UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ PAULA ALVES DE SOUZA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO NO ÂMBITO DAS MULTAS TRIBUTÁRIAS CURITIBA 2012 PAULA ALVES DE SOUZA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO NO ÂMBITO DAS MULTAS TRIBUTÁRIAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção de graduação. Orientador: Francisco Fernando Bittencourt de Camargo ....................................................................................... CURITIBA 2012 TERMO DE APROVAÇÃO PAULA ALVES DE SOUZA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO NO ÂMBITO DAS MULTAS TRIBUTÁRIAS Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, _____ de _____________ de 2012. ____________________________________ Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Professor Francisco Fernando Bittencourt de Camargo Universidade Tuiuti do Paraná Professor Universidade Tuiuti do Paraná Professor Universidade Tuiuti do Paraná RESUMO O objetivo deste trabalho consiste na análise e discussão das teorias existentes, manifestadas na doutrina e no entendimento do Supremo Tribunal Federal, concernentes ao cabimento da aplicabilidade do princípio da vedação ao confisco às multas tributárias. Observada a função basilar do princípio, de proibição constitucional de práticas exorbitantes de tributação, como meio de proteção a garantias e direitos concebidos pela Constituição da República aos contribuintes, bem como a finalidade das multas tributárias como penalização que objetivam desestimular práticas reiteradas de descumprimento das obrigações tributárias. Discutir-se-á o âmbito ao qual estas multas devem ser aplicadas a fim de atingir os seus objetivos, bem como assegurar os direitos e garantias do cidadão-contribuinte. Como fontes, utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. É relevante o estudo à medida que as multas tributárias impostas aos contribuintes, além do caráter de penalidade, pelo não cumprimento de uma obrigação tributária ou de um dever instrumental, devem estar em consonância com os direitos e garantias constitucionais dos contribuintes. Palavras-chave: vedação ao confisco; multas tributárias; garantias e direitos constitucionais. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................06 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA TRIBUTAÇÃO ..............................................10 2.1 NOÇÃO DE PRINCÍPIO ...........................................................................................12 2.2 PRINCÍPIOS JURÍDICOS ........................................................................................14 2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ...........................................................................15 2.3.1 Princípios Constitucionais tributários .....................................................................17 2.3.1.1 Função dos princípios constitucionais tributários ...............................................18 2.4 HISTÓRICO ..............................................................................................................18 2.4.1 Princípios na constituição de 1967 – Emenda n. 1/69 ..........................................19 2.4.2 PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .........................................................21 3 PRINCIPIO DA VEDAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO COM EFEITO DE CONFISCO .........21 3.1 BREVE RELATO HISTÓRICO .................................................................................23 3.2 DEFINIÇÃO: EFEITO DE CONFISCO .....................................................................25 3.3 NÃO CONFISCO E DIREITO DE PROPRIEDADE ..................................................26 3.4 NÃO CONFISCO E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ..............................................29 3.5 NÃO CONFISCO E EXTRAFISCALIDADE ..............................................................32 4 MULTAS TRIBUTÁRIAS ............................................................................................32 4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ...................................................................................32 4.2 NATUREZA JURÍDICA .............................................................................................34 4.3 ESPÉCIES DE MULTAS ..........................................................................................35 4.4 DIFERENCIAÇÃO: TRIBUTO E MULTA TRIBUTÁRIA ...........................................37 5 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO COM EFEITO DE CONFISCO E MULTAS TRIBUTÁRIAS ...............................................................................................39 5.1 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO ......................................................................39 5.2 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ...41 5.2.1 Opinião da doutrina quanto ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal ....45 6 CONCLUSÃO ..............................................................................................................48 REFERÊNCIAS ..............................................................................................................51 5 1. INTRODUÇÃO O Direito tributário é o ramo do direito público que auxilia e define os parâmetros para que o Estado alcance sua finalidade de promover o bem comum, através do custeio de receitas. Estas receitas provêm de atividades econômicasprivadas dos entes públicos, da exploração econômica de patrimônio público, de empréstimos e principalmente da atividade tributária, espécie de receita derivada. Tanto o Estado como o contribuinte devem observar as normas impostas ao processo de arrecadação. A Constituição Federal regula o sistema tributário nacional através de normas constitucionais de Direito Tributário que abrangem: os princípios constitucionais tributários e imunidades, que constituem limitações à atividade de tributação; a discriminação de competências, delineando os tributos privativos de cada um dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e municípios), consagrando deste modo o princípio federativo e, define a repartição de receitas tributárias. Restaram consagrados na Constituição da República com princípios limitadores do poder de tributar: legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridade, noventena, não-confisco, liberdade de tráfico, uniformidade geográfica, não-discriminação tributária, capacidade contributiva, exigência de lei específica para concessão de benefícios fiscais, não-cumulatividade e seletividade, que representam proteções aos direitos e garantias ao cidadão-contribuinte, sujeito passivo na relação jurídica tributária. No presente trabalho será tratado especificamente do princípio da vedação da tributação com efeito de confisco, previsto expressamente no artigo 150 inciso IV do Texto Constitucional que veda aos entes políticos instituir tributos com efeito de confisco. Ora se constitui dever do contribuinte recolher aos cofres públicos parte de sua renda, destinado a manutenção da coisa pública. Esta cobrança deve ser realizada pelo Fisco nos limites da lei, não podem prejudicar ou até diminuir o desenvolvimento econômico do contribuinte, uma vez que sua finalidade é apenas de custeio do Estado, que deve ocorrer sem prejudicar o âmbito econômico do contribuinte, protegido pelos princípios constitucionais tributários. 6 E as multas fiscais, aplicadas em decorrência do descumprimento da obrigação principal e do dever instrumental. O Texto Constitucional ao vedar o efeito consficatório faz menção apenas ao tributo, estando assim a constituição autorizando que práticas consficatórias recaiam na imposição e cobrança das multas, podendo através da incidência da multa, ter o contribuinte seu patrimônio confiscado, não estando às multas fiscais abrangidas por tal preceito constitucional. Resta-se assim, demonstrada a lacuna do tema abrangido pelo presente trabalho. A imposição de multa fiscal deve se limitar na razoabilidade e proporcionalidade, devendo guardar adequação com o ato praticado, não podendo ser excessiva em relação ao dano causado e ao benefício obtido com a prática indevida, visando atender ao interesse público, conforme o critério de adequação dos meios aos fins, evitando distorção entre a multa imposta e a sua finalidade. As multas tributárias possuem como escopo num primeiro momento, função coatora no objetivo de evitar o descumprimento da obrigação tributária principal, através da ameaça de sua aplicação e em um segundo momento, após o inadimplemento, possui caráter indenizatório, pois o descumprimento da obrigação tributária causa dano aos cofres públicos. Porém, se aplicada de forma excessivamente onerosa sufoca qualquer atividade econômica normal, e considerando os fins da arrecadação de tributos, não interessa ao Poder Público e à comunidade em geral que uma unidade econômica produtiva venha a ser prejudicada e até a desaparecer em razão da aplicação de multas com valores exorbitantes. Problematizado o tema na aplicação ou não do principio da vedação da tributação com efeito de confisco às multas tributárias, encontram-se diferentes posicionamentos em relação à sua aplicação. Defendem alguns que a Constituição Federal, ao prever o princípio da vedação ao confisco, faz referência apenas aos tributos em espécie, não abrangendo a multa tributária. De outro lado, defende-se que embora o Texto Constitucional faça referência apenas ao termo tributo, deve-se observar o caráter extensivo de tal disposição devendo estender sua aplicação ao âmbito da multa fiscal. Embora tributo não se confunda com multa, deve-se, observar que a expressão tributo pode significar obrigação tributária lato sensu, que abarca as multas e sanções específicas. Esta análise é realizada com base nos princípios da 7 razoabilidade e proporcionalidade, caso em que ficará demonstrado que o conceito de tributo engloba também as multas e assim o referido princípio veda também a aplicação de multas confiscatórias. O presente trabalho visa a exposição e análise dos princípios em geral, bem como os constitucionais tributários, tendo em vista suas funções, a vedação ao confisco como garantia do contribuinte e a diferenciação entre tributo e multa necessários para analisar da aplicabilidade do princípio do não-confisco às multas tributárias. Além disso, observado o interesse do Poder Público na aplicação das multas, é imprescindível à interpretação do que realmente pretende o legislador ao criar a norma, bem como o de não deixar o contribuinte à mercê de atos de caráter confiscatório, sejam eles em razão de tributos ou multas. 