UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
PAULA ALVES DE SOUZA
APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO NO
ÂMBITO DAS MULTAS TRIBUTÁRIAS
CURITIBA
2012
PAULA ALVES DE SOUZA
APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO NO
ÂMBITO DAS MULTAS TRIBUTÁRIAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao
Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas
da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito
parcial para a obtenção de graduação.
Orientador: Francisco Fernando Bittencourt de
Camargo
.......................................................................................
CURITIBA
2012
TERMO DE APROVAÇÃO
PAULA ALVES DE SOUZA
APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO NO
ÂMBITO DAS MULTAS TRIBUTÁRIAS
Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da
Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, _____ de _____________ de 2012.
____________________________________
Curso de Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: Professor Francisco Fernando Bittencourt de Camargo
Universidade Tuiuti do Paraná
Professor
Universidade Tuiuti do Paraná
Professor
Universidade Tuiuti do Paraná
RESUMO
O objetivo deste trabalho consiste na análise e discussão das teorias existentes,
manifestadas na doutrina e no entendimento do Supremo Tribunal Federal,
concernentes ao cabimento da aplicabilidade do princípio da vedação ao confisco às
multas tributárias. Observada a função basilar do princípio, de proibição constitucional
de práticas exorbitantes de tributação, como meio de proteção a garantias e direitos
concebidos pela Constituição da República aos contribuintes, bem como a finalidade
das multas tributárias como penalização que objetivam desestimular práticas reiteradas
de descumprimento das obrigações tributárias. Discutir-se-á o âmbito ao qual estas
multas devem ser aplicadas a fim de atingir os seus objetivos, bem como assegurar os
direitos e garantias do cidadão-contribuinte. Como fontes, utilizar-se-á a pesquisa
bibliográfica e jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. É relevante o estudo à
medida que as multas tributárias impostas aos contribuintes, além do caráter de
penalidade, pelo não cumprimento de uma obrigação tributária ou de um dever
instrumental, devem estar em consonância com os direitos e garantias constitucionais
dos contribuintes.
Palavras-chave: vedação ao confisco; multas tributárias; garantias e direitos
constitucionais.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................06
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA TRIBUTAÇÃO ..............................................10
2.1 NOÇÃO DE PRINCÍPIO ...........................................................................................12
2.2 PRINCÍPIOS JURÍDICOS ........................................................................................14
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ...........................................................................15
2.3.1 Princípios Constitucionais tributários .....................................................................17
2.3.1.1 Função dos princípios constitucionais tributários ...............................................18
2.4 HISTÓRICO ..............................................................................................................18
2.4.1 Princípios na constituição de 1967 – Emenda n. 1/69 ..........................................19
2.4.2 PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .........................................................21
3 PRINCIPIO DA VEDAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO COM EFEITO DE CONFISCO .........21
3.1 BREVE RELATO HISTÓRICO .................................................................................23
3.2 DEFINIÇÃO: EFEITO DE CONFISCO .....................................................................25
3.3 NÃO CONFISCO E DIREITO DE PROPRIEDADE ..................................................26
3.4 NÃO CONFISCO E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ..............................................29
3.5 NÃO CONFISCO E EXTRAFISCALIDADE ..............................................................32
4 MULTAS TRIBUTÁRIAS ............................................................................................32
4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ...................................................................................32
4.2 NATUREZA JURÍDICA .............................................................................................34
4.3 ESPÉCIES DE MULTAS ..........................................................................................35
4.4 DIFERENCIAÇÃO: TRIBUTO E MULTA TRIBUTÁRIA ...........................................37
5 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO COM EFEITO DE CONFISCO E
MULTAS TRIBUTÁRIAS ...............................................................................................39
5.1 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO ......................................................................39
5.2 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ...41
5.2.1 Opinião da doutrina quanto ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal ....45
6 CONCLUSÃO ..............................................................................................................48
REFERÊNCIAS ..............................................................................................................51
5
1. INTRODUÇÃO
O Direito tributário é o ramo do direito público que auxilia e define os
parâmetros para que o Estado alcance sua finalidade de promover o bem comum,
através do custeio de receitas. Estas receitas provêm de atividades econômicasprivadas dos entes públicos, da exploração econômica de patrimônio público, de
empréstimos e principalmente da atividade tributária, espécie de receita derivada. Tanto
o Estado como o contribuinte devem observar as normas impostas ao processo de
arrecadação.
A Constituição Federal regula o sistema tributário nacional através de normas
constitucionais de Direito Tributário que abrangem: os princípios constitucionais
tributários e imunidades, que constituem limitações à atividade de tributação; a
discriminação de competências, delineando os tributos privativos de cada um dos entes
federativos (União, Estados, Distrito Federal e municípios), consagrando deste modo o
princípio federativo e, define a repartição de receitas tributárias.
Restaram consagrados na Constituição da República com princípios limitadores
do poder de tributar: legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridade, noventena,
não-confisco, liberdade de tráfico, uniformidade geográfica, não-discriminação tributária,
capacidade contributiva, exigência de lei específica para concessão de benefícios
fiscais, não-cumulatividade e seletividade, que representam proteções aos direitos e
garantias ao cidadão-contribuinte, sujeito passivo na relação jurídica tributária.
No presente trabalho será tratado especificamente do princípio da vedação da
tributação com efeito de confisco, previsto expressamente no artigo 150 inciso IV do
Texto Constitucional que veda aos entes políticos instituir tributos com efeito de
confisco. Ora se constitui dever do contribuinte recolher aos cofres públicos parte de
sua renda, destinado a manutenção da coisa pública. Esta cobrança deve ser realizada
pelo Fisco nos limites da lei, não podem prejudicar ou até diminuir o desenvolvimento
econômico do contribuinte, uma vez que sua finalidade é apenas de custeio do Estado,
que deve ocorrer sem prejudicar o âmbito econômico do contribuinte, protegido pelos
princípios constitucionais tributários.
6
E as multas fiscais, aplicadas em decorrência do descumprimento da obrigação
principal e do dever instrumental. O Texto Constitucional ao vedar o efeito consficatório
faz menção apenas ao tributo, estando assim a constituição autorizando que práticas
consficatórias recaiam na imposição e cobrança das multas, podendo através da
incidência da multa, ter o contribuinte seu patrimônio confiscado, não estando às multas
fiscais abrangidas por tal preceito constitucional. Resta-se assim, demonstrada a lacuna
do tema abrangido pelo presente trabalho.
A
imposição
de
multa
fiscal
deve
se
limitar
na
razoabilidade
e
proporcionalidade, devendo guardar adequação com o ato praticado, não podendo ser
excessiva em relação ao dano causado e ao benefício obtido com a prática indevida,
visando atender ao interesse público, conforme o critério de adequação dos meios aos
fins, evitando distorção entre a multa imposta e a sua finalidade.
As multas tributárias possuem como escopo num primeiro momento, função
coatora no objetivo de evitar o descumprimento da obrigação tributária principal, através
da ameaça de sua aplicação e em um segundo momento, após o inadimplemento,
possui caráter indenizatório, pois o descumprimento da obrigação tributária causa dano
aos cofres públicos. Porém, se aplicada de forma excessivamente onerosa sufoca
qualquer atividade econômica normal, e considerando os fins da arrecadação de
tributos, não interessa ao Poder Público e à comunidade em geral que uma unidade
econômica produtiva venha a ser prejudicada e até a desaparecer em razão da
aplicação de multas com valores exorbitantes.
Problematizado o tema na aplicação ou não do principio da vedação da
tributação com efeito de confisco às multas tributárias, encontram-se diferentes
posicionamentos em relação à sua aplicação. Defendem alguns que a Constituição
Federal, ao prever o princípio da vedação ao confisco, faz referência apenas aos
tributos em espécie, não abrangendo a multa tributária. De outro lado, defende-se que
embora o Texto Constitucional faça referência apenas ao termo tributo, deve-se
observar o caráter extensivo de tal disposição devendo estender sua aplicação ao
âmbito da multa fiscal. Embora tributo não se confunda com multa, deve-se, observar
que a expressão tributo pode significar obrigação tributária lato sensu, que abarca as
multas e sanções específicas. Esta análise é realizada com base nos princípios da
7
razoabilidade e proporcionalidade, caso em que ficará demonstrado que o conceito de
tributo engloba também as multas e assim o referido princípio veda também a aplicação
de multas confiscatórias.
O presente trabalho visa a exposição e análise dos princípios em geral, bem
como os constitucionais tributários, tendo em vista suas funções, a vedação ao confisco
como garantia do contribuinte e a diferenciação entre tributo e multa necessários para
analisar da aplicabilidade do princípio do não-confisco às multas tributárias.
Além disso, observado o interesse do Poder Público na aplicação das multas, é
imprescindível à interpretação do que realmente pretende o legislador ao criar a norma,
bem como o de não deixar o contribuinte à mercê de atos de caráter confiscatório,
sejam eles em razão de tributos ou multas.
8
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA TRIBUTAÇÃO
2.1 NOÇÃO DE PRINCÍPIO
O termo princípio traduz a ideia de origem, base e fundamento. No vernáculo
(AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA) encontram-se as seguintes acepções da palavra:
“Princípio. [Do lat. Principiu] S. m. 1. Momento ou local ou trecho em que algo
tem origem [...] 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na Constituição de
um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P. ext. Base; germe [...] 6. E. Ling.
Restrição geneticamente imposta a uma gramática [...] 7. Filos. Origem de algo,
de uma ação ou de conhecimento. 8. Lóg. Na dedução a preposição que lhe
serve de base, ainda que de modo provisório, é cuja verdade não é questionada
[...]”. (2004, p. 1631)
Partindo para definições técnicas, no “Vocábulo Jurídico” o conceito de princípio
é registrado como: “Derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar
quer se exprimir o começo da vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as
coisas começam a existir” (SILVA, 2003, p. 1094). Adiante, noutra passagem do
referido dicionário, conceitua-se princípio, agora no plural:
”Princípios: [...] significa as normas elementares ou os requisitos primordiais
instituídos com base, com alicerce de alguma coisa. E assim, princípios revelam
o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda
espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer
operação jurídica. Deste modo, exprimem sentido mais relevante que o da
própria norma ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser
das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas”. (2003, p. 1095).
