UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS UNIPAC FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DE BARBACENA - FADI CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO JOÃO VITOR MONTEIRO DE SOUZA A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL BARBACENA 2011 JOÃO VITOR MONTEIRO DE SOUZA A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL Monografia apresentada ao curso de Graduação em Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Esp. Paulo Afonso de Oliveira Júnior BARBACENA 2011 JOÃO VITOR MONTEIRO DE SOUZA A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL Monografia apresentada ao Curso de Graduação da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. BANCA EXAMINADORA Prof. Esp. Paulo Afonso de Oliveira Júnior Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC Prof. Esp. Marcos Sampaio Gomes Coelho Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC Prof.ª Esp. Josilene Nascimento Oliveira Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC Aprovada em ______/______/______ AGRADECIMENTOS Este trabalho não é o resultado de um esforço individual, mas de uma rica troca de experiências, conhecimentos e ideias com diversas pessoas, entre estas o meu agradecimento especial: À Deus e a Nossa Senhora Aparecida por me proteger e iluminar meus caminhos. À minha família pelo apoio e amor em todos os momentos. Aos professores pela oportunidade de aprender, e pela excelência em ensinar, em especial a Josilene, Paulo Afonso, Fernando e Luiz Carlos. Aos meus irmãos de coração Cybelle e Marcell pela paciência, generosidade e amizade. À todos os funcionários do HPJJV, que dividem comigo a possibilidade de crescimento profissional e pessoal. E ainda por terem me ajudado a realizar este trabalho, em especial ao Alexandre, Aparecida, Eliane, Fabiana, Fátima, Fernando, Gilmar, Glauce, Kênia, Marli, Paulo César, Stela, Vera. Ao coordenador de saúde mental do estado de Minas Gerais Dr. Paulo Roberto Repsold e a Juliana. Aos colegas da SAIGV Ludmila, Valéria e Roney. À todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho, meus sinceros agradecimentos. Dedico este trabalho às pessoas que mais amo, pois foram elas que me deram força para fazê-lo e por elas, faço tudo. Em especial a minha Mãe, meu Pai, ao Luís e a Ariane. “O gênio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio”. Fernando Pessoa RESUMO A presente Monografia buscou se aprofundar no estudo das Medidas de Segurança no Brasil, principalmente no que tange a sua efetividade e aplicabilidade. Para tanto foram analisados os tópicos necessários para a elucidação do assunto em voga, para a busca de um tratamento mais humanizado e eficiente. Trata-se de um tema muito discutido pelos especialistas, principalmente pelos entusiastas da Luta Antimanicomial. Inicialmente coube o estudo da evolução histórica da inimputabilidade até a instituição da Medida de Segurança. Posteriormente busca-se a definição do que consiste a MS em suas mais variadas definições e classificações. Por fim são apresentadas as evoluções ocorridas no país quanto ao tratamento e a ressocialização dos pacientes em Medida de Segurança, novas experiências que são fundamentais para a transformação que devem passar as MS no país, mas não são as únicas medidas a serem adotadas no tratamento e ressocialização do doente, e ainda que não possam cometer o erro de substituir integralmente o trabalho realizado pelos Hospitais de Custódia, pois estes apesar de suas deficiências são fundamentais no tratamento e prevenção social. Este trabalho não pretende defender nenhum tipo de ideologia, mas sim de forma imparcial, buscar novos horizontes para o tratamento digno e para segurança de todos. Palavras-chave: Custódia. Direito Penal. Medida de Segurança. Ressocialização. Hospitais de ABSTRACT This monograph has sought to deepen the security measures study in Brazil, especially in regard to effectiveness and applicability. Therefore, we analyzed the topics required for the subject in vogue elucidation, to search for a more humane and efficient. It is a subject much discussed by experts, mainly by Anti-Asylum enthusiasts. Initially the study fit the historical evolution of the incapacity until the institution of a safety measure. Subsequently seeks the definition of what constitutes the safety measure in its various definitions and classifications. Finally we present the developments occurring in the country regarding the treatment and rehabilitation of patients in a safety measure, new experiences that are fundamental to the transformation that must pass the SM in the country, but are not the only measures to be adopted in the treatment and rehabilitation the patient, and still cannot make the mistake of fully replacing the Hospitals Trust work, as these despite their disabilities, are fundamental in the treatment and social prevention. This paper does not intend to defend any kind of ideology, but impartially, seeking new horizons for the fair treatment and safety of all. Keywords: Criminal Law. Security Measure. Resocialization. Custody Hospitals. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 9 2 BREVE HISTÓRICO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA...................................................................... Brasil Colonial................................................................................................ Ordenações Afonsinas.................................................................................... Ordenações Manuelinas................................................................................. Ordenações Filipinas...................................................................................... Código Criminal do Império.......................................................................... Código Penal de 1890 e a Lei dos Alienados................................................ Consolidação das Leis Penais ou Código de Piragibe................................... O Código Penal de 1940 e a reforma de 1984.............................................. 11 11 12 12 12 13 14 15 16 2.1 2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.2 2.3 2.4 2.5 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 3.7.1 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 5 RESPONSABILIDADE PENAL DO DELINQUENTE PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL E A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA............................................................................................... Conceito e natureza jurídica das medidas de segurança................................ A inimputabilidade penal e a semi-imputabilidade penal na medida de segurança....................................................................................................... Pressupostos para aplicação da medida de segurança................................... Do exame de sanidade mental....................................................................... Espécies de Medida de Segurança................................................................. Prazos das Medidas de Segurança................................................................. Exame de cessação de periculosidade e desinternação e liberação condicionais................................................................................................... Desinternação progressiva............................................................................ 18 18 20 22 24 25 26 27 29 A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL............. Estabelecimentos de custódia e situação atual no Brasil............................... Situação Atual dos Estabelecimentos de Custódia no Estado de Minas Gerais............................................................................................................. Implementação da Reforma Psiquiátrica na execução das Medidas de Segurança....................................................................................................... Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)................................................ As Residências Terapêuticas......................................................................... A Experiência do Programa de Atenção Integral ao paciente judiciário portador de sofrimento mental – PAI-PJ....................................................... 31 31 CONCLUSÃO............................................................................................... 45 33 35 38 40 42 REFERÊNCIAS.............................................................................................. 48 9 1 INTRODUÇÃO Este trabalho foi elaborado com o objetivo de se aprofundar nos estudos das Medidas de Segurança (MS), principalmente no que diz respeito a sua efetividade no Brasil. Visando promover uma discussão sobre o tema proposto, com a finalidade de se aperfeiçoar as tratativas sobre o assunto e traçar possíveis soluções para o mesmo. Para a iniciação no estudo, importante se faz a análise histórica sobre o assunto, principalmente no que tange a evolução da inimputabilidade penal, pois a Medida de Segurança somente foi introduzida na legislação brasileira pelo Código Penal de 1940, antes disso se discutia somente a inimputabilidade penal, o sujeito portador de transtorno mental, obtinha atenuantes em sua pena ou era isento dela. Posteriormente é apresentado o instituto das Medidas de Segurança com as suas diversas peculiaridades, sua conceituação, as diferenças entre a inimputabilidade e a semiimputabilidade, os pressupostos necessários para a aplicação das mesmas, o exame de sanidade mental que é requisito para a imposição da medida, e suas especificações, a classificação das duas espécies de MS que podem ser tanto de internação como de tratamento ambulatorial, quanto aos prazos que atualmente recebem a maior crítica da corrente contrária a Medida de Segurança, pela não estipulação em lei do prazo máximo para cumprimento das mesmas. Ainda são abordados os critérios utilizados para a desinternação do paciente em MS elucidando a importância da realização do exame de cessação da periculosidade. E por fim explica que a maior novidade da matéria, versa sobre a desinternação progressiva, inserida na execução das MS por terem fundamental função de ressocialização, é uma desinternação vigiada e controlada, dependendo dos resultados obtidos pelo paciente durante a progressividade da desinternação para sua efetivação. O último capítulo se destina a discussão da real efetividade das MS no país, a condição atual a que são realizadas, principalmente com a elucidação de dados que fornecem um panorama da crítica situação vivida no país pelos pacientes em MS. São apontadas ainda as alterações que a lei 10.216/01 (Lei da Reforma Psiquiátrica) trouxe a aplicação das MS, como o fechamento de leitos para internações de pacientes psiquiátricos em contrapartida ao incentivo aos tratamentos extra-hospitalares ou tratamentos substitutivos. A partir de então grande revolução no tratamento dos portadores de sofrimento mental se iniciou. A ressocialização, as novas ferramentas e iniciativas para tratamentos mais eficientes priorizando a atenção extra-hospitalar, são tratadas com destaque na parte final do trabalho, 10 que descreve a importância dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), das Residências Terapêuticas e do trabalho realizado pelo Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ). São iniciativas inovadoras que fazem parte da solução dos problemas encontrados nas MS e que podem dar maior efetividade as instituto pois permitem a continuação do tratamento em caráter ambulatorial. Importante ressaltar que a efetividade das MS nos dias atuais depende primordialmente da ressocialização do paciente, o tratamento e até mesmo a internação fazem parte deste processo, mas deve-se buscar sempre a possibilidade da reinserção do paciente na sociedade, para que os erros do passado, quais sejam, transformar os Hospitais Psiquiátricos em um depósito de pessoas, não voltem a ocorrer no Brasil. Por fim deve-se refletir sobre qual será o futuro que a sociedade escolherá, devemos excluir os loucos do convívio social? Ou correr o risco de conviver com eles em sociedade? 11 2 BREVE HISTÓRICO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA No estudo dos tratamentos ao longo da história dispensados ao louco infrator, observase a falta de políticas públicas e legislações especializadas e ainda muitas vezes da falta de tratamento adequado e humanizado para doentes mentais de uma forma geral, e de forma mais acentuada quando se tratam de doente mental em conflito com a lei. Pela análise histórica no Brasil da relação entre o direito e a doença mental, em princípio se observa uma falta de repressão, de punição ao louco infrator, que era visto como um problema da família e ela deveria controlá-lo. Posteriormente, com o surgimento das regulamentações passou-se a julgar e condenar os loucos infratores, ignorando a doença que portavam, deveriam ter o mesmo tratamento de outros criminosos. Por fim, surge nesse cenário o instituto da MS, que nasce com a pretensão de ser o meio termo, com a ideia de tratamento e prevenção. O surgimento das MS como sanção penal, para infratores portadores de doença mental, em substituição as penas, se fez necessário tendo em vista as particularidades de tratamento desses indivíduos. O doente mental não poderia sofrer a mesma sanção penal de um agente comum, se cometeu o ilícito penal em função de seu sofrimento mental. Esta ideia veio ao encontro do desenvolvimento da psiquiatria forense no Brasil e nos estudos sobre a doença mental no mundo, com isso os psiquiatras se juntaram ao judiciário na análise dos casos para melhor indicação da resposta penal do Estado a ser utilizada. 