Brasília, 4 de dezembro de 2015.
NOTA JURÍDICA
Assunto: Direito constitucional de
greve. Lançamento de faltas
injustificadas. Impossibilidade.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS PERITOS
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, ANMP, formaliza consulta a respeito da
regularidade do lançamento de faltas injustificadas no registro de frequência dos
Peritos Médicos Previdenciários que participam da greve nacional em vigência.
PVL
No dia 12 de maio de 2014, foi editado o MemorandoCircular n. 17/DGP/INSS, que estabelece os procedimentos administrativos a
serem adotados durante a vigência de movimentos paredistas no âmbito da
Autarquia Previdenciária. Para o que ora importa, faz-se necessária a transcrição
de alguns trechos desse ato administrativo:
MEMORANDO-CIRCULAR N. 17/DGP/INSS
Assunto: Certificação da frequência de servidor em
movimentos de paralisações no âmbito do INSS.
1. O presente Memorando-Circular tem por escopo
orientar e uniformizar os procedimentos diante de
movimentos grevistas dos servidores públicos no
âmbito do INSS. (…)
4. Ressalte-se, assim, que o movimento paredista deve
atender aos requisitos da mencionada Lei n. 7.783, de
1989, notadamente o art. 3º, parágrafo único, que prevê
a necessidade da notificação prévia da greve, com
antecedência mínima de 48 horas, deliberada em
Assembleia Geral pela entidade sindical, notificação
estas que, no âmbito do INSS, poderá se dar através do
Gerente Executivo, do Superintendente Regional e
também do Presidente do INSS.
5. Havendo o cumprimento dos requisitos elencados
acima, orienta-se que deve ser consignado no
Registro de Frequência dos servidores o
correspondente código 00137 (falta por motivo de
greve). (grifos aditados)
Em 4 de setembro de 2015, foi deflagrada a greve nacional
dos Peritos Médicos Previdenciários. A instauração desse movimento paredista
observou não só os requisitos citados no ato transcrito, como todas as exigências
impostas pela jurisprudência pátria concernentes às paralisações de servidores
públicos.
Especificamente em relação ao requisito da notificação
prévia das autoridades, inserto no Memorando-Circular n. 17/DGP/INSS, cumpre
destacar que a Presidente do INSS e o Ministro da Previdência Social foram
regularmente notificados no dia 31.08.2015, com antecedência superior a 72
(setenta e duas) horas.
2/7
Em conformidade com a sólida orientação jurisprudencial e
com a posição adotada quando da edição do Memorando-Circular n. 17/DGP/INSS,
a Autarquia Previdenciária emitiu novo ato normativo para tratar exclusivamente
da rotina administrativa durante a vigência dessa greve, a saber, o MemorandoCircular Conjunto n. 5/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/DGP/INSS. Faz-se oportuna,
também, a transcrição de excertos desse ato:
MEMORANDO-CIRCULAR
CONJUNTO
N.
5/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/DGP/INSS
Assunto: Providências para o atendimento em virtude
da deflagração de movimento paredista de peritos
médicos.
1. Conforme Ofício 201/2015/ANMP, de 31 de agosto, o
INSS foi comunicado da deflagração de movimento
paredista dos peritos médicos do Instituto a partir de
amanhã, por tempo indeterminado. Assim, seguem
orientações a serem cumpridas: (…)
4. Deverá ser informado código de greve (137) no
registro de ponto eletrônico dos peritos médicos
previdenciários que aderirem ao movimento.
5. Lembramos que devem ser seguidas as orientações
quanto ao preenchimento dos sistemas SIM e
Supervisão.
6. Solicitamos ampla divulgação à rede de atendimento.
(grifos aditados)
Conforme se verifica da interpretação dos atos normativos
mencionados, nota-se que o INSS, durante certo tempo, atuou em estreita
observância à legislação pátria no que concerne à classificação das faltas dos
servidores em virtude de adesão à greve.
No entanto, em 25 de novembro de 2015, a Autarquia
Previdenciária
editou
o
Memorando-Circular
Conjunto
n.
10/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/DGP/PFE/INSS, que revoga o Memorando-Circular
Conjunto n. 5/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/DGP/INSS, nos seguintes termos:
MEMORANDO-CIRCULAR
CONJUNTO
10/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/DGP/PFE/INSS
N.
3/7
Assunto: Revoga o Memorando-Circular Conjunto n.
5/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/DGP/INSS,
de
3
de
setembro de 2015.
1. Em virtude das decisões proferidas pelo Superior
Tribunal de Justiça no bojo da Medida Cautelar n.
25.103/DF e da Petição 11.076/DF, fica revogado, a
partir de 26 de novembro de 2015, o MemorandoCircular
Conjunto
n.
5/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/DGP/INSS,
de
3
de
setembro de 2015.
2. Solicitamos ampla divulgação à rede de atendimento.
A partir dessa revogação, o INSS passou a orientar todos os
servidores responsáveis pela gestão de pessoas da Autarquia a inserirem no
Sistema de Registro Eletrônico de Frequência (SISREF) o código de falta
injustificada aos Peritos Médicos Previdenciários grevistas.
Assim como o teor do Memorando-Circular Conjunto n.
10/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/DGP/PFE/INSS, a orientação repassada pela
Autarquia Previdenciária é manifestamente ilegal. O lançamento de código de falta
injustificada representa prejuízo desproporcional aos Peritos Médicos
Previdenciários, em virtude do exercício regular de um direito constitucional.