8 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA TRIBUTAÇÃO 2.1 NOÇÃO DE PRINCÍPIO O termo princípio traduz a ideia de origem, base e fundamento. No vernáculo (AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA) encontram-se as seguintes acepções da palavra: “Princípio. [Do lat. Principiu] S. m. 1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem [...] 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na Constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P. ext. Base; germe [...] 6. E. Ling. Restrição geneticamente imposta a uma gramática [...] 7. Filos. Origem de algo, de uma ação ou de conhecimento. 8. Lóg. Na dedução a preposição que lhe serve de base, ainda que de modo provisório, é cuja verdade não é questionada [...]”. (2004, p. 1631) Partindo para definições técnicas, no “Vocábulo Jurídico” o conceito de princípio é registrado como: “Derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar quer se exprimir o começo da vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir” (SILVA, 2003, p. 1094). Adiante, noutra passagem do referido dicionário, conceitua-se princípio, agora no plural: ”Princípios: [...] significa as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos com base, com alicerce de alguma coisa. E assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Deste modo, exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas”. (2003, p. 1095). No que tange as ciências, princípio designa a base que facilita e delimita a análise e compreensão de um tema. Conforme explica Roque Antonio Carrazza, vejase: “[...] em qualquer Ciência, princípio é o começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo”. (2010, p. 42). Na filosofia, o termo “princípio”, foi introduzido por Anaximandro, sendo utilizado por Platão, no sentido de fundamento do raciocínio e, por Aristóteles, como a premissa 9 maior de uma demonstração. Ensina-nos Francisco Pinto Rabello Filho (2002) que do conceito apresentado por Aristóteles pode-se retirar seis significações do termo princípios, quais sejam: 1) ponto de partida; 2) ponto de partida mais eficiente; 3) ponto por onde necessariamente se começa a fazer alguma coisa, por ser-lhe intrínseco; 4) causa exterior que provoca o início de algo; 5) o que, por sua decisão, ocasiona a mudança ou alteração e, por fim; 6) pressupostos para que algo seja conhecido. Já Immanuel Kant (citado por CARRAZZA, 2010, p. 42) deixou consignado que “princípio é toda preposição geral que pode servir como premissa maior num silogismo”. Já na ótica de Paulo de Barros Carvalho: “Princípio é uma regra portadora de núcleos significativos de grande magnitude influenciando visivelmente a orientação de cadeias normativas, às quais outorga caráter de unidade relativa, servindo de fator de agregação para outras regras do sistema positivo”. (2004, p. 22). Deste modo, o termo princípio do latim principium designa a ideia de origem, começo, base, fundamento, ponto de partida, causa de um processo qualquer – ainda não impugnada – preceito, regra, lei, que ocupa patamar privilegiado, por facilitar a compreensão de um tema, atuando na estruturação de um sistema. No sentido vulgar traduz a ideia de começo da vida. Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, são “a pedra de fecho do sistema ao qual pertence”. (CARRAZZA, 2010, p. 43). 2.2 PRINCÍPIOS JURÍDICOS Os princípios jurídicos constituem pilares de estruturação do ordenamento jurídico, vez que traçam orientações e diretrizes ao campo do Direito. Para o dicionário Vocabulário Jurídico, o termo “Princípios Jurídicos” designa: Os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito. E nesta, acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica, onde se firmaram as normas originárias ou as leis cientificas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio Direito. Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, 10 porque servem de base para o Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a pratica do Direito e proteção aos direitos. (2003, p. 1095). Compreendem, assim, verdadeiros postulados do Direito, formadores de sua estruturação e necessários à aplicabilidade e proteção das normas e direitos. Neste sentir, registra Francisco Pinto Rabello Filho, veja-se: “Princípios (jurídicos) são, por definição, a viga mestra do sistema (jurídico), suas prescrições supremas e primeiras e, na intelecção e aplicação das demais normas jurídicas, o primeiro instrumento do operador”. (2002, p. 30). Ensina Roque Antonio Carrazza (2010) que o princípio jurídico constitui um enunciado lógico, podendo ser implícito ou explicito, e em decorrência de sua supremacia no campo do direito, atua como grandioso vinculador do entendimento e aplicação das normas jurídicas. Ocupam dentro do sistema jurídico, posição nuclear, importante para a análise e compreensão da essência das normas, a qual está conectada, conforme explica Celso Antonio Bandeira Mello, confira-se: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência [...]”. (2009, p. 948-949). Quanto à natureza dos princípios jurídicos ensina Francisco Pinto Rabello Filho (2002) que os princípios são dotados de normatividade, constituindo norma jurídica, que por sua vez constituem um gênero, da qual decorrem as espécies princípios e regras jurídicas. No mesmo sentir registra Carlos Ari Sundfeld: “O ordenamento jurídico contém duas espécies de normas; regras e princípios. Os princípios são, tanto quanto as regras, parte integrante do ordenamento jurídico” (SUNDFELD, 2011, p. 145). Expõe Ruy Samuel Espíndola (2002) que os princípios jurídicos - enquanto ordem jurídica – podem ser tomados basicamente em dois sentidos: no primeiro, como princípios positivos do direito que pertencem à linguagem do direito e, no segundo sentido, como princípios gerais do Direito, sujeitos a juízo de valores, segundo a ideia de falso e verdadeiro, conforme análises descritivas da ciência jurídica. 11 À guisa das exposições feitas, temos que os princípios jurídicos são dotados de ampla relevância, constituindo verdadeiros alicerces e, cumprindo função informadora pela qual as demais normas jurídicas devem estar a eles sintonizados. Atuam ainda, como indicadores para soluções interpretativas, servindo como base para o direito e consequentemente, atuando na proteção dos direitos e garantias previstos no ordenamento jurídico. 2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS A Constituição Federal representa a sistematização de normas, composta por um núcleo – princípios constitucionais – devidamente articulado, que visa a proteger os preceitos previstos na Lei Maior. Conforme José Geraldo Ataliba Nogueira “o conjunto ordenado e sistemático de normas, constituídas em torno de princípios coerentes e harmônicos em função de objetivos socialmente consagrados”. (NOGUEIRA, 1964, p. 8). Para Aliomar de Andrade Baleeiro: “A Constituição é concebida como uma lei, mas uma lei muito especial, porque nela se encontram expressos grandes compromissos políticos, grandes decisões de valores e de contradições, como fruto de um grave e profundo sopesamento social”. (2006, p. 31). Explica Celso Ribeiro Bastos (2002) que os textos constitucionais possuem diretrizes que orientam todo o ordenamento jurídico de um Estado, que nada mais são que princípios constitucionais irradiadores de todo o sistema constitucional, proporcionam racionalidade ao sistema, bem como conduzem ao processo de interpretação da Constituição. Assim, a Constituição Federal representa um conjunto de normas, composta por conceitos políticos advindos de alterações sociais, e o princípio constitucional, norma jurídica qualificada, com âmbito de validade maior, orienta a atuação de outras normas, por se tratar de uma norma nuclear, constituem mandamentos que norteiam um Estado, desde sua administração, formas de governo e estado, assim como preceituam direitos e garantias fundamentais aos cidadãos, guardando valores fundamentais da ordem jurídica. 12 2.3.1 Princípios Constitucionais Tributários O Sistema Tributário Nacional subordina-se a princípios, que atuam como diretrizes fundamentais e, representam garantias constitucionais dos contribuintes previstas no artigo 150 da Constituição Federal. Confira-se: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; III cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; IV utilizar tributo com efeito de confisco; V estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público; VI instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Dentre todos os princípios previstos no citado artigo, pode-se citar como os de maior importância: legalidade, anterioridade, igualdade, competência, capacidade contributiva, vedação da tributação com efeito de confisco e liberdade de tráfego. Cumpre expor que, embora seja utilizado o termo “limitações ao poder de tributar”, inclusive pela própria Constituição Federal, na doutrina é considerada incorreta a nomenclatura “poder de tributar” uma vez que conforme Hugo de Brito Machado (2009), a relação tributária não constitui uma relação de poder e sim, uma simples relação jurídica, não havendo assim que se referir ao poder de tributar, embora fundamentado na soberania do Estado. Esse termo possui origem remota, ligada a escravidão, como uma imposição do vencedor sobre o vencido. Sua origem se mostra presente nos dias de hoje através das práticas arbitrárias utilizadas pelas autoridades da Administração Tributária. Assim, não é correto admitir que relação tributária seja relação de poder, pois assim estaríamos em desconformidade com a ideia de liberdade, presente na concepção do Estado. 