No que tange as ciências, princípio designa a base que facilita e delimita a
análise e compreensão de um tema. Conforme explica Roque Antonio Carrazza, vejase:
“[...] em qualquer Ciência, princípio é o começo, alicerce, ponto de partida.
Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a
compreensão ou a demonstração de algo”. (2010, p. 42).
Na filosofia, o termo “princípio”, foi introduzido por Anaximandro, sendo utilizado
por Platão, no sentido de fundamento do raciocínio e, por Aristóteles, como a premissa
9
maior de uma demonstração. Ensina-nos Francisco Pinto Rabello Filho (2002) que do
conceito apresentado por Aristóteles pode-se retirar seis significações do termo
princípios, quais sejam: 1) ponto de partida; 2) ponto de partida mais eficiente; 3) ponto
por onde necessariamente se começa a fazer alguma coisa, por ser-lhe intrínseco; 4)
causa exterior que provoca o início de algo; 5) o que, por sua decisão, ocasiona a
mudança ou alteração e, por fim; 6) pressupostos para que algo seja conhecido.
Já Immanuel Kant (citado por CARRAZZA, 2010, p. 42) deixou consignado que
“princípio é toda preposição geral que pode servir como premissa maior num silogismo”.
Já na ótica de Paulo de Barros Carvalho:
“Princípio é uma regra portadora de núcleos significativos de grande magnitude
influenciando visivelmente a orientação de cadeias normativas, às quais
outorga caráter de unidade relativa, servindo de fator de agregação para outras
regras do sistema positivo”. (2004, p. 22).
Deste modo, o termo princípio do latim principium designa a ideia de origem,
começo, base, fundamento, ponto de partida, causa de um processo qualquer – ainda
não impugnada – preceito, regra, lei, que ocupa patamar privilegiado, por facilitar a
compreensão de um tema, atuando na estruturação de um sistema. No sentido vulgar
traduz a ideia de começo da vida. Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, são “a
pedra de fecho do sistema ao qual pertence”. (CARRAZZA, 2010, p. 43).
2.2 PRINCÍPIOS JURÍDICOS
Os princípios jurídicos constituem pilares de estruturação do ordenamento
jurídico, vez que traçam orientações e diretrizes ao campo do Direito. Para o dicionário
Vocabulário Jurídico, o termo “Princípios Jurídicos” designa:
Os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do
próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito. E nesta, acepção, não se
compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas
todo axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois,
os fundamentos da Ciência Jurídica, onde se firmaram as normas originárias ou
as leis cientificas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o
próprio Direito. Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas,
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porque servem de base para o Direito, são tidos como preceitos fundamentais
para a pratica do Direito e proteção aos direitos. (2003, p. 1095).
Compreendem, assim, verdadeiros postulados do Direito, formadores de sua
estruturação e necessários à aplicabilidade e proteção das normas e direitos. Neste
sentir, registra Francisco Pinto Rabello Filho, veja-se:
“Princípios (jurídicos) são, por definição, a viga mestra do sistema (jurídico),
suas prescrições supremas e primeiras e, na intelecção e aplicação das demais
normas jurídicas, o primeiro instrumento do operador”. (2002, p. 30).
Ensina Roque Antonio Carrazza (2010) que o princípio jurídico constitui um
enunciado lógico, podendo ser implícito ou explicito, e em decorrência de sua
supremacia no campo do direito, atua como grandioso vinculador do entendimento e
aplicação das normas jurídicas.
Ocupam dentro do sistema jurídico, posição nuclear, importante para a análise
e compreensão da essência das normas, a qual está conectada, conforme explica
Celso Antonio Bandeira Mello, confira-se:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência [...]”. (2009, p. 948-949).
Quanto à natureza dos princípios jurídicos ensina Francisco Pinto Rabello Filho
(2002) que os princípios são dotados de normatividade, constituindo norma jurídica, que
por sua vez constituem um gênero, da qual decorrem as espécies princípios e regras
jurídicas. No mesmo sentir registra Carlos Ari Sundfeld: “O ordenamento jurídico
contém duas espécies de normas; regras e princípios. Os princípios são, tanto quanto
as regras, parte integrante do ordenamento jurídico” (SUNDFELD, 2011, p. 145).
Expõe Ruy Samuel Espíndola (2002) que os princípios jurídicos - enquanto
ordem jurídica – podem ser tomados basicamente em dois sentidos: no primeiro, como
princípios positivos do direito que pertencem à linguagem do direito e, no segundo
sentido, como princípios gerais do Direito, sujeitos a juízo de valores, segundo a ideia
de falso e verdadeiro, conforme análises descritivas da ciência jurídica.
11
À guisa das exposições feitas, temos que os princípios jurídicos são dotados de
ampla relevância, constituindo verdadeiros alicerces e, cumprindo função informadora
pela qual as demais normas jurídicas devem estar a eles sintonizados. Atuam ainda,
como indicadores para soluções interpretativas, servindo como base para o direito e
consequentemente, atuando na proteção dos direitos e garantias previstos no
ordenamento jurídico.
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal representa a sistematização de normas, composta por
um núcleo – princípios constitucionais – devidamente articulado, que visa a proteger os
preceitos previstos na Lei Maior. Conforme José Geraldo Ataliba Nogueira “o conjunto
ordenado e sistemático de normas, constituídas em torno de princípios coerentes e
harmônicos em função de objetivos socialmente consagrados”. (NOGUEIRA, 1964, p.
8). Para Aliomar de Andrade Baleeiro:
“A Constituição é concebida como uma lei, mas uma lei muito especial, porque
nela se encontram expressos grandes compromissos políticos, grandes
decisões de valores e de contradições, como fruto de um grave e profundo
sopesamento social”. (2006, p. 31).
Explica Celso Ribeiro Bastos (2002) que os textos constitucionais possuem
diretrizes que orientam todo o ordenamento jurídico de um Estado, que nada mais são
que
princípios constitucionais irradiadores de todo
o sistema constitucional,
proporcionam racionalidade ao sistema, bem como conduzem ao processo de
interpretação da Constituição.
Assim, a Constituição Federal representa um conjunto de normas, composta
por conceitos políticos advindos de alterações sociais, e o princípio constitucional,
norma jurídica qualificada, com âmbito de validade maior, orienta a atuação de outras
normas, por se tratar de uma norma nuclear, constituem mandamentos que norteiam
um Estado, desde sua administração, formas de governo e estado, assim como
preceituam direitos e garantias fundamentais aos cidadãos, guardando valores
fundamentais da ordem jurídica.
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2.3.1 Princípios Constitucionais Tributários
O Sistema Tributário Nacional subordina-se a princípios, que atuam como
diretrizes fundamentais e, representam garantias constitucionais dos contribuintes
previstas no artigo 150 da Constituição Federal. Confira-se:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I exigir ou
aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II instituir tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos; III cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do
início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo
exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou; IV utilizar tributo com efeito de confisco; V estabelecer limitações ao
tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou
intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias
conservadas pelo poder público; VI instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda
ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda
ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades
sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência
social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais,
periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Dentre todos os princípios previstos no citado artigo, pode-se citar como os de
maior importância: legalidade, anterioridade, igualdade, competência, capacidade
contributiva, vedação da tributação com efeito de confisco e liberdade de tráfego.
Cumpre expor que, embora seja utilizado o termo “limitações ao poder de
tributar”, inclusive pela própria Constituição Federal, na doutrina é considerada incorreta
a nomenclatura “poder de tributar” uma vez que conforme Hugo de Brito Machado
(2009), a relação tributária não constitui uma relação de poder e sim, uma simples
relação jurídica, não havendo assim que se referir ao poder de tributar, embora
fundamentado na soberania do Estado. Esse termo possui origem remota, ligada a
escravidão, como uma imposição do vencedor sobre o vencido. Sua origem se mostra
presente nos dias de hoje através das práticas arbitrárias utilizadas pelas autoridades
da Administração Tributária. Assim, não é correto admitir que relação tributária seja
relação de poder, pois assim estaríamos em desconformidade com a ideia de liberdade,
presente na concepção do Estado.
13
Celso Antonio Bandeira de Mello ao tratar do princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado discorre sobre esta dita relação de poder do
Estado, defendendo não se tratar meramente de poder, e sim de um dever-poder, uma
vez que a atividade administrativa constitui uma função, com deveres legais que devem
ser realizados, em contrapartida, a fim de possibilitar a realização destes deveres estão
previstos poderes para a atuação da Administração Pública. Confira-se:
A saber: as prerrogativas que nesta via exprimem tal supremacia não são
manejáveis ao sabor da Administração pública porquanto esta jamais dispõe de
“poderes”, sic et simpliciter. Na verdade, o que nela se encontram são “deverespoderes”, como a seguir se aclara. Isto porque a atividade administrativa é
desempenho de “função”.
[...] Em suma, os “poderes” administrativos – na realidade, deveres-poderes –
só existirão – e, portanto só poderão ser validamente exercidos – na extensão e
intensidade proporcionais ao que seja irrecusavelmente requerido para o
atendimento do escopo legal a que estão vinculados. Todo excesso, em
qualquer sentido, é extravasamento de sua configuração jurídica. É, ao final,
extralimitação da competência (nome que se dá, na esfera pública, aos
“poderes” de quem titulariza função). (2009, p.94-96)
Retornando aos princípios constitucionais tributários, Celso Ribeiro Bastos, ao
tratar deste tema, expõe: “Os princípios têm caráter genérico, amplo, que se volta mais
a fixar parâmetros para a instituição e cobrança dos demais tributos. Não inviabilizam
de maneira absoluta a atividade tributária”. (BASTOS, 2002, p 173).
Segundo José Afonso da Silva (2009), podem ser classificados em: 1)
princípios gerais, porque se referem a todos os tributos e contribuições do sistema
tributário, que por sua vez são classificados em: expressos e decorrentes; 2) princípios
especiais: decorrentes de razões especiais e presentes nos artigos 151 e 152 da
Constituição Federal; 3) princípios específicos: necessários à determinação de tributo e;
4) imunidades tributárias, instituídas em decorrência de privilégios ou de questões de
interesse social.
Conclui-se que os princípios constitucionais tributários compreendem um
conjunto de instruções aplicáveis à matéria tributária; atuando de forma a definir
parâmetros de observação obrigatória pelo Fisco, vez que estabelecem critérios para a
instituição e cobranças dos tributos. Embora atuem como limitadores da relação
tributária, não restringem em absoluto a atividade de arrecadação.
