7HRULDGR'LUHLWR&ROHWLYR GLUHLWRRXLQWHUHVVHGLIXVRFROHWLYRHLQGLYLGXDOKRPRJrQHR" BBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBB Vicente de Paula Maciel Júnior 'RXWRU HP 'LUHLWR SHOD 8)0* 3URIHVVRU $GMXQWR ,,, GD 38&0LQDV RQGH PLQLVWUD DXODV GH 'LUHLWR 3URFHVVXDO &LYLO QRV FXUVRV GH JUDGXDomR H SyV JUDGXDomR WHQGR FULDGR D FDGHLUD GHQRPLQDGD 'LUHLWR 3URFHVVXDO &ROHWLYR -XL] GR 7UDEDOKR 3UHVLGHQWH GD 9DUD GR 7UDEDOKR GH %HOR +RUL]RQWH 3yVGRXWRUDQGR MXQWR j 8QLYHUVLGDGH GH 5RPD ± /D 6DSLHQ]D HP TXH GHVHQYROYH SURMHWR GH SHVTXLVD VREUH D FRQVWUXomR GH XPD 7HRULD GR 'LUHLWR3URFHVVXDO&ROHWLYR. Sumário 1 Introdução 2 Evolução histórica 2.1 Jeremy Bentham 2.2 Rudolf Von Ihering 2.2.1 A influência do pensamento de Ihering na classificação dos interesses e direitos 2.2.1.1 Interesse ou direito individual? 2.2.1.2 Interesse ou direito Público? 2.2.1.3 Interesse ou direito geral ou coletivo? 2.2.1.4 Interesse ou direito coletivo VWULFWRVHQVX? 2.2.1.5 Interesses ou direitos legítimos? 2.2.1.6 Interesses ou direitos difusos? 3 Críticas às classificações do direito e interesse segundo a teoria de Ihering 3.1 O equívoco metodológico de Ihering 3.2 A necessária distinção entre interesse e direito. 4 A utilização do termo interesse nos diversos campos do conhecimento 4.1 O termo interesse na filosofia 4.2 O interesse no campo da pedagogia 2 5 A essência da distinção entre direito e interesse 5.1 A importância da distinção entre os interesses e os direitos 5.2 O conceito de interesse e direito sob a nossa perspectiva 5.3 Os direitos coletivos e difusos segundo nosso critério 5.3 Interesses ou direitos públicos? 5.4 Existe o chamado interesse geral? 5.5 Interesse subjetivo, direito subjetivo, direito objetivo 6 Os interessados difusos e o reconhecimento da existência de valores comuns 6.1 Os interesses e sua relação com os valores 6.1.1 Os valores como parâmetro de aglutinação de interesses 6.2 Os valores. 7 O conceito de processo 7.1 Dualidade ou unidade do ordenamento jurídico 7.2 O processo estruturado democraticamente 7.3 O Estado e o processo coletivo 8 Conclusão 2 3 ,QWURGXomR O estudo que propomos tem por base a reavaliação dos conceitos de direito, aqui entendido o direito subjetivo tratado por Ihering, e os interesses, esses tratados por esse ilustre autor como um componente do conceito de direito. Para Ihering o direito é o interesse juridicamente tutelado. Essa proposição vem sendo repetida ao longo dos anos e incorporada em diversas legislações sem uma maior análise crítica de sua validade e principalmente de suas conseqüências no campo do direito. Também tem sido desconsiderada a influência provocada na legislação e no modo de viver as situações jurídicas, pelas transformações decorrentes da passagem do Estado Social para o Estado Democrático de Direito. Mesmo com o surgimento e o progresso dos chamados interesses e direitos difusos e coletivos, a análise dos antigos conceitos tratados por Ihering não foi refeita. Mas a base do estudo de Ihering pressupõe a perspectiva do individualismo, no qual centrou e explicou o direito subjetivo. Ihering viveu numa época de afirmação do indivíduo perante o Estado centralizador e forte. Hoje sorvemos os ares do Estado Democrático de Direito e do reconhecimento formal do direito de participação nos processos decisórios que delibam nossos interesses. Vivemos em uma sociedade complexa, o que significa que não podemos partir dessa mesma perspectiva de Ihering para explicar os novos fenômenos do direito coletivo. O Estado Democrático de Direito nos trouxe como legado a necessidade de vivermos a difusão da racionalidade, que se concretiza por meio de uma infinidade de processos decisórios. Participamos diariamente em nossas vidas em sociedade, de uma centena de situações jurídicas que nos obrigam a manifestarmos nossos interesses e defendê-los para que prevaleçam nos casos concretos. O que questionamos é se, na perspectiva do Estado Democrático de Direito, essas bases podem servir para a estruturação de estudos que hoje fazemos sobre os chamados interesses e direitos difusos e coletivos. E mais, se o modelo de processo adotado para a tutela dos chamados interesses individuais e direitos subjetivos pode ser transposto e oferecer efetiva tutela aos chamados interesses e direitos coletivos e difusos. Há uma grande perplexidade da doutrina nacional e estrangeira sobre os direitos coletivos e são diversas as soluções de cada país para conferir efetividade a esses direitos. Temos no Brasil um sistema de ações coletivas, mas estamos longe de um consenso sobre o que sejam os direitos (ou 3 4 interesses) difusos, coletivos, homogêneos, etc.. Ou seja, temos tutelas processuais, mas a doutrina e a jurisprudência estão repletas de indagações sobre a legitimação, os efeitos, a forma, a extensão daquilo que estamos tutelando. Os direitos são iguais aos interesses? Significam a mesma coisa? Qual seria a relevância prática dessa distinção? Se diferentes, o que seriam os “interesses” difusos e os “direitos” difusos? Como se dá a execução desses “direitos” ou “interesses”? Não é incoerente que tenhamos um avançado sistema de tutelas coletivas no Brasil, mas não tenhamos uma teoria do direito coletivo que a sustente? Pensamos ser essencial uma tentativa de estruturação de uma teoria que sirva de base para um salto qualitativo no processo coletivo. Temos de rever, aprofundar, compreender os conceitos que estão na base do direito coletivo, no intuito de perquirir qual o melhor modelo para a construção de uma efetiva tutela dos direitos coletivos através do processo. Esta é a primeira parte e a base de nossos estudos, onde buscamos revistar a teoria do direito para compreender o fenômeno coletivo e fixar a estrutura para a futura construção de uma teoria do processo coletivo. (YROXomRKLVWyULFD Em princípio, o estudo do interesse teve sua maior relevância com os autores utilitaristas, principalmente com Jeremy Bentham e Rudolf Von Ihering, que o ligaram à idéia de utilidade, valor, necessidade. O último desses autores foi o grande responsável pela divulgação e equiparação dos interesses aos direitos, ao afirmar que os direitos são interesses juridicamente protegidos. Essa idéia central foi manifestada na obra intitulada “A dogmática jurídica”. -HUHP\%HQWKDP Jeremy Bentham foi contemporâneo de Augusto Comte, tendo nascido em 1748 e morrido em 1832. Para esse autor, "a natureza colocou o gênero humano sob o domínio de dois senhores soberanos: a dor e o prazer. Somente a eles compete apontar o que devemos fazer, bem como determinar o que na realidade faremos.". (BENTHAM, 1974, p.09) Jeremy Bentham submete os interesses, do indivíduo ou da comunidade, ao fato de estarem ou não adequados ao princípio da utilidade, servindo de critério para se verificar se o ato praticado está cumprindo a finalidade de proporcionar o maior prazer possível. Bentham (1974, p.09) entende que o 4 5 interesse da comunidade é a soma dos interesses dos diversos membros que a integram, e que, portanto, é inútil falar-se em interesse da comunidade se não se compreender qual é o interesse do indivíduo. Os interesses são vistos dentro de uma perspectiva do mundo em sua realidade “ posta” ou “ dada” , uma vez que o utilitarismo visa fornecer uma leitura da mesma em função do princípio da utilidade (ou maior felicidade) e da maximização do prazer. O utilitarismo não foge à esfera do que é dado ou posto, inserindo-se no positivismo de Comte. Para Julián Marias (1987, p.346), a ética utilitarista não é egoísta, tendo antes um caráter social, em virtude de objetivar a maior felicidade possível para o maior número de pessoas. É interessante perceber que a concepção de Bentham sobre o interesse pressupõe sempre a vinculação à manifestação do indivíduo, embora esta esteja submetida ao princípio da utilidade. 5XGROI9RQ,KHULQJ Outro autor cujo tema do interesse foi objeto de estudo, e que também pode ser inserido dentre os utilitaristas, foi Rudolf Von Ihering (1818 - 1892). Para ele, o fim da lei não se restringia à proteção da liberdade individual, tendo como escopo o estabelecimento do equilíbrio entre o princípio individualista e o social. Segundo Ihering, o indivíduo existe para si e para a sociedade1, 1 “Essencial, para nós, é o seguinte. Primeiro: Ihering desloca o eixo do problema do legislador – como pessoa – para a sociedade, como grandeza determinante, e, por assim dizer, como verdadeiro DFWRU. Todavia, transcende tão pouco o credo legalista do seu tempo que se apropria da sua tese fundamental – a saber: a tese do monopólio do Estado em matéria de criação do Direito. 'LUHLWR é para ele apenas a norma coerciva posta pelo Estado. Segundo: a par da qualidade formal de ser uma norma coerciva posta pelo Estado, Ihering atribui a cada norma jurídica uma relação de conteúdo com um fim determinado, benéfico para a sociedade, e por causa do qual a norma existe. Com o que, ainda no terreno do positivismo, consuma já o abandono quer da Jurisprudência dos conceitos formal, que de uma compreensão predominantemente psicológica do conceito de Direito. O Direito é para ele a norma coerciva do Estado posta ao serviço de um fim social. Para compreender a norma jurídica precisa-se menos de uma análise lógica ou psicológica do que de uma análise sociológica. Terceiro:Ihering não reconhece qualquer hierarquização objetiva dos fins da sociedade. Segundo ele, estes resultam antes das diversas ‘necessidades vitais’ da sociedade respectiva, da sociedade KLVWRULFDPHQWH GDGD. Só o que uma FHUWD sociedade humana vê como útil e vitamente relevante para o seu EHPHVWDU 5 6 devendo estar trabalhando com ela e para ela, de modo que sua realização pessoal seja tão útil a si mesmo quanto à sociedade. Seu esforço pessoal deve estar colocado a serviço da humanidade, devendo a sociedade, a partir daí, regular sua economia. Tal idéia motivou o próprio Ihering a qualificar-se como um utilitarista social, o que se difundiu, como podemos ver em Roscoe Pound. (BODENHEIMER, 1966, p.106) Como afirma Edgar Bodenheimer (1966, p.106), Ihering calcou o ponto central de sua Filosofia do Direito no "fim". O fim como criador de todo o Direito, não havendo norma jurídica que não deva sua origem a um fim ou motivo prático. Gustav Radbruch (1934), em percuciente análise da obra de Ihering, ressalta que ele não conseguiu ultrapassar o empirismo porque o fim, que considerava como a força criadora do Direito, não era a idéia supra-sensível de fim que serve de parâmetro ao desenvolvimento jurídico. A idéia de fim para Ihering era extraída empiricamente do mundo dos fatos, de uma espécie de causa a que se dá o nome de causa final, e não de uma oposição entre o ideal e a realidade. Ihering (1946, p.180-181) entendia que os direitos não existem apenas para realizar a idéia de vontade jurídica abstrata. Servem para garantir os interesses da vida, ajudar as suas necessidades e realizar fins. Esta é sua missão e tal é o fim da medida da vontade e das convenções; todas aquelas que não apresentam nenhum interesse nessa ordem de idéias são nulas e não dão origem a uma obrigação. Os direitos não produzem nada inútil, uma vez que a utilidade é a substância do Direito (IHERING, 1946, p.180). Para Ihering, o princípio do direito era formado de dois elementos, sendo um o substancial, em que reside o fim prático do direito, produzindo uma utilidade. O outro é o formal, referindo-se a esse fim unicamente como meio, ou seja, proteção do direito, ação da Justiça, que funcionam como mecanismos garantidores do primeiro. Em famosa frase, Ihering define os direitos como interesses juridicamente protegidos. é que decide da sua própria e historicamente mutável ‘exigência de felicidade’.” LARENZ, Karl. 0HWRGRORJLD GD &LrQFLD GR 'LUHLWR Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian. 3ªed, 1997, p.60-62. 6 7 Segundo Ihering, qualquer definição de direito que não parta da idéia de bem, em sentido amplo, pecaria por falta de base. Bem seria toda coisa que nos possa servir para algo. À idéia de bem estariam unidas as noções de valor, que expressaria a medida de sua utilidade, e a de interesse, cuja noção pressupõe o valor em sua relação particular com o sujeito e seus fins. Um direito que por si mesmo possui um valor, pode não tê-lo para outro sujeito. (IHERING, 1946, p.182) Dentro de sua perspectiva prática utilitarista Ihering (1946, p.182-183) chega a quantificar o valor e o interesse, afirmando que o dinheiro é a medida econômica do valor e do interesse. O dinheiro seria, para ele, o modo pelo qual se resolvem os objetos de valor e o meio em virtude do qual podem ser reconstituídos, sendo a substância originária que a todos contém. Tudo que se pode comprar se pode estimar, reduzir a dinheiro.