2.1 Brasil Colonial Durante o Brasil Colonial pode-se destacar no campo do direito, as ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas que nada mais eram do que uma compilação de títulos que visavam regulamentar as relações humanas durante todo o período colonial. Vale ressaltar que as ordenações vigentes neste período advinham do direito romano e do direito canônico, portanto tinham grande fundamentação nos preceitos religiosos, fazendo com que em muitos casos, crime e pecado se confundissem. Todas as três ordenações do período continham essencialmente a mesma estrutura, 12 eram organizadas em cinco livros principais que se assemelham aos códigos atuais, cada livro tratava de um assunto diferente e continha vários títulos sobre o tema. A matéria criminal era tratada no Livro Quinto, temido por suas penas cruéis e desumanas, a pena de morte nesse período era utilizada em larga escala (JESUS, 2010). 2.1.1 Ordenações Afonsinas Foi a primeira compilação oficial do século XV e primeira do Brasil, foi aprovada durante o reinado de Dom Afonso V, e mandada elaborar anos antes pelo Rei da Boa Memória. Contendo 121 títulos ao total, foi elaborada pelos chanceleres da época João das Regras, João Mendes Cavaleiro e Rui Fernandes, vale lembrar também que foi o primeiro código da Europa. Foi, portanto, uma importante fonte para o conhecimento do direito da época, ocupando uma destacada posição na história do direito português, perdurando até 1521. 2.1.2 Ordenações Manuelinas As Ordenações Manuelinas foram à evolução das reformas Afonsinas, iniciada por ordem de Dom Manuel, teve o objetivo de corrigir e atualizar as normas vigentes visando a modernização da legislação da época. Trouxe importantes alterações como a inclusão de todas as leis extravagantes publicadas e não codificadas desde as ordenações passadas. Continham 113 títulos e foram consideradas as primeiras ordenações a serem utilizadas no Brasil, já que a colonização se fez efetivamente a partir de 1532, com Martim Afonso de Souza. Ficaram marcadas por ser o primeiro código do mundo a ser publicado pela imprensa, o que deu maior visibilidade e efetividade as mesmas. 2.1.3 Ordenações Filipinas Como suas antecessoras, tiveram o objetivo de atualizar as legislações anteriores, revogando as ordenações Manuelinas. Foram elaboradas por determinação do Rei da Espanha e Portugal, Felipe I, que exigia a compilação das novas ordenações com raízes espanholas. Foi 13 o primeiro Código Penal e Processual Penal e também o ordenamento jurídico que mais tempo vigorou no país, por mais de dois séculos. As Ordenações Filipinas ainda não previam sanções para os doentes mentais, e consideravam inimputáveis apenas os menores da seguinte forma: mencionava o desenvolvimento mental incompleto no capítulo da responsabilidade penal, aplicando a pena integralmente aos maiores de 20 anos, deixando ao critério do julgador a redução do castigo quando se tratasse de infrator com idade entre 17 e 20 anos, tendo este que ponderar no caso concreto, as circunstâncias e as maneiras com que o crime fora cometido, além da avaliação da pessoa do menor, podendo este receber a pena integral, de acordo com tal critério, mas sendo vedada a pena de morte e abrindo-se espaço para substituição da pena (D’URSO, 1999, p. 135). De acordo com D’Urso (1999) nas Ordenações Filipinas rezavam ainda que não se poderia imputar fato ilícito àquele que não poderia obrar com dolo ou culpa, visto ser louco, insensato ou doente. 2.2 Código Criminal do Império O Código Criminal do Império do Brasil de 16 de dezembro de 1830, foi o primeiro código autônomo da América Latina e o primeiro código penal nacional, foi sancionado pelo então imperador Dom Pedro I. O código foi elaborado de acordo com a Constituição do Império de 25 de março de 1824, importante diploma legal na época por ter abolido todas as penas cruéis pelo dispositivo dos direitos e garantias individuais. Foi também o primeiro a abordar explicitamente a figura do louco em conflito com a lei, como no artigo 10º § 2º, que dizia: Art. 10- Tambem não se julgarão criminosos: (...) § 2º Os loucos de todo gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos e nelles cometterem o crime. (grafia original) E ainda no artigo 12º que determinava: Art. 12 Os loucos que tiverem commettido crimes, serão recolhidos ás casas para elles destinadas, ou entregues ás suas familias, como ao Juiz parecer mais conveniente. (grafia original) 14 Portanto de acordo com a redação dada aos referidos artigos, os loucos que cometiam crime neste período, deveriam ser entregues a sua família ou internados em locais destinados ao tratamento destes. Sobre as instituições destinadas para o tratamento de loucos infratores nesta época não existiam, tornando a lei inaplicável pela falta de condições de cumprimento da mesma, já o tratamento da época deixava muito a desejar, fazendo com que a entrega dos infratores as famílias fossem a conduta mais utilizada. Importante lembrar que a determinação de internação ou entrega a família deveria ser feita pelo juiz de acordo com sua convicção pessoal, não tendo nenhum tipo de auxílio médico para sua decisão. A possibilidade de internação dos loucos que cometeram crime, ventilada pela primeira vez na legislação pátria pode se dizer que tratava-se já de uma MS, claro que de forma precária à época, mas com o propósito de se tratar e custodiar em instituições próprias os loucos infratores, propósito este que no Brasil é seguido até os dias atuais. 2.3 Código Penal de 1890 e a Lei dos Alienados Com a proclamação da república em 15 de novembro de 1889, realizada através do golpe militar comandado pelo Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, o então ministro da justiça Campos Sales em meio a novas aspirações por reforma, designou o conselheiro João Batista Pereira para elaboração de uma nova legislação criminal para a recém-formada república. Nascia então o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, através do Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. O código penal republicano manteve o mesmo tratamento aos loucos infratores de seu antecessor, como pode-se observar o artigo 27: Art. 27 Não são criminosos: (...) § 3º Os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, fôrem absolutamente incapazes de imputação; § 4º Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no acto de commeter o crime. (...) (grafia original) Importante ressaltar que a partir desse momento a decisão do magistrado na escolha pela internação ou entrega a família do paciente, deveria ser acompanhada de uma fundamentação legal, restringindo a internação aos alienados que colocassem em risco a segurança e ordem públicas como delimitado no artigo 29, in verbis: 15 Art. 29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão entregues às suas famílias, ou recolhidos a hospitaes, de alienados, se o seu estado mental assim exigir para a segurança do público. (grafia original) Grande evolução neste período ocorreu pelo Decreto nº 1.132, de 22 de Dezembro de 1903, que ficou conhecido como a Lei dos Alienados. Foi a primeira legislação brasileira a tratar especificamente dos alienados e da alienação mental. Na elaboração do decreto, o Estado garantiu a internação de infratores portadores de moléstia mental (nomenclatura usada na época), foi um grande progresso no sentido de se estabelecer regras e normas, com a justificativa da garantia da segurança coletiva, com a intenção de se estabelecer uma política nacional de tratamento aos alienados. Novidade do Decreto foi trazer a figura do psiquiatra para assessoramento judicial, dando grande importância a essa classe que a essa altura histórica, avançava no estudo dos doentes mentais no Brasil. 2.4 Consolidação das Leis Penais ou Código de Piragibe O Desembargador Vicente Piragibe, confeccionou e publicou um livro intitulado “Código Penal Brasileiro, Completado com as Leis Modificadoras em vigor”, este trabalho continha quatro livros e quatrocentos e dez artigos. Piragibe conseguiu reunir os códigos anteriores e todas as leis criminais à época obtendo grande êxito na confecção do mesmo, com a aprovação de grande parte da comunidade jurídica da época. Getúlio Vargas, Chefe do Governo Provisório, observou o sucesso da atualização da legislação criminal feita por Piragibe, e solicitou ao autor autorização para oficializá-la como a “Consolidação das Leis Penais”, e assim o fez através do Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932. Em sua obra, Vicente Piragibe tratou o louco infrator com influência direta das legislações anteriores, principalmente no que concerne a despenalização do louco infrator, como pode-se observar no Artigo 27 do referido decreto, in verbis: Art. 27. Não são criminosos: § 1º os menores de 14 annos; § 2º os surdos mudos de nascimento, que não tiverem recebido educação nem instrucção, salvo provando-se que obraram com discernimento; § 3º os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente incapazes de imputação; § 4º os que se acharem em estado de completa perturbação de sentimentos e de 16 inteligência no acto de commetter o crime. (grafia original) Importante se faz observar nesta transcrição, que a exceção aos intervalos de lucidez para penalização dos loucos infratores feita pelas legislações anteriores, foi suprimida pelo Código de Piragibe. Modificação importante também, quanto ao tratamento dispensado ao louco infrator foi tratada no Artigo 29, define que em caso de constatação da necessidade da internação para garantia da segurança pública a mesma deve ser aplicada mesmo na falta de “manicomios criminaes”, como podemos observar na transcrição literal do referido artigo: Art. 29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão entregues a suas famílias, ou recolhidos a hospitaes de alienados, si o seu estado mental assim o exigir para a segurança do público. Emquanto não possuirem os Estados manicomios criminaes, os alienados delinquentes e os condemnados alienados somente poderão permanecer em asylos públicos, nos pavilhões que espacialmente se lhes reservem. (grafia original) 2.5 O Código Penal de 1940 e a reforma de 1984 A partir do Código Penal de 1940, a legislação brasileira seguindo uma tendência mundial, passa a adotar a MS para os infratores portadores de doenças mentais, em moldes bem semelhantes ao que é adotado atualmente, até porque essa legislação vigora até os dias atuais. Pela primeira vez na lei pátria foi abordada a MS como uma forma de sanção penal diferenciada para loucos infratores, visando tratar e prevenir novas infrações penais de sujeitos com algum grau de periculosidade. Involução do Código Penal de 1940, foi a adoção do sistema do duplo binário no cumprimento das MS, alvo de muitas críticas da comunidade jurídica, como defende Dotti: O Código Penal de 1940, tendo eleito a dupla via, incorreu em manifesto erro, porquanto primeiro para os imputáveis e semi-imputáveis, nas palavras de Antolisei, impõe a uma pessoa necessitada de cura e de educação, as constrangedoras condições do cárcere, que só agravam a periculosidade que, depois, piorada, se buscará cancelar, tudo para conciliar ou superar oposição entre culpabilidade e periculosidade.” (DOTTI, 1985, p. 284.) Com as alterações trazidas pela reforma da parte geral do código penal em 1984, o legislador buscou a resolução deste problema extinguindo o sistema do duplo binário e passou a adotar o sistema vicariante, determinou que somente aos sujeitos inimputáveis ou semiimputáveis poderiam ser aplicadas as MS. Excluindo, portanto que aos imputáveis se 17 acumulasse a pena e MS (Sistema Duplo Binário), e passando a se utilizar pena ou MS (Sistema Vicariante). Importante alteração também ocorreu na possibilidade de se cumprir a MS em tratamento ambulatorial, quando o ato praticado for previsto como crime punível com detenção. Neste caso o sujeito deve comparecer quando convocado nos hospitais, diante do médico perito que fará a avaliação e acompanhamento do paciente até que se cesse a necessidade da MS. Ocorreram ainda outras mudanças, podendo ser consideradas menos importantes se comparadas com as acima enumeradas, mas vale ressaltar a alteração do prazo mínimo de execução das MS que hoje varia entre 01 a 03 anos e antes da reforma ficava entre 01 e 06 anos dependendo do crime cometido, e ainda a nova distribuição dos artigos no CP, anteriormente ficavam entre os artigos 75 a 101, Título VI da parte geral do código e atualmente também no Título VI mais apenas nos artigos 96 a 99; existiam ainda antes da reforma, as Medidas de Segurança patrimoniais que consistiam na interdição de estabelecimento ou sede de sociedade ou associação (art. 99) e o confisco (art. 100). A reforma do código penal serviu para restringir as MS, tratando apenas das internações em Hospitais de Custódia e do tratamento ambulatorial. 