Universidade Estácio de Sá Mestrado em Educação e Cultura Contemporânea Representação de sexualidade que orienta práticas educativas no Brasil desde o final do século XIX Por: Leandra Sobral Oliveira Rio de Janeiro 2007 Universidade Estácio de Sá Mestrado em Educação e Cultura Contemporânea Representação de sexualidade que orienta práticas educativas no Brasil desde o final do século XIX Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação e Cultura Contemporânea. Autora: Leandra Sobral Oliveira Orientador: Prof. Dr. Tarso Bonilha Mazzotti Rio de Janeiro 2007 2 Representação de sexualidade que orienta práticas educativas no Brasil desde o final do século XIX Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação e Cultura Contemporânea. Autora: Leandra Sobral Oliveira Orientador: Prof. Dr. Tarso Bonilha Mazzotti BANCA EXAMINADORA: _______________________________________ Prof. Dr. Tarso Bonilha Mazzotti (UNESA/RJ) Presidente _______________________________________ Profª. Drª. Margot Campos Madeira (UNESA/RJ) _______________________________________ Prof. Dr. Celso Pereira de Sá (UERJ) Rio de Janeiro 2007 3 “O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esquecem que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas.” Nietzsche, Sobre a verdade e mentira no sentido extra-moral. 4 À minha metade unibanco: amor, cumplicidade e companherismo 30h! 5 AGRADECIMENTOS Aos meus pais pela presença constante, pelo carinho sem condições e por me mostrarem, desde cedo, o valor da ética nas relações humanas. Aos meus irmãos, Delmo e Raphaela, pela imensa cumplicidade e por fazerem com que eu experimente ao lado deles o verdadeiro significado da palavra irmandade. Ao Zé, meu cachorrinho sensual, pela afetuosa, engraçada, leal e agitada companhia. ... ... ... Ao Professor Tarso pela generosa e produtiva parceria. À Professora Margot pelo exemplo de força e ética. À Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pela credibilidade e pela aposta em meu trabalho. À Academia Nacional de Medicina pelo acolhimento e por tornar possível minha pesquisa. À Biblioteca Alfredo Nascimento, parte da Academia Nacional de Medicina, em especial a bibliotecária Michele Moraes por facilitar as buscas ao acervo. Na parte de registros fotográficos duas fotos do espaço interno da biblioteca são divulgadas como forma de homenagem e reconhecimento. Aos amigos que fiz ao longo do mestrado... Amigos com quem dividi minhas dúvidas, meus anseios e minhas alegrias. São eles: Paulinha, Andréa, Arthur e Sátiro. 6 RESUMO A presente dissertação de mestrado investiga a representação de “sexualidade” como uma questão de higiene produzida por grupos sociais “autorizados” (legitimados) pela sociedade brasileira do final do século XIX e começos do XX (Primeira República). Pretende ainda esclarecer algumas possíveis origens da representação de “sexualidade”, “educação sexual” ou “orientação sexual” que circulavam nos documentos oficiais da época (teses médicas), constituindo um referencial que auxilie a compreensão tanto das representações sociais sobre grupos e identidades presentes na Primeira República quanto apreender os elementos daquelas representações que continuam atuantes em nossos dias. A hipótese principal é a de tais produções bibliográficas enfatizam prioritariamente os aspectos higiênicos em detrimento do aspecto afetivo. Esta hipótese foi corroborada nas análises realizadas no presente estudo. A ênfase nestes aspectos possui uma origem, ainda que os atores sociais a desconheçam, parecendo estar em um certo saber médico que se tornou hegemônico no final do século XIX e começos do XX e institucionalizou uma representação de “corpo”, “ordem social” e “moralidade” ancorada em uma concepção de higiene e eugenia. A constituição de uma raça brasileira saudável foi o horizonte das teses médicas, bem como das políticas disseminadas/propagadas nas primeiras décadas do século XX. Essa representação tornou-se hegemônica e, hoje, com variações, como a admissão dos aspectos afetivos, orienta as posições a respeito da orientação/educação sexual, como se pode observar nos Parâmetros Curriculares Nacionais. 7 ABSTRACT The present dissertation investigates the representation of "sexuality" as a question of hygiene produced for "authorized" social groups (legitimated) for the Brazilian society of the end of century XIX and starts of the XX (First Republic). It still intends to clarify some possible origins of the representation of "sexuality", "sexual education" or "sexual orientation" that circulated in the official documents (teses doctors), constituting a referencial that the understanding of the social representations in such a way assists on groups and identities gifts in the First Republic how much to apprehend the elements of those representations that continue operating in our days. The main hypothesis is of such bibliographical productions prioritariamente to emphasize the hygienical aspects in detriment of the affective aspects. These reasons possess an origin, still that the social actors are unaware of it, and it seems to be in a certainty to know doctor who if became hegemonic in the end of century XIX and starts of the XX and institutionalized a representation of "body", "social order" and "morality" anchored in a certain conception of hygiene and eugenia. The constitution of a healthful Brazilian race was the horizon of the medical teses, as well as of the politics spreads/propagetes in the first decades of century XX. This representation became hegemonic e, today, with variations, as the admission of the affective aspects, guides the positions regarding the sexual orientation/education, as if it can observe in the National Curricular Parameters. 8 SUMÁRIO Agradecimentos .................................................................................................................... 06 Resumo ................................................................................................................................. 07 Abstract ................................................................................................................................. 08 Sumário ................................................................................................................................. 09 Apresentação geral do tema .................................................................................................. 11 Contextualizando o Início da República: História, Educação, Sexualidade e Saber Médico no final do século XIX ......................................................... 16 Representações Sociais e Análise Retórica: uma incursão metodológica possível .................................................................................... 30 E assim caminha a sexualidade... Por um esboço da educação sexual no final do séc. XIX e início do séc. XX.............................................. 37 Brevíssimas considerações acerca do amor materno....................................... 45 Sexualidade: mulher, mãe e homem................................................................ 46 Documentos oficiais um século depois da inauguração da República: Manual do Multiplicador e Parâmetros Curriculares Nacionais ................ 58 Enfim a ciência entendeu a mulher: representações atuais circulantes na mídia.................................................. 62 Do corpo venéreo ao corpo educável: novos caminhos a percorrer ....................................... 67 9 Informações complementares e registros fotográficos ........................................................... 74 Fotos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no início do séc. XX....... 74 Fotos da Biblioteca Alfredo Nascimento......................................................... 75 Autores das teses apresentadas na tabela da pág.36......................................... 76 Referências bibliográficas ....................................................................................................... 79 10 APRESENTAÇÃO GERAL DO TEMA Durante toda a minha formação universitária, um dos focos principais de interesse recaiu no terreno da sexualidade, o que levou ao desejo de investigar algumas das representações coletivas que circunscrevem o tema. Escolhi abordar um viés histórico, na medida em que acredito ser de fundamental importância a realização de pesquisas que busquem possíveis cruzamentos com as representações atuais que nos guiam enquanto sujeitos. Partilho das construções subjetivas contemporâneas sobre sexualidade, e por elas me sinto tão atravessada que preciso antes buscar subsídios que auxiliem na compreensão de algumas das raízes que nos levam hoje a exercer a sexualidade de uma forma ao mesmo tempo absolutamente inédita e profundamente tradicional. Com esse objetivo, optei por realizar um contraponto entre dois momentos da história da educação brasileira. O primeiro deles está circunscrito na transição entre a Côrte Imperial e o Brasil República, com o advento de novas configurações políticas, ideológicas, educacionais e morais. Como nos apontam Lima e Hochman (1996), um dos principais debates do Brasil Republicano dizia respeito à questão da identidade nacional. “Que o país não constituía uma nação era voz corrente: no máximo reunia províncias pouco integradas, transformadas em estados pela constituição republicana de 1891. Nenhum sentimento de nacionalidade era percebido no povo brasileiro” (Lima e Hochman, 1996, s/p.). Dessa forma, existiam as mais diferentes crenças na viabilidade de uma configuração nacionalista, bem como as mais diferentes imagens idealizadas de sociedade. No bojo de tais concepções encontrava-se, obviamente, uma educação a ser oficializada como critério unificador desta nação em formação. Neste cenário, os médicos foram os grandes articuladores das concepções que ganhariam legitimidade no país em formação, o que não aconteceu por acaso. O final do século XIX presenciou a emergência da medicina científica e a incorporação das concepções sobre o corpo que objetivam moldá-lo como instrumento de aprimoramento e saúde do povo, o que acaba se traduzindo na formulação de ações educacionais (formais e informais) para os sujeitos. 11 Poucos foram os períodos em nossa história em que tantas modificações passaram a se efetivar de forma tão rápida. A apropriação de modelos dominantes esteve ao mesmo tempo presente junto com a construção de um modelo tipicamente nacional, já que a configuração do nosso território possuía um número tão grande de especificidades. Nosso povo mestiço, sem precedentes em outras nações, fez com que a república fosse inaugurada conjuntamente com um modelo de nação híbrido. Daí o interesse por investigar, justamente na ebulição deste período, a triangulação entre o saber médico, a sexualidade e a educação. Trata-se de um estudo em Educação e Cultura Contemporânea, na medida em que busca investigar a gênese das representações de sexualidade no Brasil para que tenhamos subsídios para as nossas práticas educacionais atuais. Assim deve acontecer com todo estudo histórico: buscar dados que possam embasar as nossas concepções e práticas sobre um determinado tema. E assim procuramos fazer. Buscamos remontar a história de um tema específico (a sexualidade) a partir das concepções e práticas difundidas por um determinado grupo (médicos), o que nos levou ao período de surgimento da Primeira República. Trilhamos esse caminho por acreditarmos que esse grupo ideologicamente favorecido (o saber médico) fomentou as bases nas quais se pautaram (e ainda hoje estão pautadas) as práticas educacionais vigentes no que tange ao tema transversal da sexualidade presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997). Dessa forma, acreditamos que para encontrarmos uma compreensão ampliada da orientação/educação sexual no início do século XXI no Brasil, precisamos retornar aos discursos daquela época específica, o que faremos através de uma análise comparativa com os modelos vigentes no final do século XX. Dessa forma, o presente trabalho tem como um dos eixos principais a busca pela gênese ou pelo aparecimento de uma representação de sexualidade que se encontra na base dos debates contemporâneos a respeito da 'orientação sexual', tema transversal do currículo escolar (Parâmetros). Por mais que privilegiemos temas como a História ou a Psicologia em nossas buscas por essa gênese, nosso olhar central encontra-se focado na Educação em seus conceitos e preceitos vinculados à orientação sexual. A ênfase é no dito e no não-dito presente nos debates a respeito da orientação sexual como tema transversal, o que buscamos fazer a partir de uma análise comparativa de dois momentos distintos: final do século XIX (início do Brasil Republicano) e final do século XX (com ênfase na formulação de propostas oficiais do MEC sobre o tema sexualidade, entre elas a dos Parâmetros Curriculares Nacionais). 12 Tanto em nossa análise dos discursos médicos da época do início da república quanto dos discursos educacionais contemporâneos, os manuais e disposições a respeito da orientação sexual apresentam a sexualidade como assunto médico, higiênico, desprezando ou deixando de lado os aspectos afetivos, de prazer. Procuramos reconstruir alguns diferentes cenários em que tais concepções ficam claras, nos momentos em que apresentamos citações retiradas das teses da faculdade de medicina da época e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como de alguns livros mais difundidos. Ao percebermos que a orientação sexual é fundamentalmente ou unicamente higiênica no período do início da República, eventualmente eugênica1, emergem as questões chaves da presente dissertação: quando teve origem essa representação da sexualidade no Brasil? Por que obteve tanto sucesso, a ponto de se desprezar outras concepções, quando se trata da orientação sexual? De que formas tais concepções (final do século XIX) se contrapõem às representações atuais (final do século XX) sobre o tema da orientação sexual? Tais inquietações conduziram a presente investigação sobre a origem do tema (educação/orientação sexual) em nosso País. O discurso médico apresentado nas teses da Faculdade de Medicina presidiu a vida sexual saudável do povo em formação, afirmando a necessidade de um caráter higiênico e eugênico a partir dos juízos de valor da época. E os médicos eram os grandes formadores de opinião no final do século XIX, de forma que os educadores embasavam suas concepções justamente na legitimidade das teorias médicas da época (coisa esta que, como veremos, continua vigorando até os nossos dias, com algumas sutis diferenças). Deste modo, para organizar a nossa investigação nesta dissertação de mestrado, a pesquisa foi dividida em quatro eixos. O primeiro deles encontra-se direcionado à contextualização do início da república: sua história, educação, sexualidade e saber médico na virada do século XIX. Neste capítulo, o leitor pode se situar acerca dos diversos acontecimentos que eclodiam no início do Brasil republicano, como a constituição do povo brasileiro e a apropriação dos conceitos de higienismo e eugenia. 1 Eugenia, do vocábulo eugenics,, imaginado por Francis Galton em 1883. Ciência que propõe estabelecer princípios e regras para a formação de proles sadias de corpo e espírito. Tal concepção perdura até os nossos dias, ainda que de maneira velada. 13 O segundo eixo traz uma apresentação sobre a teoria das representações sociais e análise retórica, dando um parâmetro da metodologia utilizada em nossas investigações. Neste capítulo abordamos os conceitos utilizados para o mapeamento realizado em nossas pesquisas. O terceiro eixo contém um ensaio sobre sexualidade no Brasil Republicano. Tal ensaio retrata trechos das teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), um dos principais celeiros da produção científica da época, assim como trabalhos realizados por estudiosos que também tiveram o saber médico como foco de suas discussões (José Gondra, Jurandir Freire, Jacques Donzelot, Margareth Rago, Rachel Soihet, Sérgio Carrara, entre outros). É neste terceiro capítulo que realizamos a análise de algumas das produções científicas do início da República brasileira, em uma temática que continua sendo uma das mais controversas e delicadas na esfera educacional. Tratamos aqui sobre sexualidade, que de maneira mais ampla engloba concepções que são muitas vezes marcadas pelo não-dito, por interdições públicas e privadas, pelo que se deve ou não fazer. A sexualidade é a composição de práticas e concepções marcadas por tabus, preconceitos e determinações, no contraponto entre natureza e cultura. Por mais que se fale em sexualidade na atualidade, ainda são escassos os trabalhos de cunho histórico que integrem a temática ao panorama educacional brasileiro e ilustrem o motivo pelo qual a sexualidade, quando abordada no âmbito escolar, perpasse o campo da higiene e não do afeto (Louro, 2000). Ainda neste terceiro capítulo, busca-se apreender as razões que os atores sociais dão para si mesmos quando tratam da “orientação sexual” nas escolas e fora delas. Estas razões possuem uma origem, ainda que os atores sociais a desconheçam, e ela parece estar em um certo saber médico que se tornou hegemônico no final do século XIX e começos do XX e institucionaliza uma representação de “corpo”, “ordem social” e “moralidade” ancorada em uma certa concepção de higiene e eugenia. Ao buscar apreender esta gênese, estaremos realizando neste capítulo uma breve análise retórica acerca dos conteúdos sobre orientação/educação sexual nos parâmetros curriculares nacionais, objetivando com isso esquematizar a nossa análise comparativa entre os dois momentos destacados. O quarto e último eixo diz respeito à discussão de novos caminhos a percorrer nesta triangulação entre a educação, a sexualidade e o saber médico. Neste capítulo, mais do que identificar conclusões específicas, procuramos apontar algumas das questões levantadas com a presente pesquisa, que podem nos levar a estudos mais aprofundados em investigações futuras. 14 Como objetivo geral, investigamos a representação de “sexualidade” como uma questão de higiene produzida por grupos sociais “autorizados” (legitimados) pela sociedade brasileira do final do século XIX e começos do XX (Primeira República). Pretendemos, ainda, esclarecer algumas possíveis origens da representação de “sexualidade”, “educação sexual” ou “orientação sexual” que circulam nos documentos oficiais (teses médicas), constituindo um referencial que auxilie a compreensão tanto das representações sociais sobre grupos e identidades presentes na Primeira República quanto apreender os elementos daquelas representações que continuam atuantes em nossos dias. Nossa hipótese principal é a de tais produções bibliográficas enfatizam prioritariamente os aspectos higiênicos em detrimento dos aspectos afetivos. Desta maneira, a pesquisa realizada nesta dissertação de mestrado está inserida no campo das Representações Sociais, que buscamos investigar utilizando como embasamento principal a metodologia proposta pela Análise Retórica. Possui como foco central a correlação entre a educação informal e a orientação sexual deflagrada pelo saber médico enquanto pólo legitimado de transmissão de valores, hábitos e preceitos para os atores deste novo cenário social. 