14
2.3.1.1 Função dos Princípios Constitucionais Tributários
Na visão da doutrina majoritária, a função de tais princípios está basicamente
ligada à proteção dos direitos e garantias do contribuinte. Conforme consigna Aliomar
de Andrade Baleeiro “as limitações constitucionais ao poder de tributar são especiais
manifestações dos direitos e garantias fundamentais do cidadão-contribuinte”
(BALEEIRO, 2006, p. 34). No mesmo sentido, manifesta-se Alexandre Macedo Tavares
“Essas limitações ao poder de tributar (de ordem jurídica) investem-se da roupagem de
verdadeiras garantias individuais dos contribuintes”. (TAVARES, 2009, p. 13).
Para Kiyoshi Harada (2010), a Carta Magna prescreve variados princípios
tributários, que objetivam a preservação do regime político adotado, a saúde da
economia, o respeito dos direitos fundamentais e à proteção dos valores espirituais,
servindo como escudos de proteção dos contribuintes, bem como freios que limitam o
exercício da tributação. Já para Roque Antonio Carrazza:
“[...] os contribuintes, se, por um lado, têm o dever de pagar tributos,
colaborando para a manutenção da coisa pública, têm, por outro lado, ao
alcance da mão, uma série de direitos e garantias, oponíveis ex ante ao próprio
Estado, que os protegem da arbitrariedade tributária, em suas mais diversas
manifestações [..].” (2010, p. 506)
No sentir de Hugo de Brito Machado (1994) os princípios constitucionais
tributários existem para a proteção do cidadão contra os abusos de poder do Fisco,
devendo o intérprete destas normas, ter em mente sua finalidade. Aliás, o Direito é um
instrumento de defesa contra o arbítrio da atividade estatal, e a Constituição Federal,
que abriga os mais importantes princípios jurídicos, é por excelência um instrumento de
defesa do cidadão frente a eventual ato de abuso por parte do Fisco.
Enquanto o adimplemento de tributos constitui um dever jurídico do cidadão em
colaborar com a manutenção da coisa pública, cabendo o recolhimento aos entes
políticos nos termos e limites definidos pela Constituição Federal, não pode o fisco por
outro lado, agir de modo desproporcional ferindo o patrimônio do contribuinte cidadão.
Afinal, é através da concessão de direitos e garantias que se dá a proteção ao
contribuinte frente a eventual abuso de poder praticados pela Administração Pública no
15
exercício da tributação, proteção que configura a função dos princípios constitucionais
tributários.
2.4 HISTÓRICO
2.4.1 Princípios na Constituição de 1967 – Emenda nº. 1/69
A Constituição de 1967 foi promulgada em 24 de janeiro de 1967 e entrou em
vigor em 15 de março do mesmo ano. Para José Afonso da Silva (2009), a Constituição
de 1967 sofreu grande influência da Constituição de 1937, tendo assimilado suas
características basilares. Preocupando-se basicamente com a segurança nacional,
concentrou competências e atribuiu novas funções ao Presidente da República. No
âmbito tributário, a Constituição de 1967 reformulou o sistema nacional e a
discriminação de renda, ampliando também, o federalismo cooperativo, que consiste
numa maior centralização com a participação de uma entidade na receita de outra.
Com a ditadura militar implantada no Brasil em 1964, ocorreram alterações na
Constituição Federal por meio de sucessivas emendas. A Emenda nº. 1/69, instrumento
de outorga, é tida como uma nova Constituição, conforme ensina José Afonso da Silva
“Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova Constituição. A
emenda só serviu como mecanismo de outorga”.(SILVA, 2009, p. 87).
Para o Sistema Nacional Tributário, a nova emenda trouxe um planejamento
mais coerente, conforme anota Paulo César Castilho “A partir da Emenda
Constitucional nº. 1/69, começou a se traçar um modelo mais harmônico do Sistema
Tributário Nacional, embora sofrendo críticas de nossos melhores juristas”. (CASTILHO,
2002, p. 61)
Aliomar de Andrade Baleeiro (2006) ensina que as Constituições brasileiras do
período republicano e a Carta Monárquica de 1824 eram compostas por vários
princípios constitucionais tributários, constituídas de três competências fiscais
decorrentes do regime federal. Com o advento da Constituição de 1964, todos esses
princípios foram mantidos e consagrados, até mesmo alguns princípios que nas Cartas
16
constitucionais anteriores não foram significativamente observados como, por exemplo,
os princípios da anualidade do imposto e capacidade contributiva.
Cabe observar ainda, que dentre o rol de princípios presentes na Constituinte
de 1964, composto por vinte e cinco princípios, encontramos inclusive o princípio da
vedação da tributação com efeito de confisco, o qual já fazia parte de nosso Sistema
Tributário.
2.4.2 Princípios na Constituição de 1988
Ensina José Afonso da Silva (2009) que a luta pela normalização democrática e
a luta pelo Estado Democrático de Direito, começou com a instalação do golpe militar
de 1964. Com a derrota das forças autoritárias que dominaram o país (1964 a 1984), o
povo passou a apoiar Tancredo Neves, eleito em 15 de janeiro 1985, na execução de
seu programa de construção da Nova República. Antes de assumir a Presidência,
Tancredo Neves morreu, assumindo o cargo o seu Vice-Presidente José Sarney, que
sempre esteve ao lado das forças autoritárias.
Sarney enviou ao Congresso Nacional proposta de emenda constitucional,
convocando a Assembléia Nacional Constituinte, onde restou aprovada a Emenda
Constitucional nº. 26. Estabeleceu-se desta forma, que a Constituição seria aprovada,
após dois turnos de discussão e votação pela maioria absoluta dos membros da
Assembléia Nacional Constituinte. E assim, foi promulgada, em nome do povo, a
Constituição Federal de 1988, que nas palavras de Cristiano Carvalho “A gênese da
ordem jurídica brasileira atual deu-se com a Assembléia Constituinte de 1988”
(CARVALHO, 2005, p. 305). Ou seja, a Constituição Federal de 1988 representa o
início da ordem jurídica nacional.
Entende Aliomar de Andrade Baleeiro (2006) que as inúmeras imunidades e
princípios presentes na Constituição Federal de 1988 são simples especializações ou
explicações dos direitos e garantias individuais, ou de outros princípios estruturais,
como a forma federal de Estado, sendo estes imutáveis por emendas ou revisão, eis
que fazem parte das normas irredutíveis presentes no artigo 60, parágrafo 4º da
Constituição Federal e por se tratar de direitos e garantias fundamentais conforme
17
previsto no artigo 5º parágrafo 2º da Constituição Federal. Se, no Texto Constitucional
de 1969 estavam presentes vinte e cinco princípios constitucionais tributários, na
Constituição de 1988 este número passou para trinta e seis.
18
3 PRINCÍPIO DA TRIBUTAÇÃO COM EFEITO DE CONFISCO
O princípio da vedação ao confisco constitui um princípio jurídico constitucional
tributário expresso, consagrado no tópico intitulado “Das Limitações ao Poder de
Tributar” - artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal. Veja-se:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV utilizar
tributo com efeito de confisco.
É também denominado de Princípio do Não-confisco, e nomeado por José
Afonso da Silva como princípio da proporcionalidade razoável: “princípio da
proporcionalidade razoável, regra que veda a utilizar tributo com efeito de confisco”.
(SILVA, 2009, p. 715).
Constitui uma limitação ao exercício da tributação, atuando em defesa do
cidadão-contribuinte contra eventuais atos fundados no abuso de poder do Estado, que
configurem o efeito confiscatório.
3.1 BREVE RELATO HISTÓRICO
A primeira aparição do princípio da vedação da tributação com efeito de
confisco foi na Constituição de 1824, ocupando posição de protetor do direito de
propriedade.
Permaneceu
nas
constituições
subsequentes,
mas
somente
na
Constituição de 1988, foi tido como um princípio constitucional tributário.
Entretanto, antes da Constituinte de 1824, já existiam práticas confiscatórias.
Conforme ensina Paulo Cesar Baria de Castilho (2002) na época de Brasil Colonial –
sujeito ao sistema fiscal feudal – haviam os impostos comuns e extraordinários1, os
quais, com o advento dos tempos, foram aumentando, chegando a um verdadeiro
confisco, deflagrando posteriormente a Inconfidência Mineira. No ano de 1756, foi
1
Cumpre expor que, conforme explica Castilho (2002), os impostos comuns eram os quintos e os
dízimos, exigidos em decorrência do monopólio do Reino. Enquanto os impostos extraordinários eram as
fintas destinadas a cobrir serviços gerais imprevistos e a derrama, utilizada para complementar, em
certas situações, o montante previsto no orçamento.
19
estipulado o pagamento de subsidio voluntário2 pelo prazo de dez anos, que foi cobrado
por mais de vinte anos quando, em 1778, teve a cobrança suspensa pelo então
governo.
No curso da história, o confisco sofreu alto grau de evolução, tendo em vista
variados contextos históricos desde as guerras, com as expropriações de bens dos
vencidos, seguidas das revoluções burguesas, em decorrência dos altos tributos
cobrados pelo rei e, por fim, como busca pela proteção da propriedade particular contra
a apropriação do Estado. Neste sentido, ensina Eduardo Sabbag:
Perante a História, durante a passagem dos séculos, a retórica do confisco foi
marcada por alto grau de evolução, ligando-se a diferentes contextos fáticos: (I)
às guerras, em razão da apropriação dos bens públicos confiscáveis dos
inimigos, como medida punitiva e preventiva; (II) ao tenso convívio entre a
burguesia, alvo do tributo, e os reis, detentores do poder de tributar, culminando
nas famosas revoluções, que, em grande parte, eram inevitáveis conseqüências
do descontentamento do povo com a opressão fiscal; (III) à crescente proteção
da propriedade contra a apropriação estatal. (2009, p. 188).
Assim, o princípio da vedação embora presente inicialmente no Texto
Constitucional de 1824, sua presença no contexto histórico brasileiro é bem antiga,
retroagindo até os tempos do Brasil Colônia, quando já havia noção de que os tributos
não deveriam ser acompanhados do caráter confiscatório.