13 Celso Antonio Bandeira de Mello ao tratar do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado discorre sobre esta dita relação de poder do Estado, defendendo não se tratar meramente de poder, e sim de um dever-poder, uma vez que a atividade administrativa constitui uma função, com deveres legais que devem ser realizados, em contrapartida, a fim de possibilitar a realização destes deveres estão previstos poderes para a atuação da Administração Pública. Confira-se: A saber: as prerrogativas que nesta via exprimem tal supremacia não são manejáveis ao sabor da Administração pública porquanto esta jamais dispõe de “poderes”, sic et simpliciter. Na verdade, o que nela se encontram são “deverespoderes”, como a seguir se aclara. Isto porque a atividade administrativa é desempenho de “função”. [...] Em suma, os “poderes” administrativos – na realidade, deveres-poderes – só existirão – e, portanto só poderão ser validamente exercidos – na extensão e intensidade proporcionais ao que seja irrecusavelmente requerido para o atendimento do escopo legal a que estão vinculados. Todo excesso, em qualquer sentido, é extravasamento de sua configuração jurídica. É, ao final, extralimitação da competência (nome que se dá, na esfera pública, aos “poderes” de quem titulariza função). (2009, p.94-96) Retornando aos princípios constitucionais tributários, Celso Ribeiro Bastos, ao tratar deste tema, expõe: “Os princípios têm caráter genérico, amplo, que se volta mais a fixar parâmetros para a instituição e cobrança dos demais tributos. Não inviabilizam de maneira absoluta a atividade tributária”. (BASTOS, 2002, p 173). Segundo José Afonso da Silva (2009), podem ser classificados em: 1) princípios gerais, porque se referem a todos os tributos e contribuições do sistema tributário, que por sua vez são classificados em: expressos e decorrentes; 2) princípios especiais: decorrentes de razões especiais e presentes nos artigos 151 e 152 da Constituição Federal; 3) princípios específicos: necessários à determinação de tributo e; 4) imunidades tributárias, instituídas em decorrência de privilégios ou de questões de interesse social. Conclui-se que os princípios constitucionais tributários compreendem um conjunto de instruções aplicáveis à matéria tributária; atuando de forma a definir parâmetros de observação obrigatória pelo Fisco, vez que estabelecem critérios para a instituição e cobranças dos tributos. Embora atuem como limitadores da relação tributária, não restringem em absoluto a atividade de arrecadação. 14 2.3.1.1 Função dos Princípios Constitucionais Tributários Na visão da doutrina majoritária, a função de tais princípios está basicamente ligada à proteção dos direitos e garantias do contribuinte. Conforme consigna Aliomar de Andrade Baleeiro “as limitações constitucionais ao poder de tributar são especiais manifestações dos direitos e garantias fundamentais do cidadão-contribuinte” (BALEEIRO, 2006, p. 34). No mesmo sentido, manifesta-se Alexandre Macedo Tavares “Essas limitações ao poder de tributar (de ordem jurídica) investem-se da roupagem de verdadeiras garantias individuais dos contribuintes”. (TAVARES, 2009, p. 13). Para Kiyoshi Harada (2010), a Carta Magna prescreve variados princípios tributários, que objetivam a preservação do regime político adotado, a saúde da economia, o respeito dos direitos fundamentais e à proteção dos valores espirituais, servindo como escudos de proteção dos contribuintes, bem como freios que limitam o exercício da tributação. Já para Roque Antonio Carrazza: “[...] os contribuintes, se, por um lado, têm o dever de pagar tributos, colaborando para a manutenção da coisa pública, têm, por outro lado, ao alcance da mão, uma série de direitos e garantias, oponíveis ex ante ao próprio Estado, que os protegem da arbitrariedade tributária, em suas mais diversas manifestações [..].” (2010, p. 506) No sentir de Hugo de Brito Machado (1994) os princípios constitucionais tributários existem para a proteção do cidadão contra os abusos de poder do Fisco, devendo o intérprete destas normas, ter em mente sua finalidade. Aliás, o Direito é um instrumento de defesa contra o arbítrio da atividade estatal, e a Constituição Federal, que abriga os mais importantes princípios jurídicos, é por excelência um instrumento de defesa do cidadão frente a eventual ato de abuso por parte do Fisco. Enquanto o adimplemento de tributos constitui um dever jurídico do cidadão em colaborar com a manutenção da coisa pública, cabendo o recolhimento aos entes políticos nos termos e limites definidos pela Constituição Federal, não pode o fisco por outro lado, agir de modo desproporcional ferindo o patrimônio do contribuinte cidadão. Afinal, é através da concessão de direitos e garantias que se dá a proteção ao contribuinte frente a eventual abuso de poder praticados pela Administração Pública no 15 exercício da tributação, proteção que configura a função dos princípios constitucionais tributários. 2.4 HISTÓRICO 2.4.1 Princípios na Constituição de 1967 – Emenda nº. 1/69 A Constituição de 1967 foi promulgada em 24 de janeiro de 1967 e entrou em vigor em 15 de março do mesmo ano. Para José Afonso da Silva (2009), a Constituição de 1967 sofreu grande influência da Constituição de 1937, tendo assimilado suas características basilares. Preocupando-se basicamente com a segurança nacional, concentrou competências e atribuiu novas funções ao Presidente da República. No âmbito tributário, a Constituição de 1967 reformulou o sistema nacional e a discriminação de renda, ampliando também, o federalismo cooperativo, que consiste numa maior centralização com a participação de uma entidade na receita de outra. Com a ditadura militar implantada no Brasil em 1964, ocorreram alterações na Constituição Federal por meio de sucessivas emendas. A Emenda nº. 1/69, instrumento de outorga, é tida como uma nova Constituição, conforme ensina José Afonso da Silva “Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova Constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga”.(SILVA, 2009, p. 87). Para o Sistema Nacional Tributário, a nova emenda trouxe um planejamento mais coerente, conforme anota Paulo César Castilho “A partir da Emenda Constitucional nº. 1/69, começou a se traçar um modelo mais harmônico do Sistema Tributário Nacional, embora sofrendo críticas de nossos melhores juristas”. (CASTILHO, 2002, p. 61) Aliomar de Andrade Baleeiro (2006) ensina que as Constituições brasileiras do período republicano e a Carta Monárquica de 1824 eram compostas por vários princípios constitucionais tributários, constituídas de três competências fiscais decorrentes do regime federal. Com o advento da Constituição de 1964, todos esses princípios foram mantidos e consagrados, até mesmo alguns princípios que nas Cartas 16 constitucionais anteriores não foram significativamente observados como, por exemplo, os princípios da anualidade do imposto e capacidade contributiva. Cabe observar ainda, que dentre o rol de princípios presentes na Constituinte de 1964, composto por vinte e cinco princípios, encontramos inclusive o princípio da vedação da tributação com efeito de confisco, o qual já fazia parte de nosso Sistema Tributário. 2.4.2 Princípios na Constituição de 1988 Ensina José Afonso da Silva (2009) que a luta pela normalização democrática e a luta pelo Estado Democrático de Direito, começou com a instalação do golpe militar de 1964. Com a derrota das forças autoritárias que dominaram o país (1964 a 1984), o povo passou a apoiar Tancredo Neves, eleito em 15 de janeiro 1985, na execução de seu programa de construção da Nova República. Antes de assumir a Presidência, Tancredo Neves morreu, assumindo o cargo o seu Vice-Presidente José Sarney, que sempre esteve ao lado das forças autoritárias. Sarney enviou ao Congresso Nacional proposta de emenda constitucional, convocando a Assembléia Nacional Constituinte, onde restou aprovada a Emenda Constitucional nº. 26. Estabeleceu-se desta forma, que a Constituição seria aprovada, após dois turnos de discussão e votação pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte. E assim, foi promulgada, em nome do povo, a Constituição Federal de 1988, que nas palavras de Cristiano Carvalho “A gênese da ordem jurídica brasileira atual deu-se com a Assembléia Constituinte de 1988” (CARVALHO, 2005, p. 305). Ou seja, a Constituição Federal de 1988 representa o início da ordem jurídica nacional. Entende Aliomar de Andrade Baleeiro (2006) que as inúmeras imunidades e princípios presentes na Constituição Federal de 1988 são simples especializações ou explicações dos direitos e garantias individuais, ou de outros princípios estruturais, como a forma federal de Estado, sendo estes imutáveis por emendas ou revisão, eis que fazem parte das normas irredutíveis presentes no artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal e por se tratar de direitos e garantias fundamentais conforme 17 previsto no artigo 5º parágrafo 2º da Constituição Federal. Se, no Texto Constitucional de 1969 estavam presentes vinte e cinco princípios constitucionais tributários, na Constituição de 1988 este número passou para trinta e seis. 18 3 PRINCÍPIO DA TRIBUTAÇÃO COM EFEITO DE CONFISCO O princípio da vedação ao confisco constitui um princípio jurídico constitucional tributário expresso, consagrado no tópico intitulado “Das Limitações ao Poder de Tributar” - artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal. Veja-se: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV utilizar tributo com efeito de confisco. É também denominado de Princípio do Não-confisco, e nomeado por José Afonso da Silva como princípio da proporcionalidade razoável: “princípio da proporcionalidade razoável, regra que veda a utilizar tributo com efeito de confisco”. (SILVA, 2009, p. 715). Constitui uma limitação ao exercício da tributação, atuando em defesa do cidadão-contribuinte contra eventuais atos fundados no abuso de poder do Estado, que configurem o efeito confiscatório. 3.1 BREVE RELATO HISTÓRICO A primeira aparição do princípio da vedação da tributação com efeito de confisco foi na Constituição de 1824, ocupando posição de protetor do direito de propriedade. Permaneceu nas constituições subsequentes, mas somente na Constituição de 1988, foi tido como um princípio constitucional tributário. Entretanto, antes da Constituinte de 1824, já existiam práticas confiscatórias. Conforme ensina Paulo Cesar Baria de Castilho (2002) na época de Brasil Colonial – sujeito ao sistema fiscal feudal – haviam os impostos comuns e extraordinários1, os quais, com o advento dos tempos, foram aumentando, chegando a um verdadeiro confisco, deflagrando posteriormente a Inconfidência Mineira. No ano de 1756, foi 1 Cumpre expor que, conforme explica Castilho (2002), os impostos comuns eram os quintos e os dízimos, exigidos em decorrência do monopólio do Reino. Enquanto os impostos extraordinários eram as fintas destinadas a cobrir serviços gerais imprevistos e a derrama, utilizada para complementar, em certas situações, o montante previsto no orçamento. 19 estipulado o pagamento de subsidio voluntário2 pelo prazo de dez anos, que foi cobrado por mais de vinte anos quando, em 1778, teve a cobrança suspensa pelo então governo. No curso da história, o confisco sofreu alto grau de evolução, tendo em vista variados contextos históricos desde as guerras, com as expropriações de bens dos vencidos, seguidas das revoluções burguesas, em decorrência dos altos tributos cobrados pelo rei e, por fim, como busca pela proteção da propriedade particular contra a apropriação do Estado. Neste sentido, ensina Eduardo Sabbag: Perante a História, durante a passagem dos séculos, a retórica do confisco foi marcada por alto grau de evolução, ligando-se a diferentes contextos fáticos: (I) às guerras, em razão da apropriação dos bens públicos confiscáveis dos inimigos, como medida punitiva e preventiva; (II) ao tenso convívio entre a burguesia, alvo do tributo, e os reis, detentores do poder de tributar, culminando nas famosas revoluções, que, em grande parte, eram inevitáveis conseqüências do descontentamento do povo com a opressão fiscal; (III) à crescente proteção da propriedade contra a apropriação estatal. (2009, p. 188). Assim, o princípio da vedação embora presente inicialmente no Texto Constitucional de 1824, sua presença no contexto histórico brasileiro é bem antiga, retroagindo até os tempos do Brasil Colônia, quando já havia noção de que os tributos não deveriam ser acompanhados do caráter confiscatório. 