15 CONTEXTUALIZANDO O INÍCIO DA REPÚBLICA: HISTÓRIA, EDUCAÇÃO, SEXUALIDADE E SABER MÉDICO NO FINAL DO SÉCULO XIX O objeto desta dissertação é a representação de ‘sexualidade’ que informa, coordena e condensa as tomadas de posição e orienta as ações na ‘orientação sexual’ e/ou ‘educação sexual’ nos currículos escolares brasileiros. Nestes há predomínio, senão exclusividade, da concepção higienista da sexualidade, como se pode verificar, por exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais. A questão chave, para este trabalho, é como tal representação obteve o assentimento da maioria das pessoas que se dedicam à educação, sejam professores, homens políticos, pais. Ou seja, procuramos expor as razões pelas quais uma certa representação obteve tal apoio que parece ser a única possível quando se trata de orientação ou educação sexual. Para isso é preciso verificar quando ocorreu o movimento dos atores sociais que instituiu aquela representação, bem como quais as razões que aqueles apresentaram para sustentarem suas posições. Como veremos, os atores sociais que efetivaram a representação da sexualidade sustentada em doutrinas higienistas e eugenistas participavam de um grupo social particular. Eram os médicos, formados nos quadros da medicina experimental ou científica que se constituíra na segunda metade do século XIX. Mas, a hegemonia da representação de sexualidade produzida pelos médicos não pode ter ocorrido pela difusão do saber médico na população em geral, uma vez que nesta permanecem as representações de corpo e medicina anteriores à da científica. Como, então, o saber médico a respeito da sexualidade pôde obter a adesão de tantos, a ponto de se tornar uma representação geral, difusa, um senso comum a respeito da sexualidade? Em suma, uma certa representação da sexualidade encontra-se presente nos discursos que buscam orientar as práticas escolares voltadas para a orientação/educação sexual. Aquela representação organiza-se em torno de argumentos higiênicos, que esvaziam qualquer conteúdo afetivo ou de saúde psíquica, como, por exemplo, os aspectos relevantes do prazer sexual. Os argumentos higiênicos, freqüentemente associados a outros de caráter eugênicos, não são uma produção espontânea dos grupos sociais não especializados, nos quais circulam outras a respeito da sexualidade, que são considerados “mitos” ou “falsas representações”, 16 como se pode verificar nos livros para adultos que tratam do assunto. Por outro lado, as confissões religiosas também apresentam suas representações de sexualidade, orientam as práticas de seus fiéis, sem que isso provoque o deslocamento de sua representação hegemônica: a higienista e, em certa medida, eugenista. A questão chave desta dissertação é como os médicos higienistas e, muitas vezes, eugenistas obtiveram sucesso na difusão e aceitação de suas representações de sexualidade como um problema médico, higiênico e eugênico. A resposta a essa questão nos conduz ao momento histórico em que, no Brasil, firmouse a formação científica ou experimental da Medicina, que se sustentou tanto nas conquistas de Claude Bernard e Louis Pasteur, quanto no evolucionismo spenceriano, os quais se constituíram na segunda metade do século XIX. Por outro lado, no mesmo período o Brasil viveu uma forte mudança social com o processo que culminou com a abolição do trabalho escravo e, em seguida, no âmbito da organização política, com a instauração da República. Junto à apresentação das questões básicas desta dissertação, é preciso expor também algumas das perguntas complementares que embasam nossa contextualização do momento histórico privilegiado para a busca da gênese de tais representações, objetivo do capítulo em questão. De Império à República, quais foram as mudanças principais que aconteceram no território brasileiro? Que valores permeavam as famílias naquela época? O que acontecia na Europa e quais os reflexos daqueles acontecimentos em nossa nação? Quem eram as autoridades pensantes? De que maneira os valores da época eram transmitidos ao povo? Tais perguntas nos ajudaram a remontar uma época nem tão remota assim, a contar uma história cujos registros servem para trazer à tona novamente o auditório no qual muitas cenas pareceriam completamente deslocadas. Por outro lado, partimos do princípio de que uma série de representações são agenciadas ao longo do tempo a partir de mudanças sutis e que suas marcas ganham o poder de leis, determinando idéias e ações. É assim que, ao mesmo tempo, muitas concepções de sexualidade no período da Primeira República vigoram até hoje, enquanto novos modelos são permanentemente criados e reconfigurados. O sistema educacional passou por muitas mudanças desde o início da república, mas um modelo básico parece manter uma certa eficácia fazendo com que os conceitos possam ser, de alguma maneira, hierarquicamente modelados. E muitos outros temas permanecem no rol de assuntos pertinentes. 17 Nessa análise, tomamos como balizamento a descrição utilizada por Mazzotti (2006, p. 57) acerca do povo brasileiro como multifacético, apontando que ele se transforma ao sabor das circunstâncias. Sua falta de caráter nacional é o caráter mestiço, o que não é derrogatório, muito pelo contrário. Isto porque o movimento Antropofágico propõe que assimilemos o melhor das demais culturas, para produzir uma própria, pelo que contradiz os determinismos raciais e geográficos. Todavia, tal movimento não retirou de cena a posição pessimista sobre a mistura das raças que permanece presente em muitos discursos. Assim, o povo ‘brasileiro’, composto em sua essência por essa mesclagem tanto biológica quanto cultural, torna-se alvo fácil de uma série de concepções importadas principalmente da Europa, como o eugenismo e o higienismo. Tal conjunto de idéias só se apresenta como tal para os que julgam existir raças humanas, sendo que as puras são superiores, ideário este bastante difundido no século XIX. O eugenismo, por operar por meio do qualificativo ‘raça humana’, estabelece uma hierarquia entre os homens, na qual os mestiços encontram-se em um certo lugar do eixo superior/inferior, em uma dissociação aplicada às raças segundo critérios etnocêntricos. A comparação com outros animais, usual nessa representação das pessoas humanas, estabelece que a hibridação (mestiçagem) resulta em algo inferior do ponto de vista biológico, logo cultural. Mas, além disso, sustenta-se que à cultura superior (devida à divisão do trabalho) corresponde uma raça superior, donde o critério para aquela hierarquia é a sociedade industrial moderna, que é, segundo tais teorias, próprio da raça caucasiana. Vê-se, então, que o povo mestiço é uma criação conceitual dos analistas, podendo ter significados os mais diversos, dependendo da hierarquia. Não é um alvo fácil, mas uma representação produzida pelo eugenismo, pela qual, no caso brasileiro, quer explicar o atraso do país em relação à Europa e aos Estados Unidos. O final do século XIX é marcado pela necessidade de uma nova ética do trabalho, por novas políticas de controle social, novos padrões de moralidade para os componentes sexuais, sociais e afetivos (Engel, 2004). Um novo modelo de família estava sendo organizado e com isso novos valores. A Eugenia inventada por Galton em 1883, e expandida por Bateson a partir de 1898, traz o poder da hereditariedade de forma decisiva no contexto valorativo da época (Domingues, 1933). Assim, a Eugenia foi definida como A ciência que se propõe estabelecer princípios e regras para a formação de proles 18 sadias de corpo, sadias de espírito. Porém os meios de que ela se serve são os da heredologia, isto é, são leis biológicas, que a genética lhe fornece, capazes de serem aplicadas ao homem. (...) Com esse nome não se pretende, porém, a criação de um novo ramo de doutrinas, porque Higiene, Puericultura, Saneamento, Educação (no seu sentido mais lato), etc., são corpos de doutrinas com vida própria, vivendo e aplicando-se independentemente da Eugenia, e em face disto não é possível, nem necessário fazer-se com elas uma nova ordem de conhecimentos. (Domingues, 1933, p.21). A eugenia, como uma ciência do melhoramento da raça humana, desenvolve-se no Brasil alicerçada diretamente em uma outra disciplina afim, o Higienismo (Mendonça, 2004). A Eugenia, aliada ao Higienismo, ganharam força na Primeira República, como ciências capazes de remodelar o “povo brasileiro”, como veremos. O eugenismo deu ares científicos às concepções racistas que circulavam no Brasil, sendo incorporado no arsenal conceitual de médicos. A recepção destas concepções foi efetivada pelos médicos e por pessoas com formação na área biológica ou nas ciências naturais, uma vez que requerem conhecimentos originários da incipiente genética. De fato, os autores fiavam-se nos trabalhos de “melhoramento genético” usual na veterinária e agricultura, nos cruzamentos de “sangue”. O higienismo, que tinha como finalidade básica o controle e a delimitação das famílias, preconizava o ensino de novos hábitos visando a saúde pública e a educação. Naquele período, no contexto de reorganização produtiva, política e geográfica do Brasil republicano, encontramos iniciativas mais amplas do poder público no âmbito da saúde, acompanhadas da criação e adoção de campanhas educativas, policiamento sanitário, saneamento de portos e cidades, imunização em massa e isolamento de doentes (Mandú, 2002) 2. Tais ações, de caráter essencialmente prático, visavam basicamente um sistema de regulação no qual as famílias eram o alvo prioritário. Como aponta Costa (2004, p. 51-52), O controle exercido junto às famílias buscava disciplinar a prática anárquica da concepção e dos cuidados físicos dos filhos, além de, no caso dos pobres, prevenir as perigosas conseqüências políticas da miséria e do pauperismo. No entanto, não podia lesar as liberdades individuais, sustentáculo da ideologia liberal. Criam-se, assim, dois tipos de intervenção normativa que, defendendo a saúde física e moral das famílias, executavam a política do Estado em nome dos direitos do homem. A primeira dessas intervenções deu-se através da medicina doméstica, reorganizando 2 Cabe ressaltar, apenas como critério de informação, que a reestruturação produtiva decorreu, imediatamente, da abolição de trabalho escravo e das condições internacionais de produção. A República não provocou tais mudanças, mas veio no bojo dessas transformações. 19 as famílias em torno da conservação e educação das crianças, e a segunda dirigiu-se às famílias pobres sob a forma de campanhas de moralização e higiene da coletividade. O higienismo passava, então, a ser a alavanca para que o terreno social se dignificasse, por meio de regras e modelos. É assim que as “doenças sociais”, como a sífilis, passam a ser estigmatizadas e viram alvo de campanhas médicas e governamentais, como em nenhum outro momento da história brasileira. Não os sujeitos, mas suas doenças; não o poder de polícia, mas os mecanismos disciplinares que faziam os próprios indivíduos os guardiões da sua sanidade, decência e vigor. O movimento higienista e o eugenismo têm sua história basicamente interligada à Liga Brasileira de Hygiene Mental, fundada em 1923. Os intelectuais da época, entre eles o médico Riedel, como aponta Martins (2004, p.49-50): estavam interessados em realizar no Brasil o aprimoramento da raça em prol do desenvolvimento da nação. Dentro da perspectiva positivista, que compreende o funcionamento social a partir de leis naturais de desenvolvimento e organização, as dificuldades pelas quais a nação passava se deviam a natureza multirracial de seu povo. Essa natureza conjugava aspectos hereditários negativos tais como a indolência, a preguiça, o gosto pelo ostracismo, a tendência à criminalidade, etc. A partir dessa compreensão da natureza da organização social, a Liga Brasileira de Hygiene Mental visava defender a mentalidade da raça, combatendo o alcoolismo e os “vícios sociais”, selecionando a imigração, controlando os casamentos, esterilizando compulsoriamente os degenerados, fazendo seleção e orientação profissional, dando atendimento à infância com vistas a um desenvolvimento mental sadio e eugênico. Não são as pessoas que se apresentam como alvos para as campanhas médicas, mas as doenças, ou seja, as pessoas são reduzidas às doenças que apresentam. Outra é a avaliação de Lima e Hochman (1996, s/p.), quando afirmam que a medicina experimental oferece uma saída para a nossa mestiçagem e o clima tropical, que seriam os motivos principais da nossa inferioridade e improdutividade. Assim sendo, Os conhecimentos dos médicos-higienistas sobre a saúde dos brasileiros e sobre as condições sanitárias em grande parte do território nacional, revelados ao público em meados da década de 1910, nos absolviam enquanto povo e encontravam um povo réu. O brasileiro era indolente, preguiçoso e improdutivo porque estava doente e abandonado pelas elites políticas. Redimir o Brasil seria saneá-lo, higienizá-lo, uma 20 tarefa obrigatória dos governos. O alívio expresso por Monteiro Lobato – “O Jeca não é assim: está assim” – refletia a campanha de um amplo e diferenciado movimento político e intelectual que, de 1916 a 1920, proclamou a doença como principal problema do País e o maior obstáculo à civilização. São duas concepção a respeito da história do Eugenismo e Higienismo. Uma delas sustenta que a ação das campanhas tinha por base a redução da pessoa à doença e outra diz o oposto. Ambas as concepções podem ter ocorrido na mesma época e sinalizam diferentes formas de compreender a instalação, a transmissão e o combate às doenças e aos doentes. Podemos dizer que o foco principal ficou voltado para as características pessoais que exacerbam o indivíduo como foco de todos os males. Uma nova ordem de conhecimentos configurou-se, e a necessidade de uma unidade nacional para que a República representasse um produto linear precisou lutar contra o excesso de variáveis da nossa gente. O povo mestiço representava toda a deflagração dessa nãouniformidade, e o eugenismo, que representava “o conjunto de todas as medidas eugênicas, eutecnicas e sociais, tendo por fim a geração de proles boas em ambiente melhor” (Domingues, 1933, p.23), começou a ser difundido em larga escala não apenas nas representações educacionais e do saber médico, mas principalmente nas concepções do senso comum, como fruto das representações dominantes. Sendo o povo brasileiro mestiço então era preciso melhorá-lo de alguma maneira. A idéia de Estado Nacional, de Nação, requer a identidade entre o governante e os governados, o que não ocorria no Brasil. Daí a questão permanente: quem é o brasileiro? Esta questão decorre de uma concepção/representação de Nação como unidade entre terra, povo e língua, originária do Romantismo alemão, o que nossos intelectuais julgaram não ser o caso do Brasil. Mas, outros disseram que a raça mestiça é a expressão de nossa terra e língua. Estas distintas (e muitas vezes contraditórias) concepções sobre o povo brasileiro alocaram ainda o fortalecimento de um certo biologismo amparado nas disciplinas emergentes, entre elas a medicina. O ideal de uma certa concepção biológica começou a ser justificado a partir dos valores morais da época, ressaltando que as qualidades físicas, intelectuais e morais da espécie têm um fundo hereditário indiscutível. Deste modo, quando se unirem duas pessoas sãs de corpo e de espírito, sua descendência terá as maiores probabilidades possíveis de ser constituída de 21 indivíduos também de corpo e alma sadios. Pelo contrario, de um casal de indivíduos tarados, ou fisicamente defeituosos, só se poderá esperar uma prole tarada ou de defeituosos. Daí, a Eugenia começa a ensinar que convém promover aquelas uniões, e evitar estas últimas. Para que? Para que aumente o número dos bem dotados intelectual e fisicamente, e diminua a multidão dos inferiores natos. O homem, para viver, vencer na vida, ser um cidadão útil, um pai de família capaz, precisa ter herdado do berço certas qualidades que, sob a ação do meio físico e do ambiente social, se expandirão em sua maior ou menor plenitude. (...) Nem a Eugenia manda selecionar os gênios humanos e procria-los como se faz com os bois e os cavalos; nem anda escolhendo os Apolos para juntar com Vênus; nem exige tampouco que se atire aos Eurotas todos os feios, os aleijados, os idiotas, os miseráveis detentores de uma herança malsinada. (...) Homens normais, homens capazes, homens construtores do progresso material e moral da sua espécie – eis o que pede a Eugenia. E que os gênios e os de rara beleza sejam donos de uma numerosa prole – isso também ela almeja. E que se procure evitar a multiplicação inconsciente, animalesca, da vasa humana, tão prolífica desgraçadamente. Só assim se aliviarão suas dores, e o mundo não terá a infelicitá-lo, tanto, o peso morto desses incapazes de guiarem seu próprio destino. (Domingues, 1933, p.24-25-26). A eugenia, apresentada por Domingues, defende uma certa racionalização da conduta humana visando o fortalecimento do ‘bom cruzamento’ e a extinção do ‘mal cruzamento’. Note que esse discurso é análogo ao de Lamarck a respeito da herança do adquirido, núcleo do discurso de Spencer. As idéias da eugenia, que atualmente parecem tão absurdas sob um ponto de vista político-ideológico, nada mais eram do que a representação da contraposição entre a natureza e a cultura. Os defensores do eugenismo apontam que este sistema de idéias não cria nenhum novo valor moral, ressaltando apenas que o melhor curso possível da natureza deve ser permitido. Ainda nas palavras de Domingues (1933, p.142-143), A Eugenia, em seus propósitos, é prudente, sábia e honesta. Não exige nem transformar a humanidade em um rebanho a selecionar, nem com suas idéias, bem compreendidas e aplicadas, será capaz de justificar qualquer prática amoral ou desvirtuadora dos costumes. Suas bases, buscadas na própria biologia, são tão exatas quanto as bases da higiene individual e do ambiente. Os alemães até lhe dão o nome de Rassenhygiene, ou seja, Higiene da Raça, pois o que na verdade se procura evitar, com a Eugenia, é uma ‘contaminação’ da espécie por meio de fatores genéticos inferiores. Que a natureza possa se aperfeiçoar e seguir o seu melhor rumo! Esta é a Eugenia... 