18 3 RESPONSABILIDADE PENAL DO DELINQUENTE PORTADOR TRANSTORNO MENTAL E A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA DE Para aplicação das Medidas de Segurança importante se faz observar a princípio, a diferença existente entre o imputável, semi-imputável e o inimputável, somente esses dois últimos sujeitos são passíveis desta sanção. Para definição da condição do sujeito, devem ser observados diversos fatores, para adequação correta dos transtornos mentais com o grau de responsabilidade penal do mesmo. A aplicação da MS somente é possível depois que constatada por pericia médica oficial, eventual patologia que ao tempo da ação delituosa inspirou a sua prática. 3.1 Conceito e natureza jurídica das medidas de segurança A medida de segurança consiste em uma sanção penal imposta pelo Estado aos indivíduos inimputáveis ou semi-imputáveis, ou seja, aos incapazes de responder de maneira satisfatória por seus atos por serem portadores de doença ou perturbação mental, e que cometeram conduta típica e ilícita, esse indivíduo, portanto não poderá ser penalizado, surge então a imposição da MS. Desta forma Guilherme de Souza Nucci conceitua a Medida de Segurança: Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semiimputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado (NUCCI, 2011, p. 576). Vale ressaltar o caráter preventivo dessa sanção, por se tratar de indivíduo portador de distúrbio mental que cometeu ilícito penal, tem que se levar em conta o possível grau de periculosidade do agente, que poderá reincidir, justificando assim, a necessidade da custódia do paciente. Sobre a importância da finalidade preventiva da medida, Fernando Capez diz: Sanção penal imposta pelo estado, na execução de uma sentença, cuja finalidade é exclusivamente preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma infração penal que tenha demonstrado periculosidade volte a delinquir (CAPEZ, 2007, p. 467). Importante posição sobre a conceituação tem Mirabete, que reforça o caráter curativo 19 e preventivo da MS: A medida de segurança não deixa de ser uma sanção penal e, embora mantenha semelhança com a pena, diminuindo um bem jurídico, visa precipuamente à prevenção, no sentido de preservar a sociedade da ação de delinquentes temíveis e de recuperá-los com tratamento curativo (MIRABETE, 2010, p. 265). Portanto a Medida de Segurança é uma forma de sanção penal de natureza preventiva e curativa, divergindo da pena quanto aos seus fundamentos e as peculiaridades em sua execução, não incidindo sobre ela, por exemplo, as regras gerais do cumprimento da pena, como o sistema progressivo, ou seja, a progressão da pena existente entre os regimes fechado, semiaberto e aberto. Quanto a sua natureza jurídica a MS possui duas correntes, a maioria defende que a MS tem caráter jurídico-penal, e a minoria entende que trata-se tão somente de uma medida administrativa. Corrente minoritária defende o caráter administrativo das MS por existirem registros da ingerência na aplicação das mesmas pela autoridade administrativa, em que pese a ausência de previsão legal das mesmas no Código Penal. Destarte, a “maioria dos partidários da tese dicotômica (dualista), na verdade, não considera a medida de segurança uma espécie do gênero sanção penal”. (SOUZA, 1979, p. 48). Existe também nesta corrente uma tentativa de se enfraquecer o instituto da MS como sanção penal, embasada na argumentação que é uma medida somente com fins curativos. Ainda sobre seu caráter administrativo, importante citar o posicionamento de Zaffaroni e Pierangeli, “essas medidas são materialmente administrativas e formalmente penais. Uma das formas mais acabadas de que não pode ser outra a sua natureza é que juridicamente não podem chamar-se ‘sanções’, ainda que na prática, o sistema penal as distorça e a elas atribua, eventualmente, esta função, realidade que se faz necessário controlar e procurar neutralizar.” Segundo o entendimento da maioria tal argumento não procede, como entende o professor Luiz Regis Prado: “Embora se insista em negar às medidas de segurança o caráter de sanção penal – sob o argumento de que tais medidas apresentam uma função administrativa de polícia, não pertencendo, pois, ao Direito Penal, mas sim ao administrativo , é assente seu o caráter especificamente penal”. Deve-se entender que a intervenção no direito do agente para imposição da MS é, se não mais danosa, semelhante a própria pena, portanto não se pode conceber que este poder fique nas mãos da autoridade administrativa em um Estado Democrático de Direito, como 20 Figueiredo Dias vem nos ensinar: “Fica com isto afastada uma concepção – extremamente perigosa e de todo modo, em nossa opinião, hoje inaceitável nos quadros do Estado de Direito – segundo a qual, para a legitimação da Medida de Segurança, necessário se tornaria considerá-la dentro das medidas puramente administrativas”. Finalmente, apesar das discussões quanto a matéria, pode-se considerar as MS como uma sanção penal, do mesmo modo da pena. A ideia é afastar das MS o caráter administrativo pelo claro caráter jurídico-penal das mesmas, que inclusive são dispostas no Código Penal Brasileiro. 3.2 A inimputabilidade penal e a semi-imputabilidade penal na medida de segurança De acordo com a legislação brasileira tanto a pena quanto a medida de segurança, sucedem ao cometimento de uma conduta ilícito penal, as mesmas divergem quanto ao seu fundamento, quando na pena se verifica a culpabilidade do agente, na MS deve-se pautar na periculosidade do indivíduo. O código penal brasileiro em seu art. 26 define que o sujeito inimputável ou semiimputável, não tem a plena consciência das consequências negativas de suas ações delitivas. Portanto os diferenciou da seguinte forma: Art. 26: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O instrumento legal transcrito acima isenta a aplicação da pena, ou seja, deverão ser absolvidos os agentes que nessas condições elencadas no código, cometerem ilícitos penais. Cabendo ao juiz, que amparado pelo laudo pericial fornecido pelo médico perito forense, instituir a MS ao agente. A mesma é instituída através da sentença absolutória, denominada de sentença de absolvição imprópria, tendo em vista que o réu não é condenado mais deve receber uma sanção penal (Medida de Segurança). Sobre o tema a súmula 422 do STF, esclarece que “A absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade”. Sobre a imposição da Medida de Segurança, determina o art. 97 também do CP, que caso o agente seja inimputável, o juiz deve determinar sua internação, salvo caso em que o 21 crime cometido seja punível com detenção. Neste caso o juiz poderá submetê-lo a tratamento ambulatorial, como preconiza o § 1º do artigo supra. Quanto aos prazos, de internação ou tratamento ambulatorial, serão por tempo indeterminado, com prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, determinados pelo juiz da execução que fixará o prazo de acordo com as particularidades de cada caso. Após esse período mínimo, o agente fica condicionado a cessação de sua periculosidade para sua desinternação, cessação de periculosidade aferida anualmente por meio de perícia médica. Sobre a inimputabilidade pode-se dizer, portanto, que ocorre quando o agente se encontra dentro dos requisitos do artigo 26 do CP, devendo atender a três requisitos básicos como nos ensina Damásio de Jesus: Requisitos da Inimputabilidade (art. 26, caput): a) requisito causal (doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado) b) requisito cronológico (ao tempo da ação ou da omissão) c) requisito consequencial (inteira incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento) Já a semi-imputabilidade, é definida pelo Parágrafo único do artigo 26 do CP, segundo o código, a mesma acontece quando o sujeito perde a capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou de desenvolvimento incompleto ou retardado, é a ausência de imputabilidade plena. Ocorre que nesse caso, as perturbações psíquicas afetam o poder de autodeterminação, e ainda podem alterar a força de resistência interior, tendo em vista a prática do crime, devendo ser atenuada por tanto as penas aplicadas a esses indivíduos. Capez e Stela Prado (2007), falam sobre a responsabilidade nos atos ilícitos cometidos por esses indivíduos, sendo que na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma noção do que faz, mas sua responsabilidade é reduzida em virtude de ter agido com culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais. Pode-se dizer que quanto aos requisitos, a semi-imputabilidade se assemelha muito a inimputabilidade, divergindo somente quanto ao requisito consequencial, ao invés de inteira incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, se tem no semi-imputável a perda de parte da capacidade de entendimento e determinação. No caso de sujeito semi-imputável a criminalidade não é excluída como na inimputabilidade, pois a capacidade e o entendimento não são eliminados, todavia, se o juiz 22 entender pela aplicação da pena, deverá reduzi-la de 1 a 2/3. Pode também o juiz, determinar MS para os semi-imputáveis, devendo para decidir, examinar as peculiaridades de cada caso para escolha entre a aplicação da MS ambulatorial ou detentiva, decisão esta que deverá obedecer aos critérios da modalidade de pena aplicável ao delito cometido, quais sejam, se a pena prevista for de detenção o juiz poderá aplicar a MS de forma ambulatorial, se for de reclusão o juiz deverá aplicar a MS com internação compulsória. Na hipótese de substituição da pena por MS para o semi-imputável, o juiz deverá obrigatoriamente fundamentar a decisão com elementos do processo. 3.3 Pressupostos para aplicação da medida de segurança Quanto aos pressupostos para a aplicação da MS, é necessário dizer que existem três básicos, são eles: a prática de fato punível, a periculosidade do delinquente e a ausência de imputabilidade plena. A prática de fato punível pela legislação é pressuposto essencial para aplicação das MS e também da pena. Em sua definição podemos dizer que é uma conduta humana que se encaixa perfeitamente a um tipo penal, conduta esta reprovada pela sociedade e contra o direito. A fonte para determinar-se fato punível, é utilizada a partir dos delitos descritos no Código Penal, na Lei de Contravenções Penais, em leis especiais e extravagantes. No tocante a periculosidade, importante se estudar as definições da pena e MS, ou da culpabilidade e da periculosidade e principalmente de suas diferenças, informação importante para se entender o principio norteador da MS, por se tratar de institutos com objetivos totalmente diversos. Objetivo maior ao se introduzir o conceito de periculosidade, é de se dar tratamento diferenciado aos doentes mentais que cometeram ilícitos penais, que pelas peculiaridades de seu estado mental são merecedores de tratamento específico, não realizado aos apenados comuns. Sobre a pena podemos dizer que o fundamento que usamos para a aplicação das mesmas é pautado basicamente na culpabilidade, sendo a pena uma sanção imposta pelo Estado mediante o trânsito em julgado do processo, contra o autor de um fato ilícito (réu), com finalidade preventiva e retributiva, conforme disposto no artigo 59, caput, do CP. Já o fundamento norteador da MS usa o conceito de periculosidade, se mostra mais complexo e controvertido se comparado a culpabilidade, se baseia no estado sociável do 23 indivíduo. No conceito de Nelson Hungria “a periculosidade significa um estado mais ou menos duradouro de antissociabilidade, em nível subjetivo. Quanto mais injustos penais o inimputável comete, mais demonstra sua antissociabilidade”, definição mais sintetizada sobre a matéria tem Fernando Capez, que define a periculosidade como sendo a “potencialidade para praticar ações lesivas. Revela-se pelo fato de o agente ser portador de doença mental”. Deve-se ter o objetivo de verificar a condição do indivíduo no futuro, é quase que um exercício de adivinhação, de probabilidade de reincidência criminal pela influência da doença mental, deve-se analisar como poderia agir ou reagir o sujeito em situações conflituosas ou não, situações rotineiras na convivência em sociedade. Para se verificar esse estado como diz Damásio, devem ser observados fatores (ou elementos) e indícios (ou sintomas) do estado perigoso. Por fim vale anotarmos a lição de Damásio de Jesus sobre o tema: As penas e as medidas de segurança constituem as duas formas de sanção penal. Enquanto a pena é retributivo-preventiva, tendendo atualmente a readaptar socialmente o