3.2 DEFINIÇÃO: EFEITO DE CONFISCO A caracterização do “efeito de confisco”, atrelada à definição do termo “confisco”, não constitui uma tarefa fácil, conforme orientam a maioria dos doutrinadores. Ensina Hugo de Brito Machado (1994) que, em regra, o confisco constitui uma punição, decorrente de crimes ou contravenções praticados por uma pessoa que, além das sanções impostas, está sujeita à perda de todos ou parte de seus bens em proveito dos bens públicos. Assim, tributo com efeito de confisco é aquele que, devido à excessiva onerosidade, pareça constituir penalidade. 2 Incidente sobre o comércio de escravos, gados, barris de vinho ou aguardente e sobre cada venda negociada. 20 Para Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior, a caracterização do confisco, está atrelada a perda abusiva, parcial ou total do bem particular, sem prévia indenização, confira-se: “Tributo com efeito confiscatório é aquele que pela sua taxação extorsiva corresponde a uma verdadeira absorção, total ou parcial, da propriedade particular pelo Estado, sem o pagamento da correspondente indenização ao contribuinte.” (ROSA JÚNIOR, 2009, p. 235), Já Roque Antonio Carraza vai além, ligando o conceito de confisco a não observância da capacidade contributiva do contribuinte, confira-se: “[...] é confiscatório o imposto que, por assim dizer, esgota a riqueza tributável das pessoas, isto é não leva em conta suas capacidades contributivas”. (CARRAZZA, 2010, p. 75). No sentir de Olavo Bilac Ferreira Pinto, sempre que a carga tributária prejudicar ou impossibilitar o desenvolvimento financeiro do contribuinte, restará caracterizado o abuso de poder na modalidade de confisco, cabendo ao Poder Judiciário impedir este ato. Veja-se: Toda vez que o exercício do Poder de Tributação perturbar o ritmo da vida econômica, aniquilar ou embaraçar as possibilidades de trabalho honesto e impedir ou desencorajar as iniciativas lícitas e proveitosas, o que ocorrerá será o desvio ou o abuso desse Poder, o que haverá será o exercício ilegal do direito de impor tributos, ilegalidade ou abuso, que pode e deve ser obstada pelo Poder Judiciário, toda vez que a ele se recorra”.(PINTO, p. 547 citado por ZILVETI e COELHO, 2006, p. 285). Noutro giro, ensina Renato Lopes Becho (2009) que, no âmbito tributário, o confisco pode ser definido como a transferência, do total ou de parte, exagerada e insuportável de bem objeto da tributação, da propriedade do contribuinte para a propriedade do Estado. O autor Jorge de Oliveira Vargas (2003), ao tratar do tema confisco, faz a diferenciação entre confisco direto, decorrente da prática de um ato ilícito e, confisco indireto, imposto em face da utilização da propriedade sem o atendimento de sua função social, prevista constitucionalmente. Deixando claro, porém, não se tratar essas hipóteses de confisco tributário, vez que configuram exceções ao direito de propriedade, bem como não possuem congruência com a natureza dos tributos de um 21 modo geral, devido ao seu caráter compulsório, não havendo natureza de punição por prática de ato ilícito. Confira-se: Só poderá haver confisco direto ou indireto, nestas hipóteses, quais sejam: em razão da prática de um delito, no primeiro caso, ou da utilização da propriedade de forma contrária ao interesse público, ou seja, da utilização da propriedade sem atendimento de sua função social, no segundo. Conclui-se que o confisco direto ou indireto só pode existir como resposta punitiva, e, por se tratar de uma exceção ao princípio fundamental que garante o direito de propriedade, há de estar previsto explicitamente e ser interpretado restritivamente. O confisco direto ou indireto, dada sua conotação punitiva, é incompatível com a tributação, pois o tributo, nos termos do art. 3º do Código Tributário Nacional, é uma prestação compulsória que não tem por objetivo a punição de ato ilícito. (2003, p. 71-72). Portanto, sempre que a arrecadação de um tributo gerar sensação de punição, ferir o âmbito financeiro do contribuinte, atuando em desconformidade com a capacidade contributiva, restará caracterizado o confisco tributário. 3.3 NÃO CONFISCO E DIREITO DE PROPRIEDADE O princípio da vedação da tributação com efeito de confisco é visto como uma redundância ao direito de propriedade, conforme explica Cristiano Carvalho “Se a Constituição salvaguarda o direito individual da propriedade, por conseguinte veda que os entes tributários possam vilipendiá-la através da tributação confiscatória”. (CARVALHO, 2005, p. 379). Neste sentir, manifesta-se Roque Antonio Carrazza: “a norma constitucional que impede que os tributos sejam utilizados “com efeito de confisco”, além de criar um limite explícito às discriminações arbitrarias de contribuintes, reforça o direito de propriedade.” (CARRAZZA, 2010, p. 108). Logo, a vedação ao confisco além de limitador do exercício da tributação, atua também como protetor do direito de propriedade. Para José Souto Maior Borges: “Entre as garantias constitucionais do direito de propriedade insere-se implicitamente a proibição de confisco tributário, por implicações do art. 5º, XXIV: se o proprietário somente pode ser expropriado na forma da lei administrativa (não tributária), segue-se que está implicitamente vedado o confisco tributário. [...] Dá-se, no entanto por essa via a imunização da propriedade ao confisco tributário. (BORGES, 2004, p. 67)”. 22 Diversamente manifesta-se Paulo Cesar Castilho (2002) ao entender que a vedação constitucional do confisco tem como objetivo principal limitar a atividade de arrecadação, evitando que a tributação atinja finalidade diversa de seu objetivo que é de arrecadação e redistribuição de receitas, enquanto a proteção do direito de propriedade é atendida por outras normas constitucionais3. Assim, muito embora alguns defendam que o princípio da vedação ao confisco visa garantir o direito de propriedade, deve-se levar em conta que sua previsão legal expressa está inserida no campo dos princípios constitucionais aplicáveis a matéria tributária, que visam diretamente limitar o exercício da tributação e proteger o cidadãocontribuinte do exercício ilegal do direito de impor tributos. Enquanto no direito de propriedade é autorizado o confisco na forma e quando preenchido os requisitos da norma autorizadora, nas demais formas de confisco que forem ilegais restam aquelas protegidas pelo artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal. Cabe apenas defender a atuação indireta do não confisco como reforço na proteção do direito de propriedade. 3.4 NÃO CONFISCO E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA O Princípio da vedação ao confisco tem clara ligação com o princípio da capacidade contributiva, presente no artigo 145, parágrafo 1º da Constituição Federal 4, vez que, conforme ensina Eduardo Sabbag (2009), o princípio da vedação ao confisco deriva do princípio da capacidade contributiva e estes atuam conjuntamente, sendo o último traduzido na aptidão do contribuinte de suportar a carga tributária sem, no entanto, comprometer o mínimo existencial5. A ligação entre estes dois institutos resta demonstrada através da afirmação de que capacidade contributiva se esgota onde se inicia o confisco. 3 As proteções ao direito de propriedade estão previstas nos artigos 5º, inciso XXII, e 170, inciso II, da Constituição Federal. 4 Art. 145 - § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. 5 O mínimo existencial, vital ou necessário está previsto no artigo 7º, IV, da Constituição Federal, equivale a riqueza mínima, suficiente para a manutenção do individuo e de sua família. 23 Aliomar de Andrade Baleeiro acrescenta a estes dois princípios, o princípio da isonomia, para assim demonstrar a diferenciação entre estes dois institutos. Veja-se: Assim, o princípio do art. 145, § 1º, embora também assentado na capacidade econômica, é relativo e impõe que, comparativamente, a lei faça justiça tributária, vale dizer, crie deveres tributários iguais para todos, mas leves para os economicamente mais fracos e mais pesados para aqueles de maior capacidade contributiva. Já o princípio que estamos analisando, que veda utilizar tributo com efeito de confisco, é absoluto e amplo, não suportando comparação. Resguarda o direito de propriedade, em sentido lato, mas não assegura a igualdade, objetivo prepicuamente visado no art. 145, § 1º, da Constituição Federal. (2006, p. 575). Os princípios da igualdade e capacidade contributiva atrelados ao conceito de justiça, definem a criação de deveres tributários iguais a todos, observadas suas desigualdades e assim a capacidade contributiva de cada cidadão-contribuinte. Já no princípio da vedação ao confisco por ser absoluto, não há ponderação, bem como não se admite comparações e diferenciações, pois, ao vedar o confisco, não se está assegurando a isonomia. Noutra passagem, ensina Aliomar de Andrade Balleiro (2006) que embora os princípios da capacidade contributiva e vedação ao confisco estejam ligados um ao outro, estes possuem suas especificidades, na medida que a vedação ao confisco decorre do princípio da capacidade contributiva, e ambos possuam a função de proteger o contribuinte e seu patrimônio contra incidências desproporcionais de tributos. Veja-se: O principio do não confisco que veda instituir imposto com efeitos confiscatórios tem nítida relação com a capacidade econômica do contribuinte, mas, ao mesmo tempo, distingue-se claramente daquele outro, estabelecido no art. 145, §1º, o qual obriga o legislador a graduar o tributo de acordo com a capacidade econômica de cada agente. A capacidade econômico-contributiva do contribuinte é o ponto de partida da qual derivam não só o princípio que veda utilizar tributo com efeito de confisco como também o princípio da tributação proporcional a força econômica do sujeito passivo, na forma em que se encontra inserido no art. 145, § 1º, da Constituição Federal. Mas, embora assentados sob os mesmo fundamentos, os princípios não se confundem. A relação necessária entre vedação de efeitos confiscatórios e capacidade contributiva encontra-se em que os tributos não podem exceder a força econômica do contribuinte. Deve haver, então, clara relação de compatibilidade entre as prestações pecuniárias, quantitativamente delimitadas na lei, e a espécie de fato – signo presuntivo de riqueza – posto na hipótese legal. (2006, p. 573). 