22 Note-se também que no final do século XIX e começos do XX, no mundo Ocidental, a Medicina tornou-se uma técnica ou arte que se sustenta em enunciados científicos, portanto validados. A Medicina experimental, com base nos trabalhos de Claude Bernard e Louis Pasteur, obteve tanto sucesso que substituiu a que passou a ser declarada como “não científica”, “popular”, “alternativa”. A eficácia no diagnóstico e nos processos de tratamento das doenças deu aos médicos um poder extraordinário, a ponto de, em nossos dias, raramente se os questionar. No Brasil, por exemplo, o sucesso das medidas sanitárias conduzidas por Oswaldo Cruz arrefeceu a rejeição da vacinação e de outras medidas profiláticas. As pessoas não especializadas puderam avaliar a qualidade da nova Medicina por sua eficácia, mesmo desconhecendo os modelos teóricos em que aquela se sustenta. É interessante acrescentar que essa situação possibilita a constituição de representação social da “medicina”, pois expressa o que se apresenta a partir da prática. A eficácia da medicina induz a representá-la como sendo “toda poderosa”, logo os erros médicos e/ou a falta de eficácia tendem a serem vistos (representados) como um defeito (donde se apelar para o médico e o curandeiro ao mesmo tempo). Uma vez que a Medicina tornou-se a fiadora de juízos eficazes para a manutenção da saúde, tanto pela profilaxia quanto pela cura de doentes, a partir do final do século XIX temos um recorte adequado para o que nos interessa nesta investigação. Incluímos, assim, a conjugação do processo de validação do discurso médico moderno com o da instauração da República viabilizando o entendimento do “governo do povo” com base na ciência ou cientismo. Por esta razão, o período de investigação coincide com o da Primeira República (1889-1930), sem pretender que este recorte da vida política contenha por inteiro a emergência da representação da “sexualidade” como um assunto de higienistas e médicos, uma vez que suas origens são anteriores. No âmbito das doenças, a sífilis apresenta-se como um dos grandes problemas urbanos da época, enfrentado através de medidas de alerta, de educação moral e de controle sanitário. A sexualidade se destaca aí como prisma multifacetado no qual a circulação social se vê circunscrita e objetivada, principalmente sob o viés sifilítico. Como nos aponta Carrara, “no contexto das sociedades ocidentais, poucas doenças oferecem tantas questões interessantes à reflexão histórica e sócio-antropológica quanto a sífilis” (1997, p.391). Enquanto a tuberculose aparece como uma enfermidade romântica, a sífilis apresenta-se como uma doença 23 vergonhosa, marcando o ‘caráter’ e a existência de cada uma de suas vítimas. Daí Carrara (1977, p.391-392) dizer que: A sífilis tem sido ‘boa pra pensar’ sobre o modo pelo qual se produzem as ‘descobertas científicas’, sobre as relações entre técnicas diagnósticas ou terapêuticas e nosologia, sobre os compromissos possíveis entre o pensamento científico e determinados imperativos morais e categorizações sociais, sobre as implicações éticas de certas intervenções cientificamente orientadas. (...) Desde finais do século XIX a sífilis era uma espécie de ‘doença total’, atacando todos os órgãos, todas as raças, em todas as idades e indivíduos de qualquer sexo. A sífilis, que grassava no Brasil, foi um dos temas tratados pela intelectualidade (principalmente cientistas e médicos) cujo interesse maior era o de esclarecer a identidade nacional brasileira, com o objetivo de forjar uma “nova nação”. Essa idéia reforça o entendimento de que o período em questão é resultante de mudanças que vinham se delineando já no Brasil Imperial. O ideário republicano calcava suas bases em um novo modelo de subjetividade que vinha formando-se na virada do século XIX para o século XX (Jacó-Vilela, 1999). À época comparava-se a educação escolar realizada no Brasil com a realizada nos países europeus, propondo a adoção de idéias educacionais científicas. Estas idéias, geradas na Europa, nutriam a sensação de que o Brasil não se encontrava à altura do século no que diz respeito às novas idéias e práticas educacionais (Nagle, 1974 apud Patto, 1999). Podemos perceber a Educação também sendo atravessada por outra ciência: A Psicologia. Como afirma Nagle, 1974 apud Patto, 1999), Cientifizar a educação significava principalmente psicologizá-la, transformar os conhecimentos psicológicos em regras pedagógicas. E a psicologia era feita, sobretudo, de testes e aparelhos de mensuração psicofísica, tidos como instrumentos infalíveis de organização da escola, de orientação vocacional e profissional, de classificação dos alunos para diversificar a educação. No plano oficial, segundo Patto (1999, p.8), o discurso sobre a higiene e a educação tinha como um dos seus motivos principais o atraso que supunham inscrito na constituição orgânica da maioria não-branca, e 24 participavam do empenho em regenerar a raça e colaborar na construção do futuro do país através de medidas corretivas e profiláticas que, ao mesmo tempo que davam alento à esperança de pôr o país no rumo das nações civilizadas, conjuravam o medo do domínio da multidão, do "caos urbano" e da revolução social. O período do final do século XIX e início do século XX apresenta-se, nesse cenário, como um momento fértil para a delimitação dos processos educacionais incorporados no território brasileiro, passando por sistemas médicos e morais que realçam práticas sociais de subjetivação e exclusão, nos quais a marcha higienista preconizava o ensino de novos hábitos visando a saúde pública e a educação. O novo homem e a nova sociedade começariam a ser formados nas escolas, e a importância deste enquadramento disciplinar não pareceu ignorada pelos médicos higienistas da época. No micro-universo das escolas antevia-se a sociedade real e o isolamento das influências do ambiente prestava-se aos ensinamentos morais vigentes, no qual a ocupação das escolas faz parte de uma estratégia de medicalização do espaço urbano (Costa, 2004). Segundo Armonde (apud Costa, 2004, p.181), a função do colégio trata-se nada menos do que de formar corações, preparar homens para a sociedade, aperfeiçoá-los física, moral e intelectualmente. Para melhor remontar uma época e ilustrar exatamente todo o ideário vigente do período em questão, Hamze recorre a Nagle para deixar claro que Na medida em que se torna a instituição mais importante do sistema social brasileiro, a escola primária se transforma no principal ponto de preocupação de educadores e homens públicos: procurou-se em especial mostrar o significado profundamente democrático da educação primária, pois é por meio dela que a massa se transforma em povo. (Nagle apud Hamze, disponível no link www.brasilescola.com/pedagogia/brasilrepublica.htm). A higiene traz como proposta ditar as regras de formação do corpo sadio e da consciência nacionalista, já que os médicos perceberam que a escola não poderia ser mais o cenário para a reprodução dos padrões valorativos e educacionais familiares, nem tão pouco da desordem que caracterizava a organização doméstica (Costa, 2004). 25 A prática médica preocupava-se com o combate da desordem social, considerada causa dos problemas de saúde existentes. Em suas bases, encontra-se o projeto higienista articulado à ordem e à moral e, conseqüentemente, à educação. Assim, nas palavras de Lima e Hochman, Se o foco central dos higienistas era a presença da doença como o grande obstáculo a ser superado, ela aparece, como indicamos, fortemente articulada com o tema da natureza, do clima e da raça. Na discussão sobre identidade nacional é freqüente a constatação da fragilidade do homem diante da natureza tropical. (2000, p.318). Então, faz sentido, nessa configuração, pensarmos o tema sexualidade como uma importante preocupação no ideário dessa nação em formação, tema diretamente vinculado aos preceitos higienistas, eugênicos, morais, médicos e educacionais da época. O clima tropical e sua energia corporal, atrelados aos hábitos “mundanos” do povo brasileiro, criaram o terreno ideal para que a saúde reprodutiva fosse apropriada e valorizada como uma das principais receitas para o sucesso das políticas de criação de uma nação honrada e respeitosa. Recorde-se que o termo sexualidade surgiu no início do século XIX, de certa forma tardiamente, assinalando algo diferente de um remanejamento de vocabulário; mas não marca, evidentemente, a brusca emergência daquilo que se refere. O uso da palavra foi estabelecido em relação a outros fenômenos : o desenvolvimento de campos de conhecimentos diversos; a instauração de um conjunto de regras e de normas, em parte tradicionais e em partes novas, e que se apóiam em instituições religiosas, judiciárias, pedagógicas e médicas; como também as mudanças no modo pelo qual os indivíduos são levados a dar sentido e valor à sua conduta, seus deveres, prazeres, sentimentos, sensações e sonhos. (Foucault, 1985, p.9). A sexualidade, principalmente a partir do século XX, tem sido encorajada a se manifestar e expor pelas diversas instituições e saberes que a permeiam, como forma essencial de uma política de controle do indivíduo e da população, caracterizando assim a sociedade moderna. É o que Foucault caracteriza como biopoder, numa esfera na qual o poder sobre os corpos em termos de guerra, dominação e sujeição e o poder sobre a vida, exercido sobre o corpo individual e coletivo (Caliman, 2002) são os fios que tecem a organização dos indivíduos e das suas práticas sociais. Concebe-se, então, o discurso médico-científico como 26 dispositivo que oscila entre as estratégias de governo das populações (governamentalidade) e a incitação do sujeito para se ocupar de si mesmo (tecnologias/governo de si), como afirma Toneli (2004). Aos médicos era autorizado todo tipo de intervenção e orientação em prol do bom funcionamento social. É assim que, com relação ao sistema educacional, o modelo higienista define um amplo programa de regras para o funcionamento dos colégios, compreendendo a localização e a arquitetura dos edifícios escolares, organização da rotina, das práticas e hábitos que deveriam ser desenvolvidos junto aos alunos, alimentação, exercícios corporais, cuidados com as excreções dos organismos e com a educação dos sentidos, de modo a conservar e desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e afetivas ou morais dos alunos. Representações produzidas a partir daquilo que os médicos estudam, lêem, enunciam, registram e sustentam por ocasião da adesão ao referido padrão recolhido nos manuais de higiene. (Gondra, 2004, p.165). Nesse “governo das populações” encontra-se a educação, que se configura como um campo de conhecimento e práticas atravessado por sistemas políticos, sociais, econômicos, culturais e filosóficos, em uma engrenagem essencialmente marcada pela legitimação do saber médico. A ciência do corpo e seus extratos biológicos têm permeado não apenas a epistemologia da doença e a psicopatologia, mas também as práticas sociais que deliberam sobre o sentir e o fazer cotidianos. A marcha higienista teve seu berço na Europa, deparando-se, ao chegar ao Brasil, com uma questão destoante: um povo majoritariamente mestiço. É a partir deste dado que podemos começar a desenhar como um dos objetivos do movimento higienista no Brasil a tentativa de uniformizar e padronizar brasileiros mestiços, em sua maioria analfabetos. Também não podemos esquecer que, neste mesmo período, conforme mostrou Rago (1985), aquela uniformização requereu que a infância se tornasse alvo de interesse para a medicina, pois o domínio desse novo saber abriria as portas das casas e permitiria acesso ao núcleo familiar. Rago (1985, p.120) afirma que “os médicos adquirem uma crescente participação no aparato governamental, seja dirigindo o serviço sanitário, seja definindo dispositivos estratégicos de regulação dos comportamentos e da vida íntima dos diversos setores da sociedade”. A “educação científica”, que Nagle afirma ser uma aplicação da Psicologia, tem um caráter muito mais “naturalista” do que se imagina, pois a Psicologia em questão era a 27 spenceriana em suas diversas faces, aquela que o higienismo defendia, junto com o eugenismo. Daí o lugar do saber médico e dos médicos, cuja eficácia no tratamento e prevenção já fora mostrada para o povo. Segundo alguns autores, que também desenvolveram estudos sobre o movimento higienista no Brasil republicano, entre eles Rago (1985), Gondra (2004), Mandú (2002), Góis Junior (2000) e Lima e Hochman (1996, 2000), a mulher se encontra no centro de todo o esforço para a propagação de um novo modelo de família e sociedade - modelo normativo fundamentados pelo discurso médico. De fato, a família constituiu-se o grande alvo daquelas medidas, mas é a mulher que representa a efetivação de tais práticas e saberes. Tal ação nos parece ser voltada à construção de comportamentos interpretados como favoráveis ao controle da mortalidade (sobretudo infantil) e estímulo à natalidade, postulando-se a restrição do exercício da sexualidade feminina às relações conjugais e à procriação (Mandú, 2002). Em plena instauração de uma nova organização da família e de uma classe dirigente sólida, a modernização e a higienização do país surgem como meta dos grupos ascendentes que tinham como propósito transformar a capital em metrópoles com hábitos civilizados, similares ao modelo parisiense. Em relação ao Rio de Janeiro, Face ao seu estatuto de capital da República e cidade mais populosa do Brasil, urgia acelerar o seu projeto de modernização, tornando-a cartão de visitas do progresso alcançado por todo o país. A derrubada dos cortiços das áreas do centro afiguravase como indispensável, inclusive, porque eram considerados focos das epidemias que, periodicamente, manifestavam a cidade. A medicina e os interesses econômicos uniram-se no propósito de transformar a velha cidade numa metrópole moderna que deveria atrair capitais e homens estrangeiros. (Soihet, 2004, p.364). A modernização da metrópole passa pela família, tendo por alvo a mulher, tornando-a o centro de interesse e a responsável pela vida sexual saudável. É com esse foco que a medicina expande suas fronteiras, ganhando visibilidade e reconhecimento num terreno fértil para o controle dos corpos dos sujeitos via educação moralizante. As mulheres condensavam ao mesmo tempo as figuras a serem educadas para uma prática sexual menos danosa e as agentes propagadoras dessa educação dentro das suas famílias e, por que não também, na sua função de magistério. 28 A sexualidade/educação sexual apresenta-se como tema a ser tratado nas escolas, mas é controverso. Todavia, sua representação é fundamentalmente higiênica ou médica, cuja origem afloramos aqui e que desenvolveremos a seguir. 29 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E ANÁLISE RETÓRICA: UMA INCURSÃO METODOLÓGICA POSSÍVEL Dissemos que a ‘sexualidade’, tema que se apresenta para nós a partir do século XIX, tem suas raízes em movimentos cientistas do eugenismo e higienismo. Mais ainda, afirmamos tratar-se de uma representação social. Os psicólogos sociais consideram que uma representação social é constituída por elementos que coordenam e condensam inúmeros significados, orientando as práticas dos membros de um grupo social. Nesse registro, nos perguntamos se a sexualidade coordena e condensa significados por si mesmos ou se os encontra em alguma outra representação mais ampla. Essa é uma questão chave, pois sexualidade pode ser um nome de algo que pertence a representações sociais diversas, cada qual com seus significados. O estudo da gênese de suas representações predominantes no discurso contemporâneo visa demarcar os significados que foram cristalizados e permanecem ativos. Por isso, ao examinar o tema ‘sexualidade’, aparecem suas determinações pelas concepções higienistas e eugenistas, que em algumas situações são concorrentes, mas, ao que parece, sustentadas no sistema sintético de filosofia (evolucionismo spenceriano). Não há como estabelecer ‘a verdadeira sexualidade’, mas é factível mostrar como uma certa representação social de mulher e de homem condiciona políticas diversas, especialmente as educacionais, o que se apresenta sob o nome sexualidade. Isto porque a sexualidade é representada pelos diversos grupos sociais conforme suas concepções de homem e vida social. Por isso, o tema não está solto no ar. Se há representações sociais de sexualidade (o que verificamos em nossa pesquisa) então cada uma delas apresenta um certo núcleo figurativo que a condensa e coordena. Diversas representações podem estar presentes em um certo momento histórico, e algumas delas podem ser antagônicas a ponto de seus apoiadores manterem uma permanente disputa pelos corações e mentes da maioria. Uma vez que o objeto é posto para o grupo social, então ele pode ter uma origem remota, não imediata, por ser de “longa duração” ou estar em sua “memória social”. Este parece ser o caso das possíveis representações sociais que se encontram nos debate contemporâneos a respeito de “educação sexual” ou “orientação sexual”. O exame dos Parâmetros Curriculares, bem como de outros documentos oficiais sobre “orientação sexual”, 30 mostra que a sexualidade é tratada exclusivamente do ponto de vista higiênico, deixando-se de lado o seu aspecto afetivo. Parece ser tabu retratar a sexualidade humana. Mais ainda, por que as escolas, quando abordam a sexualidade, reverenciam o aspecto higiênico e não afetivo? Há alguma razão histórica para isto? Para iniciar a delimitação da pesquisa retomamos a pergunta que finaliza o capítulo de apresentação do nosso trabalho: será que há alguma razão histórica para a educação sexual no Brasil privilegiar mais o aspecto higiênico em detrimento do aspecto afetivo? Essa é a pergunta que move toda a nossa pesquisa. A resposta àquela questão exigiu uma investigação histórica, na qual localizamos os discursos que instauraram a representação de sexualidade como da competência dos médicos ou higiênica, e, por fim, estabelecemos como os médicos obtiveram legitimidade, tornaram-se autoridades reconhecidas pelas pessoas comuns. A pesquisa histórica possibilitou o resgate de alguns motivos, ou seja, quando olhamos para a história da sexualidade na primeira república procuramos determinadas posições que continuem valendo até hoje, o que permite remontar o contexto inicial das orientações que são dadas para a educação sexual em nossos dias. A pesquisa histórica não apenas recria uma situação; ela constitui uma nova história ou narrativa. Isso porque a história é intrínseca às representações sociais e seu modo de produção atual resulta de relações sociais anteriores, das quais as atuais são ou continuidade ou ruptura. A representação socialmente constituída da sexualidade, não da prática sexual, organiza-se a partir de valores (preferíveis) a respeito das condutas consideradas legítimas e adequadas, sobre as relações do indivíduo em seu grupo e no grupo extenso que é a sociedade. Assim, pela análise dos discursos médicos, voltados tanto para seu grupo profissional quanto para os demais, pudemos expor o que eles instituem como sendo a sexualidade sadia, a qual deveria ser a norma de conduta dos brasileiros. Tal orientação das práticas teve por alvo as mulheres e a educação escolar de crianças e jovens, sempre a partir de uma certa perspectiva masculina, como veremos adiante. A legitimação do saber médico, como núcleo no qual idéias, valores e práticas são construídos e podem ser propagados, através da educação formal ou informal, deve ser buscada na efetividade e eficácia das ações próprias da medicina científica. É dessa forma que os médicos, enquanto agentes da regularização do cotidiano, através do controle da saúde dos homens, das mulheres e das crianças, passam a ditar as 31 normas de existência, reprodução, movimentação social, aprimoramento da espécie e desenvolvimento de potencialidades. Os preceitos higienistas e eugênicos, base da circulação de tais idéias, permitiam a formação daquele grupo social, visto como elite não só intelectual, mas principalmente pragmática responsável por ditar as regras de comportamento. A coordenação dessas três instâncias foi requerida por buscarmos as origens da representação social de sexualidade que circula em nossos dias. Para tanto, utilizamos a análise retórica dos discursos, a qual requer que consideremos o lugar do orador (ethos), do auditório (pathos) e do discurso (lógos), em uma relação que não pode ser recortada e separada, pois encontrar as razões pelas quais um discurso é persuasivo requer a exposição daquela relação por inteiro. Assim, o discurso médico, como o estudado, recebe apoio do povo (pathos) não porque é mais racional do que a sabedoria popular, mas por vir acompanhado de uma ação eficaz e efetiva no trato de doenças as mais diversas. Com isso, os médicos (ethos) obtiveram autoridade para se apresentarem como os agentes portadores das melhores práticas sociais, legitimando-se com condutores do povo, particularmente no que se refere à vida íntima, à vida sexual. Por outro lado, a análise retórica para a reconstrução dos significados agenciados por uma representação social, permite que outros pesquisadores, utilizando o mesmo procedimento, revejam o que foi apresentado. A intersubjetividade, própria da constituição de conhecimentos confiáveis, fica garantida, pois o apresentado expõe os instrumentos analíticos e os resultados da análise, sem exigir que os outros assumam a posição filosófica ou ideológica do autor. Este nos parece ser o sentido próprio da objetividade científica. A análise retórica parece ser uma estratégia pertinente ao aprofundamento da teoria das Representações Sociais, ampliando o aparato metodológico utilizado em nossa investigação. Na tentativa de compreender e entrelaçar os sistemas de análise das representações sociais e da análise retórica, a concepção sócio-histórica nos aponta alguns importantes caminhos (Bock, 1997; Seidl de Moura, 1996; Vasconcellos e Valsiner, 1995; Vygotsky, 1998). Segundo a perspectiva sócio-cultural, o Homem é um ser ativo, social, cultural e histórico, que se articula com os outros indivíduos através dos recursos materiais e culturais de que dispõe. Nessa organização, cada um de nós é, ao mesmo tempo, produto e produtor do meio, exercendo nele, via linguagem, a intermediação necessária para que possamos nos apropriar dos conceitos que estão a nossa volta. 