3.2 DEFINIÇÃO: EFEITO DE CONFISCO
A caracterização do “efeito de confisco”, atrelada à definição do termo
“confisco”, não constitui uma tarefa fácil, conforme orientam a maioria dos
doutrinadores. Ensina Hugo de Brito Machado (1994) que, em regra, o confisco
constitui uma punição, decorrente de crimes ou contravenções praticados por uma
pessoa que, além das sanções impostas, está sujeita à perda de todos ou parte de
seus bens em proveito dos bens públicos. Assim, tributo com efeito de confisco é
aquele que, devido à excessiva onerosidade, pareça constituir penalidade.
2
Incidente sobre o comércio de escravos, gados, barris de vinho ou aguardente e sobre cada venda
negociada.
20
Para Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior, a caracterização do confisco, está
atrelada a perda abusiva, parcial ou total do bem particular, sem prévia indenização,
confira-se: “Tributo com efeito confiscatório é aquele que pela sua taxação extorsiva
corresponde a uma verdadeira absorção, total ou parcial, da propriedade particular pelo
Estado, sem o pagamento da correspondente indenização ao contribuinte.” (ROSA
JÚNIOR, 2009, p. 235),
Já Roque Antonio Carraza vai além, ligando o conceito de confisco a não
observância da capacidade contributiva do contribuinte, confira-se: “[...] é confiscatório
o imposto que, por assim dizer, esgota a riqueza tributável das pessoas, isto é não leva
em conta suas capacidades contributivas”. (CARRAZZA, 2010, p. 75).
No sentir de Olavo Bilac Ferreira Pinto, sempre que a carga tributária prejudicar
ou impossibilitar o desenvolvimento financeiro do contribuinte, restará caracterizado o
abuso de poder na modalidade de confisco, cabendo ao Poder Judiciário impedir este
ato. Veja-se:
Toda vez que o exercício do Poder de Tributação perturbar o ritmo da vida
econômica, aniquilar ou embaraçar as possibilidades de trabalho honesto e
impedir ou desencorajar as iniciativas lícitas e proveitosas, o que ocorrerá será
o desvio ou o abuso desse Poder, o que haverá será o exercício ilegal do direito
de impor tributos, ilegalidade ou abuso, que pode e deve ser obstada pelo
Poder Judiciário, toda vez que a ele se recorra”.(PINTO, p. 547 citado por
ZILVETI e COELHO, 2006, p. 285).
Noutro giro, ensina Renato Lopes Becho (2009) que, no âmbito tributário, o
confisco pode ser definido como a transferência, do total ou de parte, exagerada e
insuportável de bem objeto da tributação, da propriedade do contribuinte para a
propriedade do Estado.
O autor Jorge de Oliveira Vargas (2003), ao tratar do tema confisco, faz a
diferenciação entre confisco direto, decorrente da prática de um ato ilícito e, confisco
indireto, imposto em face da utilização da propriedade sem o atendimento de sua
função social, prevista constitucionalmente. Deixando claro, porém, não se tratar essas
hipóteses de confisco tributário, vez que configuram exceções ao direito de
propriedade, bem como não possuem congruência com a natureza dos tributos de um
21
modo geral, devido ao seu caráter compulsório, não havendo natureza de punição por
prática de ato ilícito. Confira-se:
Só poderá haver confisco direto ou indireto, nestas hipóteses, quais sejam: em
razão da prática de um delito, no primeiro caso, ou da utilização da propriedade
de forma contrária ao interesse público, ou seja, da utilização da propriedade
sem atendimento de sua função social, no segundo. Conclui-se que o confisco
direto ou indireto só pode existir como resposta punitiva, e, por se tratar de uma
exceção ao princípio fundamental que garante o direito de propriedade, há de
estar previsto explicitamente e ser interpretado restritivamente. O confisco direto
ou indireto, dada sua conotação punitiva, é incompatível com a tributação, pois
o tributo, nos termos do art. 3º do Código Tributário Nacional, é uma prestação
compulsória que não tem por objetivo a punição de ato ilícito. (2003, p. 71-72).
Portanto, sempre que a arrecadação de um tributo gerar sensação de punição,
ferir o âmbito financeiro do contribuinte, atuando em desconformidade com a
capacidade contributiva, restará caracterizado o confisco tributário.
3.3 NÃO CONFISCO E DIREITO DE PROPRIEDADE
O princípio da vedação da tributação com efeito de confisco é visto como uma
redundância ao direito de propriedade, conforme explica Cristiano Carvalho “Se a
Constituição salvaguarda o direito individual da propriedade, por conseguinte veda que
os entes tributários possam vilipendiá-la através da tributação confiscatória”.
(CARVALHO, 2005, p. 379). Neste sentir, manifesta-se Roque Antonio Carrazza:
“a norma constitucional que impede que os tributos sejam utilizados “com efeito
de confisco”, além de criar um limite explícito às discriminações arbitrarias de
contribuintes, reforça o direito de propriedade.” (CARRAZZA, 2010, p. 108).
Logo, a vedação ao confisco além de limitador do exercício da tributação, atua
também como protetor do direito de propriedade. Para José Souto Maior Borges:
“Entre as garantias constitucionais do direito de propriedade insere-se
implicitamente a proibição de confisco tributário, por implicações do art. 5º,
XXIV: se o proprietário somente pode ser expropriado na forma da lei
administrativa (não tributária), segue-se que está implicitamente vedado o
confisco tributário. [...] Dá-se, no entanto por essa via a imunização da
propriedade ao confisco tributário. (BORGES, 2004, p. 67)”.
22
Diversamente manifesta-se Paulo Cesar Castilho (2002) ao entender que a
vedação constitucional do confisco tem como objetivo principal limitar a atividade de
arrecadação, evitando que a tributação atinja finalidade diversa de seu objetivo que é
de arrecadação e redistribuição de receitas, enquanto a proteção do direito de
propriedade é atendida por outras normas constitucionais3.
Assim, muito embora alguns defendam que o princípio da vedação ao confisco
visa garantir o direito de propriedade, deve-se levar em conta que sua previsão legal
expressa está inserida no campo dos princípios constitucionais aplicáveis a matéria
tributária, que visam diretamente limitar o exercício da tributação e proteger o cidadãocontribuinte do exercício ilegal do direito de impor tributos. Enquanto no direito de
propriedade é autorizado o confisco na forma e quando preenchido os requisitos da
norma autorizadora, nas demais formas de confisco que forem ilegais restam aquelas
protegidas pelo artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal. Cabe apenas defender a
atuação indireta do não confisco como reforço na proteção do direito de propriedade.
3.4 NÃO CONFISCO E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O Princípio da vedação ao confisco tem clara ligação com o princípio da
capacidade contributiva, presente no artigo 145, parágrafo 1º da Constituição Federal 4,
vez que, conforme ensina Eduardo Sabbag (2009), o princípio da vedação ao confisco
deriva do princípio da capacidade contributiva e estes atuam conjuntamente, sendo o
último traduzido na aptidão do contribuinte de suportar a carga tributária sem, no
entanto, comprometer o mínimo existencial5. A ligação entre estes dois institutos resta
demonstrada através da afirmação de que capacidade contributiva se esgota onde se
inicia o confisco.
3
As proteções ao direito de propriedade estão previstas nos artigos 5º, inciso XXII, e 170, inciso II, da
Constituição Federal.
4
Art. 145 - § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir
efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
5
O mínimo existencial, vital ou necessário está previsto no artigo 7º, IV, da Constituição Federal, equivale
a riqueza mínima, suficiente para a manutenção do individuo e de sua família.
23
Aliomar de Andrade Baleeiro acrescenta a estes dois princípios, o princípio da
isonomia, para assim demonstrar a diferenciação entre estes dois institutos. Veja-se:
Assim, o princípio do art. 145, § 1º, embora também assentado na capacidade
econômica, é relativo e impõe que, comparativamente, a lei faça justiça
tributária, vale dizer, crie deveres tributários iguais para todos, mas leves para
os economicamente mais fracos e mais pesados para aqueles de maior
capacidade contributiva. Já o princípio que estamos analisando, que veda
utilizar tributo com efeito de confisco, é absoluto e amplo, não suportando
comparação. Resguarda o direito de propriedade, em sentido lato, mas não
assegura a igualdade, objetivo prepicuamente visado no art. 145, § 1º, da
Constituição Federal. (2006, p. 575).
Os princípios da igualdade e capacidade contributiva atrelados ao conceito de
justiça, definem a criação de deveres tributários iguais a todos, observadas suas
desigualdades e assim a capacidade contributiva de cada cidadão-contribuinte. Já no
princípio da vedação ao confisco por ser absoluto, não há ponderação, bem como não
se admite comparações e diferenciações, pois, ao vedar o confisco, não se está
assegurando a isonomia.
Noutra passagem, ensina Aliomar de Andrade Balleiro (2006) que embora os
princípios da capacidade contributiva e vedação ao confisco estejam ligados um ao
outro, estes possuem suas especificidades, na medida que a vedação ao confisco
decorre do princípio da capacidade contributiva, e ambos possuam a função de
proteger o contribuinte e seu patrimônio contra incidências desproporcionais de tributos.
Veja-se:
O principio do não confisco que veda instituir imposto com efeitos confiscatórios
tem nítida relação com a capacidade econômica do contribuinte, mas, ao
mesmo tempo, distingue-se claramente daquele outro, estabelecido no art. 145,
§1º, o qual obriga o legislador a graduar o tributo de acordo com a capacidade
econômica de cada agente. A capacidade econômico-contributiva do
contribuinte é o ponto de partida da qual derivam não só o princípio que veda
utilizar tributo com efeito de confisco como também o princípio da tributação
proporcional a força econômica do sujeito passivo, na forma em que se
encontra inserido no art. 145, § 1º, da Constituição Federal. Mas, embora
assentados sob os mesmo fundamentos, os princípios não se confundem. A
relação necessária entre vedação de efeitos confiscatórios e capacidade
contributiva encontra-se em que os tributos não podem exceder a força
econômica do contribuinte. Deve haver, então, clara relação de compatibilidade
entre as prestações pecuniárias, quantitativamente delimitadas na lei, e a
espécie de fato – signo presuntivo de riqueza – posto na hipótese legal. (2006,
p. 573).