O entendimento de que a ausência dos servidores públicos,
em razão de adesão a movimento paredista, constitui falta justificada é pacífico
nos tribunais pátrios. O Supremo Tribunal Federal (STF), há muito, consolidou seu
posicionamento nesse exato sentido, nos termos da seguinte ementa:
DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
DIREITO DE GREVE. SERVIDOR PÚBLICO EM
ESTÁGIO PROBATÓRIO. FALTA POR MAIS DE
TRINTA
DIAS.
DEMISSÃO.
SEGURANÇA
CONCEDIDA.
1. A simples circunstância de o servidor público estar
em estágio probatório não é justificativa para demissão
com fundamento na sua participação em movimento
grevista por período superior a trinta dias.
2. A ausência de regulamentação do direito de
greve não transforma os dias de paralisação em
movimento grevista em faltas injustificadas.
4/7
3. Recurso extraordinário a que se nega seguimento.
(STF, Primeira Turma, RE n. 226.966, Relator Ministro
MENEZES DIREITO, Relatora p/ Acórdão Ministra
CÁRMEN LÚCIA, publicado em 21/08/2009, grifos
aditados)
Nessa linha, também se posicionou o Superior Tribunal de
Justiça (STJ):
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. (…)
FALTAS JUSTIFICADAS. (…)
1. Da simples leitura do ato impugnado, verifica-se que
não se trata de ato editado pela autoridade coatora no
regular exercício do poder regulamentar, capaz de atrair
a aplicação da Súmula n.º 266/STF, mas sim de expressa
determinação de que as ausências ao serviço poderiam
ser descontadas da remuneração, sendo consideradas
faltas justificadas. (…)
5. A falta decorrente de participação do servidor
em movimento paredista é considerada ausência
justificada, que, segundo a referida dicção legal, pode
ser compensada, evitando o desconto na remuneração.
(…)
(STJ, Terceira Seção, MS n. 14.942/DF, Relatora Ministra
LAURITA VAZ, julgado em 09/05/2012, DJe 21/05/2012,
grifos aditados)
Em estreita conformidade com a posição do STF e do STJ, o
Tribunal Regional Federal da 1ª Região entende que o lançamento de faltas
injustificadas, em caso de participação em greve, representa conduta ilegal por
parte da Administração Pública. Confira-se:
(…) SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO DE GREVE.
DESCONTO DOS DIAS NÃO TRABALHADOS.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ.
COMPENSAÇÃO.
PRÉVIO
PROCESSO
ADMINISTRATIVO.
DESNECESSIDADE.
LANÇAMENTO DE FALTA INJUSTIFICADA.
PENALIDADE DUPLA. IMPOSSIBILIDADE. (…)
5/7
2. Aplicando a mesma sistemática para todas as faltas
justificadas não compensadas, prescinde de processo
administrativo a realização dos descontos na
remuneração do servidor decorrentes das referidas
ausências (MS 14.942/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe
21/05/2012). (…)
(TRF1, Primeira Turma, EDAMS n. 001873443.2005.4.01.3400/DF, Relatora Desembargadora Federal
ÂNGELA CATÃO, Relator Convocado Juiz Federal
MIGUEL ÂNGELO DE ALVARENGA LOPES, e-DJF1
p.840 de 28/02/2014, grifos aditados)
(…) SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO DE GREVE.
DESCONTO DOS DIAS NÃO TRABALHADOS.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ.
PRÉVIO
PROCESSO
ADMINISTRATIVO.
DESNECESSIDADE. LANÇAMENTO DE FALTA
INJUSTIFICADA. REDUÇÃO DE GRATIFICAÇÃO
POR CRITÉRIO DE INASSIDUIDADE. PENALIDADE
DUPLA. IMPOSSIBILIDADE. (…)
6. É razoável desconto em folha, sem lançamento de
falta injustificada, a fim de viabilizar o direito de
greve e evitar que o servidor seja duplamente
prejudicado pelo mesmo ato, ao aderir ao
movimento grevista.
7. Não havendo falta injustificada, os dias parados não
podem ser também causa de redução do pagamento da
Gratificação de Incremento da Fiscalização e da
Arrecadação – GIFA sob este fundamento. (…)
(TRF1,
Primeira
Turma,
AC
n.
001051187.2008.4.01.3500/GO, Relatora Desembargadora Federal
ÂNGELA CATÃO, e-DJF1 p.581 de 11/10/2013, grifos
aditados)
Merece destaque, ainda, a parte dispositiva do voto do Juiz
Federal MIGUEL ÂNGELO no julgamento do EDAMS n. 001873443.2005.4.01.3400/DF, em que determina ser: “(…) incabível desconto em folha de
pagamento dos servidores pelos dias parados e lançamento de falta injustificada em
seus assentos funcionais, devendo a Administração, caso frustrada a compensação já
mencionada, proceder ao desconto em folha pelos dias parados e ao lançamento de
falta justificada nos assentos funcionais dos servidores grevistas”.
6/7
Conforme se depreende dos julgados, o registro de faltas
injustificadas no ponto dos servidores públicos, em virtude de participação em
movimento paredista, configura medida desproporcional e ilegal.
Diante do exposto, conclui-se que, em virtude da flagrante
ilegalidade
perpetrada
pelo
Memorando-Circular
Conjunto
n.
10/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/DGP/PFE/INSS, deve ser aplicado o MemorandoCircular n. 17/DGP/INSS, ainda vigente, aos Peritos Médicos Previdenciários que
participam da greve nacional, de modo a garantir o registro de falta justificada a
esses servidores.
É a opinião dos subscritores.
TORREÃO BRAZ ADVOGADOS
Antônio Torreão Braz Filho
Larissa Benevides Gadelha
Bruno Fischgold
Paulo Vitor Liporaci Giani Barbosa
7/7
Download

mandado de segurança