32 As palavras podem funcionar como símbolos, sendo esta talvez uma das mais importantes funções do desenvolvimento da linguagem. A palavra, que numa instância básica significa um sinal atrelado a um objeto ou uma classe de objetos, traz a reboque a capacidade de generalização, intrínseca à linguagem cotidiana. A capacidade para generalizar parece ter a ver com a tendência humana básica para agrupar e organizar os objetos cognitivamente, mas vai muito além da capacidade de estruturação do pensamento. A linguagem é aquilo que constitui o pensamento, sendo, no entanto, derivado dele, o que de forma primária representa justamente o elo que interliga os indivíduos. É via linguagem que representações são constituídas e compartilhadas. Portanto, para entender o conceito de representações sociais e de análise retórica, é preciso inicialmente discorrer um pouco sobre o status lingüístico do qual nos apropriamos. Para Vygotsky (1998, p.41), no desenvolvimento humano inicial “o progresso da fala não é paralelo ao progresso do pensamento. As curvas de crescimento de ambos cruzam-se muitas vezes; podem atingir o mesmo ponto e correr lado a lado, e até mesmo fundir-se por algum tempo, mas acabam se separando novamente”. No adulto, no entanto, linguagem e pensamento, como diferentes níveis de apreensão da realidade, caminham de forma articulada e complementar. O pensamento, representado ou não por imagens mentais que espelham, modificam ou recriam a realidade, é incessantemente atravessado pela linguagem, que funciona como elo no qual indivíduos compartilham essa mesma realidade. Esse processo, numa visão ampliada, encontra-se fundamentado numa base materialista, na qual a interação social (realidade interpessoal) fundamenta as bases para a apropriação do mundo (realidade intrapessoal) em seus valores, expectativas, desejos, preferências, atitudes e crenças. A análise retórica de um corpus discursivo permite que apreendamos os destinatários (auditórios), as pessoas autorizadas pelo grupo social a emitirem juízos a respeito de um certo tema, assunto ou objeto, pelo que se põe a totalidade da relação persuasiva: o ethos (orador ou autoridade), o pathos (auditório ou grupo social) e o lógos (o discurso). Nesta perspectiva, o discurso não é uma mediação, mas se constitui no lugar (tópos) de negociação de significados a respeito de um objeto posto para o grupo social. A análise retórica é uma técnica que integra três elementos do discurso: (i) Quem fala? (ii) A quem se endereça? (iii) Qual o argumento apresentado? Através dessas questões fica nítida a relação que liga um orador a seu auditório através da linguagem tornando possível assim a comunicação (Meyer, 2002). Sendo assim, através dos eixos centrais da retórica: lógos (a linguagem), pathos (a quem se endereça) e 33 ethos (quem fala) pode-se ter uma análise detalhada do discurso, das suas figuras e argumentos. Tais considerações sobre a Retórica e a possibilidade de análise desse sistema surgem com Aristóteles, que a apresenta como um sistema que pode ser decomposto em quatro partes ou fases pelas quais se acredita que quem compõe um discurso passe. Seriam elas a invenção (heurésis), a disposição (táxis), a elocução (lexis) e a ação (hypocrisis) (Reboul, 2004). Antes de entrarmos na discussão e delimitação das quatro partes que compõem um discurso, cabe registrar que através do conhecimento das partes de um discurso, assim como suas técnicas de elaboração, podemos realizar uma minuciosa investigação. A análise retórica, nesta pesquisa, é utilizada para o exame dos discurso sobre sexualidade presentes no saber médico no período da Primeira República, o que possibilitou a ‘recriação’ do cenário histórico e do orador/auditório/discurso da época. Seguiremos com a apresentação das partes que constituem um discurso, começando pela invenção (heurésis). Antes de fazer ou empreender um discurso é preciso saber sobre o que ele irá falar e, assim, através do tipo de discurso, escolheremos o gênero que convém ao assunto. A grande importância de Aristóteles foi perceber que cada discurso pode ser classificado segundo seu auditório e sua finalidade. Determinado o gênero do discurso, o orador deve preocupar-se em encontrar os argumentos presentes. Os gêneros de discursos na situação retórica são o deliberativo (trata do futuro), o judicial (trata do passado) e o epidítico (reforça valores, censurando ou elogiando). Logo, os argumentos são organizados segundo cada um desses gêneros, podendo ocorrer que um mesmo discurso apresente elementos de gêneros diferentes. Por exemplo, quando os médicos dizem que é preciso fazer isso ou aquilo porque o futuro na Nação depende de tal ou qual prática, eles estão procurando legislar, logo o fazem no gênero deliberativo; mas, podem fazêlo a partir de afirmações a respeito das condutas atuais, censurando-as, o que é próprio do epidítico. Essa mistura de gênero pode ser muito persuasiva. Mais ainda, no mesmo discurso o médico pode utilizar os procedimentos próprios do judicial, estabelecimento das ‘provas do crime’, a vida sexual desregrada produz a sífilis, por exemplo, pelo que tanto reafirmam uma certa norma de conduta ideal (o desregrado é a expressão negativa da conduta supondo outra que seria melhor, a regrada, logo um juízo de valor) quanto procuram “demonstrar” (por 34 argumentos quase lógicos, por isso as aspas) que a origem da doença está na conduta das pessoas. Ethos é o caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança no auditório; pathos é o conjunto de emoções, paixões e sentimentos que o orador deve despertar no auditório com seu discurso; e lógos diz respeito à argumentação propriamente dita (Reboul, 2004). O discurso persuasivo (lógos) requer que o orador inspire confiança no auditório, o que se faz tanto pelos argumentos em suas diversas formas e adequados à situação (os gêneros da retórica, ou seja, a situação deliberativa, judicial e epidítica) quanto por mobilizar os sentimentos e/ou emoções dos auditórios. A eficácia de um discurso é, então, dependente do julgamento do auditório que reconhece a autoridade do orador por o considerar uma pessoa que apresenta alguma proposição adequada e correta para o grupo social (pathos). Assim, não se pode pretender, salvo idealmente, que haja um orador capaz de persuadir qualquer auditório, bem como que o orador não receba do auditório a autoridade para se dirigir a ele. No caso em que investigamos, a autoridade dos médicos não decorre apenas dos discursos que apresentaram, mas da eficácia das ações médicas orientadas pela medicina científica instituída na segunda metade do século XIX, o que não pode, de maneira alguma, ser subestimado. A disposição é um lugar, ou seja, um plano ao qual se recorre para construir o discurso. Em Reboul encontramos este plano dividido em quatro partes: exórdio, narração, confirmação e peroração. Exórdio é a parte que inicia o discurso, com a função essencial de tornar o auditório dócil, atento, e benevolente. A narração é a exposição dos fatos referentes à causa, por ela o lógos supera ethos e pathos. A confirmação é a parte mais longa, pois é quando o conjunto das provas é apresentado seguido por uma refutação com o objetivo de ‘destruir’ os argumentos adversários. A peroração põe-se no final do discurso, recordando os argumentos principais e solicitando alguma coisa do auditório: assentimento ou decisão favorável ao apresentado. A elocução é a produção do discurso. É aí que aparecem as figuras de uma narrativa, o estilo como esta narrativa é elaborada e expressa. É nesta parte que o foco da presente dissertação de mestrado recai. A elocução é onde a retórica encontra a literatura. Antes de ser uma questão de estilo, ela diz respeito à língua como tal. Durante a elocução, podemos observar três pólos do discurso, que são o assunto, o auditório e o orador. “O melhor estilo, ou seja, o mais eficaz é aquele que se adapta ao assunto. Isso significa que ele será diferente com relação ao assunto” (Reboul, 2004, p.62). O orador eficaz adotará o estilo que convir ao seu 35 assunto. Surge, assim, a primeira regra da elocução, que é a conveniência. A clareza com que o orador adaptará seu estilo ao auditório configura a segunda regra. E a terceira diz respeito ao orador, que deve mostrar-se uma pessoa vivaz, e para isso é preciso que observe as regras de estilo bem precisas. Como quarta parte do discurso tem-se a ação, que trata da sua proferição. É a ação que faz com que o discurso atinja o público. É a pragmática do pensamento, que só cumpre sua função à medida em que se materializa por meio da linguagem. Como já foi dito, a análise retórica utiliza as figuras de linguagem como meio para assimilar os conceitos que embutidos na linguagem, sendo a metáfora uma das principais. Assim sendo, a análise retórica utiliza os recursos usuais da análise do discurso e ainda leva em consideração o lugar do discurso, quando foi produzido, com quais intenções e de que forma o auditório o recebeu (Pimenta, 2003). Procura mostrar como o autor/orador persuade seu auditório e a utilização de instrumentos lógicos e argumentativos utilizados pelo mesmo. Uma vez que a representação de ‘sexualidade’, tal como aparece atualmente, tem origem no discurso higienista e eugenista difundido e sustentado por médicos e outros trabalhadores intelectuais da Primeira República, então nosso material de investigação foi constituído pelas teses defendidas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. O ethos (orador/autoridade) está relacionado aos médicos que falam para um auditório especializado, seus colegas que representam a classe social dominante naquele momento, utilizando um discurso apropriado. Daí nossas questões serem: Quem fala? A quem se endereça? Qual o argumento apresentado? No próximo capítulo apresentaremos uma análise detalhada do discurso e seus argumentos, privilegiando as partes da elocução (lexis – produção do discurso e estilo da narrativa) e da disposição (táxis – plano de construção do discurso). Tal análise permitiu uma compreensão maior da educação informal que estabeleceu o que hoje se tem como representação hegemônica de sexualidade que coordena os discursos sobre orientação/educação sexual no Brasil. 36 E ASSIM CAMINHA A SEXUALIDADE... POR UM ESBOÇO DA EDUCAÇÃO SEXUAL NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX Nossa incursão bibliográfica acerca dos temas privilegiados nesta dissertação nos despertou um imenso interesse em conhecer de maneira mais aprofundada os discursos sobre educação e sexualidade em um momento tão rico da história nacional, com a ‘captura’ da produção intelectual daqueles agentes acerca dos temas que abarcavam a população enquanto alvo das práticas de assistência oficial. O presente capítulo apresenta uma das inúmeras releituras possíveis acerca das produções bibliográficas e documentais da época. Reconhecemos, pois, que nossa visão encontra-se aqui evidenciada pelas nossas representações sobre o tema, sendo o alinhavo característico de uma produção nutrida ao mesmo tempo por referenciais ‘externos’ (defendidos pelos autores que debatem tais assuntos) e ‘internos’, no sentido da apropriação que fazemos de tais referenciais. Propomos, assim, a recomposição de um esboço da educação sexual no período da Primeira República, utilizando para isso um tipo específico de produção da época: o discurso médico. Nossa estratégia para recompor as falas dos médicos sobre sexualidade, num momento tão rico da história nacional, foi a ‘captura’ da produção intelectual daqueles agentes acerca dos temas que abarcavam a população enquanto alvo das práticas de assistência oficial. Aos médicos era atribuída a prerrogativa de alicerçar as bases sobre as quais toda uma nação poderia ser gerenciada. Uma medicina salvadora ganhou, talvez como em nenhum outro momento da história, a incumbência de construir corpos saudáveis e aptos a serem educados por um novo projeto político, econômico, social e educacional. A legitimação desse poder, no entanto, só foi possível porque uma série de medidas de ordem profilática passou a trazer para o cotidiano das cidades o conceito de cura e, conseqüentemente, de redenção. Justifica-se, assim, porque o sistema educacional acabou rendendo-se às recentes práticas de saúde, que eram hegemonicamente dominadas pelos médicos. Ao novo regime de governo recém criado, a República, cabia interceder para que a relação entre educadores e médicos fosse de aliança, mesmo que às custas de uma balança na qual era prioritariamente o 37 sistema educacional que se nutria do saber médico, e não o contrário. Recorde-se que no início do século XX doenças que atingiam toda a população requeriam ações urgentes, como a tuberculose, a febre amarela, a lepra e a sífilis. Mas, para alguém ser curado, é preciso estar convencido de que está doente e de que existe um agente habilitado a promover a cura. Uma das nossas hipóteses é a de que a aliança entre a medicina e a educação se deu por essa via, ajudando a produzir uma nação educável e curável. O convencimento da doença vinha da nova cena moral implantada nas mentalidades da época pelo médico como agente habilitado a definir as novas regras de higiene e normas de saúde. A partir do século XVIII o curandeiro e todo o seu poder místico cederam espaço, progressivamente, ao médico. É justamente a possibilidade quase sagrada de cura que ajuda a manter a medicina em um terreno híbrido no qual a vida e a morte estão submetidas ao médico, como se ele fosse um interlocutor da vontade divina. Tanto que o juramento profissional dos médicos no final do século XIX afirmava: Juro aos Santos Evangelhos que no exercício da medicina serei sempre fiel aos deveres da honra, da Sciencia e da caridade. Prometto sobre as obras de Hippocrates que, penetrando no interior das famílias, os meus olhos serão cegos, e minha língua calará os segredos que me forem confiados; nunca de minha profissão me servirei para corromper os costumes, nem para favorecer o crime. (Gondra, 2004, p.23)3. O catolicismo não apenas era a crença predominante no cenário brasileiro, regendo diretamente o modo de vida das pessoas em suas práticas sociais e privadas, mas representava a égide a partir da qual o Estado poderia reforçar o seu poder de captação de um contingente de almas abnegadas, principalmente com relação a uma das principais e mais estigmatizantes doenças da época, a sífilis. Ao se descobrir como uma doença de contágio, e principalmente, uma doença de contágio sexual, a sífilis demarca o território onde público e privado competem e passam a delimitar a quem pertence o corpo adoecido. Sabemos que a sífilis era apenas uma das grandes epidemias na virada do século XIX para o século XX, mas em nossa pesquisa ela é selecionada como um potente disparador para 3 Trecho do juramento a ser proferido durante a cerimônia de colação de grau realizada por ocasião da conclusão do curso de medicina, conforme padrão instituído pela reforma dos estatutos das faculdades de medicina de 1884. Nesse ato, o juramento deveria ser feito com o doutorando de joelhos, tendo as mãos sobre um livro dos Santos Evangelhos. A promessa seria feita com o doutorando em pé e com as mãos sobre as obras de Hipócrates. 38 analisar as práticas educacionais informais naquele significativo momento histórico. Chamanos a atenção o fato do sujeito sifilítico ser apontado, em muitas das produções bibliográficas tanto da época quanto contemporâneas, como aquele a quem quase todos os estigmas recaem. Homens e mulheres de vícios, promíscuos e libertinos, eram os alvos principais da intervenção ao mesmo tempo moral, divina, educacional e médica. Todas as grandes doenças da época eram perpassadas por esses diferentes prismas, mas com relação à sífilis o viés moral, indubitavelmente, ganhava um destaque de ordem excepcional. A proclamação da república (ou o advento da república, como alguns preferem) ressalta, como já falamos, a busca por uma identidade nacional e a inserção do Brasil no rol das nações civilizadas. A literatura nos países latino-americanos comprou a idéia de construção de um caráter nacional, assumindo o compromisso com a vida deste território recém inaugurado. O exotismo de nossas matas e a miscigenação de nossos povos são fatores usados na construção deste ser nacional. A miscigenação retratava, na grande maioria das vezes, para não dizer em sua totalidade, a mistura do branco e do índio, já que a figura do negro era somente representada como força de trabalho destituída de qualquer cidadania (Arruda, 1998). No início do século XX, o olhar da medicina apresentou uma nova configuração a este projeto nacional. Tal olhar pareceu ser o produtor de uma nova identidade atravessada por teorias higiênicas e evolucionistas contribuindo com a formação do caráter nacional dizendo que a questão essencial da brasilidade, ou melhor, a explicação da brasilidade é a questão da raça, da interação entre as raças. Através deste entendimento apreenderíamos a realidade social (Arruda, 1998). À medicina não competiu apenas a tarefa de explicar a brasilidade, com o apoio do Estado: ela também esculpiu esta brasilidade, usando como matéria os corpos desses novos seres nacionais, sendo o casamento a mola mestra desta revolução. Antes do casamento institucionalizar-se como uma orientação higiênica, foi celeiro de acordos e negócios entre famílias regidas pelo até então modelo patriarcal. Em sua maioria, homens muitos mais velhos casavam com mulheres de doze ou treze anos, configurando um abismo entre os membros do casal devido à grande diferença de idades. Os médicos higienistas, por defenderem novos valores morais na união conjugal, passam a condenar uniões etariamente desproporcionais, pois, como afirma Costa (2004, p.220), A mulher jovem, pela imaturidade do aparelho reprodutor, arriscava-se a uma gestação ou parto difíceis que podiam lesar o feto ou o recém-nascido. O velho 39 tinha os órgãos reprodutores enfraquecidos e com suas funções perturbadas, o que o tornava igualmente inapto a procriar. Os preceitos higiênicos fornecem novos valores para o casamento e, com isso, é estabelecida a idade ideal da união marital: para os homens de 24 a 25 anos e para as mulheres de 18 a 20 anos. Mas, a idade não era a única preocupação, pois as condições físicas e morais dos cônjuges era também alvo de inquietações. Homens e mulheres passam a ser alertados sobre a relevância da escolha do cônjuge, levando em consideração as condições físicas e morais dos futuros pares e, principalmente, lembrando sempre da futura prole. No casamento higiênico, a hereditariedade passa a ser o grande bem de uma família (Costa, 2004). A formação de uma prole sadia também envolve a saúde da mulher, afinal é ela que carrega o futuro rebento no ventre, temática que constatamos na análise do catálogo das teses defendidas na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1903 e 1910, em que representa nunca menos que 10% da produção científica encontradas nas teses defendidas no período, conforme apresentado na tabela a seguir. Teses que abordam a saúde da mulher – de 1903 a 1910 ano 1903 Número de teses Total voltadas de teses para saúde da mulher 110 11 (10%) Títulos das teses que abordaram a saúde da mulher 1.Pathogenia e Tratamento da Eclampsia Puerperal. 2.Temperatura, Pulso e Tensão arterial nas gestantes. 3.Contribuição ao estudo da peritonização. 4.Das intervenções reclamadas pela placenta. 5.O keleno em obstetrícia. 6.Septicemia no puerpério. 7.Intervenção cirúrgica para a cura do hydrocele da vagina. 8.Da aplicação de fórceps acima do estreito superior. 9.Estudo clinico do sangue no decurso da gravidez e do puerperio. 10.Pathogenia dos vômitos na prenhez. 11.Das complicações a distancia da blenorrahagia, particularmente do chamado rheumatismo blennorrahagico. 40 1904 71 1905 92 1906 1907 1908 103 129 84 07 (10%) 11 (12%) 11 (11%) 13 (10%) 08 (10%) 1.Intoxicação gravidica eclamptigena e seu tratamento. 2.Das indicações para o tratamento das rupturas do útero durante o trabalho de parto. 3.Valor e indicação da curetagem em obstetrícia. 4.Prenhez nos úteros fibromatosos. 5.Aleitamento em geral e especialmente no Rio de Janeiro. 6.Indicações para a interrupção da prenhez nas mulheres grávidas albuminuricas. 7.A insuficiência ovariana. 1.Injeções intra-uterinas. 2.Indicações e contra-indicações da curetagem em obstetrícia e gynecologia. 3.Da prophylaxia da infeccção puerperal. 4.Affecções gynecologicas. 5.Tratamento da fistula vesico-vaginal. 