24
Nota-se que, quando o efeito confiscatório estiver presente, a capacidade
contributiva terá sido violada, porém, o contrário não é verdadeiro na medida em que
pode a capacidade contributiva ser ferida sem, no entanto, estar caracterizado o efeito
confiscatório, conforme explica Cristiano Carvalho:
“O não confisco também implica a capacidades contributiva, pois se o primeiro
princípio for violado, necessariamente estará violado o segundo. A recíproca
não é verdadeira, pois pode haver casos em que a capacidade contributiva não
é atendida e nem por isso há confisco.” (CARVALHO, 2005, p. 379)
Um exemplo desta afirmativa é dado por Renato Lopes Becho (2009) em
exposição da seguinte situação: suponhamos que seja determinado por órgão
competente que a tributação pelo Imposto Predial Urbano – IPTU será confiscatória se
tiver alíquota de 10% sobre a base de cálculo, que é o valor venal do imóvel.
Suponhamos também que o legislador competente altere a legislação específica,
majorando a alíquota de 1% para 5% do referido imposto, resultando em dificuldades
financeiras aos contribuintes. Neste caso terá ofendido o princípio da capacidade
contributiva, porém não terá havido ofensa ao princípio da vedação ao efeito
confiscatório, pois não atingiu a alíquota considerada confiscatória de 10%.
Para analisar a existência ou não do efeito confiscatório, deve-se observar os
limites da capacidade contributiva. Deste modo, quando a carga tributária estiver
ferindo a capacidade contributiva e o mínimo existencial do contribuinte, estará
presente o efeito confiscatório do tributo, mas o contrário não é verdadeiro como visto.
Logo, pode-se concluir que a capacidade contributiva pode servir como parâmetro para
a caracterização do efeito confiscatório.
3.5 NÃO CONFISCO E EXTRAFISCALIDADE
Conforme ensina Aliomar de Andrade Baleeiro (2010) ao legislador tributário é
reconhecida, pela doutrina, pela jurisprudência e pelo ordenamento jurídico, a faculdade
de estimular ou desestimular comportamentos, conforme o interesse social, através da
25
tributação progressiva6, regressiva7 ou por meio da concessão de benefícios e
incentivos fiscais. Desta faculdade nascem os tributos extrafiscais que, devido a sua
natureza, não almejam prioritariamente a arrecadação para custeio do Estado, mas sim,
ordenar a propriedade de acordo com sua função social ou intervir na economia,
injetando ou retirando a moeda em circulação, a fim de se atender aos interesses
sociais.
Registra Flávio de Azambuja Berti que “Não pode haver rigidez na interpretação
do princípio do não-confisco quanto aos impostos em se tratando da presença de metas
extrafiscais como pano de fundo da normalização de tais impostos”. (BERTI, 2007, p.
176).
Segundo Casanova (1997 citado por Goldschmidt, 2004, p. 195), a tributação
extrafiscal não excepciona o princípio do não-confisco, que incide quando estiverem
presentes seus pressupostos. Admite-se uma elevação da tributação por conta da
extrafiscalidade, mas essa elevação não pode chegar à medida da destruição,
penalização ou aniquilação de outros direitos do contribuinte, mesmo porque, o
constituinte não excepcionou a observância do art. 150, inciso IV, nas hipóteses em que
é permitido o uso extrafiscal da tributação. Assim, o princípio da vedação ao confisco é
aplicável a extrafiscalidade. Neste sentido, ensina Paulo Cesar Castilho:
Mas é bom lembrar que, ainda que em situações anômalas, não existe uma
“carta branca” para exigir o que quer de tributo. Mesmo nesses casos o
confisco, disfarçado de tributo, continua proibido. O que se admite é o
elastecimento dos critérios preestabelecidos para a tributação confiscatória,
sendo certo, contudo, que a perda total da propriedade (ou algo próximo disso),
por óbvio, não deixa de ser confisco, ainda que camuflado sob as folhas da
extrafiscalidade. (2002, p. 117).
Contrária aos posicionamentos expostos, manifesta-se Vanessa Siqueira, ao
defender que “Não cabe, todavia, falar em caráter confiscatório no que tange a
extrafiscalidade, pois, neste caso, as alíquotas são altas de modo a evitar que o fato
gerador ocorra. O objetivo não é confiscar.” (SIQUEIRA, 2009, P. 180).
6
A tributação progressiva consiste na imposição gradual de encargos cada vez maiores, visando o pleno
desenvolvimento da política urbana.
7
Diz-se do imposto em que a alíquota diminui à proporção que os valores sobre os quais incide são
maiores.
26
Sendo assim, o princípio da vedação ao confisco convive normalmente com o
instituto da extrafiscalidade, atuando de modo mais afável, na vedação ao efeito
confiscatório no âmbito dos tributos extrafiscais, vez que estes também estão sujeitos
às limitações tributárias. Ou seja, uma vez tributos extrafiscais, estes também não
podem possuir caráter confiscatório.
27
4. MULTAS TRIBUTÁRIAS
4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Multa é a prestação pecuniária, compulsória, instituída em lei ou contrato em
favor de particular ou do Estado, decorrente da prática de um ilícito, ou seja, a multa
representa uma prestação paga em dinheiro, em caráter obrigatório, devida a um
particular ou ao Estado em decorrência de uma obrigação ou dever instrumental
descumprido. Já segundo o Vocábulo Jurídico, multa fiscal é:
É a imposição pecuniária devida pela pessoa, por decisão da autoridade fiscal,
em face de infração às regras instituídas pelo Direito Tributário.
Semelhante a multa compensatória, apresenta-se, às vezes, como indenização
à fraude fiscal praticada. Nessa circunstância, em geral, é fixa, determinando,
assim, a própria lei quantias certas correspondentes às espécies de infração.
[...]. (SILVA, 2003, p. 935-936)
Deste modo, a multa tributária ou a multa fiscal é uma penalidade fiscal imposta
ao contribuinte em razão de infração a lei tributária. Às vezes, possui natureza
indenizatória, podendo ser considerada um misto de sanção penal e de reparação civil.
Já Francisco Carnelutti (CARNELUTTI citado por COÊLHO, 1993, p. 39) deixou
consignado que constitui a multa: “um evento danoso imposto a quem não cumpre o
preceito”.
Explica Alfredo Augusto Becker: “ocorrendo o desrespeito (não sujeição) tornase necessária à coação: a utilização da força material para obter-se a sujeição à força
espiritual da eficácia jurídica: a relação jurídica”. (BECKER, 1998, p. 354). Assim,
havendo o descumprimento da obrigação tributária ou dever instrumental, que
representa uma relação jurídica conforme já visto, será através da coação,
representada pela multa fiscal, que se fará cumprir a obrigação tributária, e assim fazer
com que esta atinja sua eficácia.
Ensina Cleide Previtalli Cais (2004) que a sanção tributária, da qual são
espécies as multas fiscais, devem ser aplicadas na presença de todos os seus
elementos integradores, presentes na norma reguladora, ou seja, aplicável quando da
ocorrência do fato antijurídico com a instauração de outra relação jurídica, agora entre o
28
contribuinte infrator e o agente da infração. Deve servir como meio de evitar a prática da
infração no âmbito psicológico através da ameaça de sua aplicação e quando da
punição concreta, objetiva evitar novas ocorrências similares.
Na lição de Paulo de Barros Carvalho:
A relação jurídica sancionatória pode assumir feitio obrigacional, quando se
tratar de penalidades pecuniárias, multas de mora ou juros de mora, como
também veiculadora de meros deveres, de fazer ou de não-fazer, sem conteúdo
patrimonial. Incluem-se nessa rubrica uma série de atos cuja prática a Fazenda
Pública impõe ao infrator, como também as proibições a que fica sujeito, toda
vez que se formalizarem certos tipos de ilícito. [...] (2010, p. 354)
Assim, as multas fiscais – decorrentes de uma relação jurídica sancionatória –
constituem penalidades dotadas de caráter sancionatório, constituindo o meio pelo qual
o Fisco age em face do contribuinte inadimplente, que prática o ato ilícito de não
recolher aos cofres públicos o tributo devido. Referindo-se a obrigações de fazer ou de
não-fazer, podendo conter caráter não patrimonial.
4.2 NATUREZA JURÍDICA
A definição da natureza jurídica das multas fiscais como sanções tributárias é
dotada de grande divergência doutrinária, sendo que são defendidas as presenças de
três naturezas: civil, tributária e penal. Conforme ensina Ricardo Lobo Torres (2010),
existem aspectos específicos que fundamentam cada posicionamento – veja-se, em
síntese:
Natureza civil, decorrente dos seguintes aspectos: a) definição na legislação
administrativa; b) aplicação por autoridades administrativas; c) natureza ressarcitória,
pois ausente a intenção ética de garantir a ordem jurídica; d) não conversão em pena
privativa de liberdade, como no caso das multas penais; e) inobservância da
culpabilidade do agente infrator; f) não individualização, uma vez que o pagamento por
um dos obrigados libera os demais; g) não é personalíssima, pois se transmite causa
mortis ou inter vivos, diferente das multas penais, que se extinguem com a morte do
agente.
29
A natureza tributária é defendida com base na ideia de que a multa tributária
não visa à preservação da ordem tributária, mas sim, a coação do contribuinte ao
pagamento da obrigação tributária principal.
A natureza penal – posicionamento predominante, segundo o Ricardo Lobo
Torres (2010) – se deve aos seguintes aspectos: a) o que importa nesta análise é a
existência de conduta antijurídica, afastando-se as sanções tributárias do Direito Penal
Geral e do Direito Administrativo, para compor o Direito Penal Tributário; b) a
diferenciação quanto ao órgão que aplica as multas – judicial ou administrativo –
constitui diferença apenas formal; c) possuem natureza punitiva e intimidativa, com
finalidade de garantir a ordem jurídica, restando afastada a natureza indenizatória, pois
mesmo às multas moratórias constituem pagamentos que transcendem a reparação do
dano; d) não se transforma em pena privativa de liberdade; e) leva em consideração a
culpabilidade do agente - o dolo, a boa-fé e a imperícia constituem elementos que
devem ser observados quando da aplicação das multas; f) aplicam-se às penalidades
tributárias todos os grandes princípios do Direito Penal como a antijuridicidade, estrita
legalidade, tipicidade, proibição de analogia e irretroatividade, salvo o da lei benigna.