24 Nota-se que, quando o efeito confiscatório estiver presente, a capacidade contributiva terá sido violada, porém, o contrário não é verdadeiro na medida em que pode a capacidade contributiva ser ferida sem, no entanto, estar caracterizado o efeito confiscatório, conforme explica Cristiano Carvalho: “O não confisco também implica a capacidades contributiva, pois se o primeiro princípio for violado, necessariamente estará violado o segundo. A recíproca não é verdadeira, pois pode haver casos em que a capacidade contributiva não é atendida e nem por isso há confisco.” (CARVALHO, 2005, p. 379) Um exemplo desta afirmativa é dado por Renato Lopes Becho (2009) em exposição da seguinte situação: suponhamos que seja determinado por órgão competente que a tributação pelo Imposto Predial Urbano – IPTU será confiscatória se tiver alíquota de 10% sobre a base de cálculo, que é o valor venal do imóvel. Suponhamos também que o legislador competente altere a legislação específica, majorando a alíquota de 1% para 5% do referido imposto, resultando em dificuldades financeiras aos contribuintes. Neste caso terá ofendido o princípio da capacidade contributiva, porém não terá havido ofensa ao princípio da vedação ao efeito confiscatório, pois não atingiu a alíquota considerada confiscatória de 10%. Para analisar a existência ou não do efeito confiscatório, deve-se observar os limites da capacidade contributiva. Deste modo, quando a carga tributária estiver ferindo a capacidade contributiva e o mínimo existencial do contribuinte, estará presente o efeito confiscatório do tributo, mas o contrário não é verdadeiro como visto. Logo, pode-se concluir que a capacidade contributiva pode servir como parâmetro para a caracterização do efeito confiscatório. 3.5 NÃO CONFISCO E EXTRAFISCALIDADE Conforme ensina Aliomar de Andrade Baleeiro (2010) ao legislador tributário é reconhecida, pela doutrina, pela jurisprudência e pelo ordenamento jurídico, a faculdade de estimular ou desestimular comportamentos, conforme o interesse social, através da 25 tributação progressiva6, regressiva7 ou por meio da concessão de benefícios e incentivos fiscais. Desta faculdade nascem os tributos extrafiscais que, devido a sua natureza, não almejam prioritariamente a arrecadação para custeio do Estado, mas sim, ordenar a propriedade de acordo com sua função social ou intervir na economia, injetando ou retirando a moeda em circulação, a fim de se atender aos interesses sociais. Registra Flávio de Azambuja Berti que “Não pode haver rigidez na interpretação do princípio do não-confisco quanto aos impostos em se tratando da presença de metas extrafiscais como pano de fundo da normalização de tais impostos”. (BERTI, 2007, p. 176). Segundo Casanova (1997 citado por Goldschmidt, 2004, p. 195), a tributação extrafiscal não excepciona o princípio do não-confisco, que incide quando estiverem presentes seus pressupostos. Admite-se uma elevação da tributação por conta da extrafiscalidade, mas essa elevação não pode chegar à medida da destruição, penalização ou aniquilação de outros direitos do contribuinte, mesmo porque, o constituinte não excepcionou a observância do art. 150, inciso IV, nas hipóteses em que é permitido o uso extrafiscal da tributação. Assim, o princípio da vedação ao confisco é aplicável a extrafiscalidade. Neste sentido, ensina Paulo Cesar Castilho: Mas é bom lembrar que, ainda que em situações anômalas, não existe uma “carta branca” para exigir o que quer de tributo. Mesmo nesses casos o confisco, disfarçado de tributo, continua proibido. O que se admite é o elastecimento dos critérios preestabelecidos para a tributação confiscatória, sendo certo, contudo, que a perda total da propriedade (ou algo próximo disso), por óbvio, não deixa de ser confisco, ainda que camuflado sob as folhas da extrafiscalidade. (2002, p. 117). Contrária aos posicionamentos expostos, manifesta-se Vanessa Siqueira, ao defender que “Não cabe, todavia, falar em caráter confiscatório no que tange a extrafiscalidade, pois, neste caso, as alíquotas são altas de modo a evitar que o fato gerador ocorra. O objetivo não é confiscar.” (SIQUEIRA, 2009, P. 180). 6 A tributação progressiva consiste na imposição gradual de encargos cada vez maiores, visando o pleno desenvolvimento da política urbana. 7 Diz-se do imposto em que a alíquota diminui à proporção que os valores sobre os quais incide são maiores. 26 Sendo assim, o princípio da vedação ao confisco convive normalmente com o instituto da extrafiscalidade, atuando de modo mais afável, na vedação ao efeito confiscatório no âmbito dos tributos extrafiscais, vez que estes também estão sujeitos às limitações tributárias. Ou seja, uma vez tributos extrafiscais, estes também não podem possuir caráter confiscatório. 27 4. MULTAS TRIBUTÁRIAS 4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS Multa é a prestação pecuniária, compulsória, instituída em lei ou contrato em favor de particular ou do Estado, decorrente da prática de um ilícito, ou seja, a multa representa uma prestação paga em dinheiro, em caráter obrigatório, devida a um particular ou ao Estado em decorrência de uma obrigação ou dever instrumental descumprido. Já segundo o Vocábulo Jurídico, multa fiscal é: É a imposição pecuniária devida pela pessoa, por decisão da autoridade fiscal, em face de infração às regras instituídas pelo Direito Tributário. Semelhante a multa compensatória, apresenta-se, às vezes, como indenização à fraude fiscal praticada. Nessa circunstância, em geral, é fixa, determinando, assim, a própria lei quantias certas correspondentes às espécies de infração. [...]. (SILVA, 2003, p. 935-936) Deste modo, a multa tributária ou a multa fiscal é uma penalidade fiscal imposta ao contribuinte em razão de infração a lei tributária. Às vezes, possui natureza indenizatória, podendo ser considerada um misto de sanção penal e de reparação civil. Já Francisco Carnelutti (CARNELUTTI citado por COÊLHO, 1993, p. 39) deixou consignado que constitui a multa: “um evento danoso imposto a quem não cumpre o preceito”. Explica Alfredo Augusto Becker: “ocorrendo o desrespeito (não sujeição) tornase necessária à coação: a utilização da força material para obter-se a sujeição à força espiritual da eficácia jurídica: a relação jurídica”. (BECKER, 1998, p. 354). Assim, havendo o descumprimento da obrigação tributária ou dever instrumental, que representa uma relação jurídica conforme já visto, será através da coação, representada pela multa fiscal, que se fará cumprir a obrigação tributária, e assim fazer com que esta atinja sua eficácia. Ensina Cleide Previtalli Cais (2004) que a sanção tributária, da qual são espécies as multas fiscais, devem ser aplicadas na presença de todos os seus elementos integradores, presentes na norma reguladora, ou seja, aplicável quando da ocorrência do fato antijurídico com a instauração de outra relação jurídica, agora entre o 28 contribuinte infrator e o agente da infração. Deve servir como meio de evitar a prática da infração no âmbito psicológico através da ameaça de sua aplicação e quando da punição concreta, objetiva evitar novas ocorrências similares. Na lição de Paulo de Barros Carvalho: A relação jurídica sancionatória pode assumir feitio obrigacional, quando se tratar de penalidades pecuniárias, multas de mora ou juros de mora, como também veiculadora de meros deveres, de fazer ou de não-fazer, sem conteúdo patrimonial. Incluem-se nessa rubrica uma série de atos cuja prática a Fazenda Pública impõe ao infrator, como também as proibições a que fica sujeito, toda vez que se formalizarem certos tipos de ilícito. [...] (2010, p. 354) Assim, as multas fiscais – decorrentes de uma relação jurídica sancionatória – constituem penalidades dotadas de caráter sancionatório, constituindo o meio pelo qual o Fisco age em face do contribuinte inadimplente, que prática o ato ilícito de não recolher aos cofres públicos o tributo devido. Referindo-se a obrigações de fazer ou de não-fazer, podendo conter caráter não patrimonial. 4.2 NATUREZA JURÍDICA A definição da natureza jurídica das multas fiscais como sanções tributárias é dotada de grande divergência doutrinária, sendo que são defendidas as presenças de três naturezas: civil, tributária e penal. Conforme ensina Ricardo Lobo Torres (2010), existem aspectos específicos que fundamentam cada posicionamento – veja-se, em síntese: Natureza civil, decorrente dos seguintes aspectos: a) definição na legislação administrativa; b) aplicação por autoridades administrativas; c) natureza ressarcitória, pois ausente a intenção ética de garantir a ordem jurídica; d) não conversão em pena privativa de liberdade, como no caso das multas penais; e) inobservância da culpabilidade do agente infrator; f) não individualização, uma vez que o pagamento por um dos obrigados libera os demais; g) não é personalíssima, pois se transmite causa mortis ou inter vivos, diferente das multas penais, que se extinguem com a morte do agente. 29 A natureza tributária é defendida com base na ideia de que a multa tributária não visa à preservação da ordem tributária, mas sim, a coação do contribuinte ao pagamento da obrigação tributária principal. A natureza penal – posicionamento predominante, segundo o Ricardo Lobo Torres (2010) – se deve aos seguintes aspectos: a) o que importa nesta análise é a existência de conduta antijurídica, afastando-se as sanções tributárias do Direito Penal Geral e do Direito Administrativo, para compor o Direito Penal Tributário; b) a diferenciação quanto ao órgão que aplica as multas – judicial ou administrativo – constitui diferença apenas formal; c) possuem natureza punitiva e intimidativa, com finalidade de garantir a ordem jurídica, restando afastada a natureza indenizatória, pois mesmo às multas moratórias constituem pagamentos que transcendem a reparação do dano; d) não se transforma em pena privativa de liberdade; e) leva em consideração a culpabilidade do agente - o dolo, a boa-fé e a imperícia constituem elementos que devem ser observados quando da aplicação das multas; f) aplicam-se às penalidades tributárias todos os grandes princípios do Direito Penal como a antijuridicidade, estrita legalidade, tipicidade, proibição de analogia e irretroatividade, salvo o da lei benigna. 