6.Da inversão uterina. 7.Do valor da hysterectomia e de suas indicações na infecção puerperal aguda. 8.Da cesariana conservadora nos vícios da bacia. 9.Contra-indicações à aleitação materna. 10.Do valor da puericultura. 11.Eclampsia puerperal. 1.Contribuição ao estudo do aborto. 2.Protecção à mulher antes e depois do parto. 3.Ruptura central do períneo. 4.Cystites de origem blennorrhagica entretidas por prostatites. 5.Um caso de gravidez tubária a termo operado 4 ½ mezes depois da morte do feto. 6.Esterilização da mulher. 7.Das nutrizes mercenárias especialmente no Brasil. 8.Gottas de leite. 9.Do tratamento do aborto incompleto. 10.Do tratamento cirúrgico dos prolapsos uterinos. 11. A obstetrícia do futuro. 1.Dos processos modernos de amputação do seio canceroso. 2.Malefícios do espartilho sobre o apparelho genital. 3.Contribuição ao estudo médico-legal do aborto criminoso. 4.Da inserção anormal da placenta. 5.Das rupturas do útero durante o trabalho de parto e seu tratamento. 6.Dos fibro-myomas uterinos. 7.Da operação cesariana seguida de hysterectomia e suas indicações. 8.Da hysterectomia abdominal no tratamento dos corpos fibrosos do útero. 9.Da inserção anormal da placenta. 10.Do leite gravidico. 11.Eclampsia puerperal. 12.Da asepsia e antisepsia em obstetrícia... 13.Tratamentos dos acessos eclâmpticos. 1.Hygiene do puerperio. 2.Do aleitamento artificial. 3.Do hymen como critério medico-legal. 4.Breves considerações sobre as fibromas em obstetrícia. 5.Techinica da provocação do parto. 6.Regymen lácteo. 7.Quatro casos de prenhez extra-uterina. 8.Preceitos em torno do casamento. 41 1909 1910 114 136 11 (10%) 15 (11%) 1.Das indicações operatórias, da urgência, nos traumatismos do ventre. 2.A pratica gynecologica e o perigo das mãos. 3.Eclampsia puerperal e suas relações com as perturbações intestinais. 4.O fórceps démelin. 5.Etiologia e prophylaxia da syphilis no aleitamento. 6.Relações recíprocas entra a forma da cabeça e o mecanismo do parto. 7.Injecções intra-uterinas. 8.A utilidade do cazamento sob o ponto de vista higiênico. 9.Da etiologia e pathogenia dos prolapsos útero-vaginaes. 10.Da prenhez ectópica. 11.Dos methodos de tratamento da inserção anormal de placenta. 1.Aborto obstetrício. 2.Abcessos agudos do seio. 3.Aborto criminoso. 4.Hygiene da mulher grávida. 5.Tratamento cirúrgico do câncer do útero pelo processo wertheim-bumn. 6.Hygiene da mulher na puberdade. 7.Operação cesariana. 8.Das inversões uterinas chronicas e seu tratamento. 9.Gênese e tratamento do aborto. 10.Tratamento cirúrgico dos retro-desvios uterinos. 11.Da hysterectomia abdominal como therapeutica gynecologica. 12.Physio-pathologia do liquido amniótico. 13.Tratamento cirúrgico do câncer do útero. 14.Perturbações cardíacas funcionaes da menopausa. 15.Diagnostico e tratamento da hydrocele vaginal. Podemos observar na tabela que os assuntos encontrados na temática saúde da mulher são, em sua totalidade, voltados para o campo da ginecologia e obstetrícia, pois a formação de uma prole saudável estava completamente ligada à saúde da mulher durante o período de gestação. Assim, médicos e mulheres estabelecem claramente uma parceria na qual as regras ditadas pelos especialistas deveriam ser seguidas pelas progenitoras, em troca da dignificação dos novos rebentos. A ligação entre a mulher, ou melhor, a mãe e os médicos é sinalizada e estudada por inúmeros autores. Alguns afirmam que esta aliança seria proveitosa, como vemos, por exemplo, em Donzelot (1980, p.25), quando salienta que O médico, graças à mãe, derrota a hegemonia tenaz da medicina popular das comadres e, em compensação, concede à mulher burguesa, através da importância maior das funções maternas, um novo poder na esfera doméstica. (...) Ao majorar a autoridade civil da mãe o médico lhe fornece status social. 42 Outros autores já apresentam esta aliança como algo nada proveitoso para as mulheresmães, como é o caso de Gondra (2004), ao afirmar que, se de um lado as mulheres conseguiram se libertar do poder patriarcal, de outro passaram a ser colonizadas pelo poder médico. Rago (1985, p.75) ressalta ainda A valorização do papel da mulher, representada pela figura da guardiã do lar. As várias teses de doutoramento defendidas na faculdade de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, desde meados do século XIX, procuram demonstrar a missão sagrada atribuída à mulher e sua vocação natural de procriação. Através de argumentos os mais variados, mas especialmente de cunho moral, este discurso pretende fundar um novo modelo normativo de sexualidade feminina e convencer a mulher de que deve corresponder a ele. Na verdade, ela vai ser o centro de todo um esforço de propagação de um modelo imaginário de família, orientado para a intimidade do lar, onde devem ser cultivadas as virtudes burguesas. Quando falamos de mulheres-mães não podemos ocultar um assunto tão próprio e debatido como a amamentação. Não podemos também deixar de perceber que todo este enfoque na figura da mãe foi de fundamental importância para as novas atribuições da mulher no cenário social republicano. Pode parecer desnecessário, mas ressaltaremos mais uma vez não que a marcha higienista surgiu junto com a república, mas algumas medidas higiênicas só passam a ser efetivadas no Brasil a partir de 1889, como foi o caso da campanha a favor da amamentação, ou melhor, a favor de que as mães biológicas fossem as únicas a amamentar seus bebês, condenando assim as amas-de-leite, que passam a serem chamadas de mercenárias. Isso fica muito claro ao examinarmos as teses defendidas na faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em torno da temática, assim como as obras dos autores ligados ao assunto, como Jurandyr Freire Costa, Margareth Rago, José Gondra, Mary Del Priori, entre outros. Para exemplificar, citamos a seguir um trecho de uma das teses da Faculdade de Medicina, de 19044, Nesta Capital, como em quasi todos os estados do Brazil, a alimentação infantil tem attingido ao último grau de desregramento, seguido das suas naturaes consequencias. É no instituto de Protecção e Assistencia á Infancia, mais que em parte alguma, que poderiamos estar em contato directo com as familias das classes pobres desta Capital e, portanto, sufficientemente estudar as lacunas e grandes falhas de que se resente nesse ponto de vista a essa numerosa facção da 4 Tese defendida em 1904, na Faculdade de medicina do Rio de Janeiro pelo Dr. Manoel Velho Py e título “Aleitamento em geral e especialmente no Rio de Janeiro”. O trecho em questão foi selecionado usando a tabela que exemplifica todas as teses defendidas entre 1903 e 1910 que abordam temas voltados para a saúde da mulher. 43 sociedade. Durante os primeiros mezes de vida o recem-nascido sé deve ter um alimento – o leite, o unico que pode digerir, sendo a este modo de alimentação das crenças que se consagra o nome de aleitamento. Os autores dividem-no em natural, artificial e mixto. Sob a denominação de aleitamento ou amamentação natural comprehendese a que é fornecida pela mãe ou pela mulher mercenária chamada – ama. O aleitamento artificial é feito por mamadeira, colher, ou directamente pelo animal a cujo leite se recorre; dahi a sua divisão em indirecto ou directo. O aleitamento mixto é a associação dos typos referidos. Ninguem desconhece que os seres inferiores da escala animal, dão-nos o exemplo mais eloquente d`essa harmonia admiravel. Com relação a especie humana, no entretanto, os conselhos dos sabios, es exemplos diariamente verificados ainda não conseguiram, in totum, como muito bem refere Marfan “triumphar do egoismo dos ricos, da cubiça ou da miseria dos pobres, dos preconceitos de todos.” Quando se trata de pessoas altamente collocadas na sociedade, commum é perceber-se que um sem numeros de mulheres levadas por estulta vaidade receiam perder sua belleza ou seus contornos plasticos alimentando os filhos. O aleitamento não altera a bellesa, acusa-se-o de modificar as formas, quando é o collete ordinariamente de tal responsavel. Incrimina-se-o tambem de amollecer os seios; ora, como muito bem diz Marfan, a flascidez das mamas é evidentemente a consequencia de uma gravidez não seguida de aleitamento (Py, 1904). Ou ainda, como apontado em outra tese da faculdade de medicina defendida em 1907, sobre o tema do aborto, A maioria das mulheres se esforça para seccar esta fonte sagrada de onde o genero humano bane a vida, deturpando o leite como si elle impedisse a formosura. É a mesma loucura que as leva a se fazerem abortar com ajuda de diversas drogas prejudiciaes afim de que a superficie polida de seu ventre não se estrie e não se deforme pela prenhez e pela maternidade.5(Antunes, 1907). Os trechos das teses acima não apresentam apenas dados científicos e é assim que podemos remontar os valores e as representações do início da república brasileira. O discurso normativo, presente nos trechos apresentados, revela o quanto os médicos ajudaram na construção dos papéis sócias. A figura da mãe é enaltecida, propagada, e os estudos voltados à Tese defendida em 1907, na Faculdade de medicina do Rio de Janeiro pelo Dr. Aurélio Odorico Antunes, sob o título Contribuição ao estudo médico-legal do aborto criminoso. O trecho reproduzido da tese em questão foi selecionado usando a tabela que exemplifica todas as teses defendidas entre 1903 e 1910 e abordam temas voltados para a saúde da mulher. A tabela começa na página 40. 5 44 saúde da mulher, em sua maioria, só privilegiam a mulher-mãe. Assim sendo, o que se entendia por amor materno? O que se falava a respeito da sexualidade da mulher-mãe? Como era a vida sexual da mulher antes, durante, e depois do período gestacional? Consequentemente, como ficava a vida sexual dos homens durante esses três distintos períodos? Brevíssimas considerações acerca do amor materno Respondendo a essas perguntas sobre amor materno, em primeiro lugar, o amor foi difundido pelos médicos como forma de manter o sexo dentro do limite doméstico, ou seja, aliando o amor ao sexo acreditava-se que o sexo ficaria circunscrito ao espaço familiar. Além disso, seria capaz de tornar homens e mulheres responsáveis pela manutenção do casamento, regulando novos papéis para ambos dentro do matrimônio (Costa, 2004). O amor materno, como nos afirma Rago (1985, p.79), mostra que A valorização do papel materno difundido pelo saber médico desde meados do século passado procurava persuadir as mulheres de que o amor materno é um sentimento inato, puro e sagrado e de que a maternidade e a educação da criança realizam sua vocação natural. Assim, aquela que não preenchesse os requisitos estipulados pela natureza, inscrevia-se no campo da anormalidade, do pecado e do crime. Não amamentar e não ser esposa e mãe significava desobedecer a ordem natural das coisas, ao mesmo tempo que se punha em risco o futuro da nação. Quando se fala de amor materno, ou melhor, do mito do amor materno, não podemos deixar de citar a valiosa contribuição de Badinter (1985) ao afirmar que esta ‘vocação’ não faz parte de um sentimento inato às mulheres, mas uma construção social que varia de acordo com as condições econômicas e sociais da mulher. Badinter salienta ainda que basta um mergulho na história para percebermos que aquela construção começa a ganhar forma a partir de meados do século XIX, pois, até então, a figura da mãe não era sequer mencionada, e a amamentação burguesa era quase em sua totalidade realizada por amas-de-leite que cuidavam das crianças até os cinco anos de idade. 45 Sexualidade: mulher, mãe e homem Agora vamos às perguntas seguintes que nos fizemos, que retratam questionamentos sobre a vida sexual da mulher antes, durante e depois do período gestacional, bem como da vida sexual do homem. A condição da mulher pouco sofreu transformações e as figuras de mãe e esposa progrediram no imaginário social. Quando se fala na figura de esposa-mãe e sua sexualidade percebemos que As imposições da nova ordem tinham o respaldo da ciência, o paradigma do momento. A medicina social assegurava como características femininas, por razões biológicas: a fragilidade, o recato, o predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação maternal. (Soihet, 2004, p. 363). À mulher passa a caber não só a prática do cuidado dos filhos como também a vocação que a transforma na referência básica do cuidado das proles, desses futuros sujeitos saudáveis que condensarão a essência de um povo limpo e produtivo. O corpo do indivíduo, como reflexo do ventre que o carregou, circunscreve a todo momento uma quantidade sem fim de medidas de contenção e apropriação do corpo dessas mulheres, na contraposição clara entre os gêneros. Podemos, por exemplo, perceber esta distinção dos atributos físicos e emocionais na tese de Miranda (1892, s/p) 6 que falava sobre a educação física, quando o autor afirma que O fim a que se propõe a mulher na sociedade, variando d’aquelle a que se propõe o homem, sendo mesmo a sua estrutura hystologica mais debil e menos compacta do que neste, a sua musculatura menos possante e a sua resistencia inferior, é claro que á ella, attendendo ainda á delicadesa dos seus contornos, convem uma pratica moderada e prudente, menos violenta portanto do que a preconisada ao homem na mesma idade. (...)Por prudencia, durante a gestação a mulher deve cercar-se de sérios cuidados nos seus movimentos, fazer abolição de vestes apertadas, supprimir o uso do collete, ausentar-se das apprehensões de ordem moral e evitar rigorosamente o abuso dos prazeres genésicos (Miranda, 1892). 6 Tese defendida na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1892, sob o título “Da Kinesitherapia”. Autor: R. C. Miranda. 46 As teses da faculdade de medicina evidenciam as concepções vigentes na época, pela elite intelectual e ideológica composta pelos médicos, que retratam a forma como os corpos devem ser compreendidos, usados e apresentados. Trata-se, portanto, de um conjunto de representações sociais tão comuns quanto eficazes, que tratam da forma como homens e mulheres gerenciam seus desejos, suas atitudes e seus comportamentos. O discurso médico, totalizante em sua essência, deliberava sobre (quase) todos os temas desse cotidiano, como a higiene, a alimentação, os exercícios físicos, as boas ou más uniões, o aborto, a menstruação, as atribuições masculinas e as atribuições femininas, enfim, aquilo que pudesse, através do corpo, sistematizar o conjunto de valores morais que passou a compor uma nova era. Do corpo para o corpo, com um alvo prioritário: as mulheres. Como nos apresenta outro trecho da tese Pires, defendida em 1892 7: O progenitor ainda pode concorrer para o aborto por excitações de toda e qualquer natureza que provoque na mulher, estas excitações exercerão papel tanto mais prejudicial quanto mais próxima estiver a mulher das suas epocas menstruaes, porque é por estas epocas que as mulheres estão mais predispostas a este incidente (Pires, 1892). Nesta construção do papel sexual da esposa-mãe, a medicina apresenta motivos tantos supostamente biológicos como morais para justificar as qualidades que uma esposa-mãe deveria apresentar e em contrapartida a biologia e a moral também foram usadas como justificativa do papel sexual masculino. Em comparação ao papel sexual feminino também existem funções que deveriam ser exercidas pelo homem, como podemos observar na tabela criada por Tucker e Money (1981) em seus estudos sobre papéis sexuais, como veremos na página seguinte. Esta tabela foi criada pelos autores para remontar os papéis sexuais vividos por homens e mulheres no início do século XX, já que eles propunham uma pesquisa de cunho histórico acerca das diferenças sexuais vividas por homens e mulheres nas sete primeiras décadas do século XX. Na proposição de Tucker e Money (1981), o que corroboramos através da análise das teses da Faculdade de Medicina e da referência bibliográfica adotada em nossa pesquisa de 7 Tese defendia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1892, sob o título “Do Aborto”. Autor: Pires, P. F. S.. 47 mestrado, homens e mulheres possuem papéis sociais diferentes, o que vem acompanhado de diferentes formas de retratar, significar e apresentar o próprio corpo. Estas idéias nos apontam algumas importantes questões. A quem pertence o corpo? Quem legisla acerca daquilo que é inerente ao indivíduo e às suas construções sociais, políticas e ideológicas? De que formas a educação (não enquanto sistema formal de conteúdos curriculares, mas como estrutura na qual valores, representações sociais ou regras subjetivas de convivência se cruzam) cria e interroga as diversas formas como cada um de nós se constrói como sujeito? Por que a sexualidade continua a ser tomada como um fator de extremo destaque na análise das mais diversas manifestações humanas? Como se contrapõem os diferentes valores atribuídos à sexualidade? De forma mais específica, será que há alguma razão histórica para a educação sexual no Brasil ter privilegiado e ainda privilegiar o aspecto higiênico em detrimento do aspecto afetivo? Diferenças sexuais no início do século XX (material adaptado de Tucker & Money, 1981) Se você é homem: Se você é mulher: Você pode brigar, mas não pode chorar. Você será um fracasso se não conseguir casar e ter filhos. Até você se casar a sua obrigação é competir (não abertamente demais) com outras mulheres pela Você precisa lutar para superar os seus atenção dos homens, e apegar-se ao seu hímen; colegas, sem jamais admitir derrota. porém não fica bem demonstrar interesse aberto por um homem enquanto ele não tiver revelado interesse por você. Depois de se casar, a sua obrigação é ser boa Você pode seduzir garotas para provar a sua esposa e mãe, e não prestar atenção a outros masculinidade, mas tem direito a uma noiva homens (“bom” não define o seu próprio virgem. desempenho, e sim o bem-estar do seu marido e filhos, ou a consideração que eles têm por você). 