4.3 ESPÉCIES DE MULTAS
Quanto à classificação, ensina Sacha Calmon Navarro Coêlho (1993), que as
multas tributárias constituem as espécies de sanções tributárias mais comuns, atuando
tanto no âmbito da infração tributária substancial como no âmbito formal. São
classificadas como moratória ou de revalidação, enquanto as multas que sancionam o
descumprimento de obrigação acessória podem ser classificadas em formais e
isoladas.
O então já citado dicionário Vocábulo Jurídico, também se refere a uma
classificação das multas tributárias. Veja-se:
[...]Mas as multas fiscais também se mostram moratórias de majoração ou de
revalidação.
De majoração, quando, em face da infração à lei ou sonegação de tributo, além
da quantia estipulada, é multado o contribuinte para pagar uma quantia maior.
De revalidação, quando por ter pago mal o imposto, a fim de regularizá-la tem
que reajustá-la, com o pagamento de certa soma,que completa o imposto
30
insuficiente ou cumprido irregularmente. Seja pela sonegação, pelo
retardamento no pagamento, ou por qualquer outra irregularidade fiscal, a multa
fiscal importa sempre uma infração do regramento que o imposto se institui, e
salvo o caso da moratória, que se estabelece automaticamente, sempre resulta
de um processo fiscal, instaurado pelo auto de infração.
Assim se apresenta com o aspecto de uma penalidade fiscal, a ser cumprida
em dinheiro, o que confere com o sentido etimológico da multa.
A multa fiscal apresenta-se como um misto de sanção penal e de reparação
civil. (2003, p. 935-936)
Assim em síntese a multa tributária ou multa fiscal tem como espécies: 1)
majoração: pagamento da quantia estipulada pela infração acrescida de multa que
deixa o total a pagar maior; 2) revalidação: reajuste aplicado em decorrência da
infração, acrescido de certo valor a fim de regularização da situação do contribuinte.
Para Jorge de Oliveira Vargas a multa tributária pode ser punitiva ou oratória,
enquanto a primeira ocorre do inadimplemento do dever tributário, a segunda constitui
penalidade decorrente de ato fraudulento. Confira-se:
A multa, e direito tributário, poder se punitiva ou moratória; esta decorre do
simples fato de o pagamento não ter sido efetuado dentro de um determinado
prazo, enquanto que aquela importa numa punição a um ato de natureza
fraudulenta, como por exemplo, a sonegação. (VARGAS, 2005, p. 304).
Noutra passagem, cita o autor a multa punitiva em contrapartida a multa de
espécie moratória, veja-se: “A multa punitiva, que visa coibir a fraude, tem natureza
jurídica diversa daquela que tem por finalidade apenas punir um atraso no pagamento
do tributo, chamada moratória. (VARGAS, 2005, p. 305).
Nos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho (2010) encontramos cinco
espécies de multas tributárias, quais sejam: 1) Multa de ofício: em que o termo “ofício”
constitui o modo como o fisco irá exigir a multa. Decorre de ato da Administração
Pública, exigido através do lançamento por ofício, auto de infração ou ainda imposição
de multa (AIIM); 2) Multa punitiva ou por infração: consiste numa prestação pecuniária,
compulsória, devida em decorrência de prática de ato ilícito, sendo a típica sanção de
ato ilícito que se dá, em regra, pelo auto de infração; 3) Multa isolada: procedimento
pelo qual, isoladamente, institui-se a multa devidamente autorizada pela legislação.
Ainda, seria a multa aplicada em razão de cobrança do valor devido a título de
penalidade, podendo ser de ofício ou punitiva, com finalidade regulatória, possuindo o
31
mesmo fundamento fático da multa de lançamento por ofício: o inadimplemento do
tributo; 4) Multa agravada: tem por finalidade o agravamento da penalidade em
decorrência de dolo, fraude ou simulação não recolhimento do tributo; 5) Multa de mora:
além do caráter punitivo, predomina a natureza indenizatória do fisco em receber
acréscimos em decorrência do pagamento do tributo fora de seu tempo.
4.4 DIFERENCIAÇÃO: TRIBUTO E MULTA TRIBUTÁRIA
Importante neste momento, fazer a demonstração dos aspectos que
diferenciam os institutos das multas tributárias e dos tributos, uma vez que este servirá
de base para a exposição das circunstâncias no próximo capítulo. Veja-se o que explica
Sacha Calmon Navarro Coêlho acerca deste tema:
Multa é uma prestação pecuniária compulsória instituida em lei ou contrato em
favor de particular ou do Estado, tendo por causa a prática de um ilicito
(descumprimento do dever legal ou contratual).
Diferencia-se do tributo porque neste a prestação pecuniária compulsória em
prol do Estado ou de pessoa por ele indicada, exercendo função paraestatal,
tem por causa a realização de um fato lícito qualquer (ter renda, ser
proprietário, exportar, receber serviços públicos, ter imóvel valorizado por obra
pública, ser empregado, etc.) (1993, p. 41).
Enquanto a multa tributária representa uma sanção por prática ilícita,
decorrente do descumprimento de uma obrigação prevista em lei, ou seja, o não
pagamento do tributo, o tributo em si constitui uma imposição decorrente da prática de
ato lícito previsto em lei e não de um ato ilícito, como às multas. Neste sentido, ensina
Zelmo Denari:
“Ambos são prestações pecuniárias compulsórias, instituídas por lei e cobradas
mediante atividade administrativa plenamente vinculada, mas as multas fiscais
ostentam a natureza de sanção de ato ilícito” (2008, p. 46).
Cumpre expor que o conceito de tributo está previsto no artigo 3º, do Código
Tributário Nacional, veja-se:
32
“Artigo 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída
em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Ademais, as sanções tributárias da qual são espécies as multas tributárias,
constituem normas jurídicas sancionatória. A norma jurídica por sua vez divide-se em
norma jurídica primária e norma jurídica secundária, denominada sancionatória.
Enquanto a primeira estabelece uma conduta desejada, a segunda estabelece uma
sanção pelo descumprimento da conduta prevista – denominada relação jurídica
sancionatória – ambas dotadas de uma hipótese, fato este que pode ou não ocorrer no
mundo fático e uma consequência que prescreve a relação jurídica de direito subjetivo
e dever jurídico, definindo obrigações de fazer ou não fazer. Neste sentido ensina Paulo
de Barros Carvalho. Veja-se:
Em síntese, a norma primária tem em sua hipótese a conexão de um fato de
possível ocorrência ao passo que a hipótese da norma secundária descreve a
inobservância da conduta prevista na consequência da primeira. E, enquanto
aquela estatui direitos e deveres correlatos, esta prescreve a sanção mediante
o exercício da coação estatal. A norma primária estabelece relação juridica de
direito material (substancial); a norma secundária, relação jurídica de direito
formal (adjetivo ou processual). (2010, p. 589)
José Roberto Vieira apresenta um esquema para melhor compreensão da
diferenciação entre a norma primária ou endonora e a norma secundárias ou perinorma,
revestida no método de Norma Jurídica = NP [A – B]. [NS [B – C]. Confira-se:
Uma norma primária ou endonorma teria esta configuração: Dado o fato A, deve
ser a conduta B. Enquanto a feição de uma norma secundária ou perinorma
seria esta: Dado o descumprimento de B, deve ser a sanção C. Em outras
palavras: a ocorrência do fato A, cuja descrição é a hipótese da norma primária
ou endonorma, dá margem à imputação do dever B, consequência da mesma;
e por sua vez, o inadimplemento deste dever B constitui a hipótese da norma
secundária ou perinorma, à qual se imputa consequência secundária ou
perinormativa da sanção C. (1993, p. 58).
Vilanova ressalta ainda a relação de dependência existente entre as normas
primárias e secundárias: “a primária sem a secundária desjuridiciza-se; a secundária
sem a primária reduz-se a instrumento, meio, sem fim material, a adjetivo sem o suporte
do susbstantivo”. (VILANOVA citado por VIEIRA, 1993, p. 56-57).
33
Por fim, comparando com a multa tributária, observa-se que, embora esta
apresente características de tributos, não possuem todos os requisitos que asseguram
o caráter de tributo pois, a multa constitui prestação pecuniária compulsória, decorrente
de lei e exigida através de atividade estatal plenamente vinculada, o que a diferencia
dos tributos é, como já exposto, o caráter de sanção de ato ilícito, característica esta
ausente no conceito de tributo. Ademais as normas jurídicas de que decorrem os
tributos e as multas, são de natureza diversa, eis que o tributo constitui norma jurídica
tributária primária enquanto a multa configura uma norma jurídica tributária
sancionatória.
34
5 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO COM EFEITO DE CONFISCO E
MULTAS TRIBUTÁRIAS
5.1 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO
Estabelece o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal que “é vedado à
União, aos Estados e ao Distrito Federal e os municípios utilizar tributo, com efeito, de
confisco”. Observa-se assim que o Texto Constitucional faz referência apenas aos
tributos, como âmbito de aplicação do princípio da vedação ao confisco. Partindo de
uma análise literal do Texto Constitucional chegaríamos a conclusão de que a vedação
ao confisco não é aplicável às multas tributárias, pois estas, como já visto no capítulo
anterior, não possuem natureza de tributo e sim de sanção. Este é o entendimento do
autor Gustavo Shneider Alves:
[...] a garantia constitucional da vedação ao confisco faz referência expressa
aos tributos, o que, em uma interpretação literal do dispositivo, poderia afastar a
sua aplicação no tocante às multas fiscais, na forma do art. 3º do Código
Tributário Nacional, uma vez que as multas, por se tratarem de sanção por ato
ilícito, não estariam compreendidas dentro do conceito de tributo. (2008, p. 39)
Este posicionamento também configura o sentir de Hugo de Brito Machado que
afirma: “A vedação ao confisco é atinente ao tributo. Não é a penalidade pecuniária,
vale dizer, a multa. O regime jurídico do tributo não se aplica a multa, porque tributo e
multa são essencialmente diferentes”. (MACHADO, 2009, p. 42). Portando, tendo em
vista que as multas não possuem a mesma natureza jurídica dos tributos, resta
afastada a aplicação de preceitos referentes aos tributos.
