes na agricultura familiar.In: http://www.econ.fea.usp.br/abramovay/artigos_cientificos/1997/De_volta_para_o_ futuro.pdf - Acesso em 26/08/2008. AÇÃO EDUCATIVA. 5o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional - Um diagnóstico para a inclusão social pela educação [Avaliação de Leitura e Escrita] São Paulo, 2005. Disponível em http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/inaf05.pdf Acesso em 13/12/2008. AGOSTINI M 1997. Trabalho rural e produção familiar em Centenário: trajetórias e perspectivas. 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Até há dois anos, 95% dos nossos agricultores não adubavam a terra, e apenas 8% do solo cultivado — quase todo na região centro-sul — recebia fertilização. Em 1967, êsse consumo aumentou. Foram usadas 40.000 toneladas na região norte (aumento de 44% sôbre 1966), 322.000 na região centro (49% de aumento) e 85.000 toneladas no Sul (128%). E deve crescer ainda mais no segundo semestre de 1969, quando uma indústria apenas — a Ultrafértil — produzirá 1 tonelada de fertilizantes por minuto na área de 2 milhões de metros quadrados que constrói em Piaçaguera (município de Cubatão, em São Paulo). O empreendimento da Ultrafértil compreende sete fábricas, o maior complexo produtor de fertilizantes da América Latina. O ponto mais importante do projeto será a produção de 450 toneladas diárias de amônia anidra, matéria-prima para fabricação de fertilizantes. Terra cansada — A importância do adubo só começou a ser sentida no Brasil quando já não era tão fácil encontrar chão nôvo para se plantar. Agora, até mesmo no Plano Trienal do Govêrno o adubo ganha um capítulo onde se recomenda urgência na substituição de fertilizantes importados pelos nacionais: de 447.000 toneladas consumidas no ano passado, 328.000 foram importadas. O transporte marítimo encarece muito o adubo; êle é uma carga indesejável, difícil de ser embarcada, suja e que estraga os navios. Para estimular ao mesmo tempo a produção e o consumo de fertilizantes, foi criada a ANDA — Associação Nacional para Difusão do Adubo, da qual participam dezoito emprêsas, entre elas a Ultrafértil. A ANDA coordena institutos de pesquisas agrícolas e até 1969 fará mais de novecentos ensaios em vários tipos de terra para determinar a aplicação de fertilizantes nas culturas do milho, algodão, feijão, soja e trigo: o adubo bem aplicado pode triplicar a produção. Projetos ambiosos — Tôdas as indústrias de fertilizantes estão profundamente empenhadas em educar o agricultor: êle precisa aprender a adubar mais, usar os produtos certos e aproveitar os financiamentos — a maioria ignora que pode pagar o adubo um mês e meio após as colheitas. A Ultrafértil já criou catorze centros agrícolas (treze em São Paulo e um no Paraná), enquanto a ANDA pretende utilizar 156 o computador eletrônico que vai ser instalado na Escola Superior de Agricultura Luís de Queirós (Piracicaba—SP) para reunir tôdas as pesquisas já feitas sôbre solos e adubos. As emprêsas da ANDA têm 3 mil elementos à disposição dos agricultores para divulgar o uso de adubos e dar assistência técnica. Numa prova de que confia nos fertilizantes como um bom negócios, a Ultrafértil está investindo 210 milhões de cruzeiros novos em seus empreendimentos. Copyright © 1998, Abril S.A 157 ANEXO III Um gole de cachaça Todo mundo sabe o mal do vício. Conto aqui duas histórias. A vida dele era trabalhar e beber, porque a esposa faleceu e restou a bebida como companheira. Pois nem filhos ela lhe deixara. Muitas vezes se aborrecia por causa de roubos, desaparecia uma enxada ou outra ferramenta, quando saía da lavoura para almoçar. Pior quando sumiu a máquina de distribuir água. Desconfiava de um: se acusasse sabia que a briga podia terminar antes de chegar a polícia, caindo um deles no chão para sempre. Aí é que bebia mesmo, de emborrachar, tomado pela raiva da inação. Até que apareceu outra mulher. Namoraram. Apaixonaram-se. Tinha, porém, como ele, o mesmo vício do álcool. Um dia cometeu a besteira de crescer o olho numa outra, isso foi numa festa. Já tinha tomado todas as doses de cachaça que podia. A namorada deu a decisão: a bebida ou eu. Bêbado não tem consciência nem moral: escolheu a fiel companheira dos tempos atrás. Resultado: a mulher o deixou. Ficaram separados por um longo tempo, mas o fogo da paixão não diminuiu com a distância e o tempo. Voltaram, mas nunca mais beberam. Há outras histórias. Conto uma com final triste: como sempre, pequena nas palavras mas grande na tragédia. Era um jovem sério, trabalhador, tinha mulher e filha pequena. O único defeito era gostar da branquinha, embora bebesse apenas no final de semana. Trabalhava com afinco, a vida ia melhorando devagarinho. Às vezes, quando tinha plantado muito e o preço estava bom, contratava diarista para ajudar na colheita. (Por aqui tem muita gente pobre, sem terra ou pouca, vivendo às custas de trabalhar pros outros.) Então foi o caso de um rapaz que já havia trabalhado para ele uma vez, era colega de copo e truco, pedir trabalho numa época difícil. Respondeu que não tinha condição. O outro achou aquilo uma desfeita, coisa de fominha não querer dividir com quem nada tinha mas calou o mau pensamento. Tramou, então, com o ódio guardado. Na festa da padroeira, ali pelas barraquinhas começaram a beber. Acabaram, madrugada adentro, num botequim. Quando o amigo foi ao banheiro, tirou do bolso uma garrafinha e despejou umas gotas do herbicida mais comum, o raundaupe, no copo de cachaça. O jovem só sentiu o corpo arder em fogo, uma vontade de morte a invadir tudo, a escuridão. 158