48 Você pode fazer qualquer tipo de trabalho, por mais servil que seja, fora de casa, sem prejuízo nenhum para o seu orgulho, mas não assume cozinhar, fazer limpeza, lavar roupa, nem tomar conta das crianças. (Numa emergência doméstica você agüenta, mas executa até mesmo as tarefas mais simples de forma displicente, para anunciar que se trata de algo estranho para você). Astúcia e artifícios são suas armas, a manipulação é a sua tática; não se espera que você tenha uma estratégia ou que seja consistente, mas se sua inconsistência – ou seus filhos – lhe causarem problemas, a culpa é sua. Você assume a responsabilidade financeira de sustentar de sustentar a mulher e os filhos da Você lê e escreve, mas não muito bem, e sabe sua família; a sua esposa pode sair para menos ainda de matemática. trabalhar, se quiser, mas o verdadeiro serviço dela é em casa. Você pode demonstrar afeto pela sua mulher e filhos pequenos, mas por mais ninguém e, especialmente, por nenhum homem; se você quer mostrar a um homem que gosta dele, você o ataca de brincadeira: dá tapinhas, soquinhos ou pequenos empurrões. Se você ganha um pouco de dinheiro, ótimo, enquanto isto não interfere com os afazeres domésticos; mas superar o seu marido ou seus colegas em qualquer tipo de ganho fora da esfera doméstica coloca todo mundo em grave risco psicológico. Você se gaba do prazer e das proezas sexuais em qualquer grupo de homens, e usa um Os seus sentimentos sexuais não são muito vocabulário pudico e especial com mulheres, importantes; não é bonito pensar ou falar sobre até mesmo sua esposa, e qualquer outra eles. parceira sexual. Transmitidas de geração à geração, as informações sobre sexualidade, tanto em seus aspectos práticos quanto morais, foram tecendo uma rede de significados, valores e códigos altamente complexa e difusa. Seus aspectos variáveis, as que mudam ao longo do tempo e em relação a diferentes culturas e sociedades, não impediram, no entanto, que cada grupo humano tendesse a acreditar fortemente que as suas próprias concepções acerca da sexualidade do seu povo devem ser tomadas como referência geral e irrestrita. Como sustentam Schiavo e Andrade-Silva (2002, p.165), A compreensão de que a atividade sexual estava ligada à função reprodutiva fez com que homens e mulheres, desde muito cedo, buscassem estabelecer normas tendentes a nortear e padronizar os comportamentos assumidos pelos membros dos grupos sociais a que pertenciam. Inicialmente, os padrões de condutas sexuais obedeciam a crenças e valores de caráter espiritual e estavam fortemente vinculados 49 à fertilidade. Além disso, essas condutas também podiam ser determinadas pelas relações de convivência entre um ou mais grupos. À medida que algumas dessas normas foram se consolidando, surgiram documentos que, hoje, poderiam ser considerados como manuais de exercício da sexualidade. Os manuais aos quais se referem Schiavo e Andrade-Silva (2002) representam nada mais do que uma organização daquilo que se deve ou não praticar com os próprios corpos, o que é aceitável ou não para cada um de nós de acordo com o que é convencionado socialmente. E, o que se pratica com os corpos é em grande parte terreno da sexualidade. É dessa maneira que entrelaçamos nossas reflexões com as narrativas da época da Primeira República, como fica bem claro no discurso da tese de Miranda (1892, s/p)8, ao afirmar que Os climas quentes, as bebidas alcoolicas, a vida nos meios depravados, a masturbação, o romantismo, a assiduidade nas operetas picantes e os devaneios da valsa, actuam sobre as organisações incompletas, de um modo perigoso, excitando o appetite carnal e causando o desenvolvimento precoce dos órgãos respectivos. (...) Convem o transe moderar os excessos, ter em mão a hygiene concernente aos sexos, furtar-se aos convites da concupiscencia, ausentar-se das solidões, estudar rudimentos de sciencias naturais, tomar parte activa na direcção do lar, remover as indisposições que por ventura hajam para o trabalho physico, não se preoccupar com a idade e o casamento, favorecer o curso natural das regras, desprezar os devaneios dos salões, entregar-se á natação pelas manhãs, methodisar as refeições, dormir a hora certa e acordar cedo. Taes são os conselhos que, principalmente as moças, devem acceitar durante o periodo da puberdade afim de contrabalançar o profundo abalo nervoso que a apparição de semelhante cortejo imprime ao funccionalismo dessa machina vaidosa. Aos rapazes competem particularmente os exercicios que possam amainar a intensidade dos acontecimentos futuros, usando da luxuria canta e prudente, com fiel observancia de alguns dos preceitos já indicados(Miranda, 1892). Trata-se de um exemplo marcante da orientação higiênica que estava relacionada com o ideário de reconstrução do povo brasileiro que acabara de se reconstituir. A República trouxe não apenas transformações políticas e econômicas, mas também educacionais, sociais e 8 Tese defendida na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1892, sob o título “Da Kinesiterapia”, pelo Dr. Rogerio Correa de Miranda. 50 morais. Um novo povo precisava ser constituído, e os médicos da época surgiam como os legitimadores das práticas que poderiam trazer redenção e saúde aos seus integrantes. No relato acima a depravação é apontada como a grande responsável pela ruínas dos corpos em desenvolvimento, corpos que deveriam, a todo custo, favorecer o curso natural das regras. Um povo saudável seria fruto de uma vida reprodutiva regrada, na qual as mulheres eram apontadas como aquelas a quem os abalos nervosos quase certamente provocariam um transtorno concreto e mais dificilmente contornável9. Trata-se de uma vida sexual voltada não apenas para o matrimônio quanto para a concepção, sendo este o caminho próspero de uma relação sexual. Nas palavras de Motta (1906, s/p.)10, Sob a denominação de fraudes conjuges, conhecemos varios meios ou processos, alheios aos principios de sciencia, pelos quaes se procurava impedir a concepção. A retirada do membro viril da vagina, antes da ejaculação que vae levar o elemento macho de encontro ao focinho da tenca, definindo, assim, o congressus interruptus, é um artificio que, da antiguidade aos nossos dias, tem occupado o seu lugar no menage dos casaes fraudulentos. (...) Dissestes bem, sob o aspecto moral não há indicação para a esterilisação da mulher, porque compete á moral e principalmente á religião reprimir as aberrações do insticto sexual e regular a procreação, impondo a abstinencia ou a castidade aos seres incapazes de prole sadia ou de procrear sem acidentes perturbadores da vida, visto como a legislação e os simples preceitos scientificos não poderão conseguir tal objectivo. (...) Supprimir, portanto, a funcção da procreação da mulher, a pretexto de pretensos perigos para ella e para a prole, afim de deixa-la en condições de satisfazer, sem o onus da maternidade, aos desregramentos do homem, é um attentado que não tem qualificação, nem póde ser concebido pelas almas honestas. (...) A mulher por si só, independente das incitações do homem é por sua natureza incapaz dos desregramentos sexuaes e não procuraria os meios de satisfazer as incitações de tal instincto, independente da maternidade para o que a impelle sua constituição biologica e moral, si não fôra a perturbação e corrupção a que os excessos sexuaes do homem, a tem levado no seio das sociedades modernas anarchisadas (Motta, 1906). Ao abordar a supressão da função de procriação da mulher para atender aos desregramentos do homem, fruto de uma sociedade moderna anarquizada, a tese reflete de 9 As histéricas de Freud, por exemplo, evidenciam uma concepção que corrobora a idéia de que determinadas patologias psíquicas e corporais são prerrogativas das mulheres, sendo os homens quase sempre associados à racionalidade e à possibilidade de estruturação emocional, física e social. 51 forma absoluta as concepções sexistas que parecem demarcar a mulher como corpo estéril, não desejante, ultrajado e violentado. Esta representação, no entanto, diz respeito à mulher burguesa, incluída numa certa parcela da população da época. Em muitos outros textos fica clara a descrição da mulher como a potência sexual desvirtuadora que tanto deseja quanto enlouquece. Não podemos esquecer que as teses escritas naquela época pelos médicos dirigiam-se diretamente aos seus colegas de profissão. O auditório destas construções retóricas era prioritariamente composto por outros médicos que também deliberavam sobre os padrões de conduta da época. A crescente tentativa de construir um saber coletivo, compartilhável e reprodutível obrigava à construção de uma nova forma de comunicação. É no século XIX, portanto, que tais teses se tornam mais freqüentes e alavancam a construção de um saber social sobre a educação sexual do povo brasileiro. Naquele momento histórico uma série de representações sobre o indivíduo como corpo sexualizado toma forma e passa a determinar um modo de vida inédito até então. Consolida-se o termo “sexualidade” no início do século XIX, e a Psicanálise no final do mesmo século, que progressivamente destaca o que passa a ser referido como a essência do ser humano: a pulsão que o torna um ser desejante. 11 A Psicanálise é sustentada em uma representação socialmente constituída em certo momento histórico, tendo por arcabouço ‘valores’ que dimensionam a existência humana, como a prevalência do inconsciente e o domínio da sexualidade como fonte de prazer e adoecimento. As noções de libido e fases psicossexuais propostas por Freud, assim como a análise dos sonhos e a terapêutica com as histéricas que deixavam de andar ou ficavam temporariamente cegas, foram moldando novíssimas e eficazes concepções sobre as mulheres. Freud não fala dos histéricos, mas das histéricas, mulheres burguesas que ele passa a estudar e tratar em seu consultório. Para ele, a causa desta patologia é derivada da sexualidade reprimida e não sublimada, das pulsões não efetivadas por um impedimento moral. Aquilo que não pode ser exercido ou mesmo sequer desejado se traduz em um impedimento físico nessas 10 Tese defendida na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1906, sob o título “Esterilisação da Mulher”, pelo Dr. A. R. de Oliveira Motta. 11 Pulsões ou instintos, para a psicanálise, são pressões que dirigem um organismo para fins particulares. Tratamse, portanto, das forças propulsoras que incitam as pessoas à ação. Um dos modelos propostos por Freud descreve os instintos básicos como dois grandes grupos de forças opostas: o sexual (erótico, fisicamente gratificante) e o agressivo ou destrutivo. A libido (desejo ou anseio) é a energia aproveitável para os instintos de vida. Fadiman e Frager, (1986) 52 mulheres, como prova de que o inconsciente segue uma lógica não linear e quase sempre misteriosa. Como aponta um dos seus principais biógrafos, No delicado âmbito da sexualidade, ele veio a sentir um intenso orgulho por sua iconoclastia, por sua capacidade de subverter os valores da classe média. Escrevendo ao eminente neurologista americano James Jackson Putnam, reconheceu-se como reformador apenas nesta área. “A moral sexual – como é definida pela sociedade, e em sua forma mais extrema pelos americanos – pareceme muito desprezível. Defendo uma vida sexual incomparavelmente mais livre”. (Gay, 1989, p.143). O que gostaríamos de destacar é que tais idéias passam a compor o cenário dos conhecimentos legitimados na sociedade da época, sendo rapidamente absorvidas no Brasil. Podemos inferir que com Freud se inaugura uma época na qual uma nova teoria da personalidade ganha relevo, sendo a sexualidade o ponto central de tais idéias, o que era inédito até então. Mas, o próprio Peter Gay (1989, p.144) sinaliza que a discussão sobre sexualidade não é inaugurada com Freud, sendo muito anterior a ele. Em suas palavras, Embora Freud lembrasse ao mundo coisas que este preferia não ouvir, ele não foi o único, nem o primeiro a reconhecer o poder da sexualidade. Na verdade, os vitorianos, embora normalmente circunspectos, eram muito menos puritanos em relação ao erótico do que gostavam de afirmar seus detratores, entre eles Freud. Mas foram os sexólogos que tomaram a dianteira. Krafft-Ebing publicou sua Psychopathia Sexualis em 1886, que, apesar do título esotérico cuidadosamente escolhido e do latim que o autor empregou nos perfis mais excitantes, tornou-se um êxito editorial, um clássico instantâneo nos estudos científicos da perversão. O livro de Krafft-Ebing, várias vezes revisto e ampliado, descortinou um novo continente para a investigação médica séria; todos, inclusive Freud, deviam a ele. Não podemos negar que “a partir da era cristã a influência religiosa, na determinação do que era certo ou errado no campo da sexualidade torna-se ainda maior, pelo menos no que diz respeito ao mundo ocidental” (Schiavo e Andrade-Silva, 2002, p.166), numa associação quase infalível entre sexo e pecado. Essa não é, no entanto, a representação de um modelo hegemônico, muito embora predominante em nossa cultura, principalmente se usarmos como referência o povo brasileiro do início da República fortemente influenciado pela predominância do catolicismo presente desde a colonização do nosso território, ao mesmo tempo em que as descobertas de Freud começavam a chegar por aqui. 53 A Bíblia, como o grande livro de costumes, talvez representasse o único grande veículo de comunicação massificada de idéias, o que evidencia um sistema social radicalmente distinto daquele que nos envolve na atualidade. O período da Primeira República representa um marco no qual a informação social pôde ser implementada de uma forma sem precedentes em nosso país. Além disso, Não eram apenas as normas de comportamento que mudavam. A própria educação, sendo um processo dinâmico por excelência, também sofreu transformações substanciais ao longo dos tempos. Do antigo modelo artesanal, de estrutura oral e baseado na observação e comunicação direta entre discípulos e mestres, a educação ampliou o seu papel, sobretudo a partir do desenvolvimento da imprensa. A palavra escrita popularizou-se com rapidez e ganhou o mundo, permitindo que um número muito maior de pessoas dominassem a leitura e a escrita e pudessem, desta forma, dinamizar o processo educativo, multiplicando as oportunidades para a transmissão de informações e orientações. Assim sendo, os textos e outros registros de atividades e comportamentos sexuais das mais diversas épocas e povos – que até então estavam restritos ao exame de minorias privilegiadas – passaram a ser consumidos por um número crescente de indivíduos. (Schiavo e Andrade-Silva, 2002, p.167). Nesse panorama, a natureza eugênica e profilática, que recaía sobre os indivíduos e seus corpos (Carrara, 1996, 1997; Lima e Hochman, 2000; Mandú, 2002; Schiavo e AndradeSilva, 2002; entre outros), conferiu à sexualidade um forte privilégio nas ações que começaram a ser desenvolvidas nas sociedades ocidentais. No Brasil, o higienismo foi temperado pela tentativa de ‘limpar’ o seu povo. A sífilis servia não apenas para demarcar a moralidade, mas também para desenvolver o pleno exercício disciplinar que separava os que tinham acesso à assistência daqueles que não o tinham. O casamento deixa, então, de ser uma prática apenas de benção da união, pois passa a ter características inquisidoras, nas quais o castigo e o constrangimento social soam como as mais leves das punições. Ou, pelas palavras de Lima (1892, s/p.): No Brazil o pae de uma moça lembra-se de tudo quando dá o consentimento para o consorcio de uma filha, menos de indagar se o futuro genro é um homem syphilisado de pouco em periodo virulento do mal, nas condições de transmittir inevitavelmente a molestia á esposa e á progenil. A saude dos conjuges, esse bem tão precioso e essencial, é quasi sempre desprezada, discutindo-se muitas vezes de preferencia as questoes de vantagens pecuniarias do casamento, sem fazer pesar na balança as molestias que podem envenena-lo. (...) Ao dominio da physiologia e da moral pertence exclusivamente o 54 casamento, sendo para desejar que se observasse restrictamente as suas leis, porque ellas constituem as garantias seguras do futuro. (...) A lei tornando indissoluvel o casamento, a razão e a prudencia prescrevem que não deve contrai-lo, senão satisfazendo certas condições que as familias deveriam sempre submetter á decisão de um médico, não receiando, mas sim desejando conhecer a verdade. (...) Os perigos dessa syphilisação não se limitam a ferir, como erradamente pensa muita gente, áquelles que se tornaram merecedores desse castigo, por terem se engolfado nas fontes impuras do amor libertino, mas, pelo contrário, vai de ricochete, na phrase do Prof. Fournier, ferir a esposa honesta, o innocente filho, a nutriz que entrega seu seio de leite e de saúde á crença que traz na placa muccosa labial o germem de uma infecção inevitavel para aquelle appetecido seio, que lhe vem trazer o alimento e a vida e que em troca recebe a moléstia. (Lima, 1892). Às famílias cabe a obrigação de se submeterem ao saber daquele que pode deliberar sobre a saúde e a doença, o bem e o mal, o matrimônio e a libertinagem. O castigo advindo das fontes impuras do amor libertino marca de forma pública o clandestino, forçando-o a ser catalogado e, conseqüentemente, educado. Tal educação, no entanto, advém justamente daqueles que seriam os únicos detentores do poder acoplado ao saber que lhes era intrínseco, ou seja, apenas os médicos carregavam o legado de conhecer as doenças, detectá-las, julgá-las, eliminá-las e curar os corpos. Tratava-se de um aparato que só os médicos poderiam dar para que uma série de moléstias sociais pudessem ser ocupadas por outros saberes, mas sempre de forma secundária. O olhar, então, estava voltado para a sífilis, o aborto, o aleitamento, a esterilização feminina, os exercícios, a higiene. Mais do que isso, o saber que pressupõe o poder sobre os corpos estava individualizado, direcionado ao sifilítico, à mulher que interrompe a gravidez, sua esterilização, a mulher que amamenta ou não a sua prole. Não foi encontrada nenhuma tese desse período que discorresse sobre os aspectos afetivos da sexualidade ou, ainda, que deliberassem sobre o prazer enquanto condição do exercício da sexualidade. Da mesma forma não foram encontradas teses que demonstrassem a indicação de um viés de cooperação por parte do saber médico com os educadores da época. Aos médicos cabiam todas as etapas das ações sobre saúde e doença. Arriscamos uma hipótese: as representações sociais de saúde, doença e sexualidade foram prioritariamente construídas a partir das então recentes descobertas e definições da 55 medicina. Ao saber educacional, inicialmente, caberia a função exclusiva de executar as orientações higiênicas e morais que os médicos propunham. No âmbito de tais embates os republicanos procuravam constituir uma “nação” por meio da educação escolar e outras medidas de controle social, em que se institui uma certa representação social de sexualidade. Dessa maneira, tiramos a questão do cunho exclusivamente pessoal e a colocamos em uma esfera social e política, ou seja, passamos a trabalhar com uma sexualidade que também é construída ao longo da história do sujeito, por diversos modos e por diversos atores. Algumas pessoas defendem a idéia da sexualidade como algo que possuímos naturalmente, mas não esqueçamos que através de processos culturais definimos o que é ou não natural. Daí a idéia de entender a sexualidade como um ‘dispositivo histórico’, uma invenção social, constituída por múltiplos discursos sobre sexo que regulam, padronizam, normatizam e produzem verdades (Louro, 2000). Pode-se vislumbrar, nesse panorama, uma triangulação formada pela sexualidade, pelo saber médico e pelo Estado (educação). Cada um desses elementos organiza-se em um sistema político-social composto por uma série de meandros. Mesmo de forma breve, vimos, através de vários autores, que o período da Primeira República foi berço de uma série de reformas que resultaram na criação do Ministério da Educação na década de 1930, quando se assentam de forma definitiva as bases de uma responsabilidade pública para as intervenções do Estado para a formação do “caráter nacional brasileiro”. Assim, uma análise processual daquele período (Primeira República) representa um fértil caminho na tentativa de compreensão e organização de uma história ou de uma memória atual que explicite as relações entre sexualidade e educação escolar. Fundamentalmente, após essa incursão podemos traçar de forma mais sistematizada, as representações sociais e os argumentos que as constituem. Vejamos: ► O corpo saudável, que não apresenta doenças entendidas como desequilíbrios, têm origem interna (característica do corpo) ou externa (agentes diversos, miasmas, germens, etc.); ► A doença por agentes externos podem ser controláveis e incontroláveis. No caso das incontroláveis, tem-se que não se sabe qual a origem, sendo preciso encontrá-las por meio dos métodos científicos recém desenvolvidos. 