4.3 ESPÉCIES DE MULTAS Quanto à classificação, ensina Sacha Calmon Navarro Coêlho (1993), que as multas tributárias constituem as espécies de sanções tributárias mais comuns, atuando tanto no âmbito da infração tributária substancial como no âmbito formal. São classificadas como moratória ou de revalidação, enquanto as multas que sancionam o descumprimento de obrigação acessória podem ser classificadas em formais e isoladas. O então já citado dicionário Vocábulo Jurídico, também se refere a uma classificação das multas tributárias. Veja-se: [...]Mas as multas fiscais também se mostram moratórias de majoração ou de revalidação. De majoração, quando, em face da infração à lei ou sonegação de tributo, além da quantia estipulada, é multado o contribuinte para pagar uma quantia maior. De revalidação, quando por ter pago mal o imposto, a fim de regularizá-la tem que reajustá-la, com o pagamento de certa soma,que completa o imposto 30 insuficiente ou cumprido irregularmente. Seja pela sonegação, pelo retardamento no pagamento, ou por qualquer outra irregularidade fiscal, a multa fiscal importa sempre uma infração do regramento que o imposto se institui, e salvo o caso da moratória, que se estabelece automaticamente, sempre resulta de um processo fiscal, instaurado pelo auto de infração. Assim se apresenta com o aspecto de uma penalidade fiscal, a ser cumprida em dinheiro, o que confere com o sentido etimológico da multa. A multa fiscal apresenta-se como um misto de sanção penal e de reparação civil. (2003, p. 935-936) Assim em síntese a multa tributária ou multa fiscal tem como espécies: 1) majoração: pagamento da quantia estipulada pela infração acrescida de multa que deixa o total a pagar maior; 2) revalidação: reajuste aplicado em decorrência da infração, acrescido de certo valor a fim de regularização da situação do contribuinte. Para Jorge de Oliveira Vargas a multa tributária pode ser punitiva ou oratória, enquanto a primeira ocorre do inadimplemento do dever tributário, a segunda constitui penalidade decorrente de ato fraudulento. Confira-se: A multa, e direito tributário, poder se punitiva ou moratória; esta decorre do simples fato de o pagamento não ter sido efetuado dentro de um determinado prazo, enquanto que aquela importa numa punição a um ato de natureza fraudulenta, como por exemplo, a sonegação. (VARGAS, 2005, p. 304). Noutra passagem, cita o autor a multa punitiva em contrapartida a multa de espécie moratória, veja-se: “A multa punitiva, que visa coibir a fraude, tem natureza jurídica diversa daquela que tem por finalidade apenas punir um atraso no pagamento do tributo, chamada moratória. (VARGAS, 2005, p. 305). Nos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho (2010) encontramos cinco espécies de multas tributárias, quais sejam: 1) Multa de ofício: em que o termo “ofício” constitui o modo como o fisco irá exigir a multa. Decorre de ato da Administração Pública, exigido através do lançamento por ofício, auto de infração ou ainda imposição de multa (AIIM); 2) Multa punitiva ou por infração: consiste numa prestação pecuniária, compulsória, devida em decorrência de prática de ato ilícito, sendo a típica sanção de ato ilícito que se dá, em regra, pelo auto de infração; 3) Multa isolada: procedimento pelo qual, isoladamente, institui-se a multa devidamente autorizada pela legislação. Ainda, seria a multa aplicada em razão de cobrança do valor devido a título de penalidade, podendo ser de ofício ou punitiva, com finalidade regulatória, possuindo o 31 mesmo fundamento fático da multa de lançamento por ofício: o inadimplemento do tributo; 4) Multa agravada: tem por finalidade o agravamento da penalidade em decorrência de dolo, fraude ou simulação não recolhimento do tributo; 5) Multa de mora: além do caráter punitivo, predomina a natureza indenizatória do fisco em receber acréscimos em decorrência do pagamento do tributo fora de seu tempo. 4.4 DIFERENCIAÇÃO: TRIBUTO E MULTA TRIBUTÁRIA Importante neste momento, fazer a demonstração dos aspectos que diferenciam os institutos das multas tributárias e dos tributos, uma vez que este servirá de base para a exposição das circunstâncias no próximo capítulo. Veja-se o que explica Sacha Calmon Navarro Coêlho acerca deste tema: Multa é uma prestação pecuniária compulsória instituida em lei ou contrato em favor de particular ou do Estado, tendo por causa a prática de um ilicito (descumprimento do dever legal ou contratual). Diferencia-se do tributo porque neste a prestação pecuniária compulsória em prol do Estado ou de pessoa por ele indicada, exercendo função paraestatal, tem por causa a realização de um fato lícito qualquer (ter renda, ser proprietário, exportar, receber serviços públicos, ter imóvel valorizado por obra pública, ser empregado, etc.) (1993, p. 41). Enquanto a multa tributária representa uma sanção por prática ilícita, decorrente do descumprimento de uma obrigação prevista em lei, ou seja, o não pagamento do tributo, o tributo em si constitui uma imposição decorrente da prática de ato lícito previsto em lei e não de um ato ilícito, como às multas. Neste sentido, ensina Zelmo Denari: “Ambos são prestações pecuniárias compulsórias, instituídas por lei e cobradas mediante atividade administrativa plenamente vinculada, mas as multas fiscais ostentam a natureza de sanção de ato ilícito” (2008, p. 46). Cumpre expor que o conceito de tributo está previsto no artigo 3º, do Código Tributário Nacional, veja-se: 32 “Artigo 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Ademais, as sanções tributárias da qual são espécies as multas tributárias, constituem normas jurídicas sancionatória. A norma jurídica por sua vez divide-se em norma jurídica primária e norma jurídica secundária, denominada sancionatória. Enquanto a primeira estabelece uma conduta desejada, a segunda estabelece uma sanção pelo descumprimento da conduta prevista – denominada relação jurídica sancionatória – ambas dotadas de uma hipótese, fato este que pode ou não ocorrer no mundo fático e uma consequência que prescreve a relação jurídica de direito subjetivo e dever jurídico, definindo obrigações de fazer ou não fazer. Neste sentido ensina Paulo de Barros Carvalho. Veja-se: Em síntese, a norma primária tem em sua hipótese a conexão de um fato de possível ocorrência ao passo que a hipótese da norma secundária descreve a inobservância da conduta prevista na consequência da primeira. E, enquanto aquela estatui direitos e deveres correlatos, esta prescreve a sanção mediante o exercício da coação estatal. A norma primária estabelece relação juridica de direito material (substancial); a norma secundária, relação jurídica de direito formal (adjetivo ou processual). (2010, p. 589) José Roberto Vieira apresenta um esquema para melhor compreensão da diferenciação entre a norma primária ou endonora e a norma secundárias ou perinorma, revestida no método de Norma Jurídica = NP [A – B]. [NS [B – C]. Confira-se: Uma norma primária ou endonorma teria esta configuração: Dado o fato A, deve ser a conduta B. Enquanto a feição de uma norma secundária ou perinorma seria esta: Dado o descumprimento de B, deve ser a sanção C. Em outras palavras: a ocorrência do fato A, cuja descrição é a hipótese da norma primária ou endonorma, dá margem à imputação do dever B, consequência da mesma; e por sua vez, o inadimplemento deste dever B constitui a hipótese da norma secundária ou perinorma, à qual se imputa consequência secundária ou perinormativa da sanção C. (1993, p. 58). Vilanova ressalta ainda a relação de dependência existente entre as normas primárias e secundárias: “a primária sem a secundária desjuridiciza-se; a secundária sem a primária reduz-se a instrumento, meio, sem fim material, a adjetivo sem o suporte do susbstantivo”. (VILANOVA citado por VIEIRA, 1993, p. 56-57). 33 Por fim, comparando com a multa tributária, observa-se que, embora esta apresente características de tributos, não possuem todos os requisitos que asseguram o caráter de tributo pois, a multa constitui prestação pecuniária compulsória, decorrente de lei e exigida através de atividade estatal plenamente vinculada, o que a diferencia dos tributos é, como já exposto, o caráter de sanção de ato ilícito, característica esta ausente no conceito de tributo. Ademais as normas jurídicas de que decorrem os tributos e as multas, são de natureza diversa, eis que o tributo constitui norma jurídica tributária primária enquanto a multa configura uma norma jurídica tributária sancionatória. 34 5 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO COM EFEITO DE CONFISCO E MULTAS TRIBUTÁRIAS 5.1 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO Estabelece o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal que “é vedado à União, aos Estados e ao Distrito Federal e os municípios utilizar tributo, com efeito, de confisco”. Observa-se assim que o Texto Constitucional faz referência apenas aos tributos, como âmbito de aplicação do princípio da vedação ao confisco. Partindo de uma análise literal do Texto Constitucional chegaríamos a conclusão de que a vedação ao confisco não é aplicável às multas tributárias, pois estas, como já visto no capítulo anterior, não possuem natureza de tributo e sim de sanção. Este é o entendimento do autor Gustavo Shneider Alves: [...] a garantia constitucional da vedação ao confisco faz referência expressa aos tributos, o que, em uma interpretação literal do dispositivo, poderia afastar a sua aplicação no tocante às multas fiscais, na forma do art. 3º do Código Tributário Nacional, uma vez que as multas, por se tratarem de sanção por ato ilícito, não estariam compreendidas dentro do conceito de tributo. (2008, p. 39) Este posicionamento também configura o sentir de Hugo de Brito Machado que afirma: “A vedação ao confisco é atinente ao tributo. Não é a penalidade pecuniária, vale dizer, a multa. O regime jurídico do tributo não se aplica a multa, porque tributo e multa são essencialmente diferentes”. (MACHADO, 2009, p. 42). Portando, tendo em vista que as multas não possuem a mesma natureza jurídica dos tributos, resta afastada a aplicação de preceitos referentes aos tributos. Entende Aliomar de Andrade Baleeiro (2006) que as sanções tributárias, desde a cobrança judicial até a aplicação de multas, podem ocasionar a perda total do patrimônio do contribuinte, sem ofender o princípio da vedação ao confisco, uma vez que o artigo 150, IV, da Constituição Federal, proíbe o legislador de criar tributo com efeito confiscatório, ou seja, excessivamente oneroso ou expropriatório dos bens do contribuinte, não englobando as multas que podem conter o efeito confiscatório. O referido princípio constitucional não transforma tributo em multa, muito menos equipara 35 estes dois institutos. Apenas veda os efeitos iguais, não visando proteger os atos omissos e infratores dos deveres jurídicos. Outro fundamento para o posicionamento contrário a aplicação do princípio da vedação do confisco, também manifestado por Hugo de Brito Machado, defende que: “Porque constitui receita ordinária, o tributo deve ser um ônus suportável, um encargo que o contribuinte pode pagar sem sacrifício do desfrute normal dos bens da vida. Pode isto mesmo que ele não pode ser confiscatório. Já a multa, para alcançar sua finalidade, deve representar um ônus significativamente pesado, de sorte a que as condutas que ensejam sua cobrança restem efetivamente desestimuladas. Por isto mesmo pode ser confiscatória”.