(IHERING, 1946, p.182183) No paradigma de Ihering (1946, p.183), qualquer que seja a diversidade do interesse que apresentem os diversos direitos, todo direito estabelecido seria a expressão de um interesse reconhecido pelo legislador e que estaria a merecer a sua proteção. Os direitos sofreriam transformações à medida em que os interesses presentes na vida também se modificassem. Ihering (1946, p.183) reconhece que os interesses e direitos são historicamente paralelos. Quanto aos dois elementos que compõem o direito, o primeiro deles, o substancial, que seria o gozo, domina a vontade. O objeto próprio do direito para Ihering é o gozo. A reivindicação de um direito é o meio de se chegar ao poder dele gozar. Gozar de um direito sem dispor dele, pode conceber-se, mas dispor dele sem gozá-lo é impossível, sob o prisma de Ihering. O direito estaria calcado nesse princípio, que seria o ponto de partida da vontade, no sentido de permitir que ela possa concorrer ao objeto geral do direito. Tomado em seu conjunto, Ihering admite a designação do direito como força, mas para ele a força não seria objeto do direito. A força seria um instrumento do direito, o modo pelo qual ele alcançaria seu fim. (1946, p.188) O segundo elemento do direito é a proteção jurídica que ele recebe. O direito é a segurança jurídica do gozo. Para Ihering os direitos são interesses juridicamente protegidos, mas há interesses que não reclamam a proteção 7 8 jurídica porque não podem esperá-la. O direito não seria outra coisa que o interesse que se protegeria a si próprio. (IHERING, 1946, p.189-190) $ LQIOXrQFLD GR SHQVDPHQWR GH ,KHULQJ QD FODVVLILFDomR GRVLQWHUHVVHVHGLUHLWRV A complexidade da vida moderna e a evolução tecnológica criam bens de consumo que provocam verdadeiras alterações nas relações humanas, chegando a modificar a noção de tempo e espaço, como acontece com os computadores de última geração, com robôs que constroem carros, com faxsímiles, etc. É a tecnologia posta a serviço da produção em massa para o atendimento dos interesses da coletividade.2 A geração de bens de consumo para atender a uma população cada vez maior (SALDANHA, 1986, p.19) sofre o patrulhamento do Estado, que reconhece a necessidade de tutela da massa de consumidores3, em virtude dos interesses pluralizados quanto ao sujeito, e da possibilidade de danos que não se restringem apenas ao indivíduo, mas estendem-se às vezes a toda população de um país. Essa modificação estrutural decorrente do avanço tecnológico e da explosão populacional revela a alteração que o paradigma4 do Estado Democrático de 2 Em análise crítica ao papel da técnica e ciência no mundo moderno, Habermas afirma que: "a direção do progresso técnico é hoje determinada ainda em grande parte pelos interesses sociais que provêm espontaneamente da coacção à reprodução da vida social sem que sobre eles, enquanto tais, se reflita e sem que sejam confrontados com a autocompreensão política esclarecida dos grupos sociais; como conseqüência, irrompe um novo poder técnico sem qualquer preparação nas formas existentes da praxis vital, e os novos potenciais de um poder ampliado de disposições técnicas tornam cada vez mais manifesta a desproporção entre os resultados de uma racionalidade no máximo da sua tensão, e objetivos irrefletidos, sistemas de valores ancilosados e ideologias caducas." (HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como ideologia. 1994. p.119) 3 Não se pode esquecer da advertência feita pelo prof.Artur José Almeida Diniz, no sentido de que o interesse dos cidadãos e os programas governamentais de desenvolvimento muitas vezes não são traçados pelos Estados, mas planejados pelas grandes firmas, que direcionam o escoamento de seus produtos e serviços.(DINIZ, Arthur José Almeida. A Política e o terceiro mundo; contradições econômicas contemporâneas.Revista Brasileira de Estudos Políticos. 1983.p.40) 4 Arthur José Almeida Diniz revela-nos a utilização do termo “paradigma” por Platão no sentido de que ele representa o mundo dos seres eternos, do qual o mundo sensível é a imagem e, Aristóteles, dentro da Lógica, atribui ao termo o significado de exemplo. O Mestre mineiro ainda aponta 8 9 Direito5 vem sofrendo no curso da história6 quanto à proteção que ele deve oferecer aos direitos e interesses que lhe incumbe tutelar. O modelo clássico objeto de tutela pelo Estado reside na proteção à relação jurídica-base entre indivíduos, protegendo predominantemente os direitos subjetivos, dentro de uma perspectiva individualista que, conforme esclarece Bobbio (1992, p.60), estabelece o primado do indivíduo sobre o Estado. Para o pensador, esses direitos individuais seriam direitos de "primeira geração". Não se admitia a presença de corpos intermediários entre os indivíduos e o Estado7, sendo que este desconfiava das corporações e associações por desenvolverem atividades coletivas em concorrência com as dele. Merece ser a evolução que a noção de paradigma vem sofrendo, tendo ainda significado “sistema” e, mais recentemente, aproveitando conquistas de pesquisas na área da fisiologia e transportado-as para as Ciências Humanas, podemos ter o sentido de paradigma como o prisma globalizante em que o indivíduo é parte viva de um universo que também é vivo e que vai sendo construído (autopoiética). ( cf. DINIZ, Arthur José Almeida. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1995. p.29-30). 5 O Estado Democrático de Direito é uma opção surgida em contraposição ao Estado Autoritário, sendo que o Brasil adotou claramente em sua Constituição de 1988 esse paradigma, conforme nos revela o Mestre Raul Machado Horta: “A opção pelo Estado Democrático de Direito, que a Constituição de 1988 fundamentou na vontade constituinte do Povo e no pluralismo político, exprime a recusa da Sociedade Brasileira a qualquer forma de autoritarismo e às seduções do messianismo político. Autoritarismo e messianismo conduzem à opressão do Estado e à submissão da comunidade à tirania política.”(HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. 1995. p.301.) 6 O professor José Alfredo de Oliveira Baracho, em importante estudo sobre o princípio da subsidiariedade, ressalta ainda o surgimento do Estado suplente, assentado na concepção de uma sociedade plural, de sentido mais amplo do que o de modelo democrático e que, além de possibilitar a diversidade de opiniões, é munido de uma variedade de capacidade de atuação para a efetivação dos fins individuais e sociais. O Mestre mineiro aponta o princípio da subsidiariedade como sendo característico da cultura política européia, que concretiza as atribuições do Estado na pluralidade de comunidades, sendo que as sociedades têm vida própria e autonomia, justificando-se o Estado apenas para possibilitar a efetivação desses fins. (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade; conceito e evolução. 1995. p.134-135. 7 "A história do direito de associação sindical pode, portanto, ser subdividida em três períodos distintos: o primeiro, que vai da época da Revolução Francesa até 1824, é a fase da repressão legal das associações sindicais; o segundo, que se estende de 1824 a 1871, é a fase de tolerância legal das associações profissionais e da revogação da precedente legislação; o terceiro, de 1871 aos nossos dias, é a fase do reconhecimento ou da proteção legal da associação sindical." (MAZZONI, Giuliano. Relações coletivas de trabalho. 1972. p .07. 9 10 citada a Lei francesa Le Chapelier, de 1791, que vedou a criação de corporações.(PRADE, 1987, p.29 e 36) Um segundo momento do Estado social, sem deixar de ter por base os interesses individuais, caracteriza-se pelo reconhecimento das associações e sindicatos, como entes legítimos de representação de interesses de seus associados, em virtude de admitir que o fato associativo é inerente à condição humana (MANCUSO, 1988, p.50-51). Proliferam-se as associações e sindicatos, reconhecendo-se a relação jurídica-base entre o Estado e o indivíduo, deste com a associação e desta com o Estado, fortalecendo-se o indivíduo como participante de um grupo, com atribuição de direitos e interesses às associações. Surge uma disseminação de direitos sociais. É o que Bobbio (1992, p.06) denomina de direitos de "segunda geração". Um terceiro momento do Estado democrático em face das relações objeto de tutela se refere aos interesses difusos, os chamados direitos de "terceira geração" (BOBBIO, 1992, p.06), aqueles que afetam interesses e direitos de um grupo indefinível de indivíduos, dizendo respeito a todos e a cada um. Seriam os direitos à qualidade de vida, os do consumidor, do meio ambiente. São direitos e interesses tuteláveis, mesmo sem a apresentação imediata de um titular, decorrentes de um fato básico que afeta a todos. Dentro desse parâmetro de organização estatal, as definições clássicas tipificam os interesses em três grandes categorias: o individual, o geral e o público, que passaremos a analisar. O Código de Defesa do Consumidor prevê uma definição legal no art.81, itens I, II e III, para a tutela em sede coletiva de três ordens de interesses, sendo os primeiros os difusos, assim denominados os transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas ligadas por circunstâncias de fato. Os segundos são os interesses coletivos, também transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídicabase. E por fim os interesses individuais homogêneos, que são os decorrentes de origem comum (tais interesses não são coletivos nem difusos, mas individuais, tendo um ponto de fato comum que recomenda a defesa a um só tempo (FREITAS, 1992, p.328) ). Essa classificação denota o reconhecimento, dentro da relação de consumo, de três possibilidades de 10 11 manifestação dos interesses de forma pluralizada, quais sejam, a difusa, a coletiva e a homogênea. ,QWHUHVVHRXGLUHLWRLQGLYLGXDO" Para o professor José Alfredo de Oliveira Baracho (1991, p.276), os primeiros interesses e direitos do indivíduo são os de poder desenvolver livremente suas faculdades, sendo que o melhor meio para assegurar o seu aprimoramento é permitir que a própria pessoa dirija sua vontade, de forma espontânea, assumindo os riscos inerentes que decorrem desse exercício quando tiver pela frente alguém com igual direito. Assegurando-se este livre desenvolvimento, obtêm-se os diversos tipos de liberdades que compõem os direitos individuais. Ainda segundo Baracho (1991, p.278), os interesses e os direitos individuais apresentam em comum o fato de que limitam os direitos do Estado, que se deve abster e deixar para os indivíduos os ônus de suas próprias atividades. O interesse individual é o particular (GONÇALVES, 1994a, p.1228). Rodolfo de Camargo Mancuso (1988, p.35-37) entende não haver outra forma de conceituar o interesse individual senão pelo critério do elemento predominante, sendo que, sob esse prisma, "é individual o interesse cuja fruição se esgota no círculo de atuação de seu destinatário". Somente o indivíduo sofre os efeitos ou se beneficia dos encargos que assume. E conclui no sentido de que os interesses individuais se encontram na base do conceito de direito subjetivo, resultando da fusão do interesse individual com a proteção ou garantia fornecidas pelo Estado. Péricles Prade (1987, p.31) denomina esse interesse de "privado" e lhe confere um sentido material, que seria o de integrar o núcleo de um direito subjetivo do particular. Atribui ainda um sentido formal, segundo o qual o interesse privado seria aquele submetido ao regime jurídico de direito privado, caracterizado pela disponibilidade e equivalência com os demais interesses privados. Segundo definição do Jurista Ivo Dantas (CAVALCANTI, 1989, p.28), os direitos e garantias individuais são: 11 12 “aquele conjunto de preceitos jurídicos que, por sua natureza mesma, são inalienáveis ao homem como tal, fundamentados em seu sentimento de justiça; são manifestações de um resguardar-se frente à Organização Política e aos quais só conhece, como limite, os mesmos direitos pertencentes ao outro indivíduo, tal como no imperativo kantiano; o direito de um termina onde começa o direito do outro.” O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ao abordar a defesa do consumidor, em seu Título III, no art.81, inciso III, destaca a existência de uma espécie de interesse e direito individual que qualifica de "homogêneos". Conforme entende Rodolfo de Camargo Mancuso (1991, p.278-279), tais interesses não são coletivos na essência ou mesmo no modo de serem exercidos, apresentando, no entanto, uma uniformidade em face da circunstância em que seus titulares se encontram, o que lhes confere certa coesão suficiente para apartá-los da massa de indivíduos. Para o autor, a característica primordial dessa categoria de interesses é a homogeneidade, que decorre da origem comum e da mesma base jurídica, fundamentos dos direitos de cada indivíduo. ,QWHUHVVHRXGLUHLWRS~EOLFR" Interesse público é o pertinente à própria sociedade, que se faz representar pelo Estado.