56 As controláveis podem exigir medidas sanitárias as mais diversas, sendo que as sexualmente transmissíveis requerem mudanças nas condutas das pessoas; ► Uma vez que doenças venéreas são controláveis por meio da educação/repressão dos comportamentos das pessoas, então a regulação da vida sexual é matéria médica; ► Sendo matéria médica, cabe aos médicos estabelecerem as normas ou regras de conduta, bem como formar pessoas que os auxiliem na difusão das medidas profiláticas: enfermeiras, professoras, mulheres/mães; ► Não cabe discutir a vida sexual do ponto de vista do prazer, pois não é assunto médico, mas de caráter íntimo ou de interesse pessoal; ► O aspecto afetivo só pode interessar à Psicologia ou à Psicanálise, na medida em que se propõem a abordar os aspectos emocionais e, conseqüentemente, o afeto em seus mais diferentes vieses; ► O mecanismo de repressão não será mais o desacreditado inferno, mas algo bem palpável e demonstrável: as doenças sexualmente transmissíveis. Não se cogita o uso de preservativos (nas teses não aparece menção a eles), pois a proposta é a abstinência e a castidade. Como o homem é sexualmente mais fogoso do que a mulher, cabe a esta controlar os desejos daquele, bem como zelar para que ele não se deite com outras mulheres. O controle se faz pela identificação das doenças das quais pode ser portador, bem como pela exacerbação da contaminação; ► A medicina estava certa ao indicar o caráter contagioso das doenças, pois passa a identificar seus agentes. A certeza do processo de transmissão e disseminação dos agentes dessa transmissão foram constituídas por meio do uso de rigorosos recursos da metodologia científica, o que permitiu agir de maneira profilática e curativa, ressaltando o papel da medicina, o qual foi apreendido pela população a partir da eficácia dos atos médicos. Todavia, os médicos utilizaram aqueles conhecimentos para prescreverem normas de conduta adequadas ao que julgavam ser preferível de um ponto de vista extra-médico ou científico: valores como os da abstinência, em lugar do uso 57 de preservativos, por exemplo. Acreditamos que essas linhas gerais permitem expor as características principais da representação de sexualidade na análise a qual nos propusemos com a apreciação das teses médicas do início da Primeira República e dos historiadores deste período específico. Parece que a resposta à questão inicial a respeito da origem da representação social de sexualidade, que coordena as tomadas de posição a respeito da educação/orientação sexual em nossos dias, foi respondida. Há uma diversidade considerável de discurso que deliberam sobre o cotidiano das famílias, na qual a sexualidade é prioritariamente (senão em sua totalidade) abordada a partir de um cunho moral, higiênico e repressor. Outro aspecto é a clara distinção entre os papéis que devem ser exercidos por homens e mulheres nessa configuração social e familiar. A seguir apresentaremos uma breve análise comparativa entre o material da Primeira República e uma das produções mais recentes sobre educação sexual em nossa sociedade: os Parâmetros Curriculares Nacionais com relação ao tema da Orientação Sexual. Pretendemos, com isso, apontar alguns temas para futuras pesquisas de aprofundamento acerca da temática. Documentos oficiais um século depois da inauguração da República: Manual do Multiplicador e Parâmetros Curriculares Nacionais. A sexualidade é um dos campos mais complexos no que diz respeito a concepções e práticas acerca da ação humana. Contemporaneamente, observamos inúmeras produções acerca do tema, que vão desde a construção de programas de saúde pública voltados para a prevenção das alarmantes taxas de gravidez na adolescência ou de doenças sexualmente transmissíveis, entre elas algumas moléstias absolutamente contemporâneas, como a AIDS e o HPV. Algumas das nossas representações atuais sobre a sexualidade promovem um exacerbado confronto entre o que é tolerável e o que deve ser banido. Se hoje é extremamente comum criticarmos o início cada vez mais precoce da vida sexual dos jovens, não podemos nos esquecer das evidências históricas de que crianças antes dos dez ou onze anos realizavam atos sexuais em nossa sociedade (a Ocidental), sem que isso constituísse um escândalo. No 58 início da República encontramos vários relatos que abordavam a existência de casamentos precoces, bem como o início de uma moral repressora com relação aos casamentos etariamente discrepantes, calcada em explicações biológicas, como já discutimos anteriormente. Na busca por materiais que embasassem um breve contraponto entre o discurso médico no início da República e os discursos oficiais de saúde na atualidade, selecionamos dois materiais produzidos no final da década de 1990. Um deles, vinculado aos programas de saúde pública do Ministério da Saúde (Manual do Multiplicador; Adolescente, Brasil, 1997) foi desenvolvido para orientar e instrumentalizar os educadores acerca de métodos básicos para a capacitação de monitores adolescentes para atividades educativas de prevenção às DST/AIDS.12 O outro material escolhido para esta análise comparativa foi a sessão referente à temática Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais, na publicação do Ministério da Educação de 1998.13 Um dos materiais acima citados tenha sido produzido pelo Ministério da Saúde, apresenta como objetivo claro a fomentação de estratégias de educação em saúde, visando instrumentalizar educadores a formarem adolescentes como monitores em DST/AIDS. Uma das suas passagens, no capítulo sobre sexualidade e adolescência em tempos de AIDS, pode ser usada para explicitarmos os objetivos da proposta do Ministério da Saúde (1997, p.15): Sendo a via sexual uma das formas de transmissão do HIV, saber mais e corretamente a respeito da sexualidade tornou-se uma necessidade para o adolescente. Seu enfoque educativo vai além dos debates sobre as práticas sexuais e comportamentos de risco, pois estimula o repensar sobre valores, atitude. Trata-se de um conjunto de representações sociais, através do modelo utilizado para definir o corpo do Homem: o do equilíbrio considerado saudável, o que não apresenta alguma doença. Se a doença tem origem nos “germens” sexualmente transmitidos (descoberta da época), então o exercício da sexualidade torna-se um assunto médico. Ser saudável é não apresentar qualquer doença, sendo que algumas estão fora do controle das pessoas, mas a 12 Manual do multiplicador: adolescente / Coordenação Nacional de Doenças sexualmente transmissíveis e AIDS. – Brasília: Ministério da Saúde, 1997. 160p. 13 Por se tratar de uma análise ilustrativa, optamos pela utilização da publicação da Revista Nova Escola – Edição Especial: Parâmetros Curriculares Nacionais Fáceis de Entender (Editora Abril), nos segmentos de 1a. a 4a. série e de 5a. a 8a. série. O material usado nesta análise encontra-se em anexo na nesta dissertação para apreciação. 59 sexuais podem ser evitadas. Com isso, o exercício da sexualidade torna-se objeto de atenção médica e sanitária, pelo que os valores cristãos, de longa duração (casamento como sacramento, reprodução no casamento, sexo por obrigação matrimonial) prevalecem sobre qualquer outra consideração. Valores, ou o que é preferível fazer, coordenam e condensam a representação social de sexualidade, a qual tem por agente eficiente a mulher, pois é a maior interessada em sua saúde e de sua prole, daí a prática médica centrar suas ações na “saúde da mulher”. Mais ainda, como se quer produzir um povo higiênico, uma raça brasileira, então o discurso ganha uma dimensão política ainda mais ampla, pois se associa com o projeto eugênico. Novos valores parecem regular as famílias e o número de livros, artigos e programas na mídia sobre o tema nunca foi tão grande. Essa aparente incorporação de discursos sobre sexualidade, no entanto, vem cercada por uma velada inabilidade em expor as concepções mais íntimas que delegam o mundo privado dos indivíduos. Ao ser abordado como participante de uma pesquisa sobre atividade sexual, muito provavelmente o sujeito se visse intimidado e inclinado a responder aquilo que no seu imaginário aparece como o mais adequado, e não como o mais realista. Aos homens ainda hoje é incutida prioritariamente a função de virilidade, enquanto à mulher atribui-se a função de emancipação e liberdade sexual – desde que isso não atrapalhe a conjugação de uma série de outros papéis, como o de empreendedora bem sucedida, de mãe, de filha, de esposa, de participante dos círculos da comunidade, entre tantas outras. Em nossa análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais no segmento do ensino fundamental observamos que o corpo é trabalhado como a matriz da sexualidade e dividido em dimensões biológica, psicológica e social. Logo após essa enfatização alguns temas são sugeridos para ajudar a trabalhar o conceito de corpo, que seguem abaixo: - As transformações do corpo do homem e da mulher nas diferentes fases da vida; - A concepção, a gravidez, o parto e os métodos contraceptivos; - As mudanças na puberdade: amadurecimento das funções sexuais e reprodutivas: aparecimento de caracteres sexuais secundários: variação de idade em que se inicia a puberdade; transformações que decorrem do crescimento físico acelerado. - O respeito ao próprio corpo e ao corpo do outro: o respeito aos colegas que apresentam desenvolvimento físico e emocional diferentes; 60 - O fortalecimento da auto-estima; - A tranqüilidade em relação à sexualidade. São apontadas como as maiores dúvidas das crianças e adolescentes que freqüentam o ensino fundamental a prevenção às doenças sexualmente transmissíveis/Aids, o relacionamento sexual, como ele ocorre, as transformações do corpo, a concepção, a gravidez e parto. Esta análise global, sem delimitações mais aprofundadas, nos leva a perceber alguns pontos bastante discrepantes entre as representações encontradas nas produções médicas da Primeira República das encontradas nos documentos oficiais depois de cem anos. Uma das grandes diferenças (talvez a mais gritante) é que começa a haver um incremento dos aspectos afetivos dessa sexualidade, embora fique bastante clara a continuidade do viés higienista. Outro ponto ressaltado nos PCNs é a atitude da escola e do professor no trabalho da educação sexual, a partir das recomendações de que: - Não cabe à escola julgar a educação que cada família oferece a seus filhos; - O respeito à diversidade de valores, crenças e comportamentos é uma atitude a ser estimulada no debate entre educadores e alunos. Isso traz uma forte evidência de que a orientação sexual permanece sendo exclusivamente higiênica. Mas como falar de afeto sem esbarrar na imensa diversidade de valores e crenças que compõe uma sala de aula repleta de alunos? O tratamento apenas do aspecto higiênico assegura o não enfrentamento com nenhuma questão que posso causar o gatilho entre a velha discussão sobre o que é papel da escola/Estado e o que é papel dos pais/família. Mas será que falar em orientação/educação sexual é simplesmente falar em anatomia e funcionamento do aparelho reprodutor masculino e feminino? Um ponto que chama atenção é que, assim como no início da república, o saber médico continua deliberando/instrumentalizando/orientando como os educadores devem guiar as suas ações sócio-educativas. Claramente percebido na apresentação do Manual do Multiplicador, elaborado pelo Ministério da Saúde, em 1997 (citado anteriormente) quando no 61 primeiro parágrafo lemos que: “Este manual foi desenvolvido para proporcionar aos educadores as ferramentas metodológicas básicas para o desenvolvimento de um programa de capacitação de monitores adolescentes em atividades educativas de prevenção às DST/Aids.”(p.7). Quando olhamos para a história da sexualidade no início da Primeira República tentamos entender como e porque determinadas posições continuam valendo até hoje. Ou, ainda, retornando ao início da República, acreditamos ser possível remontar o contexto inicial de nossa educação sexual. Partimos da premissa básica de que a pesquisa histórica não apenas recria uma situação prévia: ela constitui uma nova história ou narrativa. Ao remontarmos alguns elementos da orientação/educação sexual no período inicial da Primeira República, estamos construindo uma rede na qual a seleção de “ïmagens”/narrativas sugere um quadro estanque (na medida em que enquadramos uma “fotografia” e não outra), mas ao mesmo tempo mutante, pois cada espectador absorve as imagens/narrativas de uma forma única e ativa. Outros autores certamente destacariam outros ícones para exemplificar e colorir suas leituras... As fontes de pesquisa que utilizamos como material de análise neste trabalho demarcam um território no qual as representações sobre os indivíduos demonstraram estar fortemente impregnadas de elementos de gênero e de cunho moral, e as narrativas que selecionamos demonstram o colorido das nossas “fotografias”. Enfim a ciência entendeu a mulher: Representações atuais circulantes na mídia. No momento da revisão do texto nos deparamos com uma publicação na mídia de grande circulação cujo título nos chamou bastante atenção. Tratava-se de reportagem da Revista Veja que afirmava desvendar (quase) todos os mistérios do corpo da mulher: 62 Resolvemos incorporar uma breve discussão do presente material14 pois a análise dos argumentos mostra claramente a continuidade de algumas das representações sociais a respeito da mulher e da sexualidade que encontramos em nossos estudos do período da República. A capa nos leva a pensar nos mistérios que só o corpo (e a alma) da mulher possui, tratando-se de um vasto material nesse sentido. A reportagem é, sem dúvida, bastante interessante. Por que? Por não apresentar, até onde verificamos, qualquer indício de classificação hierárquica entre homens e mulheres. Ao contrário, mostra que existem diferenças biológicas significativas que precisam ser consideradas quando do tratamento médico e prevenção. E apresenta um argumento que destacamos aqui, no nosso trabalho, o de que há representação social quando predominam os valores, e de que há representação científica quando os conceitos predominam. Até pouco tempo atrás do ponto de vista da medicina, os homens e mulheres eram, exceto pelos seus órgãos reprodutores, essencialmente iguais. Na definição do antropólogo e anatomista alemão Rudolf Virchow (1821-1902), o homem era um ser humano ligado a um par de testículos e a mulher, por sua vez, um par de ovários ligados a um ser humano. A enunciação de Virchow, considerado o pai da patologia moderna, norteou praticamente tosos os estudos científicos sobre a fisiologia humana. Nos últimos vinte anos, porém, investigações científicas começaram a derrubar a clássica teoria de Virchow. Homens e mulheres pensam, agem e sentem de modo completamente distinto. (Revista Veja, edição 1998, p. 79). 14 Revista Veja edição 1998, editora Abril, ano 40, número 09, de 03 de março de 2007. Reportagem de Karina Pastore e Paula Neiva, pp. 78-85. 63 Seria quase impensado encontrarmos uma matéria em formato idêntico referida aos homens, simplesmente porque a ciência sabe tudo do corpo masculino, donde não ser objeto de investigações. Além disso, a mulher é reduzida ao seu corpo, e o saber médico e todo o seu rol de tratamentos definem a mulher, esse mistério que foi, enfim, desvendado. A reportagem aborda estudos que tratam das diferenças fisiológicas entre homens e mulheres, relacionadas ao cérebro, à visão, ao pulmão, ao coração, ao sistema imunológico, à composição corporal e aos ossos. Abordam, dessa forma, aquilo que usualmente é tomado como justificativa para que homens e mulheres exerçam funções sociais diferentes nos seus grupos, ou ainda, para que construam significados diferentes acerca dos objetos sociais que os circundam. A reportagem fala prioritariamente dos aspectos biológicos que envolvem homens e mulheres, conseguindo, na medida do possível, colocar-se à margem de uma perspectiva moralista sobre esse corpo. Em um de seus destaques, aponta como questões de natureza, determinadas pela genética, muitas das diferenças entre o comportamento feminino e masculino. Claramente a questão cultural é colocada de forma secundária nessa perspectiva, e o corpo é tomado como justificativa para as diferentes constituições entre os sexos. 64 De certa forma, estamos longe dos médicos que encontramos em nossa pesquisa e seus estudos que vinculavam seus saberes científicos com valores morais e interferiam claramente na conduta do sujeito. Nesta reportagem nos deparamos com médicos que apenas apresentam dados baseados em pesquisas científicas com o máximo de cuidado em não vincular valores morais a suas descobertas. O que é condizente com as representações sociais que temos acerca da comunidade científica e seus especialistas. Encerramos o capítulo relembrando de uma passagem das teses que apresentamos ao longo do capítulo para mais uma vez ressaltar o quando a medicina era atravessada por valores morais de seus representantes. 65 “ Convem o transe moderar os excessos, ter em mão a hygiene concernente aos sexos, furtar-se aos convites da concupiscencia, ausentar-se das solidões, estudar rudimentos de sciencias naturais, tomar parte activa na direcção do lar, remover as indisposições que por ventura hajam para o trabalho physico, não se preoccupar com a idade e o casamento, favorecer o curso natural das regras, desprezar os devaneios dos salões, entregar-se á natação pelas manhãs, methodisar as refeições, dormir a hora certa e acordar cedo. Taes são os conselhos que, principalmente as moças, devem acceitar durante o periodo da puberdade afim de contrabalançar o profundo abalo nervoso que a apparição de semelhante cortejo imprime ao funccionalismo dessa machina vaidosa. Aos rapazes competem particularmente os exercicios que possam amainar a intensidade dos acontecimentos futuros, usando da luxuria canta e prudente, com fiel observancia de alguns dos preceitos já indicados.”(Miranda, R.C. 1892). 66 DO CORPO VENÉREO AO CORPO EDUCÁVEL: NOVOS CAMINHOS A PERCORRER Toda interrogação nos leva para um determinado caminho, que nem sempre é o da resposta concreta. Muitas questões têm como valor principal o de nos levar para um campo minado composto por uma série de novas questões, e aqui não poderia ser diferente. O ponto de partida do presente estudo foi o cruzamento entre a educação, a sexualidade e o saber médico, mas uma série de outras interfaces pertence a esta triangulação. O viés histórico foi o determinante para que pudéssemos nos aprofundar em um determinado recorte temporal, e escolhemos o período do início da República brasileira para um dos ângulos desta investigação, por acreditarmos que justamente ali poderia residir uma faceta social, política e representacional bastante peculiar. A Teoria das Representações Sociais e a análise retórica foram os nossos embasamentos metodológicos nesse percurso, por defendermos a idéia básica de que, ao dividir o enlace social com outros indivíduos, nossas representações dos objetos sociais se fundem e evidenciam o compartilhamento de saberes, idéias e expectativas que podem ser devidamente expostas e analisadas. Nesta pesquisa fica claro que o que encontramos foram representações sociais de sexualidade no final do século XIX e início do XX, pois a todo momento vimos na constituição das representações o predomínio dos valores sobre os conceitos, como nos casos das correntes ideológicas presentes no período em questão: Eugenismo – o argumento eugênico defende a idéia de povo saudável, raça saudável. As ações políticas visam o melhoramento racial. Tais ações, ou melhor, o argumento eugênico era embasado na teoria de Spencer e por isso defendia a idéia da transmissão dos caracteres adquiridos. Por isso a campanha contra as amas de leite no início da república brasileira, pois se acreditava que ao amamentar se estaria transmitindo para aquela criança caracteres adquiridos e como geralmente eram negras ou pessoas socialmente “inferiores”, isso se tornou alvo de grande preocupação. A funcionalidade reprodutiva era subordinada aos valores políticos da constituição da raça/povo. 67 Higienismo – o argumento higienista já defende a idéia de povo saudável através de um ambiente saudável. O foco era controlar os vetores das doenças ditas “comuns” e das doenças sexualmente transmissíveis através de normas de conduta. No caso das doenças sexualmente transmissíveis pudemos ver nos trechos das teses que não há apenas a indicação de como evitar tais males, mas também o crivo moral, o ditamento de regras de conduta. A castidade era pregada em lugar do uso de preservativos, ou seja, o higienismo ao lado das medidas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis muitas vezes orientava-se pelas regras católicas. Assim podemos perceber que o prazer e o afeto são subordinados tanto à rigidez quanto aos desígnios maiores, da sacralidade ou do melhoramento da raça. É importante ressaltar que a educação está presente, mas não necessariamente o sistema formal de ensino. A educação que usamos como balizamento no presente trabalho está voltada para a transmissão de regras, conteúdos e valores no cotidiano das famílias, normas que hipotetizamos inicialmente como sendo transmitidas por agentes educacionais indiretos, nesse caso os médicos. Se toda educação se faz a partir da confluência de um ideário e de uma praxis, caminhando das políticas aos programas que representam propostas ao mesmo tempo culturais e históricas, éticas e morais, vemos aí uma moralidade que se encontra como escopo das idéias que percebem os corpos como alvos a serem controlados, reprimidos e higienizados (Foucault, 1996). O marco histórico em que o corpo do brasileiro torna-se alvo de uma ferrenha padronização é justamente a transição do Brasil Império para a República, quando, pela primeira vez, põe-se a necessidade de transformar um povo mestiço em uma certa unidade com caráter nacional. Neste cenário, como vimos, os médicos destacam-se como figuras de extrema importância e poder no período da Primeira República, personagens que, de mãos dadas com o Estado, eram responsáveis pela ordem, pela moral ou ética. Ao nos debruçarmos no presente estudo, buscávamos encontrar concepções gerais sobre sexualidade utilizadas pelo saber médico que pudessem ter forte padrão de inserção através de práticas educacionais (formais ou não). Encontramos o que procurávamos, mas tais representações estavam fortemente condicionadas a normas femininas de conduta. Corroboramos uma das nossas hipóteses iniciais, a de que o saber médico expande suas fronteiras em aliança com o Estado, indo muito além do corpo biológico. É o corpo “moralizável” que está em questão, usando com esse intuito a prerrogativa das doenças sexualmente transmissíveis para a propagação das normas de conduta. 