Entende Aliomar de Andrade Baleeiro (2006) que as sanções tributárias, desde
a cobrança judicial até a aplicação de multas, podem ocasionar a perda total do
patrimônio do contribuinte, sem ofender o princípio da vedação ao confisco, uma vez
que o artigo 150, IV, da Constituição Federal, proíbe o legislador de criar tributo com
efeito confiscatório, ou seja, excessivamente oneroso ou expropriatório dos bens do
contribuinte, não englobando as multas que podem conter o efeito confiscatório. O
referido princípio constitucional não transforma tributo em multa, muito menos equipara
35
estes dois institutos. Apenas veda os efeitos iguais, não visando proteger os atos
omissos e infratores dos deveres jurídicos.
Outro fundamento para o posicionamento contrário a aplicação do princípio da
vedação do confisco, também manifestado por Hugo de Brito Machado, defende que:
“Porque constitui receita ordinária, o tributo deve ser um ônus suportável, um
encargo que o contribuinte pode pagar sem sacrifício do desfrute normal dos
bens da vida. Pode isto mesmo que ele não pode ser confiscatório. Já a multa,
para alcançar sua finalidade, deve representar um ônus significativamente
pesado, de sorte a que as condutas que ensejam sua cobrança restem
efetivamente
desestimuladas.
Por
isto
mesmo
pode
ser
confiscatória”.(MACHADO, 2009, p. 42)
Deste modo, a aplicação da vedação ao confisco às multas tributárias, acabaria
por descaracterizar o instituto das multas fiscais, uma vez que estas possuem como
finalidade penalizar o contribuinte pelo inadimplemento da obrigação tributária, além de
desestimular comportamentos ilícitos do dever tributário. E também em razão de sua
natureza sancionatória, é admissível que as multas tributárias tenham caráter
confiscatório, a fim de se atingir o objetivo central. Neste sentir, também registra
Eduardo Sabbag. Confira-se:
É natural que se devam aplicar pesadas multas a certos contribuintes, até
porque é da essência dessa prestação pecuniária dissuadi-los da recalcitrância
na conduta transgressora, principalmente quando estiverem em jogo superiores
interesses interesses da coletividade. Entretanto, a prática adotada deve ir ao
encontro dos limites impostos pelo princípio da proporcionalidade [...] Não há
duvida de que uma multa excessiva, que extrapole os limites do razoável, ainda
que visando desestimular o comportamento ilícito iterativo – o preventivo e o
punitivo -, mostra vocacionada a burlar o dispositivo constitucional inibitório de
sua existência, agredindo o patrimônio do contribuinte. (2009, p. 205)
Importante o ensinamento de Eduardo Sabbag, pois embora defenda a
inaplicabilidade da vedação ao confisco às multas tributárias, afirma que o instituto que
deve ser observado ao se valorar a incidência das multas tributárias, não é a vedação
ao confisco e sim o princípio constitucional da proporcionalidade, uma vez que a
incidência das multas também deve observar a proporcionalidade com a obrigação
tributária descumprida.
36
Desta forma, os fundamentos para a não incidência da vedação ao confisco às
multas tributárias baseiam-se na interpretação literal do princípio constitucional em
relação ao termo “tributo com efeito de confisco”, excluindo as multas tributárias, uma
vez que estas não estão inseridas no conceito de tributo, dada sua natureza de
penalidade, e não de tributo.
Outro fundamento é quanto à intenção do legislador em desestimular o
descumprimento das obrigações tributárias, por meio de multas contendo valores
significantes, que pesem no orçamento do contribuinte, e assim evitar a ocorrência
repetitiva de atos ilícitos na esfera tributária, que afetam o sistema de arrecadação de
receita do Estado, necessária a sua manutenção, e ao interesse público.
5.2 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Preliminarmente cabe expor o posicionamento do Supremo Tribunal Federal
quanto ao efeito confiscatório e sua caracterização proferida através da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 2.010. Veja-se:
Ementa: [...] A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da
totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que
dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital)
– para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar
dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver
instituído (a União Federal, no caso), considerando-se, ainda, a aferição do
grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador,
de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal
eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter
confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo –
resultante das múltiplas incidências tributarias estabelecidas pela mesma
entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio
e/ou rendimento do contribuinte. [...] (ADI 2010 DF, re. Min. Celso de Mello, j.
16.06.2002).
Nesta decisão o Supremo Tribunal Federal estabelece os parâmetros para que
a tributação não possua efeito confiscatório, cabendo ao legislador a observância dos
institutos da capacidade contributiva, do limite do suportável e dos padrões da
razoabilidade. A fim de se evitar abusos do poder público no exercício da tributação e
proteger o contribuinte, resta-se caracterizado o efeito confiscatório quando a incidência
tributária for desproporcional e afetar o patrimônio do contribuinte.
37
No âmbito do tema da aplicação do princípio da vedação ao confisco às multas
tributárias, importante também, a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1075/DF, que considerou confiscatória a
penalidade pecuniária que estabeleceu multa de 300% sobre o valor do bem ou
operação, pela ausência de emissão de nota fiscal, prevista no artigo 3º, parágrafo
único, da Lei 8.846/1994. Veja-se:
Ementa: [...] A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda
que se trata de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de
suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela
Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no
campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do
patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela
insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência
digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação
de suas necessidades vitais básicas. O Poder Público, especialmente em sede
de tributação (mesmo tratando-se do quantum pertinente ao valor das multas
ficais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se
essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se verifica
como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos
estatais. [...] (Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 1075. Confederação Nacional do Comércio – CNC a
Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Celso de
Mello. 17 de junho de 1998)
Da análise deste julgado, denota-se que o Supremo Tribunal Federal
fundamentou sua decisão não apenas no princípio vedação ao confisco, mas também
nos princípios da capacidade contributiva e razoabilidade. Conjugando todos estes
princípios, conclui-se que a intenção do legislador é de proteger o contribuinte contra a
incidência de tributação acima dos limites de sua capacidade contributiva, bem como o
instituto da razoabilidade exigida pelo legislador, vedando ao Fisco, aplicar as multas o
caráter confiscatório.
Outra decisão do Supremo Tribunal Federal, que demonstra o seu
posicionamento quanto ao tema, é o acórdão proferido na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº. 551 proposta pelo governador do Estado do Rio de Janeiro,
que alega a inconstitucionalidade dos parágrafos 2º e 3º do artigo 57 do Ato das
Disposições Constitucionais e Transitórias da Constituição Fluminense, fixadora de
multa mínima de duas vezes o valor do imposto para o caso de não recolhimento de
impostos e taxas, enquanto no parágrafo seguinte fixa o mínimo de cinco vezes o valor
38
de multas decorrentes de sonegação de impostos ou taxas. Veja-se alguns dos votos
proferidos na referida demanda:
O senhor Ministro Ilmar Galvão – (Relator) [...] O art. 150, IV, da Carta da
República veda a utilização de tributo com efeito confiscatório. Ou seja, a
atividade fiscal do Estado não pode ser onerosa a ponto de afetar a propriedade
do contribuinte, confiscando-a a titulo de tributação. Tal limitação ao poder de
tributar estende-se, também, às multas decorrentes de obrigação tributária,
ainda que não tenham elas natureza de tributo. [...]. O eventual caráter de
confisco de tais multas não pode ser dissociado da proporcionalidade que deve
existir entre violação da norma jurídica tributária e sua conseqüência jurídica, a
própria multa. Desse modo, o valor mínimo de duas vezes o valor do tributo
como conseqüência do não-recolhimento apresenta-se desproporcional,
atentando contra o patrimônio do contribuinte, em evidente efeito de confisco.
Igual desproporcionalidade constata-se na hipótese de sonegação, na qual a
multa não pode ser inferior a cinco vezes o valor da taxa ou imposto, afetando
ainda mais o patrimônio do contribuinte. Configurada, assim, a contrariedade
dos dispositivos impugnados com o inciso IV do art. 150 da Constituição
Federal, o que desde logo permite a declaração de sua inconstitucionalidade
sem a necessidade de análise de possível, vício formal, tal como apontado no
julgamento cautelar. [...].
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, Sr. Presidente esse problema da
vedação de tributos confiscatórios que a jurisprudência do Tribunal estende às
multas gera, às vezes, uma certa dificuldade de identificação do ponto a partir
de quando passa a ser confiscatório. [...] Também não sei a que altura um
tributo ou uma multa se torna confiscatório; mas uma multa de duas vezes o
valor do tributo, por mero retardamento de sua satisfação, de cinco vezes, em
caso de sonegação, certamente sei que é confiscatório e desproporcional.
O senhor Ministro Marco Aurélio (Presidente) - Embora haja dificuldade, como
ressaltado pelo ministro Sepúlveda Pertence, para se fixar o que se entende por
multa abusiva, constatamos que as multas são acessórias e não podem, como
tal, ultrapassar o valor do principal. No caso, quando se cogita multa de duas
vezes o valor do principal – o que é o tributo não recolhido – ou de cinco vezes,
na hipótese de sonegação, verifica-se o abandono dessa premissa e dos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade. (BRASIL, Supremo Tribunal
Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551-1.Governador do Estado
do Rio de Janeiro a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Relator: Ministro Ilmar Galvão. 24 de outubro de 2002)
Dos votos em exposição resta consolidado o entendimento do Supremo
Tribunal Federal de que embora as multas não tenham caráter de tributo o princípio da
vedação ao confisco também se aplica a estas. Conforme voto do Ministro Celso de
Mello por se tratarem às multas de obrigação acessória não podem ultrapassar o valor
da obrigação principal. Também resta evidenciado o posicionamento do Supremo
Tribunal Federal quanto a conjugação dos princípios da vedação ao confisco,
proporcionalidade, razoabilidade e capacidade contributiva, para a fixação dos valores a
39
serem recolhidos aos cofres públicos, através do exercício da tributação, seja o instituto
um tributo ou multa tributária.
Por fim, cumpre expor que o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal
Federal nos faz lembrar as lições de Paulo Bonavides, acerca da interpretação das
normas constitucionais. Veja-se:
Não vamos tão longe aqui a ponto de postular uma técnica interpretativa
especial para as leis constitucionais, nem preconizar os meiose regras
interpretativas que não sejam aquelas válidas para todos os ramos do Direito,
cuja unidade básica não podemos ignorar nem perder de vista (doutra forma
não se justificaria longo exórdio que consagramos à teoria da interpretação e
seus distintos métodos), mas nem por isso devemos admitir se possa dar à
norma constitucional, salvo violentando-lhe o sentido e a natureza, um
interpretação de todo mecânica e silogística, indiferente a plasticidade que lhe é
atinente, e a única aliás a permitir acomodá-la afins, cujo teor axiológico
assente nos princípios com que a ideologia tutela o próprio ordenamento
jurídico.