(GONÇALVES, 1994a, p.1228-1229). Para Ada Pellegrini Grinover (1984, p.30), os interesses públicos também são metaindividuais. São os interesses exercidos com relação ao Estado (à ordem pública, à segurança pública) dos quais todos os componentes da sociedade compartilham. Mas diferem dos interesses metaindividuais gerais, porque o conflito decorrente de interesse público violado somente será 12 13 analisado dentro da perspectiva clássica da controvérsia entre o indivíduo e o Estado. ,QWHUHVVHRXGLUHLWRJHUDORXFROHWLYR" Interesse geral ou coletivo ODWR VHQVX é o representado pelo "conjunto de interesses comuns aos indivíduos que compõem uma sociedade".(GONÇALVES, 1994a, p.1228). Esclarece o Mestre Aroldo Plínio Gonçalves (1994b,p.2) 8 que “ os direitos e interesses coletivos compõem-se da simbiose da pluralidade dos interesses e direitos individuais.” Para o autor, a dimensão individual dos direitos e interesses está presente no âmago dos interesses coletivos, ressaltando que seria inútil o Direito conferir a proteção na esfera coletiva a direitos que não pudessem ser gozados no plano individual. Foi no campo dos interesses gerais ou coletivosODWRVHQVX que surgiram os desdobramentos e o uso das terminologias "interesse coletivo", "interesse difuso", "interesse social", "interesse metaindividual", em virtude do aparecimento, desenvolvimento e reconhecimento de grupos intermediários entre o Estado e o indivíduo, que disseminaram uma nova tipologia de relação. O uso das denominações, entretanto, não é uníssono entre os autores. A noção de interesse geral ou coletivo VWULFWRVHQVX também pode ser tomada na acepção particularizada de um interesse pertencente a um grupo determinado, ou seja, o interesse geral de uma categoria ou grupo associativo ou sindical; ou em um sentido mais abrangente, dizendo respeito a toda a sociedade, ou a um grupo indeterminável de indivíduos de uma sociedade, o que recebe atualmente a denominação de "interesses difusos". Comporta ainda os denominados "interesses sociais", que tomam o sentido de interesse de uma sociedade (geral); e também o restrito, relativo ao interesse de uma sociedade legalmente constituída para a defesa de seu patrimônio associativo. 8 GONÇALVES, Aroldo Plínio. A coisa julgada no Código de Defesa do Consumidor e o Conceito de Parte. Trabalho apresentado no 7o Curso Brasilcon de Direito do Consumidor, realizado em Belo Horizonte, de 22 a 25.11.94, p.2. 13 14 A esses interesses que transcendem o indivíduo, para envolver um número maior ou indeterminado de pessoas, a doutrina tem atribuído o nome de “ interesses metaindividuais” , que são os próprios de uma sociedade de massa. (GRINOVER, 1984, p.31). No campo do interesse coletivo VWULFWR VHQVX e do interesse difuso é que desenvolveremos nosso estudo posteriormente.9 A expressão “ interesse coletivo” é indistintamente manipulada tanto para significar os interesses atinentes a um grupo ou categoria determinada, quanto para representar a referência aos interesses gerais, ou mesmo difusos10. O foco de nossas atenções se dirige agora à análise dos “ interesses coletivos VWULFWRVHQVX” e dos "interesses difusos". 9 Em sentido contrário ao nosso entendimento, Rodolfo de Camargo Mancuso("in" "Interesses difusos",op.cit.p.60-61) preconiza que o interesse difuso é mais amplo do que o interesse geral(equiparado por ele também ao público), uma vez que este concerne especialmente ao "cidadão", ao "Direito", ao "Estado", e aquele se reporta ao "homem", "nação", ao "justo". E conclui por incluir os interesses difusos a meio caminho entre os interesses legítimos e os interesses simples. Por outro lado, Hugo Nigro Mazzilli (in "A defesa dos interesses difusos em juízo; meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 1992. p.20-23.) admite a pertinência do interesse difuso à categoria dos interesses "públicos"(geral), e acrescenta que esses interesses intermediários sempre existiram, só que agora têm merecido maior atenção e incremento legislativo, tornando-se objeto de apropriação jurídica. Fato é que a terminologia não encontrou critério uniformemente aceito. 10 A utilização indiscriminada da terminologia sobre os chamados “interesses metaindividuais” é fator de imprecisão e falta de critério nocivos ao desenvolvimento dessa categoria. Considerando a nomenclatura já existente sobre o tema, preferimos preservá-la, acrescentando, no entanto, notas que a particularizam e permitem uma melhor identificação. Consideramos diferentes, portanto, os termos "interesses coletivos" e “interesses difusos”. Acrescentaremos ao termo “interesse coletivo” a expressão "lato sensu", quando quisermos dizer interesse geral, o gênero que comporta subdivisões em várias espécies. O interesse coletivo "stricto sensu" tem para nós o significado de interesse próprio de uma coletividade determinada, como a família, a sociedade, as associações, sindicatos, etc. Interesses difusos são os fragmentados, que dizem respeito a todos e a cada um, restando, no entanto, indeterminados quanto ao sujeito. (Sobre a imprecisão terminológica, vide MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos; conceito e legitimação para agir. 1988. p.57-60). 14 15 Esses interesses, chamados por Ada Pellegrini Grinover de “ metaindividuais” , são assim considerados pelo fato de transcenderem a esfera individual e atingirem um número limitado ou não de pessoas. Partindo da crítica à dicotomia entre o público11 e o privado, Rodolfo de Camargo Mancuso (1988, p.31-32) admite uma forte interação entre os dois sentidos, por ser impossível o aprisionamento do direito em compartimentos estanques. As evidências dessa constatação, segundo o autor, podem ser encontradas no fato de o "coletivo", o "geral" e o "público" não serem noções abstratas, mas encontrarem suas significações a partir da concretude dos interesses individuais que se agrupam para formá-las. E conclui, citando J.Chevallier, para quem os interesses privado e público sofreram o enfraquecimento de suas fronteiras, tendo seu espaço foi ocupado pelos interesses coletivos ODWRVHQVX. ,QWHUHVVHRXGLUHLWRFROHWLYRVWULFWRVHQVX" Ada Pellegrini Grinover (1984, p.30) entende por “ interesses coletivos” os que são comuns a uma coletividade de pessoas e somente a elas, assentandose em um vínculo jurídico definido que as congrega, como por exemplo, a sociedade, a família. Refere-se ao que chamamos de interesses coletivos VWULFWRVHQVX. Para Rodolfo de Camargo Mancuso (1988, p.38-41), nesse sentido o interesse coletivo comporta três acepções: o interesse "pessoal" do grupo, que traduz o interesse próprio da pessoa jurídica, enquanto tal. Não se confunde com os interesses de seus associados, nem significa a destinação da sociedade para o incremento destes interesses. Não há um interesse coletivo propriamente dito, mas interesse pessoal da pessoa jurídica, também 11 Sobre a questão entre o público e o privado, Hannah Arendt discorre que: "A contradição óbvia deste moderno conceito de governo, onde a única coisa que as pessoas têm em comum são os seus interesses privados, já não deve nos incomodar como ainda incomodava Marx, pois sabemos que a contradição entre o privado e o público, típica dos estágios iniciais da era moderna, foi um fenômeno temporário que trouxe a completa extinção da própria diferença entre as esferas privada e pública, a submersão de ambas na esfera do social. Pela mesma razão, estamos em posição bem melhor para compreender as conseqüências, para a existência humana, do desaparecimento de ambas estas esferas da vida - a esfera pública porque se tornou função da esfera privada, e a esfera privada porque se tornou a única preocupação comum que sobreviveu."( ARENDT, Hannah. A condição humana. 1993.p.79). 15 16 chamado de "interesse social". É o interesse da sociedade pela defesa de seu patrimônio invadido ou violado, ou mesmo o interesse da sociedade em aumentar seu capital social. Em verdade, não encontramos propriamente na hipótese aventada pelo autor, o uso da terminologia “ interesse coletivo” ou “ social” , algo diferente do "interesse individual". O interesse social por ele preconizado nada mais é do que o interesse de uma pessoa jurídica tomando por base essa qualidade que lhe atribui a lei. Ocorre aqui o interesse individual da entidade moral quando esta defende interesse próprio da sociedade. Há, ainda, em conformidade com o mestre paulista, um segundo significado do interesse coletivo VWULFWRVHQVX, que é por ele combatido. Sob esse prisma, essa espécie de interesse representaria a "soma" de interesses individuais. Mancuso repudia tal significado por entender que dentro dessa perspectiva o interesse seria coletivo na "forma" mas individual na "essência". Para ele, um feixe de interesses individuais não se transforma em coletivo somente pelo fato de seu exercício se dar de forma coletiva, não se podendo falar de existência de verdadeiros interesses coletivos, porque a simples alteração no modo de exercício não altera a essência dos interesses agrupados. Um terceiro e mais evoluído sentido conferido ao termo interesse coletivo VWULFWR VHQVX é a consideração do mesmo como a "síntese" de interesses individuais. Há aqui um salto qualitativo muito grande, porque não se tem apenas o interesse "pessoal" da entidade ou a "soma" de interesses, mas conforme entende Mancuso (1988, p.39): "trata-se de interesses que depassam esses dois limites, ficando afetados a um ente coletivo, nascido a partir do momento em que certos interesses individuais, atraídos por semelhança e harmonizados pelo fim comum, se amalgamaram no grupo. É "síntese", antes que mera "soma". " 16 17 O traço característico e distintivo dessa modalidade de interesses é a "organização", uma vez que, se não organizados, inocorre a coletivização e a aglutinação em torno de interesses comuns. À organização se somaria a afetação desses interesses a grupos determináveis (HQWL HVSRQHQ]LDOL), além do vínculo jurídico básico que os une. A forma de expressão desses interesses se daria através de grupos intermediários como a família, sociedades civis, sindicatos, associações, partidos políticos, etc. Na mesma linha de exposição, Péricles Prade (1987, p.39-43) traça a nota característica dos interesses coletivos partindo do fato de que nestes o homem é socialmente engajado, é membro de grupos menores que se situam entre o Estado e o indivíduo. Conceitua tal categoria como os interesses: ...”pertinentes aos fins institucionais de determinada associação, corporação ou grupo intermediário, decorrendo de um prévio vínculo jurídico que une os associados, sujeitando-se a regime jurídico portador de características peculiares." O código de defesa do consumidor deu definição legal em seu art.81, II, aos interesses coletivos VWULFWR VHQVX, para considerá-los como os "transindividuais de natureza indivisível" cujos titulares são grupos, classes ou categorias de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma relação jurídica-base. ,QWHUHVVHVRXGLUHLWRVOHJtWLPRV" Deve preceder à análise do tema dos interesses difusos o assunto correlato aos interesses legítimos. Embora não se confundam interesse legítimo e interesse difuso, o estudo do primeiro ganha relevância, mormente em face da doutrina européia que tem encontrado pontos de convergência na matéria. 