delinquente, a medida de segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais (JESUS, 2010, p. 113). Damásio define como formas de sanção penal tanto a pena como a MS, mas as diferencia na forma de suas aplicações e nos fins pretendidos. Lembrando que a MS tem como objetivo o restabelecimento e a reintegração do doente mental no que for possível. Para se entender a ausência de imputabilidade plena, necessário se faz o estudo do sistema adotado atualmente para execução da MS, e ainda sua distinção do sistema adotado anteriormente em nosso Código Penal. O Código Penal Brasileiro atual adota o sistema Vicariante, ou seja, é impossível se aplicar cumulativamente a pena e a medida de segurança. Fato diferente do que ocorria no Código Penal de 1940 antes da reforma penal de 1984, onde prevalecia o sistema do duplo binário, no qual se permitia a comutação de pena e medida de segurança. Sobre a alteração trazida pela adoção do sistema Vicariante, através da reforma do código penal de 1984, foi de grande valia na opinião da maioria dos juristas. O sistema do duplo binário sofria diversas críticas por impor ao condenado a pena privativa de liberdade, que deveria ser cumprida por completo e somente após seu cumprimento, se entendesse necessário o juiz, deveria se cumprir a medida de segurança, ficando recluso o indivíduo por muito mais tempo. Por essa prática o sujeito seria punido com duas sanções por uma única ação delitiva, ferindo o princípio do “non bis in idem”, ou seja, ninguém poderá ser 24 condenado mais do que uma vez pela prática do mesmo fato. Portanto pela legislação atual deverá ser aplicada a pena para os imputáveis, e a medida de segurança para os inimputáveis, já para os semi-imputáveis uma ou outra, conforme recomendação dos peritos e decisão do juiz. 3.4 Do exame de sanidade mental O Exame de Sanidade Mental é realizado pelo médico perito oficial, com o objetivo de determinar ou não a inimputabilidade do agente no momento do cometimento do crime. Para a realização do exame é utilizado o critério biopsicológico na apuração da inimputabilidade penal, ou seja, devem ser observados dois critérios no momento da pericia. Primeiramente se verifica a capacidade do agente de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, e posteriormente é examinada a saúde mental do agente, deve-se observar se o agente é ou não doente mental, e ainda se possui ou não um desenvolvimento mental incompleto ou retardado. A solicitação para realização do exame pode ser feita ainda no decorrer do inquérito policial a pedido do delegado do caso, podendo ser solicitada também, pelo Ministério Público, pelo defensor, curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, ou ainda de oficio pelo juiz, sempre que se desconfiar da integridade mental do acusado. Entendendo ser necessária a realização do exame médico-legal, o juiz deverá nomear um curador ao acusado, ficando suspenso o processo com a instauração do incidente de sanidade mental, que deverá ser apensado ao principal após confecção do laudo pericial. O exame deverá ser realizado no prazo de 45 dias, salvo se os peritos demonstrarem a necessidade de maior prazo. No caso de réu preso, o mesmo deverá ficar internado em Hospital de Custódia até o término do exame, já se estiver solto e se requererem os peritos, deverá ficar em estabelecimento adequado que o juiz designar, conforme o disposto do Art. 150 do CPP. Normalmente tanto o réu preso quanto solto, é internado pelo prazo necessário para a realização do exame nos Hospitais de Custódia. O exame de sanidade mental é de suma importância para se determinar a inimputabilidade do individuo, pois é indispensável a participação do perito forense para se determinar a doença mental ou mesmo o desenvolvimento incompleto ou retardado. Análise que o juiz não pode realizar de forma precisa, o diagnóstico da doença mental deve ser atestado por especialista. Entretanto o juiz tem a capacidade de verificar a capacidade que o 25 sujeito tinha ao tempo da ação ou omissão delituosa, de se conduzir de acordo com tal entendimento, compreendendo o caráter ilícito do fato. O juiz deve usar provas colhidas ao longo da instrução, para formar o seu convencimento sobre este fato. Vale ressaltar que o magistrado tem de acordo o sistema processual penal liberatório adotado no Brasil, a faculdade de aceitar ou rejeitar os laudos, porém caso decida pela rejeição do laudo pericial, deve haver a realização de outro exame por diferente perito forense. Cabe ao juiz a avaliação psicológica do caso e não a biológica, que deverá ser feita apenas por peritos com conhecimentos técnicos específicos para análise do caso. 3.5 Espécies de Medida de Segurança Segundo o Código Penal em seu art. 96, as Medidas de Segurança podem ser divididas em duas espécies, podem ser: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ambulatorial. Na primeira hipótese deverá obrigatoriamente o agente permanecer internado em hospitais gerais ou hospital de custódia, para tratamento médico interno e na maioria dos casos em regime fechado. A medida de segurança pode ainda, ser cumprida por sujeição a tratamento ambulatorial, que deve ser usado quando o crime for punível com detenção. Consiste no agente realizar tratamento médico de forma externa, ou seja, o agente não necessita da internação, mais fica obrigado a comparecer ao médico perito oficial, para realizar o exame de cessação de sua periculosidade anualmente. Portanto, devem-se diferenciar as duas hipóteses, quanto ao tipo de regime da internação ou ambulatorial. Deve-se lembrar de que quando a pena imposta for de reclusão, é obrigatória a imposição da medida de segurança detentiva, ou seja, deverá cumprir a MS em regime de internação. No caso de crime punível com a detenção, cabe ao juiz determinar a internação (medida detentiva) ou o tratamento ambulatorial (medida restritiva). Nas duas hipóteses o prazo para cumprimento é indeterminado, até constatada a cessação da periculosidade do agente, sendo também o mesmo prazo mínimo de 01 a 03 anos, o exame de cessação pode ainda ser realizado a qualquer momento se houver o requerimento do juiz. Cabe ressaltar que o juiz tem a faculdade de escolha entre a internação ou o tratamento ambulatorial, mediante a aferição do grau de periculosidade do indivíduo e ainda as condições do crime, devendo sempre observar o disposto no art. 97, caput, do CP, qual seja, no caso de 26 crime punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. Importante se faz ressaltar que existe precedente no STJ (Resp. 324091-SP, 6.ª T., rel. Hamilton Carvalhido, 16.12.2003, v.u., DJ 09.02.2004, p.211), acolhendo a possibilidade de se permitir a aplicação de tratamento ambulatorial para o autor de crime apenado com reclusão, para tal decisão é usado o argumento de que não se deve observar a relação entre a MS e a gravidade do delito e sim a periculosidade do agente, como defende Carlota Pizarro de Almeida: Não é correto, portanto, quando se trate de portadores de anomalia psíquica, estabelecer uma correspondência entre a medida de segurança e a gravidade do fato praticado. Mas já será importante estabelecê-la em relação a periculosidade do agente: só assim se respeita o princípio da proporcionalidade (...) (ALMEIDA, 2000, p. 34). 3.6 Prazos das Medidas de Segurança Conforme o disposto no § 1º do artigo 97 do CP, a internação ou o tratamento ambulatorial se dará por tempo indeterminado, devendo perdurar enquanto não for constatada por pericia médica a cessação da periculosidade do agente, também estabelece que o prazo mínimo de cumprimento da MS é de 1 (um) a 3 (três) anos, devendo ser fixado pelo juiz, quando da instituição da medida. A perpetuidade das medidas de segurança surge como um dos temas mais polêmicos e discutidos atualmente, sobre isso Rogério Greco diz: Ela terá duração enquanto não for constatada, por meio de perícia médica, a chamada cessação da periculosidade do agente, podendo, não raras as vezes, ser mantida até o falecimento do paciente. Esse raciocínio levou parte da doutrina a afirmar que o prazo de duração das medidas de segurança não pode ser completamente indeterminado, sob pena de ofender o princípio constitucional que veda a prisão perpétua, principalmente tratando-se de medida de segurança detentiva (GRECO, 2011 p. 36). Sobre a duração máxima das medidas, existem pelo menos três importantes vertentes. Há quem defenda que a medida de segurança não pode perdurar por tempo maior, ao limite máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada ao delito, pois esse seria o limite temporal máximo em que se finda a pretensão punitiva do Estado. Ou seja, se o indivíduo plenamente imputável tivesse sido condenado, não poderia ultrapassar o tempo máximo previsto para tal delito, apesar de não ser propriamente uma pena e sim uma sanção 27 penal, entendem os defensores desta corrente que é totalmente inadmissível que a medida de segurança tenha uma duração maior que a pena aplicada a um imputável condenado pelo cometimento do mesmo delito. Devendo após este decurso do tempo, o paciente receber tratamento como qualquer outro doente mental que não tenha praticado delito, ou seja, tratado na rede de saúde pública ou particular. Existem também os que defendem o teto estabelecido no artigo 75 do CP, que limita o tempo de cumprimento da pena em no máximo 30 (trinta) anos. Opinião compartilhada pelo Supremo Tribunal Federal, conforme podemos verificar na ementa abaixo descrita: Medida de segurança. Projeção no tempo. Limite. A interpretação sistemática e teológica dos arts. 75, 97 do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolida das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. (HC 84219/SP – 1ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 16/08/2005, p. 16). Há ainda os que acreditam que pela medida de segurança não ser considerada pena, apesar de possuir caráter de sanção penal, prevalecem suas características com propósito curativo e terapêutico, além do que, promover a desinternação do paciente sem sua periculosidade cessada por meio de parecer médico, poderia incorrer em grande risco a sociedade. Defensor desta última tese, Guilherme de Souza Nucci define assim: Apesar de seu caráter de sanção penal, a medida de segurança não deixa de ter o propósito curativo e terapêutico. Ora, enquanto não for devidamente curado, deve o sujeito submetido à internação permanecer em tratamento, sob custódia do Estado (NUCCI, 2010, 32). As discussões sobre o prazo de duração das MS são alimentadas por não haver lei regulamentadora, previsão de um prazo máximo de internação para as medidas de segurança. Como possuem as penas privativas de liberdade, que segundo o § 1º do artigo 75 do CP, não podem ultrapassar o limite máximo de 30 (trinta) anos. Abrindo, portanto o precedente para se ter várias posições doutrinarias e jurisprudenciais sobre o tema. 3.7 Exame de cessação de periculosidade e desinternação e liberação condicionais O exame de cessação da periculosidade é realizado após o trânsito em julgado da sentença absolutória imprópria que aplicou medida de segurança ao réu. Ao aplicar tal 28 medida, o juiz deve estabelecer de acordo com o § 2.º do artigo 97, o período mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos de internação ou tratamento ambulatorial ao paciente, para fixação deste prazo o juiz deve observar as condições em que o crime foi cometido e a periculosidade do agente. Ao final desse prazo, deve ser realizado o exame de cessação da periculosidade, posteriormente ao decurso do prazo mínimo, o exame deve ser realizado anualmente até que se constate a cessação da periculosidade do agente. Existe ainda a possibilidade do juiz determinar sua realização a qualquer tempo, mesmo no decorrer do prazo mínimo de duração da MS, sobre a antecipação da realização do exame esclarece Reale Júnior: A perícia médica deverá, se constatada, findo o prazo mínimo, a persistência da doença, realizar-se de ano em ano, podendo, no entanto, ocorrer a qualquer tempo, conforme o art. 176 da Lei de Execução Penal, se há elementos justificadores da antecipação do exame (REALE JÚNIOR, 2004, p. 112). Sobre a realização do exame de cessação da periculosidade, o art. 175, I, da Lei de Execução Penal define que a autoridade administrativa, até 01(um) mês antes de expirar o prazo de duração mínima da medida, remeterá ao juiz minucioso relatório para que o mesmo possa decidir sobre a revogação ou manutenção da medida de segurança, deverá conter nesse relatório laudo psiquiátrico, e deverão ser ouvidos o Ministério Público e o curador ou defensor do indivíduo. Cabe ressaltar ainda que a Lei de Execução Penal garante ao paciente o direito de ter assistência médica particular de sua confiança, podendo acompanhar e orientar o tratamento, no caso de divergência de pareceres médicos, cabe ao juiz decidir. Ocorre a desinternação quando se tratar de pacientes que estiverem internados (medida detentiva), já a liberação ocorre quando se tratar de paciente em tratamento ambulatorial. Cabe ressaltar que tanto a desinternação, como a liberação, serão realizadas de forma condicional. A desinternação ou liberação do paciente em MS em regra, ocorrerá quando se constatar cessada a periculosidade do agente, após a desinternação durante o prazo de 01 (um) ano o agente corre o risco de se restabelecer a condição anterior, ou seja, de se reinstituir a MS, se o mesmo cometer fato que possa ser analisado como indicativo de sua periculosidade, tal ato não necessariamente deva ser criminoso, mas sim, deve ser analisada a suposta periculosidade do agente ao cometê-lo. A sujeição às condições do livramento condicional, são estabelecidas no artigo 178 da Lei de Execução Penal – LEP. Sobre as condições em que o sujeito em livramento condicional deva cumprir, são 29 estabelecidas nos artigos 132 e 133 da LEP, divididas em condições obrigatórias e facultativas. Obrigatórias são: obter ocupação lícita; comunicar ao juiz sua ocupação periodicamente; não mudar do território da comarca, sem autorização judicial. Facultativas são: não mudar de residência, sem prévia comunicação; recolher-se à habitação no horário fixado; não frequentar determinados lugares. Passado esse período e não havendo razões para se restituir a MS, a mesma se torna extinta, nesse caso o sujeito é denominado egresso, como define o artigo 26, I da LEP. Vale ressaltar que presentes as condições de extinção da punibilidade, previstas no art. 107 do CP, a MS não poderá ser imposta. Podendo ocorrer antes ou depois de sentença irrecorrível. Sobre a extinção da pretensão punitiva do Estado na MS, o parágrafo único do artigo 96 do CP determina que no caso de extinção da punibilidade não poderá se impor a MS e ainda não deve subsistir a que tenha sido imposta. 