(MACHADO, 2009, p. 42) Deste modo, a aplicação da vedação ao confisco às multas tributárias, acabaria por descaracterizar o instituto das multas fiscais, uma vez que estas possuem como finalidade penalizar o contribuinte pelo inadimplemento da obrigação tributária, além de desestimular comportamentos ilícitos do dever tributário. E também em razão de sua natureza sancionatória, é admissível que as multas tributárias tenham caráter confiscatório, a fim de se atingir o objetivo central. Neste sentir, também registra Eduardo Sabbag. Confira-se: É natural que se devam aplicar pesadas multas a certos contribuintes, até porque é da essência dessa prestação pecuniária dissuadi-los da recalcitrância na conduta transgressora, principalmente quando estiverem em jogo superiores interesses interesses da coletividade. Entretanto, a prática adotada deve ir ao encontro dos limites impostos pelo princípio da proporcionalidade [...] Não há duvida de que uma multa excessiva, que extrapole os limites do razoável, ainda que visando desestimular o comportamento ilícito iterativo – o preventivo e o punitivo -, mostra vocacionada a burlar o dispositivo constitucional inibitório de sua existência, agredindo o patrimônio do contribuinte. (2009, p. 205) Importante o ensinamento de Eduardo Sabbag, pois embora defenda a inaplicabilidade da vedação ao confisco às multas tributárias, afirma que o instituto que deve ser observado ao se valorar a incidência das multas tributárias, não é a vedação ao confisco e sim o princípio constitucional da proporcionalidade, uma vez que a incidência das multas também deve observar a proporcionalidade com a obrigação tributária descumprida. 36 Desta forma, os fundamentos para a não incidência da vedação ao confisco às multas tributárias baseiam-se na interpretação literal do princípio constitucional em relação ao termo “tributo com efeito de confisco”, excluindo as multas tributárias, uma vez que estas não estão inseridas no conceito de tributo, dada sua natureza de penalidade, e não de tributo. Outro fundamento é quanto à intenção do legislador em desestimular o descumprimento das obrigações tributárias, por meio de multas contendo valores significantes, que pesem no orçamento do contribuinte, e assim evitar a ocorrência repetitiva de atos ilícitos na esfera tributária, que afetam o sistema de arrecadação de receita do Estado, necessária a sua manutenção, e ao interesse público. 5.2 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Preliminarmente cabe expor o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto ao efeito confiscatório e sua caracterização proferida através da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.010. Veja-se: Ementa: [...] A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), considerando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributarias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou rendimento do contribuinte. [...] (ADI 2010 DF, re. Min. Celso de Mello, j. 16.06.2002). Nesta decisão o Supremo Tribunal Federal estabelece os parâmetros para que a tributação não possua efeito confiscatório, cabendo ao legislador a observância dos institutos da capacidade contributiva, do limite do suportável e dos padrões da razoabilidade. A fim de se evitar abusos do poder público no exercício da tributação e proteger o contribuinte, resta-se caracterizado o efeito confiscatório quando a incidência tributária for desproporcional e afetar o patrimônio do contribuinte. 37 No âmbito do tema da aplicação do princípio da vedação ao confisco às multas tributárias, importante também, a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1075/DF, que considerou confiscatória a penalidade pecuniária que estabeleceu multa de 300% sobre o valor do bem ou operação, pela ausência de emissão de nota fiscal, prevista no artigo 3º, parágrafo único, da Lei 8.846/1994. Veja-se: Ementa: [...] A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trata de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. O Poder Público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se do quantum pertinente ao valor das multas ficais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se verifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. [...] (Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1075. Confederação Nacional do Comércio – CNC a Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Celso de Mello. 17 de junho de 1998) Da análise deste julgado, denota-se que o Supremo Tribunal Federal fundamentou sua decisão não apenas no princípio vedação ao confisco, mas também nos princípios da capacidade contributiva e razoabilidade. Conjugando todos estes princípios, conclui-se que a intenção do legislador é de proteger o contribuinte contra a incidência de tributação acima dos limites de sua capacidade contributiva, bem como o instituto da razoabilidade exigida pelo legislador, vedando ao Fisco, aplicar as multas o caráter confiscatório. Outra decisão do Supremo Tribunal Federal, que demonstra o seu posicionamento quanto ao tema, é o acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 551 proposta pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, que alega a inconstitucionalidade dos parágrafos 2º e 3º do artigo 57 do Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias da Constituição Fluminense, fixadora de multa mínima de duas vezes o valor do imposto para o caso de não recolhimento de impostos e taxas, enquanto no parágrafo seguinte fixa o mínimo de cinco vezes o valor 38 de multas decorrentes de sonegação de impostos ou taxas. Veja-se alguns dos votos proferidos na referida demanda: O senhor Ministro Ilmar Galvão – (Relator) [...] O art. 150, IV, da Carta da República veda a utilização de tributo com efeito confiscatório. Ou seja, a atividade fiscal do Estado não pode ser onerosa a ponto de afetar a propriedade do contribuinte, confiscando-a a titulo de tributação. Tal limitação ao poder de tributar estende-se, também, às multas decorrentes de obrigação tributária, ainda que não tenham elas natureza de tributo. [...]. O eventual caráter de confisco de tais multas não pode ser dissociado da proporcionalidade que deve existir entre violação da norma jurídica tributária e sua conseqüência jurídica, a própria multa. Desse modo, o valor mínimo de duas vezes o valor do tributo como conseqüência do não-recolhimento apresenta-se desproporcional, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em evidente efeito de confisco. Igual desproporcionalidade constata-se na hipótese de sonegação, na qual a multa não pode ser inferior a cinco vezes o valor da taxa ou imposto, afetando ainda mais o patrimônio do contribuinte. Configurada, assim, a contrariedade dos dispositivos impugnados com o inciso IV do art. 150 da Constituição Federal, o que desde logo permite a declaração de sua inconstitucionalidade sem a necessidade de análise de possível, vício formal, tal como apontado no julgamento cautelar. [...]. O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, Sr. Presidente esse problema da vedação de tributos confiscatórios que a jurisprudência do Tribunal estende às multas gera, às vezes, uma certa dificuldade de identificação do ponto a partir de quando passa a ser confiscatório. [...] Também não sei a que altura um tributo ou uma multa se torna confiscatório; mas uma multa de duas vezes o valor do tributo, por mero retardamento de sua satisfação, de cinco vezes, em caso de sonegação, certamente sei que é confiscatório e desproporcional. O senhor Ministro Marco Aurélio (Presidente) - Embora haja dificuldade, como ressaltado pelo ministro Sepúlveda Pertence, para se fixar o que se entende por multa abusiva, constatamos que as multas são acessórias e não podem, como tal, ultrapassar o valor do principal. No caso, quando se cogita multa de duas vezes o valor do principal – o que é o tributo não recolhido – ou de cinco vezes, na hipótese de sonegação, verifica-se o abandono dessa premissa e dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551-1.Governador do Estado do Rio de Janeiro a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Ilmar Galvão. 24 de outubro de 2002) Dos votos em exposição resta consolidado o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que embora as multas não tenham caráter de tributo o princípio da vedação ao confisco também se aplica a estas. Conforme voto do Ministro Celso de Mello por se tratarem às multas de obrigação acessória não podem ultrapassar o valor da obrigação principal. Também resta evidenciado o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto a conjugação dos princípios da vedação ao confisco, proporcionalidade, razoabilidade e capacidade contributiva, para a fixação dos valores a 39 serem recolhidos aos cofres públicos, através do exercício da tributação, seja o instituto um tributo ou multa tributária. Por fim, cumpre expor que o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal nos faz lembrar as lições de Paulo Bonavides, acerca da interpretação das normas constitucionais. Veja-se: Não vamos tão longe aqui a ponto de postular uma técnica interpretativa especial para as leis constitucionais, nem preconizar os meiose regras interpretativas que não sejam aquelas válidas para todos os ramos do Direito, cuja unidade básica não podemos ignorar nem perder de vista (doutra forma não se justificaria longo exórdio que consagramos à teoria da interpretação e seus distintos métodos), mas nem por isso devemos admitir se possa dar à norma constitucional, salvo violentando-lhe o sentido e a natureza, um interpretação de todo mecânica e silogística, indiferente a plasticidade que lhe é atinente, e a única aliás a permitir acomodá-la afins, cujo teor axiológico assente nos princípios com que a ideologia tutela o próprio ordenamento jurídico. O erro do jurista puro ao interpretar a norma constitucional é querer exatamente desmembrá-la de seu manancial político e ideológico, das nascentes da vontade politica fundamental, do sentido quase sempre dinâmico e renovador que de necessidade há de acompanhá-la. Atado unicamente ao momento lógico da operação silogística, o intérprete da norma constitucional vê escapar-lhe não raro o que é mais precioso e essencial: a capitação daquilo que confere vida à norma, que dá alma ao Direito, que o faz dinâmico, e não simplesmente estático. Cada ordenamento constitucional imerso em valores culturais é estrutura peculiar, rebelde a toda uniformidade interpretativa absoluta, quanto aos meios ou quanto às técnicas aplicáveis. (BONAVIDES, 2009, p. 461). Assim, o posicionamento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal mede mais do que os aspectos formais e rígidos de conceitos referentes aos institutos envolvidos na discussão, eles vão além, para a verdadeira intenção das normas no ordenamento jurídico, no interesse do legislador em assegurar garantias individuais e sociais ao cidadão, além de servirem como meio de expressar ideologias e opções políticas, e não apenas instituir normas constitucionais com intenção apenas burocrática. 