17 18 Os interesses legítimos são criação pretoriana surgida da jurisprudência dos Conselhos de Estado francês e italiano e aprimorada pela doutrina jurídica deste último país. (PRADE, 1987,p.22) No direito europeu, em virtude da bipartição da jurisdição em administrativa e jurisdicional, surgiu uma situação substancial denominada "interesse legítimo", acatada em relação ao contencioso administrativo e com objetivo de anulação do ato da administração pública. (PRADE, 1987, p.22). O interesse legítimo tem âmbito mais restrito do que a noção de direito subjetivo. Para Rodolfo de Camargo Mancuso (1988, p.52-56), além dos interesses simples, que significam meros anseios, aspirações, desejos restritos à esfera de cada indivíduo e indiferentes ao Estado, e dos direitos subjetivos, que representam uma posição de vantagem, privilégios, prerrogativas, normalmente acompanhados de sanções e tutelados pelo Estado através da ação, surge um "WHUWLXPJHQXV", que são os interesses legítimos. Estes não comportariam diferenciação dos demais quanto à essência, mas sim quanto à intensidade da proteção estatal. Enquanto os interesses simples são indiferentes ao Estado, e os subjetivos gozam de um máximo de proteção, os interesses legítimos situam-se em uma zona intermediária. Estes últimos se caracterizam pelo fato de o sujeito se encontrar em uma tal situação dentro da abrangência da norma que, embora não tenham uma posição claramente subsumida no texto normativo, existe a possibilidade da extensão de tutela diferenciada em face das demais situações existentes. E cita ainda o mestre uma série de hipóteses jurídicas em que algumas pessoas não têm um direito, mas sim “ mais interesse” do que outras, como no exemplo daquele indivíduo que vence uma licitação e que, apesar de não adquirir o direito subjetivo de efetivar o contrato, tem, no entanto, legítimo interesse em que a decisão administrativa que o renegue seja motivada. Mancuso (1988, p.55) arrola como pontos de aproximação entre os interesses difusos e os legítimos o fato de que ambos se aplicam a um número vasto de sujeitos e não se confundem com os direitos subjetivos, mas mesmo assim merecem proteção por serem consentâneos com o ordenamento jurídico. Péricles Prade (1987, p.23) menciona que alguns interesses difusos passíveis de atração por ato da administração pública, embora pertinentes a uma série 18 19 indeterminada de indivíduos, conseguem ao mesmo tempo manter características de determinação de interesses individuais, razão pela qual se assemelham aos interesses legítimos tutelados na jurisdição administrativa européia por via do contencioso de anulação. Por esse motivo, segundo o ensaísta, a doutrina italiana tem defendido a possibilidade de tutela de interesses difusos perante a jurisdição administrativa sempre que se puder vislumbrar nesses interesses metaindividuais a existência de interesse legítimo atingido por ato administrativo. Mas embora se reconheça a proximidade e importância do estudo dos interesses legítimos para uma melhor configuração dos interesses difusos, é remansoso o entendimento de que estes são de maior abrangência do que aqueles. Os interesses legítimos apenas são utilizados com referência a atos da administração pública, o que restringe sobremaneira sua aplicação em face da imensa área de incidência dos interesses difusos. Além do mais, os interesses legítimos, ainda que remotamente, referem-se a um texto legal ou a princípio insculpido no ordenamento jurídico, ao passo que os interesses difusos decorrem de situações de fato, de caráter fluido e contingencial. ,QWHUHVVHVRXGLUHLWRVGLIXVRV" Mauro Cappelletti (1973, p.16) assevera que a "questão social" está na base dos interesses difusos, e eles decorrem das necessidades da sociedade contemporânea, caracterizada pelo "fenômeno de massa". Vivemos em uma economia cuja preocupação se dirige ao trabalho, consumo, comércio e produção em massa, com reflexos no campo social, e na presença do Estado promocional e intervencionista, o Estado de ZHOIDUH. Em conseqüência, as relações tomam novo dimensionamento, engendrando problemas antes inexistentes, como o "dano de massa", ou seja, a possibilidade de um ato ilícito ou prejudicial a um número ilimitado ou indeterminado de pessoas, como na hipótese dos consumidores. Essa nova gama de interesses que merecem proteção não são individuais, privados, mas envolvem grupos, massas, coletividades. São interesses "fragmentados" (CAPPELLETTI, 1988, p.26) no sentido de que cada um de nós tem um fragmento do interesse difuso. 19 20 Não ocorre o fenômeno da apropriação do interesse por um grupo limitado ou determinado, mas pelo contrário, ocorre a expansividade da relação fática que abrange número indefinido de pessoas. O professor José Alfredo de Oliveira Baracho (1984, p.142-143) ressalta também a origem dos interesses difusos em decorrência do fenômeno de massa, por via substancial, ao contrário dos direitos individuais adquiridos por via formal. Para o ilustre constitucionalista, os interesses difusos têm como nota caracterizadora a "metaindividualidade". José Carlos Barbosa Moreira (1984, p.99) enfeixa, dentre os traços básicos dos interesses difusos, a existência de uma "pluralidade de titulares em número indeterminado" e "a indivisibilidade do objeto do interesse, cuja satisfação necessariamente aproveita em conjunto a todos, e cuja postergação a todos em conjunto prejudica." Para Kazuo Watanabe (in: GRINOVER,1984, p.87), ocorre o interesse difuso quando se estabelece uma relação entre pessoas por dados de fato. Não se trata de um vínculo ( relação-base ) formado entre elas, mas de um fato que abrange todos, indeterminadamente. E acrescenta Ada Pellegrini Grinover (1984, p.31) que a satisfação dessas necessidades coletivas se refere à preservação da "qualidade de vida". Rogério Lauria Tucci (1989, p.147) também ressalta a titularidade indeterminada e a situação fática que circunstancialmente ligam as pessoas como dados caracterizadores dos interesses difusos. Péricles Prade (1987, p.57-58) propõe o seguinte conceito para os interesses difusos: "são os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos jurídicos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita 20 21 e num quadro conflituosidade." de abrangente Rodolfo de Camargo Mancuso (1988, p.105), após conceituar os interesses difusos, aponta suas principais características como sendo a indeterminação dos sujeitos, indivisibilidade do objeto, intensa litigiosidade interna, tendência à transição ou mutação no tempo e espaço. Para o ilustre professor mineiro Alberto Deodato Maia Barreto Filho (1986, p.114), a indivisibilidade não é nota configuradora dos interesses difusos. Calcado na lição de Ronaldo Cunha Campos, o Mestre defende que o traço exclusivo dos interesses difusos estaria no aspecto subjetivo, e sentencia: “ Podemos assinalar que quando a agressão do direito é à pessoa como membro da comunidade nós nos referimos a direito individual. Se a agredida é a comunidade e a pessoa é agredida por ser membro dela, então estamos diante dos chamados direitos coletivos e dos difusos. No interesse coletivo os interessados são determinados ou determináveis, como o segmento dos promotores de Justiça, os advogados, os condôminos de terras, os membros de um sindicato, de uma sociedade comercial, etc. No interesse difuso há uma série indeterminada e indeterminável (pelo menos na prática) de interessados.” (BARRETO, 1986, p.114). O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em seu art.81, item I, conceituou os interesses difusos como os "transindividuais de natureza indivisível", nos quais há uma indeterminação quanto aos sujeitos, que, no entanto, são ligados por determinada circunstância de fato. 21 22 &UtWLFDV jV FODVVLILFDo}HV GR GLUHLWR H LQWHUHVVH VHJXQGR D WHRULDGH,KHULQJ Para Carlos Campos (1961, p.25-26) Ihering não resolveu o problema da elaboração do interesse e da sua realização no direito, descrevendo apenas o seu resultado, que ele supôs saído da mecânica social. Essa concepção mecanicista de Ihering inviabilizaria a possibilidade de resolver essa questão, porque a vida não é mecânica. Segundo Carlos Campos (1961, p.26), o problema de Ihering é o mesmo do benthanismo, que se procurou resolver aritmeticamente. O brilhante Mestre mineiro afirma a equivalência entre a aritmética social de Bentham e a mecânica social de Ihering e as contesta sob o fundamento de que não são possíveis de se realizar. A classificação dos interesses e direitos até hoje admitida na doutrina com fulcro na doutrina de Ihering, como pudemos constatar, faz indistintamente menção a eles como uma só coisa. Essa equiparação de conceitos tem gerado o obscurecimento dos mesmos e em muitos casos, a impossibilidade de que a doutrina trilhe caminhos mais seguros no estudo e na evolução sobre os temas dos direitos coletivos e difusos. Se admitirmos a classificação dos interesses, equiparando-os aos direitos, realmente não conseguiremos evoluir nos conceitos que utilizam essas expressões como base. E chegaremos mesmo a situações incompatíveis e que não podem ser satisfatoriamente esclarecidas. Bastaria como exemplo a esses problemas que imaginássemos a situação da existência de interesses difusos contrapostos a interesses individuais. Consideremos a hipótese em que a entidade estatal de controle ambiental, fundada em legislação que lhe confere o poder de fiscalização para autuação e aplicação de sanções, embarga a atividade de determinada empresa siderúrgica que polui o meio ambiente e ofende as normas vigentes quanto ao setor. Temos a entidade estatal que atua com poder de polícia e de acordo com o direito legislado, na tutela das situações jurídicas previstas nas normas. Temos os interessados difusos na qualidade do meio ambiente, que são atingidos pela atuação da entidade estatal e, mesmo que não tivessem se manifestado ou percebido a importância do embargo imposto, seriam 22 23 atingidos individualmente por ele. Teríamos ainda o interesse da empresa na manutenção e exercício de sua atividade comercial, que estaria comprometida e poderia gerar o seu encerramento. Teríamos ainda os trabalhadores da empresa, que estariam atingidos individualmente em seus interesses de manutenção do emprego. Podemos identificar uma série de interessados na situação descrita, como a entidade estatal que estaria no cumprimento de seus fins institucionais; os diversos cidadãos interessados atingidos pela medida em sua esfera individual; a empresa interessada na manutenção de sua existência e de sua atividade comercial; os empregados da empresa interessados na manutenção de seus empregos. Atente-se que o embargo aplicado à atividade que ofende ao meio ambiente objetiva proteger inclusive a saúde dos empregados da empresa, mas eles têm um interesse imediato na manutenção do emprego. Todos esses interessados poderão manifestar-se e, ocorrendo o impasse, não poderemos afirmar a existência de um direito de qualquer dos envolvidos sobre os demais. No máximo haverá a prevalência da situação jurídica imposta pelo poder público em função da existência de norma regulamentar da atividade fiscalizadora da entidade estatal. Ou seja, o interesse manifestado pelo órgão público prevalecerá administrativamente. Entretanto, ele poderá ser questionado por qualquer dos demais interessados diretos através da via judicial. Na ausência de consenso os interessados deverão procurar a via judicial e manifestar seus interesses. Somente após o devido processo legal e a manifestação judicial é que poderemos falar em direito de qualquer dos envolvidos. Deverá haver o necessário processo judicial de validação do interesse para sua transformação em direito. Dentro da perspectiva de Ihering de equiparação de interesses e direitos não poderíamos explicar satisfatoriamente a existência de diversos interesses perante a norma. Quais interesses manifestados poderiam ser considerados direitos? O interesse do dono da fábrica, dos interessados difusos, dos interessados coletivos, da entidade pública, seriam todos equiparados a direitos? Mas se assim fosse, como explicar que eles se encontram contrapostos? Se o direito é o próprio interesse juridicamente protegido, como admitir que possam existir diversos interesses divergentes na base da formação do direito? Qual seria o momento em que haveria o reconhecimento desses direitos? Eles já decorrem de lei e são auto23 24 executáveis? São dependentes de interpretação judicial? Existiriam direitos pré-concebidos que retroageriam para legitimar interesses? Não conseguiremos obter qualquer resposta satisfatória se partirmos da perspectiva de equiparação de interesses e direitos. É fundamental que tenhamos claro que os interesses são a manifestação unilateral de vontade de um sujeito em face de um bem. Se esse interesse vai futuramente se transformar em direito dependerá do processo de validação espontâneo no qual a sociedade reconhece ao indivíduo o gozo da coisa. Caso a sociedade não reconheça o interesse do sujeito, ele poderá requerer o reconhecimento compulsório através do devido processo legal, no qual exporá, fará prova e realizará debates em contraditório no sentido de ver reconhecido seu interesse como um direito através da sentença judicial. A mera existência formal dos direitos previstos em lei não assegura, efetivamente e a priori, que aqueles direitos sejam espontaneamente reconhecidos pela sociedade. O processo de formação do direito é um processo vivo que começa com a afirmação do interessado em face de um bem, e culmina com a validação espontânea ou judicial desse interesse, através de um processo legitimador, presente em uma determinada sociedade. Estão aí, portanto, definidos, o cerne dos interesses e a gênese dos direitos. Esses são conceitos fundamentais para a nossa classificação sobre os direitos difusos, coletivos, etc. 2HTXtYRFRPHWRGROyJLFRGH,KHULQJ Para Ihering os direitos são interesses juridicamente protegidos. Essa posição adotada por esse brilhante autor permeou, como vimos, todas as definições que até hoje se sucederam, fazendo escola e equiparando de modo categórico os interesses aos direitos. Entretanto, Ihering trabalha com dois conceitos diferentes e que nunca poderiam ter sido confundidos. Se os interesses são a manifestação da vontade que vincula um sujeito a um bem, isso significa que os interesses são pertencentes à esfera privada, particular do indivíduo, que exterioriza uma vontade. Já os direitos seriam outra coisa, um outro momento. 