3.7.1 Desinternação progressiva A desinternação progressiva é uma novidade trazida à matéria pela doutrina, já que a lei fala somente na possibilidade do tratamento ambulatorial ser transformado em internação no caso de haver necessidade de tal medida, mais nada fala sobre a possibilidade da internação ser convertida em tratamento ambulatorial. Sobre o tema Nucci defende a possibilidade de desinternação progressiva: Questão interessante, merecedora de destaque, é a viabilidade da conversão da internação em tratamento ambulatorial, denominada desinternação progressiva. Prevê a lei penal que o tratamento ambulatorial pode ser convertido em internação, caso essa providência seja necessária para “fins curativos”. Nada fala, no entanto, quanto à conversão da internação em tratamento ambulatorial, o que se nos afigura perfeitamente possível (NUCCCI, 2010, p. 235). Não se trata puramente de desinternação, mais sim de conversão de regime pelo paciente, o mesmo passa da condição de internado em Hospitais de Custódia e Tratamento, para o acompanhamento em tratamento ambulatorial, ambos em MS, continuando o tratamento mais não necessitando mais da internação para isso. Exceção poderá ocorrer, quando por meio do exame de cessação da periculosidade o perito atesta que o paciente se encontra curado de sua doença, com plena capacidade de convivência social, neste caso o juiz 30 não deve sujeitar o indivíduo ao tratamento ambulatorial e sim conceder a desinternação condicional comum, pois não existe a necessidade de submeter o paciente ao tratamento ambulatorial obrigatório. Esse instrumento de desinternação se torna muito importante atualmente para melhor tratar os pacientes em MS, pois na prática, existe uma enormidade de casos em que o médico perito indica sua desinternação, mas condicionada a um acompanhamento médico obrigatório. Nestes casos os pacientes poderão experimentar o tratamento em liberdade, mais não estarão liberados do tratamento e do acompanhamento que devem fazer para sua recuperação. Sobre o tema, vale ressaltar que em decisão recente a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais sob a presidência do Desembargador Alexandre Victor de Carvalho, decidiu pela aplicação da desinternação progressiva, no julgamento de Hebeas Corpus nº 1.0000.11.023797-1/000, em que o paciente tinha sua periculosidade cessada conforme laudo pericial, mais por não ter apoio familiar e nem local adequado para a desinternação o mesmo permanecia em MS internado em Hospital de Custódia, como relatado na ementa do referido julgado. HABEAS CORPUS - MEDIDA DE SEGURANÇA - PERICULOSIDADE CESSADA - SOLTURA IMEDIATA - IMPOSSIBILIDADE - PACIENTE QUE NÃO CONTA COM APOIO FAMILIAR, TAMPOUCO LOCAL ADEQUADO PARA SUA DESTINAÇÃO - CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. I. Havendo indicação da cessação da periculosidade do réu, por meio de laudo subscrito por psiquiatra designado para tal fim, mas, todavia, ausente apoio familiar, tampouco local a ser destinado o paciente, deve o mesmo ser submetido à desinternação progressiva pelo prazo de 01 (um) ano. II. Ordem parcialmente concedida. Salutar se faz a análise em julgado, semelhante ao descrito acima, o STJ assim decidiu: Ainda que a cessação da periculosidade do paciente tenha sido atestada por dois laudos consecutivos, não é recomendável a desinternação imediata, tendo em vista as circunstâncias do caso, já que a doença do paciente é controlada apenas mediante o uso contínuo da medicação, que este não tem qualquer respaldo familiar, e que possui extensa folha de antecedentes, demonstrando a possibilidade de reiteração de condutas previstas como crime. (STJ, HC 89212/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ 27/03/2008) Em sua decisão a eminente Ministra destacou a importância da desinternação progressiva para o caso em tela, visto que o paciente se encontrava com sua periculosidade cessada em virtude de tratamento contínuo. Tendo em vista a falta de apoio familiar e seu grau de periculosidade o mesmo deveria ser acompanhado de perto em sua desinternação, para que se adapte ao meio externo antes da convivência em sociedade, minimizando assim os possíveis riscos da desinternação. 31 4 A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL Questão central do presente trabalho é o estudo da efetividade das Medidas de Segurança no Brasil, existem inúmeras discussões sobre o tema nas comunidades jurídica e médica. Muitas também são as opiniões e sugestões de aprimoramento para esse instituto do direito penal. Existem ainda iniciativas e experiências em desenvolvimento no Brasil, buscando a ressocialização do paciente em MS, atitudes estas que visam a efetividade da mesma pelo caráter curativo inerente a esta sanção penal. A efetividade da MS deve ser relacionada também a recuperação que se pode obter do paciente, medida que também atende ao caráter preventivo da mesma, já que os tratando, subtrai-se a possibilidade de reincidência e de produção de perigo a sociedade. 4.1 Estabelecimentos de custódia e situação atual no Brasil Antes de elucidar a situação atual dos estabelecimentos de custódia no Brasil, vale ressaltar o que a legislação brasileira e a jurisprudência definem como devem ser os estabelecimentos de custodia dos pacientes em MS no Brasil. Preconiza o § 1ª do artigo 96 do CP, que a internação do paciente em MS se dará em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à falta deste, em outro estabelecimento adequado. Portanto deverá ser cumprida em estabelecimento próprio, com características hospitalares para o tratamento médico (Artigo 99 do CP). A possibilidade de se cumprir a MS em estabelecimento prisional comum, constitui afronta ao estabelecido em Lei. A manutenção do paciente em estabelecimentos inadequados, mesmo que por inexistência de vagas para tal, constitui constrangimento ilegal, nesse sentido, decidiu o TJSP: Medida de Segurança – Internação em hospital psiquiátrico – Cumprimento na cadeia pública local, por falta de vaga em estabelecimento adequado – Inadmissibilidade – Constrangimento ilegal configurado – Concessão de habeas corpus – Liberdade condicionada a tratamento em ambulatório – O Estado só poderá exigir o cumprimento de medida de segurança de internação (detentiva, portanto), se estiver aparelhado para tanto. A falta de vaga, pela desorganização, omissão ou imprevidência do Estado-Administração, não justifica o desrespeito ao direito individual, pois, além de ilegal, não legitima a finalidade de tal instituto.” (HC – Rel. Renato Talli). 32 Caso não exista vaga em estabelecimento hospitalar de custódia para a internação do paciente em MS, deverá se substituir a internação por tratamento ambulatorial, ou tratamento em hospitais comuns públicos ou particulares, exceto em unidades prisionais comuns, que podem agravar a doença ao invés de tratar o doente, procedimento que deve ser extinguido da aplicação da MS, tendo em vista o caráter curativo da mesma. Apesar do determinado na lei, a realidade da aplicação das MS no Brasil é diversa. Os números oficiais do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, órgão do Ministério da Justiça, informam que são 30 (trinta) os hospitais de custódia e tratamento em todo Brasil, e 01 (uma) ala de tratamento psiquiátrico em penitenciária comum. Estas unidades internam cerca de 3.604 (três mil seiscentos e quatro) pacientes psiquiátricos e ainda dependentes químicos em conflito com a lei. (BRASIL. MPF, 2011) Os 31 estabelecimentos de custódia estão divididos em apenas 19 estados da federação, são eles: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espirito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Distrito Federal. No Rio de Janeiro podemos encontrar o maior número de Hospitais de Custódia do país, com 07 hospitais em todo estado, também entre os estados com maior número de estabelecimentos no Brasil podese citar os estados de São Paulo e de Minas Gerais, com 04 e 03 HCTPs respectivamente. Vale ressaltar que os dados oficiais do Ministério da Justiça apesar de recentes, não são precisos, conforme previsto pelo próprio Ministério, está sendo realizado um censo nacional sobre as medidas de segurança e os estabelecimentos de custódia no país, mais ainda não foi possível à divulgação dos resultados. Entre os problemas enfrentados dentro dos HCTPs, podemos citar a falta de estrutura e de um tratamento efetivo, com resultados na recuperação do doente mental em conflito com a lei, os estabelecimentos de custódia são hoje um misto entre prisão e hospital, entre tratamento e custódia. Existe uma falta de direcionamento no tratamento e ainda é precária a visão de um tratamento multidisciplinar, entre os profissionais da saúde e assistência para traçar o melhor trabalho a ser realizado. Como expõe a Professora Margarida Mamede: A literatura especializada em MJs, ainda escassa no Brasil, é unânime em mostrar os maiores problemas desse tipo de hospital: a ambiguidade de sua existência (prisão versus hospital), a ineficácia e a impossibilidade, até então, de um consenso e de um diálogo profundo entre o direito, a medicina, a psicologia e outros saberes que se debruçam sobre as pessoas para lá encaminhadas. Questiona-se: onde devem estar os doentes que cometeram crimes? Se são doentes, por que permanecem em um hospital que prioriza a ideologia carcerária e tem um funcionamento muito mais próximo de uma penitenciária do que de um hospital? (MAMEDE, 2006, p. 28-29). 33 Maiores problemas ocorrem nos estados que não possuem HCTPs, no total são 07 estados brasileiros, são eles: Acre, Amapá, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e Tocantins, nestes, os pacientes ficam presos em presídios comuns ou são soltos pela não existência de estabelecimentos adequados para o tratamento dos doentes mentais em conflito com a lei (BRASIL. MPF, 2011). Outro grave problema nessas instituições, é a falta de profissionais capacitados para a recuperação do louco infrator, como denunciou a coordenadora técnica da saúde no sistema penitenciário do Ministério da saúde, Maria Cristina Fernandes, em notícia publicada no site agência brasil em 2007, sob o título “Hospitais de Custódia e tratamento não tem equipes de saúde”, situação não muito diferente da encontrada nos HCTPs de todo Brasil. (MATTEDI, 2007) A falta de atenção as unidades que custodiam pacientes em MS, também pode ser compreendida pela falta de interesse das secretarias de estado de segurança pública e das instituições que gerem o sistema penitenciário no Brasil, já que grande maioria das unidades de custódia são unidades prisionais comuns, para a custodia de condenados a pena privativa de liberdade ou em prisões temporárias. Para se ter uma ideia, segundo levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (dados obtidos através de consulta eletrônica), existe hoje no Brasil uma população carcerária de 496.251 pessoas, desse total menos de 1% são internados em MS, ou seja, a maior parte da atenção é dada aos presídios e as penitenciárias, pelo maior número de apenados, e muitas vezes os estabelecimentos de custódia para pacientes em MS, são esquecidos pelo poder público. 