68 Ao remontar os discursos médicos do Brasil Republicano 15 ficou claro que tais argumentos são coordenados por juízos de valor originários de uma concepção católica apostólica romana que os orienta. Assim, ao mesmo tempo que os médicos mostram os problemas relacionados com a vida sexual (a sífilis é fundamental nesse contexto), eles propõem um estilo ou modo de vida congruente com o catolicismo (abstenção sexual, em lugar de preservativos, por exemplo). É preferível abster-se a contaminar-se física e espiritualmente, ou, ainda, a vida sexual saudável só ocorre no casamento, logo é preciso coibir a prostituição, por exemplo; mais, ainda, como o homem não é controlável, então controlemos as mulheres, estas vistas como "vaso sagrado", donde são apenas e tão somente reprodutoras, cujo sentimento maior é o de ser mãe. No entanto, se a medicina apenas replicasse a doutrina católica, então se constituiria mais um grupo social a apoiar os padres. Todavia, os médicos, na virada da medicina não experimental para a experimental ou científica, conquistaram uma autoridade superior a dos demais agentes envolvidos na cura das doenças. Essa autoridade decorreu de ações higienistas e médicas de sucesso, como o controle das doenças transmitidas por vetores animais ou o controle das DSTs, dentre outros. O sucesso do empreendimento fundamentado nas ciências, particularmente na biologia, concedeu aos médicos uma representação de superioridade, a qual foi utilizada para consolidar uma representação da sexualidade como uma questão estritamente biológica, ou seja, de domínio dos médicos. É relevante assinalar que os médicos obtiveram a adesão da maioria, senão de todos, a partir do sucesso das iniciativas sanitárias e de higiene, especialmente após a Revolta da Vacina16. Eles mostraram que tinham razão, na prática, originando a representação de uma 15 Nesse ponto gostaríamos de destacar que os movimentos políticos e ideológicos citados não são determinados pela Primeira República, mas encontram-se organizados nesse período de forma específica. Os republicanos, já no Império, desejavam modificar a vida social, tendo por balizas, entre outras coisas, o "aperfeiçoamento do raça brasileira". Muitos monarquistas julgavam ser factível realizar isso no âmbito da Monarquia, não sendo preciso substituir o regime de governo. Perderam. Mas, o projeto é o mesmo, face à mistura de raças, então é preciso aperfeiçoar a existente, origem do biologismo na política em geral. Se tomar o tempo do desenvolvimento do ideário ele não coincide necessariamente com o tempo político. Ainda que a República tenha facilitado algumas ações, não determinou o movimento eugenista e higienista. 16 A Lei da Vacina (31/10/1904) se originou do aumento vertiginoso dos casos de doença na população, resultado principalmente do crescimento desordenado dos cortiços e das favelas, e conseqüentemente das doenças associadas. A Revolta da Vacina ocorreu de 10 a 16/11/1904, tendo como estopim a aprovação da Lei da Vacina, que tornava obrigatória a sua aplicação visando a erradicação da Varíola. Tal lei permitia que brigadas sanitaristas, acompanhadas por policiais, entrassem nas casas para aplicar a vacina à força. A Revolta da Vacina, 69 certa infalibilidade da Medicina científica, que se espraio de tal maneira que a educação escolar tornou-se tema médico, particularmente porque os higienistas afirmaram a necessidade de prevenir pela educação. Dessa maneira, os agentes educativos surgem como aliados do saber médico para viabilizar o projeto higienista. É dessa forma que o alvo da educação do povo passa a recair sobre as mulheres, pois a maior parte das ações devem ocorrer no 'lar', desde a regulação da vida sexual do casal até as medidas sanitárias necessárias para o controle de doenças as mais variadas, particularmente as tropicais. As mulheres, postas como agentes de saúde de seus lares e vizinhança, obtiveram um estatuto social diverso do anterior, em que elas aprendiam as manipulações de ervas para tratarem das pessoas doentes na família. Deixaram de ser as "curandeiras", para serem "enfermeiras" e agentes da ação médica, pois elas devem conduzir os doentes da família para os cuidados especializados, a começar com as crianças. Isso foi facilitado pela urbanização, com o desaparecimento da família patriarcal ampla, reduzida ao casal e seus filhos, o que deixou a mulher em situação de quase desamparo familiar, lugar que pode se ocupado pelos agentes de saúde (formados na medicina científica). Nesse quadro amplo, os médicos obtiveram sucesso, pois respondiam às questões centrais da vida pessoal, especialmente da sexualidade. Encontramos representações impregnadas por uma forte delimitação sexista, que apontavam a mulher como um corpo a ser controlado, corpo este que deveria ser julgado pelas instâncias especializadas como alvo da profilaxia científica, além da benção religiosa e de tantos outros tabus voltados para a mulher ao longo da história da humanidade. Neste ponto nos apoiamos nas palavras de Jovchelovitch (1998, p.78), quando alerta para os perigos de equacionar representações com aquilo que elas tentam representar. Tanto o sujeito negro como a mulher foram historicamente construídos por representações marcadas pela violência simbólica e por um conjunto de exclusões. Mas ambos (e certamente a mulher negra com mais esforço) lutaram, e lutam, para não serem reduzidos a essas representações. Produzir contrarepresentações, outras representações, que não reduzam a objetividade da condição negra e feminina às tentativas de lhe construir enquanto negatividade, tem sido parte da luta dos movimentos negros e do movimento das mulheres. Em qualquer um dos casos, precisamos manter a distinção entre a representação e o objeto, porque é na pluralidade dos processos representacionais que reside a possibilidade de manter o objeto aberto para as tentativas constantes de (re)significação que lhe são dirigidas. então, foi gerada por um movimento de ira da população que se negava a permitir a aplicação compulsória da vacina, devido a boatos de que o procedimento de aplicação da vacina se daria nas partes íntimas dos indivíduos. Fonte: www.wikipedia.org (acessado em: 20/02/2007, às 20h). 70 Se essas são as bases do sucesso da medicina científica, como esperar que ela não interferisse na orientação/educação sexual? O que hoje vemos é o predomínio da concepção higienista, que tem grande valor pessoal e social, uma vez que fornece elementos relevantes para a saúde das pessoas. Mas, nesse mesmo movimento, ocultam-se as concepções que põem em cena a vida sexual ou a sexualidade em outro registro, na afetividade, no prazer. O que observamos em nossas análises é que a prevalência dos argumentos higienistas sufoca o outro (da afetividade), que é visto como sendo o do prazer pelo prazer sem medir as conseqüências, que reproduz, de maneira quase oculta, a ideologia católica, a qual fica mais saliente no debate a respeito do aborto. Isso tanto no final do século XIX quanto no final do século XX. Para finalizar, nos interrogamos acerca da seguinte questão: por se tratar de representação social, quais os argumentos ou elementos centrais desta representação de sexualidade. Mais ainda, porque se trata de representação social e não de uma representação científica? A resposta a esta última questão atravessa toda a dissertação: os médicos orientaram seus discursos e investigações por valores originados da Eugenia, sustentando a necessidade de produzir um novo homem, uma nova raça ou aperfeiçoar a raça mista. Essa direção política não pode ser acolhida pelas ciências, pois supõe que o existente é inferior, pois se utiliza de um argumento de hierarquização que não encontra abrigo nas ciências. Nas ciências biológicas podemos dizer que as etnias são raças, ainda que essa palavra não mais seja usada por suas conotações derrogatórias, mas não podemos dizer que uma é superior a outra. Não podemos, porque o característico biológico é o da adaptação a um meio (habitat), logo não há como dizer que uma raça é superior ou inferior, quando são adaptadas ao meio. Todavia, o racismo opera pela hierarquização das raças, supondo que há as melhores e as piores, utilizando critérios os mais diversos, sempre sociocentrados. Basta isso para inviabilizar a pretensão de ser científico, pois o característico do pensamento científico é a universalidade, a denúncia do sociocentrismo. O predomínio do argumento valorativo, as inferências realizadas a partir de valores (o que é preferível, o que é melhor, o que é bom, belo) distinguem uma representação social da científica. 71 Mas, nas representações científicas não operaram valores? Certamente que sim. Todavia os valores são determinados e determinam procedimentos, não as inferências. Por exemplo, é um valor científico, bem como judicial e democrático, garantir a palavra do adversário ou expor sua posição com a maior isenção possível (o que é próprio do debate dialético); nunca se deve atacar a pessoa, mas os argumentos apresentados; a falsificação, a mitificação, a mentira, o plágio são faltas graves, devem ser punidas com a expulsão da comunidade científica (o mesmo vale para outras profissões). São valores que buscam garantir a lisura dos procedimentos, não são a base para realizar inferências ou sustentar argumentos que pretendem explicar alguma coisa. A distinção entre Representações Sociais e representação própria de alguma ciência está no argumento. No primeiro caso as inferências sustentam-se nos valores, mais do que em conceitos ou descrições, e no segundo os valores são os dos procedimentos a serem obedecidos pela comunidade, não servindo como sustentação para as inferências. Os médicos e os discursos produzidos por eles nas teses são operam com base em valores. Suas inferências sustentam-se no que consideravam ser melhor, preferível, pelo que orientaram suas investigações que resultaram em RS de vida sexual/sexualidade. Tanto nas teses quanto nos Parâmetros o que encontramos foram representações de dois períodos diferentes da história brasileira, representações estas que operacionalizam diretamente as práticas educacionais dessas épocas. No final do século XIX, o discurso médico formulou as bases higiênicas sobre as quais o fazer dos educadores estaria pautado. No final do século XX encontramos uma reedição bastante semelhante de muitas das representações encontradas no século anterior, nas quais a orientação sexual ficava basicamente restrita aos limites do corpo biológico. Do corpo venéreo ao corpo educável, o afeto ainda parece matéria escassa nos currículos educacionais (oficiais ou ocultos). Levando em consideração a afirmação anterior, podemos hipotetizar que quanto mais se prioriza o aspecto higiênico em detrimento do afetivo mais evitamos ditar normas que interfiram na conduta alheia, ou melhor, ao se discutir as questões afetivas corremos o risco de esbarrar nos valores e aí, pode soar como o norteamento da conduta alheia. Logo, seria isso tão prejudicial, privilegiar os aspectos higiênicos em detrimento dos afetivos numa sala de aula? 72 Enfim, a hipótese do parágrafo anterior surgiu ao final de nossos estudos e não poderíamos deixar de compartilhar nossa inquietação diante de um novo caminho. 73 INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES E REGISTROS FOTOGRÁFICOS Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no início do século XX. Imagens retiradas do site http://www.museuvirtual.medicina.ufrj.br/visita/visita.html 74 Biblioteca Alfredo Nascimento - Academia Nacional de Medicina Foto retirada do site da Academia Nacional de Medicina - http://www.anm.org.br Foto retirada do site da Academia Nacional de Medicina - http://www.anm.org.br 75 Autores das teses apresentadas na tabela que começa na página 40 1903 - Pathogenia e Tratamento da Eclampsia Puerperal. Antonio Eulálio Junior. - Temperatura, Pulso e Tensão arterial nas gestantes. Augusto Galvão. - Contribuição ao estudo da peritonização. José Jeronymo Macedo. - Das intervenções reclamadas pela placenta. Antonio dos Santos Malheiro. - O keleno em obstetrícia. Alberto Ribeiro de Oliveira Motta. - Septicemia no puerpério. Joaquim Vieira Lins Petit. - Intervenção cirúrgica para a cura do hydrocele da vagina. Arthur Carino Pinheiro. - Da aplicação de fórceps acima do estreito superior. Hermogenio Pereira de Queiroz e Silva. - Estudo clinico do sangue no decurso da gravidez e do puerperio. Eugenio Lindenberg Porto Rocha. - Pathogenia dos vômitos na prenhez. Francisco Pedor Monteiro da Silva. - Das complicações a distancia da blenorrahagia, particularmente do chamado rheumatismo blennorrahagico. Victor Cabral de Teive. 1904 - Intoxicação gravidica eclamptigena e seu tratamento. Gerson Lins de Albuquerque. - Das indicações para o tratamento das rupturas do útero durante o trabalho de parto. Orozimbo Corrêa Netto Filho. - Valor e indicação da curetagem em obstetrícia. Francisco Mineiro Lacerda. - Prenhez nos úteros fibromatosos. Carlos Baptista Lapér. - Aleitamento em geral e especialmente no Rio de Janeiro. Manoel Velho Py. - Indicações para a interrupção da prenhez nas mulheres grávidas albuminuricas. Manoel José dos Reis. - A insuficiência ovariana. Theodorico Teixeira da Silva e Souza. 1905 - Injeções intra-uterinas. Tito Barboza de Araújo. - Indicações e contra-indicações da curetagem em obstetrícia e gynecologia. Mario de Castro Pinheiro Bittencourt. - Da prophylaxia da infeccção puerperal. João Baptista Penna de Carvalho. - Affecções gynecologicas. Joviano Alves de Castro. - Tratamento da fistula vesico-vaginal. Arthur de Sá Earp Junior. - Da inversão uterina. Estany Samuel. - Do valor da hysterectomia e de suas indicações na infecção puerperal aguda. Luiz d`Ultra Guimarães. - Da cesariana conservadora nos vícios da bacia. Jose de Almeida Nunes. - Contra-indicações à aleitação materna. Manoel Theodoro de Oliveira Penteado. - Do valor da puericultura. Ugolino Penteado. - Eclampsia puerperal. Julio Mirabeau Soares. 76 1906 - Contribuição ao estudo do aborto. Hermano Sayão de Bustamante. - Protecção à mulher antes e depois do parto. Eurico da Costa. - Ruptura central do períneo. Alberto do Rego Lopes Junior. - Cystites de origem blennorrhagica entretidas por prostatites. Arthur Rego Lins. - Um caso de gravidez tubária a termo operado 4 ½ mezes depois da morte do feto. Paulo de Avellar Figueira de Mello. - Esterilização da mulher. (recusada). A. R. de Oliveira Motta - Das nutrizes mercenárias especialmente no Brasil. Jose Jayme de Almeida Pires. - Gottas de leite. Haroldo Fomm Schutel. - Do tratamento do aborto incompleto. Alberto Ribeiro. - Do tratamento cirúrgico dos prolapsos uterinos. César Rossas. - A obstetrícia do futuro. Manoel Sabino da Silva Souto. 1907 - Dos processos modernos de amputação do seio canceroso. Jose Paulo de Aguiar. - Malefícios do espartilho sobre o apparelho genital. Virgilio Jose de Aguiar. - Contribuição ao estudo médico-legal do aborto criminoso. Aurélio Odorico Antunes. - Da inserção anormal da placenta. Albano de Castro. - Das rupturas do útero durante o trabalho de parto e seu tratamento. Raul de Castro. - Dos fibro-myomas uterinos. Alberto Farani. - Da operação cesariana seguida de hysterectomia e suas indicações. Arthur Ribeiro Guimarães. - Da hysterectomia abdominal no tratamento dos corpos fibrosos do útero. J. B. Telles de Menezes. - Da inserção anormal da placenta. Pedro Nacarato. - Do leite gravidico. Mario Piragibe. - Eclampsia puerperal. Guilherme da Rocha Filho. - Da asepsia e antisepsia em obstetrícia... Gustavo da Silva. - Tratamentos dos acessos eclâmpticos. Antonio Arruda Vallin. 1908 - Hygiene do puerperio. Cartola Eulália de Almeida. - Do aleitamento artificial. Cesário Correa de Arruda. - Do hymen como critério medico-legal. Antonio de Souza Pitta Barboza. - Breves considerações sobre as fibromas em obstetrícia. Antonio Augusto G. de Queiroz Carreira. - Techinica da provocação do parto. Bento José Ribeiro de Castro. - Regymen lácteo. Mario Arthur Alves Milward. - Quatro casos de prenhez extra-uterina. Waldemar Pereira. - Preceitos em torno do casamento. Crescencio Antunes Silveira. 1909 - Das indicações operatórias, da urgência, nos traumatismos do ventre. Alcindo de Figueiredo Baena. - A pratica gynecologica e o perigo das mãos. José Maria Gomes. - Eclampsia puerperal e suas relações com as perturbações intestinais. Manoel Joaquim de Souza Lemos Junior. - O fórceps démelin. Argemiro Orlando Pereira Lima. 77 - Etiologia e prophylaxia da syphilis no aleitamento. Almir Rodrigues Madeira. - Relações recíprocas entra a forma da cabeça e o mecanismo do parto. Jefferson de Oliveira. - Injecções intra-uterinas. Jayme Pimenta de Pádua. - A utilidade do cazamento sob o ponto de vista higiênico. Arthur Fernandes Campos Pax. - Da etiologia e pathogenia dos prolapsos útero-vaginaes. Celso da Silveira Rezende. - Da prenhez ectópica. José Eulálio de Souza. - Dos methodos de tratamento da inserção anormal de placenta. Gaston Vieira. 1910 - Aborto obstetrício. Jader Ramos de Azevedo. - Abcessos agudos do seio. Renato Hutto Baptista. - Aborto criminoso. Manoel Mendes Campos. - Hygiene da mulher grávida. Joaquim Dias Ferraz. - Tratamento cirúrgico do câncer do útero pelo processo wertheim-bumn. Jayme Poggi de Figueiredo. - Hygiene da mulher na puberdade. João Paulino de Barros Leal Junior. - Operação cesariana. Francisco Papaterra Limongi Filho. - Das inversões uterinas chronicas e seu tratamento. Accacio da Costa Pires. - Gênese e tratamento do aborto. Arnaldo Griaco de Oliveira Rocha. - Tratamento cirúrgico dos retro-desvios uterinos. Carlos Pires de Sá. - Da hysterectomia abdominal como therapeutica gynecologica. Octavio de Souza. - Physio-pathologia do liquido amniótico. Carlos Martins do Valle. - Tratamento cirúrgico do câncer do útero. Miguel Pinto Meira Vasconcellos. - Perturbações cardíacas funcionaes da menopausa. Jorge de Paula Vaz. - Diagnostico e tratamento da hydrocele vaginal. Julio Vergara. 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARRUDA, A. (1998). O ambiente natural e seus habitantes no imaginário brasileiro. Em: Representando a alteridade. Ângela Arruda (org.). 2 edição – Petrópolis, RJ: Vozes. BADINTER, E. (1985). Um Amor Conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. BOCK, A. M. B. (1997). Formação do Psicólogo: Um debate a partir do significado do fenômeno psicológico. Psicologia Ciência e Profissão. N. 2, ano 17, 37-42. CALIMAN, L. V. (2002). Dominando corpos, conduzindo ações: genealogias do biopoder em Foucault. Dissertação de Mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, Rio de Janeiro. Orientador: Francisco Ortega. CARRARA, S. (1996). 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