24 25 Somente poderíamos falar de duas espécies de direitos. Uns seriam aqueles que resultam de um processo de validação espontâneo estipulado pela própria sociedade, que admite e reconhece ao indivíduo que manifesta a sua vontade perante um bem, que essa vontade é legítima e deve ser respeitada pela coletividade. E outros que seriam decorrentes de processos formais de validação da vontade, ou seja, de processos judiciais em que o magistrado fixasse qual a vontade da lei para o caso concreto. Desde que a sociedade negasse validade à manifestação do interesse da parte, haveria sempre a possibilidade de levar esse interesse para a análise segundo o direito vigente, legislado. O Estado, através do juiz, depois de garantir o devido processo legal, é o legitimador pela via do provimento (sentença), do interesse manifestado pela parte. Portanto, somente podemos dizer que há o direito quando a própria sociedade, pelo consenso, admite que o interesse da parte é válido socialmente, havendo respeito a esses direitos. E, quando não haja consenso na sociedade sobre o interesse da parte, o interessado deve manifestar sua vontade em face de um bem perante o Estado-Juiz que, adotando um modelo processual admitido na legislação vigente em um país, conduzirá um processo de validação do interesse da parte, verificando ou não a final, a confirmação da vontade da parte. O interesse, desse modo, sempre será um momento anterior à formação do próprio direito. O direito pressupõe um processo de validação do interesse pela sociedade, seja pelo consenso e respeito à manifestação do interesse individual pela coletividade, seja pela adoção de um processo de validação substitutivo do processo de validação espontâneo da sociedade, que é o processo judicial. O equívoco metodológico de Ihering consistiu em pressupor que o interesse somente teria importância para o direito a partir do momento em que houvesse a previsão legal de tutela desse interesse. O interesse que importaria ao direito seria um interesse juridicamente tutelado, ou seja, um direito. Não haveria, segundo essa concepção, a razão para a diferenciação ontológica entre interesses e direitos. Entretanto, essa posição não poderia ter sido acatada, tanto em sua época quanto hodiernamente. Ora, os interesses nunca podem confundir-se com os direitos. Os interesses estão na base da formação dos direitos mas, enquanto manifestação da vontade de um sujeito em face de um bem, eles não 25 26 passaram ainda pelo processo de validação da manifestação dessa vontade, seja pelo reconhecimento social ou judicial. Os interesses nunca se confundirão com os direitos, visto que os primeiros sempre serão uma manifestação individual de vontade, enquanto os direitos pressuporão sempre um processo social de validação e reconhecimento da legitimidade dos interesses manifestados. Esse equívoco manifestado por Ihering se evidencia mais ainda com a complexidade da evolução da sociedade, que passou a reconhecer direitos que, embora existentes, não eram objeto de cogitação legal. Os chamados interesses e direitos coletivos e difusos são um exemplo disso. A legislação brasileira, em diversas passagens fala da tutela dos interesses e direitos difusos, coletivos. A nomenclatura revela que haveria uma distinção entre as expressões. Se adotássemos a definição de Ihering de que os direitos são interesses juridicamente tutelados, teríamos de admitir que tanto os interesses quanto os direitos difusos representam exatamente a mesma coisa, não havendo divergência ontológica entre as expressões, que cairiam no vazio. A nossa teoria de que os interesses são diferentes dos direitos explicaria de modo satisfatório e simples essa questão. Em verdade não haveria interesses difusos ou coletivos, porquanto admitimos que os interesses são sempre individuais, sempre ocorrem e se exaurem na esfera particular do indivíduo. Os interesses são uma manifestação, uma afirmação unilateral da vontade em face de um bem. Dessa forma, nunca poderíamos aceitar que os interesses, que são individuais, fossem classificados em coletivos ou difusos. No máximo poderíamos reconhecer que, em face de um determinado fato, existe um número indeterminado de indivíduos numa mesma situação jurídica. Se pudéssemos identificar ou agrupar esses indivíduos em uma classe de pessoas, com interesses comuns e legalmente reconhecidos e previstos, estaríamos diante de interessados coletivos ou homogêneos, dependendo das características peculiares dos interesses individuais envolvidos e manifestados individualmente. Por outro lado, se não pudéssemos identificar os interessados que são atingidos por um determinado fato ou ato jurídico, teríamos a hipótese de interessados difusos, o que decorreria da existência difusa de diversos 26 27 interessados que poderiam ter uma solução conjunta e abrangente para todos os que se encontrassem na mesma situação jurídica prevista em lei. A confusão originária da expressão de Ihering deslocou o eixo do problema, unificando o sentido de vocábulos cujos conceitos não poderiam ser equiparados. O fato de os interesses estarem na base de formação dos direitos não significa que eles se confundam com o próprio direito. Poderíamos falar com tranqüilidade que todo direito possui em seu processo de formação um interesse, mas nem todo interesse gerará a formação de um direito. Portanto, concluímos que os interesses e os direitos são conceitos diferentes, mas se inter-relacionam de modo íntimo. Os interesses são a base a partir da qual haverá a manifestação do sujeito e ocorrerá o desencadeamento do processo social ou judicial de validação dos interesses e a sua transformação em direitos. Os direitos são, por sua vez, as situações jurídicas reconhecidas por um processo de validação de interesses manifestados perante a sociedade ou perante o Estado-juiz. Mas o passo seguinte a essa constatação será perquirir qual o seu significado, sua importância perante o ordenamento jurídico-doutrinário? $QHFHVViULDGLVWLQomRHQWUHLQWHUHVVHHGLUHLWR Em brilhante estudo sobre a ação civil pública na Justiça do Trabalho, o professor Aroldo Plínio Gonçalves (1994a, p.1225-1229) se deteve na análise dos interesses e direitos, sistematizando o tema com importantes conclusões que não poderiam restar sem exame. A primeira constatação é a de que são diferentes os interesses e direitos12, constituindo-se em categorias distintas postas no campo das "situações jurídicas".13 12 Consoante o sentido geral e fundamental adotado em ABBAGNANO ( ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2a ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982 ), Direito é : “a técnica de coexistência humana, isto é, a técnica voltada a tornar possível a coexistência dos homens.” A 27 28 Segundo afirma o Mestre, o termo “ interesse” comporta dois sentidos básicos, sendo um subjetivo, que é permeado de "conotações psicológicas" por envolver impulsos, desejos, motivação; e um sentido objetivo, como o que é ou se torna relevante, vantajoso, importante a um sujeito. É na inter-relação dos dois sentidos que ocorre a transição do "interesse como motivação para o interesse como objeto em que se projeta o desejo de satisfação de necessidades ou anseios humanos." (GONÇALVES, 1994a, p.1227) Do mero plano da subjetividade, o interesse passa a adquirir concretude, objetivando-se em coisas e bens com os quais o sujeito se relaciona, passando a adquirir valor. Rodolfo de Camargo Mancuso (1988, p.12-14) ressalta ser a busca de uma situação de vantagem a nota caracterizadora dos interesses, seja no campo fático ou jurídico, uma vez que "o interesse interliga uma pessoa a um bem de vida, em virtude de um determinado valor que esse bem possa representar para aquela pessoa." Para esse último autor, os interesses, considerados ODWRVHQVX têm conteúdo axiológico variado, representando, a partir da idéia de vantagem, uma gama infinita de desejos e aspirações da mais variada ordem. Esses interesses se desenvolvem dentro dos limites da esfera psíquica de cada pessoa, não podendo ser exigidos ou opostos por se encontrarem no campo do pensamento. Constituem-se em interesses que podem ser chamados de "simples", "puros", "de fato" ou WRXW FRXUW e se situam no campo da concepção do que seja Direito é, entretanto, bem mais complexa e varia em função do enfoque dado ao tema. ABBAGNANO sintetiza quatro abordagens fundamentais da concepção de Direito: “1a. a que considera o D. positivo (isto é, o conjunto dos D.que as várias sociedades humanas reconhecem ) como fundado em um D.natural eterno, imutável e necessário; 2a a que julga o D.fundado na moral e o considera, portanto, uma forma diminuída ou imperfeita de moralidade; 3a. a que reduz o D.à força, isto é, a uma realidade histórica politicamente organizada; 4a a que considera o D. como uma técnica social”. De qualquer prisma que se observe o “Direito” ele não pode ser confundido com os “interesses”. São categorias diferentes. Os interesses são o conteúdo que se pretende proteger com o direito, a matéria psíquica variável segundo o direcionamento do desejo. O Direito é a organização e o escoamento dos interesses presentes na sociedade de forma determinada segundo os valores nela vigentes. O Mestre Wille Duarte Costa assevera que o interesse se manifesta no nascimento da relação jurídica (COSTA, Wille Duarte. Relação jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p.35) 13 Sobre a teoria das situações jurídicas, vide GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p.85-90. 28 29 "existência-utilidade". Têm por notas características, além da já referida limitação à esfera psíquica de cada pessoa e a conseqüente inexigibilidade da conduta de terceiros em face desses interesses, o fato de que seus efeitos também pertencem aos limites de cada sujeito, que deverá usufruir da vantagem ou suportar a frustração de seu interesse não realizado. Além disso, os interesses simples são indiferentes ao Estado, que não fomenta nem proíbe sua existência. Por outro lado, existem interesses que são de qualidade diversa, por apresentarem conotação jurídica. Sofrem a apreensão axiológica segundo a valoração predeterminada na norma. São, na linguagem de Rodolfo de Camargo Mancuso (1988, p.14), situados no plano "ético-normativo". Esses interesses14 como uma possibilidade de vantagem a ser atingida, tomados dentro de uma perspectiva do direito material e desde que tenham sido juridicamente regulados, são relevantes para o direito, carecendo de proteção. Negada a satisfação dos interesses juridicamente tutelados no plano material, nasce o interesse de agir no plano processual. A relação jurídica processual também exige para a sua formação a existência de interesse. E a doutrina processual (LIEBMAN, 1985, 150-160) entende existir o interesse quando há necessidade da tutela jurisdicional através do processo, além da utilidade da demanda, que decorre do fato de poder gerar uma posição de vantagem em relação àquela situação de fato em vigor antes do julgamento do processo. Esses pressupostos para a configuração do interesse de agir são imprescindíveis, e como afirma Rogério Lauria Tucci (1989, p.105), o Poder Judiciário, através do juiz, deve tomar o cuidado para evitar a formação de processos inúteis, com manifesta economia de tempo, atos e despesas, o que constitui meta incontestável da moderna processualística. O interesse, no plano processual, desponta como condição para o exercício do direito de ação (GONÇALVES, 1994a, p.1227). 