4.2 Situação Atual dos Estabelecimentos de Custódia no Estado de Minas Gerais No Estado de Minas Gerais os HCTPs são administrados pela Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), mais precisamente pela Subsecretaria de Administração Prisional (SUAPI), órgão responsável por todo o sistema prisional do estado. Ao total são oferecidas 425 vagas nos HCTP para as mais diversas finalidades, sendo que para execução das MS são apenas 143 para ambos os sexos. Para fins de comparação, atualmente no Estado de Minas Gerais existe uma população carcerária de aproximadamente 41.500 presos, nas unidades subordinadas a Subsecretaria de Administração Prisional (MINAS GERAIS. SAIGV, 2011). Em todo o estado são três os HCTPs, o mais antigo (inaugurado em 1929) e com maior capacidade é o Hospital Psiquiátrico e Judiciário “Jorge Vaz” (HPJJV), de Barbacena. 34 É o único usado para internação de pacientes em MS no estado, também é o único a ter espaço para realização de exames e internação de MS para pacientes do sexo feminino. Ao total são 54 vagas para mulheres, entre estas, 31 são especialmente para o cumprimento da MS. Quanto aos homens, a unidade tem capacidade para 161 internações, destas, apenas 112 são para pacientes em MS. A instituição realiza também o exame de sanidade mental, exame de dependência toxicológica em mulheres, exame de cessação da periculosidade e ainda os tratamentos psiquiátricos e toxicológicos temporários. O Hospital de Toxicômanos Padre Wilson Vale da Costa – HTPWVC, localizado na cidade de Juiz de Fora, atende a tratamentos psiquiátricos e toxicológicos temporários, além de tratamentos diversos de média complexidade. Elabora também exames de sanidade mental, de dependência toxicológica, de cessação de periculosidade e criminológico. Ao todo são 100 vagas para homens e nenhuma para mulheres, também não existem vagas para execução das MS. O trabalho realizado na unidade é voltado para o tratamento de dependentes químicos. Por fim o Centro de Apoio Médico Pericial – CAMP, em Ribeirão das Neves também realiza o exame de sanidade mental, exame de dependência toxicológica, exame de cessação da periculosidade, exame criminológico e os tratamentos psiquiátricos e toxicológicos temporários além de tratamentos diversos de média complexidade. A capacidade é de 110 vagas somente para homens, existem atualmente 14 pacientes em MS internados no CAMP mais em caráter provisório, são ex-pacientes do HPJJV com suas periculosidades cessadas, mais por não terem familiares para acolhê-los e nem outro local apropriado para a continuação do seu tratamento, foram transferidos para a unidade para cumprirem uma espécie de “medidas asilares”, recebendo os cuidados necessários para o seu tratamento enquanto aguardam vagas em outras instituições capazes de acolhê-los. Os acompanhamentos e exames em pacientes que cumprem a MS em regime ambulatorial não são realizados nos HCTPs, pela grande demanda por vagas nestas instituições, esses acompanhamentos são realizados na rede SUS/FHEMIG ou ainda nas unidades CAPS, espalhadas por todo o estado. Portanto as unidades pertencentes a SEDS realizam somente atendimentos aos pacientes em MS no regime de internação. Causa surpresa a análise do número de pacientes em MS no estado de Minas Gerais que cumprem a medida em presídios comuns, são aproximadamente 250 pacientes em MS espalhados pelo sistema prisional comum sem o devido acompanhamento e tratamento, o que pode na maioria dos casos agravar ainda mais o sofrimento mental do indivíduo, esta prática como exposto no item 4.1 deste trabalho é condenável e atualmente existem diversas posições 35 jurisprudenciais quanto da impossibilidade de se cumprir a MS em estabelecimentos inadequados. Segundo informações da Superintendência de Articulação Institucional e Gestão de Vagas (SAIGV) do estado de Minas Gerais, a demanda para internação nos HCTPs é infinitamente maior que a oferta de vagas, existe uma lista de espera para pacientes cumprirem a medida de segurança nos HCTPs que hoje chega a mais de 700 solicitações, para a realização de exame de sanidade mental a fila supera 100 requerimentos e para o exame de cessação de periculosidade são mais de 60 pacientes na espera por vagas (MINAS GERAIS. SEDS, 2011) Entre os principais problemas encontrados pelas instituições de custódia no estado, pode-se incluir a falta de profissionais da área de saúde para um tratamento eficaz, a falta de apoio dos familiares que rejeitam até mesmo o parente que teve sua periculosidade cessada. Fatos estes que muitas vezes inviabilizam a soltura dos mesmos por falta de garantias para continuidade do tratamento, nestes casos os pacientes continuam internados por falta de condições de ressocialização, e para a prevenção social e dos próprios internos. Existe ainda no judiciário, na sociedade e em algumas instituições públicas e privadas, uma forte corrente “antimanicomial”, que condena severamente a criação de novas vagas para internação desses pacientes, com isso o estado fica “engessado”, sem poder criar novas vagas para custódia e tratamento de pacientes em MS, a somatória desses fatores criam um ambiente impróprio na execução das MS visando a recuperação do paciente. 4.3 Implementação da Reforma Psiquiátrica na execução das Medidas de Segurança A lei 10.216 foi sancionada em 06 de abril de 2001, mais o projeto de lei nº 3.657/89 que a antecedeu, foi proposto pelo deputado Paulo Delgado (PT/MG) em 1989. Após 12 anos de tramitação do projeto no congresso nacional, a lei que ficou conhecida como “Lei da Reforma Psiquiátrica” entrava em vigor. O objetivo foi regular os direitos e garantias dos doentes mentais em seus tratamentos, tentou-se humanizar o tratamento prestado aos enfermos e principalmente promover políticas públicas que fossem contrárias a internação em manicômios, grandes vilões segundo a Luta Antimanicomial. O objetivo era de se transferir o foco, do tratamento que se concentrava à época nas instituições hospitalares, modificando 36 para uma rede de atenção psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos, com os chamados tratamentos substitutivos. A lei tratou das antigas reivindicações da luta antimanicomial, que se iniciou no Brasil em 18 de maio de 1987, em um congresso dos trabalhadores da área de saúde mental na cidade de Bauru em São Paulo, até os dias atuais o dia 18 de maio é lembrado como o dia nacional da Luta Antimanicomial. Segundo Ana Marta Lobosque, 2001, a Luta Antimanicomial revela um modo político peculiar de organização da sociedade em prol de uma causa, a saber: uma sociedade sem manicômios. É uma luta da sociedade que não delega aos técnicos a gestão da convivência com a loucura. Esta luta é um movimento aberto, muito particularmente, aos principais envolvidos, ou seja, os próprios loucos. Entre os direitos garantidos pela lei aos doentes mentais, estão: o de assegurar o melhor tratamento a saúde de acordo com a necessidade individual do sujeito, o tratamento com respeito e com a garantia da dignidade do doente visando sempre a reinserção social deste paciente por intermédio da família, garantias quanto a liberdade de comunicação e de informação sobre a doença acometida e principalmente de ser tratado em local adequado. Em seu artigo 3º a lei imputa ao estado a responsabilidade da estruturação e da promoção do tratamento em estabelecimentos adequados. Grande discussão no ordenamento jurídico versa sobre a aplicabilidade do caput do artigo 4º da Lei 10.216 que assim diz: “Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”. Ou seja, a internação do portador de sofrimento mental somente poderá ser realizada, em último caso, se não existirem outras formas mais adequadas de tratamento para os mesmos. O centro da discussão se mostra quando confrontada tal situação com o louco infrator, pois a internação neste caso é fruto do cometimento de um ilícito penal, alguns entendem que o referido artigo não se aplica aos casos de MS por serem tipos de internações diversas. Já os entusiastas da luta antimanicomial entendem que a Lei 10.216/01, revogou parcialmente o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execuções Penais no que diz respeito às medidas de segurança, incorrendo em novas interpretações quanto a relação entre o louco infrator e a justiça penal. Defensores desta tese Paulo Jacobina e Paulo Queiroz defendem a revogação nos seguintes termos: 1. Finalidade preventiva especial. A lei 10.216/2001 considera como finalidade permanente do tratamento a reinserção social do paciente em seu meio (art. 4º, § 1º), reforçando assim a finalidade – já prevista na LEP – preventiva individual das 37 medidas de segurança. Portanto, toda e qualquer disposição que tiver subjacente a ideia de castigo restará revogada. 2. Excepcionalidade da medida de segurança detentiva (internação). Exatamente por isso, a internação só poderá acontecer quando for absolutamente necessária, isto é, quando o tratamento ambulatorial não for comprovadamente o mais adequado. 3. Revogação dos prazos mínimos da medida de segurança, pois não são compatíveis com o princípio da utilidade terapêutica do internamento (art. 4º, § 1º da lei n. 10.216/2001) ou com o princípio de desinternação progressiva dos pacientes cronificados (art. 5º da lei n. 10.216/2001). 4. Presunção de periculosidade do inimputável e o seu tratamento em razão do tipo de delito que cometeu (se punido com reclusão ou detenção), baseado em prazos fixos e rígidos, são incompatíveis com a citada legislação em saúde mental, que objetiva a reintegração social da pessoa. Quanto ao artigo 6º, a lei vincula a internação, a elaboração anterior de laudo médico fundamentado para tal, ela abrange as internações voluntárias, involuntárias e a compulsória, todas elencadas nos incisos do parágrafo único do referido artigo. Entende-se como internação compulsória a realizada para execução da MS por determinação judicial, conforme define o inciso III do citado artigo. A lei resguarda ainda, o paciente que em virtude de um longo período de internação em instituições psiquiátricas, criou uma situação de dependência institucional grave tornando difícil a sua desinternação e a ressocialização. Para os mesmos a lei regula que compete ao Estado providenciar a alta progressiva do paciente, a desinternação progressiva do mesmo, quando necessário e pelo tempo que se fizer útil para a reinserção social do indivíduo. (Art. 5º) O artigo 9º da lei define que a internação compulsória se dará por determinação do juiz, de acordo com a legislação vigente e que ao tomar a decisão o juiz deve analisar além do melhor tratamento utilizado, as condições de segurança do estabelecimento, para salvaguardar o próprio paciente, os outros internos e ainda os funcionários da instituição. Além das implicações trazidas pela lei 10.216/01 nas MS, existem ainda recomendações e resoluções que abordam o tema nos poderes executivo e judiciário, entre estas podemos destacar a Resolução nº 113 de 20 de Abril de 2010 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, as Resoluções nº 05 de 04 de maio de 2004 e a nº 04 de 30 de julho de 2010 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e ainda a mais recente, a recomendação nº 35 de 12 de julho de 2011 do CNJ. Todas estas diretrizes tem o objetivo comum de adequar a execução das MS às disposições da lei da Reforma Psiquiátrica, 38 objetivando a humanização do tratamento do louco infrator, e redirecionando o tratamento do mesmo para os serviços substitutivos de forma a priorizar a reinserção social do paciente em seu meio. Como forma de melhoria no tratamento as normatizações também defendem, a política de desospitalização e a superação do modelo tutelar do estado. O tratamento deve-se dar de forma menos invasiva ao paciente, com a participação de equipe multidisciplinar especifica para atenção ao paciente judiciário. 