O erro do jurista puro ao interpretar a norma constitucional é querer exatamente
desmembrá-la de seu manancial político e ideológico, das nascentes da
vontade politica fundamental, do sentido quase sempre dinâmico e renovador
que de necessidade há de acompanhá-la.
Atado unicamente ao momento lógico da operação silogística, o intérprete da
norma constitucional vê escapar-lhe não raro o que é mais precioso e essencial:
a capitação daquilo que confere vida à norma, que dá alma ao Direito, que o faz
dinâmico, e não simplesmente estático. Cada ordenamento constitucional
imerso em valores culturais é estrutura peculiar, rebelde a toda uniformidade
interpretativa absoluta, quanto aos meios ou quanto às técnicas aplicáveis.
(BONAVIDES, 2009, p. 461).
Assim, o posicionamento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal mede
mais do que os aspectos formais e rígidos de conceitos referentes aos institutos
envolvidos na discussão, eles vão além, para a verdadeira intenção das normas no
ordenamento jurídico, no interesse do legislador em assegurar garantias individuais e
sociais ao cidadão, além de servirem como meio de expressar ideologias e opções
políticas, e não apenas instituir normas constitucionais com intenção apenas
burocrática.
5.2.1 Opinião da doutrina quanto ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal
40
Dentre os doutrinadores há aqueles que compartilharam como o entendimento
manifestado pelo Supremo Tribunal Federal acerca da aplicação da vedação ao
confisco às multas tributárias, como por exemplo, Andréia Minussi Facin:
As multas e penalidades também podem ser consideradas confiscatórias,
quando aplicadas por descumprimento de normas fiscais de forma exorbitante.
A conclusão decorre do fato de que a obrigação tributária é composta de tributo
e penalidade. Portanto, se a obrigação tributária abrange tributo e penalidade,
esta, quando for excessiva, será confiscatória, pois “as penalidades financeiras
decorrentes das relações jurídicas tributarias estão alcançadas pela vedação ao
confisco”. A multa fiscal foi criada para dar efetividade ao tributo, e por este
motivo, todos os princípios e vedações ao poder de tributar pertinente ao
mesmo também são aplicados às multas ou penalidades pecuniárias de
natureza fiscal. [...] Desta forma, é forçoso concluir que a Constituição Federal,
ao vedar o confisco para as espécies tributárias, também o faz com relação às
penalidades, pois estas são decorrentes do próprio fenômeno jurídico da
tributação. (2002, p. 18-19)
O fundamento basilar da manifestação de concordância da autora com o
posicionamento do Supremo configura-se no entendimento de que no âmbito da
tributação, estão inseridos tanto os conceitos de tributos como também das multas
tributárias, uma vez que estas servem para confirmar o instituto dos tributos, e por
caminharem conjuntamente estariam sujeitas as mesmas normas constitucionais. Neste
sentido ensina Sacha Calmon Navarro Coêlho:
“uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e
para punir os transgressores caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar
o dispositivo constitucional que proíbe o confisco”. (2007, p. 69).
A aceitação de multas confiscatórias implica num modo tangente de
inobservância do princípio da vedação ao confisco.
Jorge de Oliveira Vargas (2005) manifesta-se favorável ao posicionamento do
Supremo Tribunal Federal, fundamentando sua posição em 3 aspectos: a) constitui o
não-confisco uma garantia fundamental, norma auto-aplicável e de eficácia plena, não
admitindo interpretação restritiva e sim ampliativa; b) a natureza acessória das multas,
tendo em vista sua decorrência através do não-pagamento do tributo ou do não
cumprimento da obrigação tributária acessória e; c) identificação da vedação ao
confisco com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e proibição do excesso,
41
além de sua intima relação com o principio do devido processo legal no sentido
substancial ou substantivo. Defende, ainda, o limite de 100% da obrigação principal,
aplicando por analogia o artigo 412 do Código Civil para as multas punitivas, enquanto
a multa moratória deve ficar limitada em 10%, aplicado por analogia o artigo 9º do
decreto 22.626, e por fim a multa tributária punitiva a ser individualizada, observando-se
o princípio da capacidade contributiva.
Noutro giro, defende Gustavo Schneider Alves (2008) que para os críticos a
decisão do Supremo Tribunal Federal tem fundamentação em aspectos não-jurídicos,
proferida discricionariamente e dotada de intenção política, que limita o Poder Público
de afetar de forma desproporcional o patrimônio particular em toda e qualquer atuação
tributária, e não apenas na instituição ou majoração de tributos. Mas para o autor o
Supremo Tribunal Federal na condição de guardião da Constituição Federal, ao
reconhecer a aplicação do princípio da vedação ao confisco às multas tributárias,
demonstra a intenção política do legislador da Constituição Federal de 1988, e não de
seus ministros, de que Poder Público não poderá no exercício da tributação afetar,
anulando ou diminuindo o patrimônio do contribuinte.
Já Paulo de Barros Carvalho embora concorde com o posicionamento do
Supremo Tribunal Federal deixa clara sua discordância quanto ao fundamento da
decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal. Veja-se:
A conclusão a que chegou o Supremo é correta. O fundamento, todavia, deve
ser outro. A rigor, a vedação ao tributo com efeito confiscatório não se estende
às multas tributarias. O que impede a cominação de multas exorbitantes é o
princípio constitucional de proporcionalidade, no que alberga a idéia de que
deve haver uma proporção, em sentido estrito, entre a gravidade do ilícito e a
sanção ao mesmo correspondente. (2009, p. 43).
Entende o autor que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal é correto,
porém a fundamentação utilizada pelos ministros resta equivocada, pois o princípio da
vedação ao confisco engloba apenas os tributos e não as multas tributárias, em
decorrência da natureza diversa destes institutos, sendo que o princípio que impede as
42
multas confiscatórias é o da proporcionalidade que deve existir entre o ilícito cometido e
a sanção a ser aplicada ao contribuinte.
43
6. CONCLUSÃO
O ordenamento jurídico é regido e composto por normas revestidas na forma de
regras e princípios, que representam a base, o alicerce, para todo o sistema. Os
princípios constitucionais tributários atuam nas relações que envolvem questões no
campo do direito tributário, definindo parâmetros e limites de observação obrigatória
pela Administração Pública no exercício da atividade de arrecadação. Dentre estes
princípios, temos o da vedação ao confisco, previsto no artigo 150, inciso IV, da
Constituição Federal de 1988, que constitui defesa do contribuinte contra eventual
abuso de poder por parte do Fisco que configure tributação confiscatória e, de modo
desproporcional, afete o patrimônio ou renda do contribuinte.
Historicamente a primeira aparição do princípio do não-confisco foi na
Constituição de 1824, porém o instituto do confisco já estava presente na história do
Brasil há alguns tempos. Inicialmente tinha como função à proteção ao direito de
propriedade, e com os acontecimentos históricos adquiriram a função atual de proteção
do patrimônio do contribuinte contra eventuais atos expropriatórios praticados pelo
Estado, caracterizados na modalidade de confisco.
O efeito confiscatório estará caracterizado sempre que um tributo ocasionar
uma sensação de punição ou ferir o patrimônio do contribuinte, mostrando
desproporcional e ferindo a capacidade contributiva.
Os princípios constitucionais do direito de propriedade, capacidade contributiva,
proporcionalidade e razoabilidade, devem ser interpretados de maneira conjunta de
modo a atingir o seu objetivo de proteção às garantias e direitos do contribuinte frente à
atuação ilegal do fisco. Estando também sujeito ao não confisco o instituto da
extrafiscalidade.
A Constituição Federal, ao prever o princípio da vedação ao confisco, refere-se
apenas aos tributos e daí nasce à divergência quanto a aplicação ou não do referido
princípio as multas tributárias. As multas em todas as suas espécies decorrem de uma
relação jurídica sancionatória, constituindo instrumento do Estado para que este, frente
à prática de um ato ilícito do contribuinte, possa penalizar o contribuinte infrator e exigir
deste o cumprimento da obrigação tributária principal. De seu conceito retiramos a
44
diferenciação entre multa e tributo, pois muito embora estes dois institutos possuam
algumas características em comum, o que diferencia a multa do tributo é o seu caráter
de sanção de ato ilícito. Assim, resta formulada a problematização do tema: é ou não
aplicável o princípio do não-confisco às multas.
Para os que não defendem a aplicação do princípio do não-confisco à multa,
muito embora se negue o instituto das multas confiscatórias, isso se faz com base nos
princípios da proporcionalidade, razoabilidade e capacidade contributiva, restando do
mesmo como proibida à aplicação de multas confiscatórias, porém com fundamento
diverso.
Porém, tendo em vista todo o exposto, parece razoável conclui-se que, embora
o texto constitucional faça referência apenas aos tributos, seriamos excessivamente
literais ao concluir que as multas possam ser confiscatórias. Mas, em um apanhado, de
toda a exposição realizada, conclui-se que as multas confiscatórias não são legítimas,
posicionamento este adotado pelo Supremo Tribunal Federal, sobre o fundamento de
que, ao analisarmos qualquer princípio devemos observar a intenção do legislador que,
neste caso, é proteger o patrimônio do contribuinte contra atos expropriatórios, sejam
eles decorrentes de tributos ou de multas. O Fisco não estaria autorizado a aplicar
obrigações desproporcionais que afetem o patrimônio do contribuinte, sejam elas
advindas de imposição de tributos ou de multas, pois o que se pretende proteger é o
direito dos contribuintes de ter seu patrimônio ou rendimentos afetados por cobranças
injustas e desproporcionais que o comprometa financeiramente.
O que deve se levar em consideração é a intenção do legislador ao instituir o
princípio da vedação ao confisco, tendo em visto o contexto histórico sobre o qual teve
seu nascimento, visando proteger os direitos e garantias do contribuinte-cidadão, o
direito de propriedade, o patrimônio do contribuinte o seu direito ao desenvolvimento
financeiro, vedando qualquer ato do Estado em prejudicar e afetar estes direitos, não
importando o instituto utilizado para gerar a violação aos direitos do contribuinte, seja
por meio de tributo ou multa tributária, pois em primeiro grau devem ser protegidos os
direitos dos contribuintes.
45
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