14 Para Torquato Castro, calcado em lição de Betti, não pode ser confundida a categoria jurídica da norma, que encerra o “poder” e o “dever”, com a categoria econômica-social do interesse. (CASTRO, Torquato. Teoria da situação jurídica em direito privado nacional; estrutura, causa e título legitimário do sujeito. 1985. p.64). 29 30 Traçando uma diferenciação entre direitos e interesses, o professor Aroldo Plínio Gonçalves (1994a, 1227-1228), apesar de reconhecer uma íntima relação entre as duas categorias, demonstra os sinais existentes na legislação no sentido de evidenciar a necessidade de distinção das mesmas15. Para ele, enquanto o direito subjetivo se configura como o momento de "verticalização da norma jurídica" que garante a pretensão exigível do titular em face da previsão feita no modelo normativo, o interesse seria outra modalidade de situação jurídica, que nem sempre contém de forma evidente a pretensão, concluindo que, quando obtém conteúdo jurídico o interesse passa a ser merecedor de garantias. Interesse e direito são coisas distintas. A palavra interesse tem origem etimológica do latim LQWHUVXPHVLQWHUHVVH LQWHUIXL, que em sentido próprio significa HVWDUHQWUHHVWDUVHSDUDGRSRUXP LQWHUYDOR, e em sentido figurado significa DVVLVWLUDHVWDUSUHVHQWH (FARIA, 1992, p.290). 15 "Sinais da necessidade da diferenciação entre direitos e interesses encontram-se na legislação recente, que trata das duas categorias de forma discriminada. A título exemplificativo, pode-se apontar o art.81, da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a defesa dos "interesses ou direitos coletivos" e a "interesses ou direitos difusos", a “interesses ou direitos coletivos" e a "interesses ou direitos individuais homogêneos", e o próprio art.83, III, da Lei no 75/93, que trata da proteção de interesses vinculados a direitos. Já se repetiu muitas vezes que definir é função da doutrina e não do legislador. Contudo, a separação insistente e cautelosa feita pela Lei no 8.078/90, que ao oferecer os elementos de distinção entre os interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, remeteu-os aos propósitos dela própria ("para efeitos deste Código"), denota a necessidade do avanço na precisão terminológica na própria legislação, a provocar a atividade dos doutrinadores. É certo que o legislador separou direito e interesse mas não ofereceu uma distinção entre as duas categorias. À doutrina cabe, portanto, retomar sua função."( GONÇALVES, Aroldo Plínio. A ação civil pública na Justiça do Trabalho. Out. 1994. p.1227-1228). 30 31 $ XWLOL]DomR GR WHUPR LQWHUHVVH QRV GLYHUVRV FDPSRV GR FRQKHFLPHQWR 2WHUPRLQWHUHVVHQDILORVRILD A palavra interesse não é uma propriedade do campo do direito. Segundo a definição encontrada em Abbagnano (1982, p.549-550), trata-se de um conceito moderno que Kant utiliza no domínio da estética para afirmar o caráter desinteressado do prazer estético. O interesse seria segundo Kant o prazer que jungimos à representação da existência de um objeto. Para Hegel o interesse seria o momento da individualidade subjetiva e de sua atividade, entendendo que ele era a presença do sujeito na ação. Tanto Kant, Hegel e Ihering utilizaram-se do termo interesse sob a perspectiva da organização social e da formação dos conceitos de direito em torno da figura do Estado, detentor da força impositiva de sua vontade. Habermas, autor moderno da filosofia pertencente à Escola de Frankfurt, pretendeu uma dupla finalidade em sua obra intitulada “ Direito e Democracia entre facticidade e validade” : [...]esclarecer por que a teoria do agir comunicativo concede um valor posicional central à categoria do direito e por que ela mesma forma, por seu turno, um contexto apropriado para uma teoria do direito apoiada no princípio do discurso. E ao desenvolver este ponto, eu tento elaborar um princípio reconstrutivo capaz de assumir duas perspectivas diferentes: a da teoria sociológica do direito e a da teoria filosófica da justiça.(HABERMAS, 1997, p.24). Dentre suas importantes contribuições, Habermas interrompe a seqüência histórica do pensamento que desde Aristóteles até Kant e Hegel organizaram e justificaram a estruturação da sociedade em torno da figura do Estado, para tentar reconstruir uma teoria do direito fundada no princípio do discurso.16 16 ³6HP G~YLGD WDQWR +HJHO FRPR $ULVWyWHOHVHVWmR FRQYHQFLGRVGH TXHD VRFLHGDGH HQFRQWUD VXD XQLGDGH QD YLGD SROtWLFD H QD RUJDQL]DomR GR HVWDGR D ILORVRILD SUiWLFD GD PRGHUQLGDGH SDUWH GD LGpLD GH TXH RV 31 32 Não que o Estado, tal qual o concebemos hoje, tivesse existido da mesma forma e por todos os séculos, com a mesma fisionomia. É evidente que ocorreram transformações importantes na evolução do Estado, mas o que é relevante aqui perceber é que essa estrutura de poder à qual se reconhece o nome de Estado e em torno da qual tudo se organiza e se justifica, passa a ser analisada por Habermas de outra forma. Habermas parte da constatação de que antes o Estado tinha um fundamento, ou alguma razão que o justificasse, de modo a haver o reconhecimento de seu poder. No Estado teocrático, o monarca era o representante do poder divino, o que por si só fundamentava seus atos e justificava o seu exercício. O Estado Aristocrático e o feudal estabeleceram como fundamento a convenção entre o monarca e a classe dominante no sentido de limitar os poderes do primeiro no pressuposto da manutenção dos poderes que deveriam ser compartilhados e exercidos em prol da classe dominante. O Estado de Direito pressupôs a submissão de todos, inclusive dos governantes, à legalidade e aos processos de exercício do poder fixados nas leis de um determinado país. Habermas constata que o Estado atual carece de um fundamento. A característica do Estado moderno é o fato de que o mesmo perdeu esse referencial e que a estruturação de uma auto-organização jurídica de cidadãos iguais e livres deve se dar sob as condições de sociedades complexas. (HABERMAS, 1997, p.24). Ou seja, o Estado não é o fim em si mesmo e nem tudo pode ser por ele e em função dele justificado. O Estado é apenas um dos entes que compõem a sociedade e existem vários interlocutores dentro dela que se posicionam em um mesmo patamar participativo. O Estado hoje deve ser um interlocutor, juntamente com os diversos segmentos da sociedade, no sentido de estabelecer um processo de participação dos sujeitos quanto às diversas pretensões existentes dentro dessa sociedade. A teoria do agir comunicativo de Habermas tenta assimilar a tensão que existe entre a facticidade e a validade, estabelecendo pelo processo da linguagem, do discurso, o consenso sobre as pretensões de validade manifestadas em uma dada sociedade. (HABERMAS, 1997, p.25) Essa nova perspectiva exposta por Habermas contribui sobremaneira para esclarecer que o poder do Estado democrático de direito, que seja formado por cidadãos livres e iguais, deve pressupor a participação dos diversos segmentos da sociedade e suas instituições através de processos de LQGLYtGXRVSHUWHQFHPjVRFLHGDGHFRPRPHPEURVDXPDFROHWLYLGDGHRXFRPR DVSDUWHVDXPWRGRTXHVHFRQVWLWXLDWUDYpVGDOLJDomRGHVXDVSDUWHV´ HABERMAS, Jürgen. Rio de Janeiro, 1997, v.I, p.19. 32 33 linguagem que estabeleçam as discussões sobre as diversas pretensões de validade dos sujeitos participantes. Desses processos de linguagem e da contraposição das diversas pretensões é que poderemos firmar sobre elas o consenso. É importante notar que, a teoria de Habermas da ação comunicativa tem grande relevância para o direito e, especialmente, para o direito processual, onde o debate em contraditório muitas vezes permitirá o estabelecimento de consensos sobre as situações jurídicas que serão a base de um futuro provimento . Apesar de haver a legislação, o direito codificado, Habermas secciona e minimiza a importância dos padrões transcendentais constantes nas normas, para reconhecer maior valia aos processos discursivos de aplicação do direito. Nesse passo ele abandona o idealismo Kantiano para construir sua teoria em torno da teoria da linguagem, da valorização da formação de consensos sobre pretensões de validade existentes na sociedade, e na construção democrática do direito tendo por fulcro o agir comunicativo de diversos sujeitos. É evidente que esse agir comunicativo presente nas sociedades complexas não é um mar de rosas.17. Primeiro porque para que haja a formação de um processo discursivo sério é necessário pressupor que os interlocutores têm de estar conscientes e orientar seu agir por pretensões de validade. (HABERMAS, 1997, p.38). Em segundo plano, temos de reconhecer que os processos discursivos vão se desenrolar em um dado momento e serão validados tendo em vista esse marco temporal, sob pena de perderem razão de ser em um contexto 17 ³ 4XDQWR PDLRU IRU D FRPSOH[LGDGH GD VRFLHGDGH H TXDQWR PDLV VH DPSOLDU D SHUVSHFWLYD UHVWULQJLGD HWQRFHQWULFDPHQWH WDQWR PDLRU VHUi D SOXUDOL]DomRGHIRUPDVGHYLGDHDLQGLYLGXDOL]DomRGHKLVWyULDVGHYLGD H D LQGLYLGXDOL]DomR GH FRQYHUJrQFLD GH FRQYLFo}HV TXH VH HQFRQWUDP QD EDVHGRPXQGRGDYLGDHQDPHGLGDGHVHXGHVHQFDQWDPHQWRGHFRPS}HPVH RV FRPSOH[RV GH FRQYLFo}HV VDFUDOL]DGDV HP DVSHFWRV GH YDOLGDGH GLIHUHQFLDGRV IRUPDQGR RV FRQWH~GRV PDLV RX PHQRV WHPDWL]iYHLV GH XPD WUDGLomR GLOXtGD FRPXQLFDWLYDPHQWH $QWHV GH WXGR SRUpP RV SURFHVVRV GD GLIHUHQFLDomR µVRFLDO¶ LPS}HP XPD PXOWLSOLFDomR GH WDUHIDV IXQFLRQDOPHQWH HVSHFLILFDGDV GH SDSpLV VRFLDLV H GH LQWHUHVVHV TXH OLEHUDP R DJLU FRPXQLFDWLYR GDV DPDUUDV LQVWLWXFLRQDLV HVWUHLWDPHQWH FLUFXQVFULWDV DPSOLDQGR RV HVSDoRV GH RSomR R TXH LPSOLFD XPD LQWHQVLILFDomR GDV HVIHUDV GR DJLU RULHQWDGR SHOR LQWHUHVVH GR VXFHVVR LQGLYLGXDO´ HABERMAS, Jürgen. Rio de Janeiro, 1997, v.I, p.44. 33 34 universalizado, padronizado para outras situações. (HABERMAS, 1997, p.39). Talvez esses sejam os pontos mais frágeis da filosofia de Habermas, porque a pressuposição do que sejam esses interlocutores conscientes encerra por si só uma definição subjetiva. Quem seriam esses interlocutores conscientes? Seriam interlocutores isentos, preparados e cultos, ou seriam partidários, cada qual em sua formação ideológica? Como seria composto o cenário dos debates? No âmbito da comunidade, em uma rua, em um bairro, em uma cidade, no parlamento, no país? Por outro lado, a variação de resultados dos processos discursivos poderia gerar a instabilidade de situações de fato nas quais os diversos sujeitos teriam diferentes decisões para a mesma situação, às vezes em um mesmo período de tempo ou também em espaços de tempo relativamente próximos. Quando surge a tensão entre a faticidade e a validade dos interesses manifestados, emerge em importância a lei, como fator estabilizador no sentido de prever os padrões de comportamento e a distribuição do direito em tese. Mas mesmo em face da lei em tese o conflito não se resolve por si só. Muitas vezes é essencial que se recorra ao sistema estatal vigente para a solução dos conflitos de interesses, cujo objetivo principal será a eliminação desse conflito através de uma sentença, um provimento judicial que ponha fim à controvérsia. O direito, portanto, se não decorrer de um processo de validação espontânea dos interesses, reconhecidos e harmonizados no seio da própria sociedade, decorrerá do provimento estatal que fixa a vontade da lei para o caso concreto. Mas entendemos que a proposta de Habermas é bem mais abrangente do que isso. Em verdade, quando ele admite que o Estado é apenas um dos componentes da sociedade, mas não é o único, e não é a sua instituição central, ele está dizendo que a sociedade é complexa, formada de diversas instituições e de sujeitos comunicantes. Quando no Estado são promovidos os processos legislativos e ocorrem as soluções dos problemas pelo consenso estabelecido nas normas ou pela forma de solução dos conflitos, que é o processo judicial, essas serão apenas formas internas nas quais o Estado soluciona seus problemas. 