4.4 Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um serviço de saúde municipal, aberto e comunitário realizado em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS). O primeiro a ser inaugurado no Brasil foi o Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira, em março de 1986 na cidade de São Paulo. Surgiram pela necessidade de um tratamento mais humanizado e efetivo aos portadores de doenças mentais, e ainda para oferecer cuidados intermediários entre o regime de internação e o tratamento ambulatorial. Podem também ser chamados de Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e ainda de Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM). As regulamentações destas instituições são feitas principalmente pelas portarias: nº 245/GM, de 17 de fevereiro de 2005, nº 336/GM, de 19/02/02, nº 189/SAS de 20/03/02, nº 106/GM de 11/02/00, nº 246/GM, de 17/02/05 e nº 2077/GM de 31/10/03 todas do Ministério da Saúde. Segundo o SUS o CAPS é “[…] dispositivo fundamental do modelo de atenção psicossocial substitutivo ao hospital psiquiátrico, ressaltando sua função estratégica de articulador da rede de serviços, e a necessidade de potencializar parcerias intersetoriais e de intensificar a comunicação entre os CAPS, a rede de saúde mental e a rede geral de saúde, contemplando as dimensões intra e intersetoriais”. (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010, p.69). Em especial, os CAPS atendem de forma diária, os portadores de doença mental podendo também atender aos dependentes de drogas. O atendimento pode ser de forma intensiva, semi-intensiva e não-intensiva. O objetivo é realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários, principalmente tentando manter a relação social do mesmo com o trabalho, lazer e convivência familiar, por isso os centros atuam de forma ramificada em várias localidades de todo país, valorizando a convivência do paciente com o seu meio 39 social. É um serviço que visa substituir as internações em Hospitais Psiquiátricos, apesar de sua existência ser anterior a lei da reforma psiquiátrica, tiveram maior incentivo com a aprovação da referida lei, que traçou um novo horizonte para os tratamentos substitutivos para os doentes mentais, como no caso dos CAPS. Os CAPS podem ser de tipo I, II, III, Álcool e Drogas (CAPS AD) e Infanto-juvenil (CAPSi). Cada unidade tem suas particularidades, divergindo quanto à estrutura física, profissionais, tipos de atividades terapêuticas e ainda quanto a especificidade da demanda, podendo ser para crianças e adolescentes, usuários de álcool e outras drogas ou para transtornos psicóticos e neuróticos graves. Os CAPS I e II são para atendimento diário de adultos com transtornos mentais severos e persistentes, normalmente funcionam de segunda a sexta-feira das 8 às 18 horas, podendo ocorrer turnos extras até 21 horas. O CAPS III é para atendimento diário e noturno de adultos com transtornos mentais severos e persistentes, funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, inclusive em feriados. O CAPSi atende a crianças e adolescentes (até 25 anos) com algum tipo de transtorno mental e o CAPSad é usado para o tratamento de dependentes de álcool e outras drogas (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Para a implantação do CAPS em determinada cidade é utilizado o critério do perfil populacional, ou seja, municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes poderão ter o CAPS I, entre 70.000 e 200.000 habitantes poderão ter o CAPS II, já o CAPS III se instalará em cidades com população maior a 200.000 habitantes, igual regra se utiliza para o CAPSi, e por último o CAPSad em cidades com mais de 100.000 habitantes. A iniciativa para a implantação das unidades depende do gestor da cidade, que juntamente com a coordenação de saúde mental do município deve analisar a necessidade de se realizar tal tarefa, e ainda é necessária a analise das condições financeiras e estruturais para tal. O tratamento realizado nos CAPS pode ser realizado através de medicamentos, atendimento em grupo ou familiares, atendimento individualizado, orientações, atendimento psicoterápico, e ainda atividades comunitárias como festas juninas, jogos entre outras atividades de lazer, a escolha entre os tratamentos é feita com base na necessidade de cada paciente que deverá ser analisada por uma equipe multidisciplinar que atua nessas unidades. Em média o CAPS deve conter 1 médico psiquiatra, 1 enfermeiro, 4 profissionais com nível superior como: assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos entre outros profissionais que participam da recuperação do doente, deve ter ainda 5 profissionais 40 de nível médio, como técnicos em enfermagem, auxiliares administrativos, técnicos educacionais entre outros que dão suporte para o trabalho realizado nas unidades. Para o incentivo a implantação dos CAPS nos municípios interessados e que cumprem as exigências legais para tal, o Ministério da Saúde oferece um incentivo pecuniário antecipado nos valores de R$ 20.000,00 (CAPS I), R$ 30.000,00 (CAPS II e CAPSi) e ainda R$ 50.000,00 (CAPS III e CAPSad). Pode-se notar claramente que o Ministério da Saúde tem adotado medidas de apoio a desinternação dos pacientes mentais para tratamentos na rede de atenção extra-hospitalar. Quanto aos números, segundo levantamento recente realizado pelo Ministério da Saúde publicado em “Saúde Mental em Dados 9” de julho de 2011, existem no Brasil um total de 1650 CAPS, destes, 780 são CAPS I, 420 CAPS II, 55 CAPS III, 132 CAPSi, 262 CAPSad e ainda no Rio de Janeiro o primeiro CAPSad III. A região Nordeste possui a maior quantidade de CAPS no país com 614 unidades distribuídas em seus 9 estados, já a região norte possui o menor número com 89 estabelecimentos. Analisando o número de CAPS por 100.000,00 habitantes têm-se que a média nacional é de uma cobertura regular/boa segundo o próprio Ministério, são 0,68 CAPS para cada 100.000,00 habitantes. A melhor média é da região sul do país 0,88 considerada muito boa pelos parâmetros estabelecidos pelo governo, e a pior é da região Norte com 0,42 considerada regular/baixa. 4.5 As Residências Terapêuticas As residências terapêuticas (RTs) ou os serviços residenciais terapêuticos (SRT), tiveram início no Brasil, no começo da década de 90, como pioneiras nesse processo é possível citar as cidades de Ribeirão Preto/SP, Campinas/SP, Santos/SP, Rio de Janeiro/RJ e Porto Alegre/RS. O sucesso alcançado por essas experiências, permitiu que a iniciativa fosse adotada em outros municípios ao longo do território nacional, expandindo assim a rede de atenção pelas RTs, como mostram dados colhidos do Ministério da Saúde que dão conta que entre 2002 e 2011 o crescimento no Brasil das residências foi de mais de 700% passando de 85 para 596 unidades, esse avanço se deve principalmente ao advento da Portaria 106/2000 do Ministério da Saúde que oficializou a iniciativa no SUS e pela adoção da Lei 10.216 de 2001, que incentivou a desospitalização dos pacientes psiquiátricos. Os usuários das RTs são 41 principalmente os que se encontravam em longos períodos de internação, que demandavam mais cuidados por este fato e que normalmente já tinha perdido os laços familiares e afetivos. Apesar do crescimento, a formação de novas vagas é um grande desafio para o governo, pois com a demanda criada pelo fechamento dos leitos psiquiátricos, a procura por vagas nestas instituições é cada vez maior, até porque as RTs acolhem aqueles que não têm familiares para cuidá-los, em alguns casos idosos que não tem condições de se subsistir sozinho. As residências terapêuticas funcionam da seguinte forma, o gestor da cidade observando a necessidade de implantação do serviço em seu município, solicita ao Ministério da Saúde a implantação e o valor de incentivo para o inicio do projeto no valor de R$ 10.000,00, com esse valor o responsável deverá providenciar a casa em espaço urbano e apropriado, com espaço físico compatível com o número de moradores que deverão ser de no máximo 8 pessoas, e ainda garantir com os próprios recursos o mínimo de 3 refeições diárias aos atendidos. Cabe ao município também garantir a equipe técnica mínima de suporte que deverá acompanhar todo o trabalho e o cotidiano dos pacientes incentivando o convívio social, esta equipe deverá ser formada por no mínimo 1 médico e 2 profissionais de nível médio com experiência específica para a reabilitação. Cabe ressaltar que existem requisitos a serem adotados antes da escolha pelo município, um deles é que o município obrigatoriamente deve ter um CAPS e um hospital psiquiátrico, o primeiro se faz necessário para dar assistência ao tratamento realizado nas RTs, e o segundo é condição que justifica a implantação das residências, já que a maioria dos atendidos é oriunda destas unidades. O objetivo principal das RTs é de reduzir os leitos psiquiátricos, e de proporcionar melhor condição de vida, a pacientes que devido a longos períodos de internação em hospitais psiquiátricos se encontram “cronificados” por esta convivência, em sua maioria estes pacientes foram relegados pelos familiares e amigos por serem pessoas de difícil convivência e em muitos casos por terem cometido crimes contra seus entes e assim por terem se tornado antissociáveis aos olhos destes. Pela falta de um lugar para ir, acabam internados por mais tempo que deveriam. Para deixar esta condição, os atendidos necessitam de suporte físico, técnico e afetivo adequado para a sua condição de enfermo, e justamente esse ambiente é que se tenta recriar na formação das RTs, onde os pacientes tem acompanhamento e cuidado para as mais simples tarefas do dia a dia, como por exemplo, o controle do horário das medicações, questões relativas a higiene pessoal, passeios diversos pela cidade ou fora dela, e até mesmo a prática de simples conversas, comuns a todos. 42 As garantias de espaços de morada aos portadores de doenças mentais nos moldes das RTs são de fundamental importância para a ressocialização dos pacientes. Nestes locais existe uma qualidade de vida muito superior a vivida nos HTCPs, principalmente por não existir a privação da liberdade, mas por outro lado não ocorre também a completa liberdade dos mesmos, de certa forma as RTs funcionam como uma liberdade assistida, mais de forma amena e exitosa no tratamento e acompanhamento dos loucos infratores, claro que quando for indicada por profissional especializado e quando o mesmo atestar a cessação de periculosidade do indivíduo. Atualmente existem no Brasil em funcionamento 596 módulos do Serviço Residencial Terapêutico com o total de aproximadamente 3236 moradores, segundo levantamento recente feito pela coordenação de saúde mental do Ministério da Saúde, conforme a publicação “Saúde Mental em Dados 9” de julho de 2011. Apesar do crescente aumento de vagas, esse número ainda é considerado insuficiente para a demanda que se estima ser de 2500 unidades com a população atendida de aproximadamente de 20.000 pacientes. Por fim cabe ressaltar que existe hoje no país e em especial no estado de Minas Gerais uma latente necessidade de se expandir essa rede de atendimento das RTs, a falta de vagas em diversas cidades principalmente do interior, causa um sério problema para os municípios referência em tratamento, como é o caso da cidade de Barbacena/MG, que acaba acolhendo pacientes de diversos lugares do país por ter uma boa rede de assistência. O ideal seria que cada cidade fizesse o seu papel de atender essas pessoas e providenciar um local para esse cuidado, e para subsistência dos seus concidadães em sua cidade natal. A centralização desse serviço nas cidades referências, causa a superlotação dos mesmos e por consequência a impossibilidade de se realizar um bom trabalho para a população destas cidades. 4.6 A Experiência do Programa de Atenção Integral ao paciente judiciário portador de sofrimento mental – PAI-PJ O Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ) foi implantado através da Portaria Conjunta nº 25 de dezembro de 2001 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), programa pioneiro no país, surgiu através de uma pesquisa realizada por estagiários do curso de psicologia do Centro Educacional Newton Paiva na cidade de Belo Horizonte/MG, os estudantes realizaram um levantamento dos 43 processos em que figuravam portadores de doença mental e passaram a acompanha-os. Em julho de 2002 foi inaugurada a Casa PAI-PJ, em parceria com o referido centro educacional, possibilitando a ampliação dos trabalhos já realizados pelo programa, que acompanhava todas as fases do processo com o objetivo de garantir os direitos constitucionais desses indivíduos, que diversas vezes eram esquecidos pelo judiciário, o propósito era de auxiliar o mesmo a tomar a melhor decisão que beneficiassem o tratamento do louco infrator, seguindo os princípios e diretrizes lançadas pela Lei 10.216/01, da Reforma Psiquiátrica. Cabe ressaltar que a participação do programa, na individualização da aplicação e da execução não somente estende a pacientes portadores de doenças mentais, mais também podem agir nas medidas socioeducativas e nas penas, dependendo sempre da determinação do juiz da execução, que se optar pela participação do programa, utiliza-se dos relatórios e pareceres elaborados pela equipe multidisciplinar do mesmo no contato com os doentes mentais. A equipe do PAI-PJ é composta por psicólogos, assistentes sociais e profissionais do direito. Entre as funções do programa pode-se destacar o acompanhamento dos processos criminais, atuando com o objetivo de fornecer subsídios técnicos para a prestação jurisdicional no curso do processo; a utilização da legislação vigente para auxiliar o judiciário na individualização das MS, se orientando pelos princípios da reforma psiquiátrica visando a desinternação dos pacientes em MS com a promoção de tratamentos substitutivos; a busca da aplicação dos direitos fundamentais e sociais previstos, para os loucos infratores, e por fim, promover a interação entre o Ministério Público, o Judiciário e o Executivo, na busca por uma assistência mais efetiva e de qualidade aos pacientes judiciários. Existem dois núcleos que fazem parte do programa, o Núcleo Supervisor que tem sede na comarca de Belo Horizonte conforme determina o artigo 1º da Portaria Conjunta 181/2010 do TJMG, e tem atuação em todas as comarcas do estado, deve prestar orientação metodológica e monitorar os núcleos regionais. Atualmente existe no estado apenas um núcleo regional