5.2.1 Opinião da doutrina quanto ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal 40 Dentre os doutrinadores há aqueles que compartilharam como o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal acerca da aplicação da vedação ao confisco às multas tributárias, como por exemplo, Andréia Minussi Facin: As multas e penalidades também podem ser consideradas confiscatórias, quando aplicadas por descumprimento de normas fiscais de forma exorbitante. A conclusão decorre do fato de que a obrigação tributária é composta de tributo e penalidade. Portanto, se a obrigação tributária abrange tributo e penalidade, esta, quando for excessiva, será confiscatória, pois “as penalidades financeiras decorrentes das relações jurídicas tributarias estão alcançadas pela vedação ao confisco”. A multa fiscal foi criada para dar efetividade ao tributo, e por este motivo, todos os princípios e vedações ao poder de tributar pertinente ao mesmo também são aplicados às multas ou penalidades pecuniárias de natureza fiscal. [...] Desta forma, é forçoso concluir que a Constituição Federal, ao vedar o confisco para as espécies tributárias, também o faz com relação às penalidades, pois estas são decorrentes do próprio fenômeno jurídico da tributação. (2002, p. 18-19) O fundamento basilar da manifestação de concordância da autora com o posicionamento do Supremo configura-se no entendimento de que no âmbito da tributação, estão inseridos tanto os conceitos de tributos como também das multas tributárias, uma vez que estas servem para confirmar o instituto dos tributos, e por caminharem conjuntamente estariam sujeitas as mesmas normas constitucionais. Neste sentido ensina Sacha Calmon Navarro Coêlho: “uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco”. (2007, p. 69). A aceitação de multas confiscatórias implica num modo tangente de inobservância do princípio da vedação ao confisco. Jorge de Oliveira Vargas (2005) manifesta-se favorável ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, fundamentando sua posição em 3 aspectos: a) constitui o não-confisco uma garantia fundamental, norma auto-aplicável e de eficácia plena, não admitindo interpretação restritiva e sim ampliativa; b) a natureza acessória das multas, tendo em vista sua decorrência através do não-pagamento do tributo ou do não cumprimento da obrigação tributária acessória e; c) identificação da vedação ao confisco com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e proibição do excesso, 41 além de sua intima relação com o principio do devido processo legal no sentido substancial ou substantivo. Defende, ainda, o limite de 100% da obrigação principal, aplicando por analogia o artigo 412 do Código Civil para as multas punitivas, enquanto a multa moratória deve ficar limitada em 10%, aplicado por analogia o artigo 9º do decreto 22.626, e por fim a multa tributária punitiva a ser individualizada, observando-se o princípio da capacidade contributiva. Noutro giro, defende Gustavo Schneider Alves (2008) que para os críticos a decisão do Supremo Tribunal Federal tem fundamentação em aspectos não-jurídicos, proferida discricionariamente e dotada de intenção política, que limita o Poder Público de afetar de forma desproporcional o patrimônio particular em toda e qualquer atuação tributária, e não apenas na instituição ou majoração de tributos. Mas para o autor o Supremo Tribunal Federal na condição de guardião da Constituição Federal, ao reconhecer a aplicação do princípio da vedação ao confisco às multas tributárias, demonstra a intenção política do legislador da Constituição Federal de 1988, e não de seus ministros, de que Poder Público não poderá no exercício da tributação afetar, anulando ou diminuindo o patrimônio do contribuinte. Já Paulo de Barros Carvalho embora concorde com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal deixa clara sua discordância quanto ao fundamento da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal. Veja-se: A conclusão a que chegou o Supremo é correta. O fundamento, todavia, deve ser outro. A rigor, a vedação ao tributo com efeito confiscatório não se estende às multas tributarias. O que impede a cominação de multas exorbitantes é o princípio constitucional de proporcionalidade, no que alberga a idéia de que deve haver uma proporção, em sentido estrito, entre a gravidade do ilícito e a sanção ao mesmo correspondente. (2009, p. 43). Entende o autor que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal é correto, porém a fundamentação utilizada pelos ministros resta equivocada, pois o princípio da vedação ao confisco engloba apenas os tributos e não as multas tributárias, em decorrência da natureza diversa destes institutos, sendo que o princípio que impede as 42 multas confiscatórias é o da proporcionalidade que deve existir entre o ilícito cometido e a sanção a ser aplicada ao contribuinte. 43 6. CONCLUSÃO O ordenamento jurídico é regido e composto por normas revestidas na forma de regras e princípios, que representam a base, o alicerce, para todo o sistema. Os princípios constitucionais tributários atuam nas relações que envolvem questões no campo do direito tributário, definindo parâmetros e limites de observação obrigatória pela Administração Pública no exercício da atividade de arrecadação. Dentre estes princípios, temos o da vedação ao confisco, previsto no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, que constitui defesa do contribuinte contra eventual abuso de poder por parte do Fisco que configure tributação confiscatória e, de modo desproporcional, afete o patrimônio ou renda do contribuinte. Historicamente a primeira aparição do princípio do não-confisco foi na Constituição de 1824, porém o instituto do confisco já estava presente na história do Brasil há alguns tempos. Inicialmente tinha como função à proteção ao direito de propriedade, e com os acontecimentos históricos adquiriram a função atual de proteção do patrimônio do contribuinte contra eventuais atos expropriatórios praticados pelo Estado, caracterizados na modalidade de confisco. O efeito confiscatório estará caracterizado sempre que um tributo ocasionar uma sensação de punição ou ferir o patrimônio do contribuinte, mostrando desproporcional e ferindo a capacidade contributiva. Os princípios constitucionais do direito de propriedade, capacidade contributiva, proporcionalidade e razoabilidade, devem ser interpretados de maneira conjunta de modo a atingir o seu objetivo de proteção às garantias e direitos do contribuinte frente à atuação ilegal do fisco. Estando também sujeito ao não confisco o instituto da extrafiscalidade. A Constituição Federal, ao prever o princípio da vedação ao confisco, refere-se apenas aos tributos e daí nasce à divergência quanto a aplicação ou não do referido princípio as multas tributárias. As multas em todas as suas espécies decorrem de uma relação jurídica sancionatória, constituindo instrumento do Estado para que este, frente à prática de um ato ilícito do contribuinte, possa penalizar o contribuinte infrator e exigir deste o cumprimento da obrigação tributária principal. De seu conceito retiramos a 44 diferenciação entre multa e tributo, pois muito embora estes dois institutos possuam algumas características em comum, o que diferencia a multa do tributo é o seu caráter de sanção de ato ilícito. Assim, resta formulada a problematização do tema: é ou não aplicável o princípio do não-confisco às multas. Para os que não defendem a aplicação do princípio do não-confisco à multa, muito embora se negue o instituto das multas confiscatórias, isso se faz com base nos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e capacidade contributiva, restando do mesmo como proibida à aplicação de multas confiscatórias, porém com fundamento diverso. Porém, tendo em vista todo o exposto, parece razoável conclui-se que, embora o texto constitucional faça referência apenas aos tributos, seriamos excessivamente literais ao concluir que as multas possam ser confiscatórias. Mas, em um apanhado, de toda a exposição realizada, conclui-se que as multas confiscatórias não são legítimas, posicionamento este adotado pelo Supremo Tribunal Federal, sobre o fundamento de que, ao analisarmos qualquer princípio devemos observar a intenção do legislador que, neste caso, é proteger o patrimônio do contribuinte contra atos expropriatórios, sejam eles decorrentes de tributos ou de multas. O Fisco não estaria autorizado a aplicar obrigações desproporcionais que afetem o patrimônio do contribuinte, sejam elas advindas de imposição de tributos ou de multas, pois o que se pretende proteger é o direito dos contribuintes de ter seu patrimônio ou rendimentos afetados por cobranças injustas e desproporcionais que o comprometa financeiramente. O que deve se levar em consideração é a intenção do legislador ao instituir o princípio da vedação ao confisco, tendo em visto o contexto histórico sobre o qual teve seu nascimento, visando proteger os direitos e garantias do contribuinte-cidadão, o direito de propriedade, o patrimônio do contribuinte o seu direito ao desenvolvimento financeiro, vedando qualquer ato do Estado em prejudicar e afetar estes direitos, não importando o instituto utilizado para gerar a violação aos direitos do contribuinte, seja por meio de tributo ou multa tributária, pois em primeiro grau devem ser protegidos os direitos dos contribuintes. 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ALVES, Gustavo Schneider. O princípio do não-confisco e a sua aplicação às multas fiscais. In: PAULSEN, Leandro; VAZ, Paulo Afonso Brum (organizadores). Curso Modular de Direito Tributário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; 2006. 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