34 35 Entretanto, haverá sempre uma imensa gama de instituições e sujeitos que continuarão participando e levantando pretensões de validade, manifestações de interesses sobre esses processos estatais.18 Hoje em dia, isso é ainda mais visível, como as atuações das ONGs, associações, sindicatos, federações, partidos políticos e outras infinitas entidades paraestatais que, embora não atingidas diretamente pelo resultado do processo legislativo ou judicial, continuam mantendo e questionando os seus critérios de validade e de eficácia. A ação comunicativa não se limita ou esgota dentro do Estado, tendo um campo aberto para o desenvolvimento do discurso e a interlocução inclusive sobre a atuação do próprio Estado. Quantas vezes uma sentença judicial provoca a reação por parte daqueles que não são partes e nem poderiam ser por ela atingidos? Quantas vezes uma lei editada não gera protestos de entidades e de pessoas que dela discordam e saem às ruas para a manifestação pública de suas opiniões? Talvez o grande mérito de Habermas seja a constatação de que a sociedade é complexa, formada de diversos seguimentos e tendências manifestadas por diversas instituições que a compõem. O Estado, como as instituições em geral precisam se organizar e estabelecer padrões de comportamento aceitáveis para fundamentar a convivência de diversas pretensões de validade dos sujeitos que dele participam. Seja no processo legislativo ou no processo judicial, o Estado procura estabelecer o consenso sobre as diversas formas de acatamento das pretensões de validade. Considerando a organização estatal, esse padrão de comportamento previsto na norma facilita e estatui o consenso que servirá para reger os casos em abstrato. Os processos judiciais servirão para o Estado afirmar e reafirmar o conteúdo da norma quando haja uma divergência de sua interpretação ou mesmo a recusa de seu acatamento entre sujeitos que estejam em conflito de interesses ou manifestem diferentes pretensões de validade em face da norma. Com isso o Estado estaria, em tese, cumprindo o seu papel de garantir o primado da lei para todos. 18 ³ $Wp +HJHO D UD]mR SUiWLFD SUHWHQGLD RULHQWDU R LQGLYtGXR HP VHX DJLU H R GLUHLWR QDWXUDO GHYLD FRQILJXUDU QRUPDWLYDPHQWH D ~QLFD H FRUUHWD RUGHP SROtWLFD H VRFLDO 7RGDYLD VH WUDQVSRUWDUPRV R FRQFHLWR GHUD]mRSDUDRµPHGLXP¶OLQJtVWLFRHRDOLYLDUPRVGDOLJDomRH[FOXVLYD FRP R HOHPHQWR PRUDO HOH DGTXLULUi RXWURV FRQWRUQRV WHyULFRV SRGHQGR VHUYLU DRV REMHWLYRV GHVFULWLYRV GD UHFRQVWUXomR GH HVWUXWXUDV GD FRPSHWrQFLD H GD FRQVFLrQFLD DOpP GH SRVVLELOLWDU D FRQH[mR FRP PRGRV GHYHUIXQFLRQDLVHFRPH[SOLFDo}HVHPStULFDV´HABERMAS, Jürgen. Rio de Janeiro, 1997, v.I, p.19. 35 36 Mas essa perspectiva do Estado não esgotaria o discurso nem a necessidade de que ele continue presente no processo de interlocução dos diversos segmentos que compõem a sociedade. Não é por haver lei ou pelo fato de ser estabelecido um processo decisório que se terá exaurido o que ocorre no que Habermas chama de “ o Mundo da Vida” . Essa abordagem da obra de Habermas nos termos de uma valorização da teoria do discurso nos oferece um rico campo para a reavaliação do conceito de interesse, bem como do conceito de direito. $XWLOL]DomRGRWHUPRLQWHUHVVHQRFDPSRGDSHGDJRJLD Conforme relata Abbagnano, a noção de interesse foi muito utilizada no campo da pedagogia, onde representa a participação do educando no saber, e este se apresenta ao educando como útil. Abbagnano traz a contribuição de Herbart, para quem o interesse está no meio entre o ser espectador dos fatos e o neles intervir, onde seria uma participação ainda não totalmente ativa ou empenhada. O interesse seria diferente do desejo porque, enquanto o objeto deste ainda não existe, naquele o objeto já está presente e é real. Ainda dentro da pedagogia, Abbagnano diz que contemporaneamente Dewey tem insistido no valor do interesse, que atribui caracteres ao interesse, que seriam: a atividade, para o qual o interesse é dinâmico e impele a ação; a projetividade, em que o interesse projetaria sua finalidade fora de si, em algum objeto ou escopo ao qual ele se liga; e a propulsividade, que seria a realização interna de um sentimento ou valor. Essa concepção do interesse, calcada na pedagogia de Dewey, estaria influenciando, segundo Abbagnano, a teoria e a prática educacional em todos os países do Ocidente. (ABBAGNANO, 1982, 549-550). Dentro do campo da pedagogia, há que se destacar a obra de Paulo Freire (1987, p.77-86), especialmente quando, ao iniciar o capítulo sobre a dialogicidade da educação, procura abordar aspectos referentes à essência do diálogo. 5 $HVVrQFLDGDGLVWLQomRHQWUHGLUHLWRHLQWHUHVVH Parece-me que a noção de interesse diferencia-se da de direito em função do momento em que ambas se efetivam e realizam. 36 37 O homem não vive isolado e a existência de direitos a ele atribuídos pressupõe que haja um reconhecimento, uma aprovação, uma repercussão na esfera social, de um interesse manifestado pela parte. Enquanto manifestação unilateral de uma necessidade, um poder, uma faculdade perante um bem da vida, a pessoa tem apenas um interesse. A partir do momento em que seus interesses são manifestados e encontram respaldo na sociedade, são reconhecidos e respeitados na esfera de terceiros, podemos falar que temos um direito. O direito pressuporia um processo de validação racional da manifestação do interesse da parte em face do ordenamento jurídico. Somente a partir do consenso e do respeito sobre a manifestação do interesse da parte e da previsão legal no ordenamento é que podemos falar em direitos. O interesse, por outro lado, é uma manifestação, a vinculação de um sujeito a um bem, que pode ou não ser tutelado em lei e pode ou não interferir na esfera de terceiros. O interesse é sempre individual, porque pertence à esfera psíquica que liga um sujeito a um bem. Já o direito pressupõe um processo de reconhecimento, de validação da coletividade, que filtra o interesse manifestado pela parte e confere a ele o respeito decorrente do consenso. Quando se fala de interesse coletivo ou difuso a expressão, via de regra, é equívoca, porque o interesse é sempre individual. O que pode ser admitido como difuso ou coletivo é o número dos indivíduos que, de modo indeterminado ou agrupado, possuem interesses individuais manifestados num mesmo sentido e se encontram em face de um fato, numa mesma situação. Por outro lado, os direitos pressupõem um reconhecimento de que esses interesses difusos e coletivos pertencem àquele grupo de indivíduos e devem ser observados em face do ordenamento jurídico. Não há interesse difuso, mas uma indeterminação difusa de interessados. Tanto isso é verdade que os chamados interesses difusos podem ser sempre manifestados na esfera individual dos interessados. Quando ocorre a ação judicial de entidades na defesa coletiva de direitos, isso sempre dependerá de 37 38 autorização legal para a representação. E o que estará sendo discutido é o direito, e não o interesse difuso, visto que essas entidades, instituídas com a finalidade de tutela de direitos dos consumidores, do meio ambiente, etc., somente receberam da lei a legitimação para atuarem dentro da esfera delimitada em seus estatutos, e após o reconhecimento de que um fato atingiu um número indeterminado de pessoas, causando prejuízos merecedores de reparação. Esses entes agem como representantes das partes interessadas, como forma de facilitar o acesso à Justiça, mas nunca serão partes, porque não sofrerão os efeitos do provimento. O fato de se reconhecer à entidades a defesa de interessados indeterminados não elimina a legitimação individual desses interessados, que sempre manterão seus interesses particulares. O interesse nasce e se exaure na intenção do sujeito, em sua manifestação perante as outras pessoas, na sua esfera privada. Os interesses manifestados são afirmações da vontade do sujeito em face de um bem. Não ocorre a sua transformação em direitos. Estes não pertencem à esfera privada de manifestação da parte, mas sim à esfera pública. Os direitos são tipicamente um fenômeno social. Não existe direito sem que haja o reconhecimento pelo Estado, pelos outros sujeitos, de que os poderes ou faculdades exercidos pela parte sobre o bem são legítimos. A partir do momento em que há o reconhecimento social, o respeito às faculdades e poderes exercidos pelo sujeito sobre o bem, estabelece-se o consenso de que aquele é o titular legítimo de um direito. E mesmo quando não haja o consenso sobre um interesse manifestado pela parte, se o titular o afirma em juízo, pleiteando o reconhecimento judicial da prevalência desse interesse e o juiz assim o acata, então não teremos mais um mero interesse, mas um direito assim declarado. Os direitos nascem da aceitação, do consenso sobre as manifestações dos interesses dos sujeitos, ou do reconhecimento compulsório da validade do interesse manifestado pelo sujeito e admitido pelo juiz em uma sentença. Os interesses são fase pré-lógica, antecedente, e nunca se confundirão com os direitos, que exigem um processo de validação, de legitimação dos interesses na sociedade para que possam ser chamados de direitos. $LPSRUWkQFLDGDGLVWLQomRHQWUHRVLQWHUHVVHVHRVGLUHLWRV Qual a importância de uma distinção entre os interesses e direitos? Seria uma mera questão formal ou terminológica? 38 39 É de fundamental relevância, que a terminologia sobre determinada matéria seja bem delimitada e conhecida, sob pena de não haver o entendimento e a unificação do discurso, e não ser possível o consenso. Toda a base para o conhecimento de uma ciência reside na possibilidade de que haja o entendimento sobre os termos que a compõem. Como estudar, legislar, aplicar e interpretar uma ciência cuja terminologia é obscura e vacilante? A nossa legislação, em diversas oportunidades, utiliza-se das expressões interesses e direitos, denotando um claro sentido de que não se tratam de expressões sinônimas. E expressões como direito subjetivo, direito objetivo, que ingressaram na linguagem jurídica de diversos sistemas jurídicos, refletem uma perspectiva dualista do ordenamento jurídico, como se existissem direitos fora do processo e independentes da ação. Satta e Punzi (2000, p.130) afirmam que, em verdade não existem os direitos subjetivos. Existem interesses que surgem de determinados fatos e que, enquanto a lei lhes reconheça e garanta, nós chamamos direitos. Para Satta e Punzi (2000, p.130) a ação deve ser analisada numa visão integral do ordenamento jurídico, do qual ela constitui o momento central e essencial. Somente através da ação é que se pode, segundo Satta, falar de juridicidade do ordenamento. Para Satta e Punzi (2000, p.130), a concepção dualista parte da idéia de um ordenamento constituído de um complexo de normas que regulam toda a vida associada. A força dessa idéia é tão forte que ela se transforma em uma realidade objetiva (o direito objetivo). E a essa realidade objetiva se faz corresponder a idéia de direito subjetivo. Tudo isso na abordagem de Satta é uma abstração que tem seu valor apenas do ponto de vista didático, mas que se esquece de uma coisa: que o direito vive no concreto, é antes o concreto, e a norma é ordenamento somente enquanto efetivamente uma ordem a estabeleça, uma realidade se componha em uma certa ordem. Tanto o direito objetivo quanto o subjetivo existem no que é concreto. A ordem se realiza nos sujeitos e nas situações particulares dos sujeitos, que são as componentes e resultantes dessa mesma ordem. A distinção entre os interesses e direitos é de máxima importância, porque muitas situações jurídicas não são hoje explicadas em função da tese de Ihering, que equiparou essas duas expressões. 