na cidade de Barbacena, que foi instituído pela Portaria Conjunta nº192/2010, DJe 16/08/2010, as atribuições dos núcleos regionais são similares as do núcleo supervisor, mais com a devida limitação territorial e hierárquica. Suas atribuições são definidas pelo artigo 11º da Resolução nº 633/2010 do TJMG, são elas: I - promover o estudo e o acompanhamento dos processos criminais e infracionais em que figurem pacientes judiciários, visando à elaboração de projeto individualizado de atenção integral; II - realizar o acompanhamento psicológico, jurídico e 44 social do paciente judiciário; III - manter contato e articulação intersetoriais, em caráter permanente, com: a) a rede pública de saúde, visando efetivar a individualização do projeto de atenção integral; b) a rede social, visando à promoção social do paciente judiciário e à efetivação das políticas públicas pertinentes ao caso; IV - realizar discussões com peritos criminais, nos casos em que houver exame de sanidade mental e cessação de periculosidade, apresentando, em atendimento a determinação judicial, dados relativos ao acompanhamento do paciente; V - emitir relatórios e pareceres, dirigidos ao Juiz competente, relativos ao acompanhamento do paciente judiciário nas diversas fases processuais; VI - sugerir à autoridade judicial medidas processuais pertinentes, com base em subsídios advindos do acompanhamento clínico-social do paciente judiciário; VII - prestar ao Juiz competente as informações clínico-sociais necessárias à garantia dos direitos do paciente judiciário. Segundo dados do programa, ao longo de 10 anos de funcionamento, foram atendidos 799 pacientes, com baixo índice de reincidência criminal que é de aproximadamente 2%. Atualmente são 246 pacientes atendidos e desse total 70% estão cumprindo a MS em caráter ambulatorial, 23% ainda estão em regime de internação e cerca de 7% estão internados na rede pública de saúde. (MINAS GERAIS. TJMG, 2011). O trabalho realizado pelo PAI-PJ sem dúvida foi um avanço no cumprimento das MS no estado de Minas Gerais, tanto para os pacientes quanto para o judiciário, o programa se faz eficiente pois ajuda aos magistrados na decisão a ser executada, e proporciona ao paciente um tratamento adequado para os sofrimentos que os acometem. Vale dizer que esse trabalho deve ser realizado de forma muito criteriosa e responsável, pois devemos acreditar na recuperação dos loucos infratores e proporcionar a eles o melhor tratamento necessário, mais não se pode deixar de lado que se este trabalho for mal realizado o risco tanto para o paciente, quanto para a sociedade pode ser fatal. O critério de escolha entre os pacientes atendidos deve ser realizado de forma minuciosa, pois têm-se que desinternar os pacientes que estão em condições de fazê-lo e ainda proporcionar a eles um ambiente adequado para a sua recuperação, esta talvez seja a grande dificuldade encontrada para os profissionais da área. 45 5 CONCLUSÃO O presente trabalho procurou apresentar um estudo aprofundado sobre o tema, utilizando-se da exposição das matérias mais importantes para a elucidação do mesmo. As explicações foram direcionadas para o estudo da real efetividade das Medidas de Segurança, objetivando a reinserção do louco infrator na sociedade. Pela análise histórica observa-se que trata-se de um instituto relativamente novo no Direito Penal Brasileiro, introduzido apenas no Código Penal de 1940. Analisando a história no Brasil, o louco infrator em um primeiro momento não sofria nenhum tipo de repressão, cabia ao estado apenas perdoá-lo por sua condição e devolvê-lo ao convívio sócio familiar. Posteriormente com o início das regulamentações, passou-se a puni-los de forma severa como se pudessem responder por seus atos com a plena capacidade de entendimento e determinação. Posteriormente surge a MS, que teve como objetivo, o tratamento e a proteção da sociedade e do próprio indivíduo. O problema da assistência aos loucos infratores, não se resolveria com a utilização das MS e a criação dos HCTPs, com o passar do tempo estas instituições se desvirtuaram de seu objetivo principal, ou seja, de agir na recuperação do doente, e passaram a ser as grandes vilãs na recuperação dos mesmos. Vários são os motivos que podemos apontar para isso ter acontecido, como principais pode-se dizer a falta de políticas públicas que apoiem e financiem projetos de estruturação e de planejamento para o restabelecimento dos internos; falta de apoio familiar no processo de resgate do paciente considerado de fundamental importância para o tratamento; a morosidade do judiciário em apreciar e julgar também, causas referentes aos loucos infratores, e principalmente a falta de investimentos e de vontade política para se desenvolver programas mais efetivos de tratamento e reinserção social. Neste universo de críticas, devemos ressaltar que muitas mudanças ocorreram com o objetivo de se introduzir a ideia de recuperação, devemos louvar as iniciativas de tratamento extra-hospitalares de reinserção social, são grandes aliadas dessa política. A criação dos CAPS foi importante tanto para tratar, quanto para prevenir, pois quando devidamente acompanhados e tratados, os atendidos dificilmente irão reincidir na prática de ilícitos. As Residências Terapêuticas tem papel fundamental para acolhida e cuidado, dispensados principalmente àqueles que não possuem vínculos familiares, é a oportunidade que os atendidos têm de ter uma vida “normal”, de realizar atividades comuns a todos e com isso 46 elevar a qualidade de vida dos mesmos. Também importante é a função do PAI-PJ, que funciona como um intermediário para auxiliar nas soluções dos problemas visando o melhor tratamento possível e humanizado. O auxílio do PAI-PJ se mostra eficiente tanto na recuperação dos doentes, quanto na busca de ajudar o judiciário a tomar as melhores decisões, minimizando a morosidade e maximizando o suporte intensivo aos atendidos, também importante papel do programa é o de promover a integração do Judiciário, do Ministério Público, Defensoria Pública e dos Hospitais de Custódia, para a busca da solução ideal. Vale ressaltar que a responsabilidade pela melhora da estrutura e condições de recuperação, cabe também aos gestores tanto dos municípios quanto do estado e da nação, muitas vezes a falta de recursos para o tratamento é responsabilidade do esquecimento do poder público na atenção aos doentes, cabe aos governantes assumirem a responsabilidade de oferecer tratamento digno aos seus cidadãos. A falta de CAPS ou a má qualidade dos serviços prestados por estes, a falta de residências terapêuticas em demais municípios, enfim a falta de estrutura, medicação e profissionais capacitados, são os principais problemas para o funcionamento da rede extra-hospitalar de atenção aos portadores de doenças mentais, incluindo os infratores. Posição cômoda tem o gestor que transfere para outro município a responsabilidade de tratar seus doentes. Ainda abordando o tema da ressocialização, temos que lembrar que a sociedade atua de forma muito preconceituosa com doentes mentais, claro que ninguém é contra a recuperação dos mesmos, mas ninguém faz nada para mudar a situação em que vivemos, e pior, quando as vezes os próprios parentes necessitam desta ajuda, as famílias os excluem, eximem da responsabilidade que lhes cabe de lutar pela recuperação do seu semelhante. Podese observar a hipocrisia da coletividade ao se chocar com os problemas de exclusão vividos por esses indivíduos, mas ao mesmo tempo se acomodarem com a situação vivida por eles. Existem ainda os problemas na legislação penal vigente, que por ser antiga, não acompanhou a evolução dos tratamentos, deveriam existir métodos mais eficazes de sanções e prevenções. Muitas das alternativas de tratamentos são impossibilitadas de se realizar pela falta de legislação sobre o tema. Podemos citar a desinternação progressiva, que tem sido introduzida aos poucos pela jurisprudência e doutrina, o papel dos HCTPs tem que ser revisto, não com o objetivo de extinção dos mesmos, pois desempenham um papel fundamental de sistema misto de tratamento e prevenção, mas poderiam exercer com mais força a função ressocializadora, poderiam também ser diversificadas e ampliadas as possibilidades de execução das MS, como além do tratamento ambulatorial se introduzir um regime semiaberto 47 e aberto para as mesmas, e ainda uma interação maior entre o judiciário e os hospitais (semelhante a executada em Minas Gerais pelo PAI-PJ). Deve-se ainda tomar cautela com as medidas de ressocialização adotadas, que não devem ter como finalidade a extinção dos HCTPs e sim a otimização do trabalho realizado pelos mesmos. Os HCTPs tem papel essencial na proteção social e dos próprios internos, e agem com a função de individualizar o melhor tratamento para o paciente, seja ele extrahospitalar ou de internação. Considero leviana a afirmação que todos os tipos de sofrimentos mentais podem ser tratados de uma forma eficiente somente pelos chamados tratamentos substitutivos, sem a necessidade de internação em um local que assegure a segurança de todos, vários são os exemplos que nos mostram isso. Se o fim das instituições de custódia e tratamento, se efetive, existirá uma lacuna entre o sistema prisional comum e as instituições de tratamento psiquiátrico também comum, corre-se o risco de agravar as enfermidades mentais dos pacientes infratores que pela falta de instituição que os trate e faça sua custodia, os mesmos terão que cumprir a sua sanção penal em estabelecimentos impróprios. Por fim considerando as informações prestadas por este trabalho, pode-se concluir que o tratamento psiquiátrico em hospital de custódia e os tratamentos substitutivos são igualmente importantes para a cura e a prevenção, dos doentes e da sociedade. 48 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Carlota Pizarro de. Modelos de inimputabilidade: da teoria à prática. Coimbra: Almedina, 2000. BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Parecer sobre medidas de segurança e hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico sob a perspectiva da Lei nº. 10.216/2001. Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC. Brasília, DF. 2011. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Centros de Atenção Psicossocial. 2010. Disponível em < http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29797&janela=1> Acesso em: 13 ago. 2011. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Saúde Mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004. CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código Penal Comentado. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. 696 p. ______. Curso de direito penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1, parte geral: arts. 1º a 120. DOTTI, René Ariel. Penas e medidas de segurança no novo código. Rio de Janeiro: Forense, 1985. D’URSO, L. Flávio Borges. Direito Criminal na atualidade. São Paulo: Atlas, 1999. GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro. Forense, 1951. v. 3 JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Direito penal da loucura e reforma psiquiátrica. Brasília: ESMPU, 2008. JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1: parte geral. LOBOSQUE, Ana Marta. Experiências da Loucura. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2001. MAMEDE, Margarida C. Cartas e retratos: uma clínica em direção à ética. São Paulo: Altamira, 2006. MATTEDI, J.C. Hospitais de custódia e tratamento não têm equipes de saúde. Agência Brasil. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2007-07-07/hospitais-decustodia-e-tratamento-nao-tem-equipes-de-saude-aponta-coordenadora> Acesso em: 15 jul, 2011. 49 MINAS GERAIS. SEDS. Superintendência de Articulação Institucional e Gestão de Vagas - SAIGV Disponível em: < https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option= com_content&task=view&id=411&Itemid=1> Acesso em: 15 ago. 2011. MINAS GERAIS. TJMG. Resultados PAI-PJ. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/ presidencia/projetonovosrumos/pai_pj/resultados.html>. Acesso em: 27 ago. 2011. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 26. ed. São Paulo: Atlas 2010. MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de. Evolução histórica da inimputabilidade penal: uma abordagem cronológica da loucura na humanidade e seus reflexos na legislação criminal brasileira até o Código de Piragibe. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1017, 14 abr. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8234>. Acesso em: 27 nov. 2011. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral; parte especial. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. ______. Código penal comentado. 10. ed. .São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 7. ed. 2007. v. I – Parte Geral. QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. SOUZA, M. B. de. O problema da unificação da pena e da medida de segurança. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1979. ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997.