39 40 Segundo a concepção de Ihering, como pode ser explicado o fato de termos interesses de certos sujeitos que às vezes se contrapõem aos seus próprios direitos? Explicando melhor, consideremos que um empregado de uma empresa aceite renunciar a direitos trabalhistas, trabalhar além de suas forças e em horários e condições agressivas à sua saúde, com alterações danosas ao contrato de trabalho antes vigente. E imaginemos ainda que, na hipótese, o empregado assim age porque teve a ameaça de perder o emprego se não se submetesse a essas condições. Ora, teríamos no caso um interesse individual do empregado na manutenção do emprego, que é o bem por ele considerado maior. Mas teríamos ainda uma série de direitos oriundos da constituição e das leis ordinárias que teriam sido ofendidos e que autorizariam inclusive ao sindicato e aos órgãos fiscalizadores atuarem na repressão desses fatos, mesmo contra o interesse do indivíduo. Se acatássemos a definição de Ihering teríamos de admitir que essa situação seria inconcebível, porque tanto o interesse individual e a pletora de direitos seriam a mesma coisa, quando na verdade não o são. Se admitirmos nossa concepção da cisão entre os conceitos de interesses e direitos, o entendimento desse problema se torna de fácil explicação. O fato de haver o interesse do indivíduo na manutenção do emprego não significaria a sua transformação em um direito. A manifestação do interesse teria de passar pelo processo de validação social em face do direito vigente. Se o direito veda a possibilidade de que sejam renunciados direitos pelo empregado, isso significa que esse interesse não poderia ser validado em face do critério vigente para o seu reconhecimento como um direito. O interesse individual no caso examinado não poderia ser legitimado pelo processo de validação social e judicial. O sujeito poderia manifestar o seu interesse na sociedade e mesmo judicialmente, mas o modelo legal de tutela do trabalhador consideraria válida a prevalência do critério legal sobre o interesse particular. 2VGLUHLWRVFROHWLYRVHGLIXVRVVHJXQGRQRVVRFULWpULR Negamos em diversas oportunidades em nossa exposição a existência de interesses coletivos e difusos. Sob o nosso prisma, os interesses são sempre individuais e, se assim é, não há como reconhecer que a manifestação individual do interesse de uma parte em face de um bem possa ser difusa. O interesse é sempre identificável e relacionado a uma pessoa que manifesta 40 41 sua intenção. Até mesmo a difundida expressão “ interesses difusos” foi idealizada tomando por pressuposto básico os sujeitos, para ressaltar que, com relação a essa espécie de interesses não há como identificar cada um daqueles possíveis interessados. Entretanto, as circunstâncias, os fatos que atingem a diversos interessados, podem gerar nesses interessados uma mesma vontade em face de um bem. Perceba-se que não é possível identificar os diversos interessados, visto que as repercussões do fato, suas circunstâncias, atingiram um número elevado de interessados, não sendo possível identificá-los de plano. Mas o interesse será sempre determinável e dependerá apenas da verificação se, o fato ou suas circunstâncias, atingiu individualmente aquelas pessoas que se manifestaram. A rigor será sempre o fato e suas circunstâncias que determinarão se os diversos interessados podem ser agrupados em interessados, homogêneos, coletivos ou difusos. A doutrina tradicional, centrada na tese de Ihering, já referida neste trabalho, sempre privilegiou o aspecto subjetivo como critério de classificação dos interesses difusos. A explicação dos interesses difusos sempre se fez a partir da indeterminação dos sujeitos, restando a circunstância de fato como um dado secundário da definição. Entretanto, a perspectiva que melhor esclarece o problema dos interesses difusos é a que parte do fato, de sua repercussão social para a identificação dos diversos sujeitos interessados e atingidos. Se a abrangência do fato for tamanha que não se possa identificar o número de interessados individuais no mesmo estaremos diante de interessados difusos. Se o fato atingiu um número de interessados pertencentes a um grupo organizado e associado teremos os interessados coletivos. Se, por outro lado, o fato atinge um número determinável de indivíduos não organizados ou associados, mas que manifestam de modo homogêneo os interesses que se harmonizam, temos os interessados homogêneos. Em quaisquer dessas hipóteses os interessados poderão agir individualmente ou em litisconsórcio. Poderão ainda, de acordo com a legislação vigente, admitir que a demanda seja movida por um legitimado que congregue os poderes de representação de todos os atingidos pelos fatos danosos e suas circunstâncias. Sem que haja a previsão legal da representação, por entidades ou órgãos, dos diversos interessados, não poderemos admitir em juízo a defesa desses interessados por esses representantes. ,QWHUHVVHVRXGLUHLWRVS~EOLFRV" 41 42 Poderíamos ser questionados ainda quanto ao chamado interesse público. O que seria o interesse público? Ele não invalidaria os argumentos no sentido de que o interesse seria sempre individual? Da mesma forma o chamado interesse geral não teria o mesmo problema? Não existe o interesse público ou interesse geral. O interesse será sempre individual. Dentro da esfera de atuação do órgão público, nas competências que recebe da legislação, o agente político é o detentor dos poderes conferidos pelo direito legislado de conduzir a administração pública no sentido de cumprir as determinações legais e constitucionais. Os administradores, os legisladores, os juízes, agirão sempre no sentido de respeitar as normas às quais estão vinculados. Essas normas representam o consenso da sociedade sobre os padrões de comportamento esperados e que devem ser cumpridos pelos agentes políticos. O agente político é um representante do povo, que o legitima no cargo para que ele cumpra as determinações extraídas dos processos políticos de legitimação do poder. O agente político não age, ou pelo menos nunca deveria agir, com base em um interesse individual na condução e implementação das determinações legais às quais se submete. Aliás, sequer há um interesse público. Quando a doutrina tradicional menciona a expressão interesse público, em verdade deveria se referir a direito público. E isso porque os agentes políticos, nas atividades da administração, legislação ou julgamento, sempre estarão vinculados à lei, e deverão agir no pressuposto de que a estão cumprindo. O princípio da legalidade é princípio de direito administrativo insculpido nas modernas legislações e em nossa Magna Carta. A Constituição, as leis infra-constitucinais que organizam a estrutura de funcionamento do Estado, estabelecem o consenso, o padrão de comportamento que se deve esperar dos agentes políticos. Se o agente político se distancia dos limites estabelecidos pelo direito vigente, ele não age em nome do Estado, do povo ou vinculado ao direito vigente e sim em nome próprio e deve arcar pessoalmente com as conseqüências de seus atos. Sem dúvida que essa perspectiva abre um enorme campo de pesquisa para a revisão da teoria da responsabilidade pelos atos administrativos, o que, embora não seja o objetivo deste trabalho, demonstra o alcance e as repercussões da distinção entre direitos e interesses. 42 43 A expressão interesse público é inconcebível em um sistema democrático que pressuponha a vinculação dos agentes políticos ao consenso estabelecido pela norma. O agente público age, portanto, sempre com base no direito e não em seu interesse pessoal, particular, não se podendo admitir a existência de interesse individual, mas sim de direito público a reger a atuação do agente político. Apesar de o agente político pretender sempre agir de acordo com a legalidade, isso não significa que efetivamente o faça. De aí existir sempre a possibilidade de impugnação dos atos dos agentes políticos. No plano administrativo através da atuação em processos judiciais. No âmbito judicial através do reexame dentro do processo pelo recurso. Na esfera legislativa através do controle de constitucionalidade das leis. ([LVWHRFKDPDGRLQWHUHVVHJHUDO" Os chamados interesses gerais também não existem. Se o interesse é sempre particular, seria inconcebível imaginar que ele pudesse ser generalizado em uma concepção racional idealizada. Os chamados interesses gerais, no sentido como conceitua a doutrina, de interesses de toda a sociedade, em verdade já se encontram respaldados na legislação. É a lei, votada no congresso nacional segundo o devido processo legislativo, que consubstancia os direitos admitidos em uma determinada sociedade e que devem ser respeitados e aplicados de maneira geral. O critério de se estabelecer, a priori e sem respaldo legal, o que seja o interesse geral, é um tanto quanto perigoso. O chamado interesse geral pressuporia análises subjetivas do interlocutor, que atribuiria à coletividade, à sociedade, a interpretação de que estaria em vigor nessa comunidade um certo interesse conforme ele o percebeu. Mas a análise subjetiva do interlocutor dependeria de um alto grau de sensibilidade e imparcialidade, no sentido de imaginar e interpretar corretamente a “ vontade geral” . Com poderes quase plenipotenciários, esse interlocutor iria inferir que a soma de todos os interesses individuais iria resultar no interesse geral por ele percebido. E qual seria o critério para o reconhecimento desse interesse? Qual seu âmbito de análise e aplicação? Quais fatores entrariam na formação e influenciariam o interlocutor para a formação de seu julgamento? Teríamos que imaginar um Deus, um visionário ou um déspota como aquele que poderia ser o intérprete incontestável do chamado interesse geral. 43 44 É evidente que o interesse sendo individual não pode admitir a existência de um conceito que generalize esse interesse, no qual ele passaria a ter uma idéia supra-sensível e diferente do interesse individual. O que existe é o direito público que se aplica à generalidade das pessoas por seu o processo de validação do interesse da parte. ,QWHUHVVHVXEMHWLYRGLUHLWRVXEMHWLYRGLUHLWRREMHWLYR Alguns conceitos têm de ser revistos, como, por exemplo, a classificação dos direitos em direito subjetivo e direito objetivo. O direito subjetivo somente existe a partir do momento em que a sociedade espontaneamente confere validade ao interesse da parte, ou quando o sujeito consegue o reconhecimento judicial, através de um processo de validação de seu interesse. O que se tem antes desse momento é o interesse do sujeito, portanto um interesse subjetivo que ainda não é direito subjetivo. Somente haverá o direito subjetivo se o interesse do sujeito for validamente reconhecido pelos processos de validação (reconhecimento espontâneo da sociedade ou atividade substitutiva estatal – devido processo legal). O direito objetivo é a lei posta como critério de conduta em uma determinada sociedade. Vale para todos e pode ser invocado para a fundamentação das manifestações de interesse dos sujeitos na vida social. Mas nunca poderão ser impostos numa sociedade que tenha o modelo do Estado Democrático de Direito como seu paradigma de conformação estatal, porque o direito é fruto da convivência compartilhada, do confronto e do consenso entre as situações da vida e a lei vigente. 2VLQWHUHVVDGRVHRUHFRQKHFLPHQWRGDH[LVWrQFLDGHYDORUHV FRPXQV 2VYDORUHVFRPRSDUkPHWURGHDJOXWLQDomRGHLQWHUHVVHV A aglutinação de interessados difusos ou coletivos em torno dos mesmos objetivos contribuiu para o surgimento e posterior reconhecimento de entidades intermediárias entre o Estado e o indivíduo. Essa não foi uma conquista fácil. 44 45 Perceberam os indivíduos que caso se unissem para a defesa de seus interesses teriam mais força na demonstração e conquista de seus objetivos comuns. Surgiram as corporações de ofício, posteriormente os sindicatos, associações, cujo sentido de existência era exatamente a representação dos interesses de seus associados. Essa idéia evoluiu, surgindo a noção de categoria, classe, sujeitos indeterminados (difusos) e a defesa feita pelas entidades intermediárias também passaram a beneficiá-los. Mas nunca foram poucas as dúvidas sobre a extensão desses poderes representativos das entidades intermediárias. As pessoas jurídicas criadas para a defesa dos interesses dos associados e que em muitos casos também defendiam indiretamente os interesses dos não associados sempre engendraram problemas de interpretação sobre os limites dessa representação. Como explicar que um sindicato de categoria profissional pode estabelecer com um sindicato patronal, por convenção coletiva, condições de trabalho que passarão a vigorar para toda a categoria e não apenas para os associados? Ou seja, as cláusulas da convenção coletiva passarão a integrar as cláusulas do contrato individual do trabalho, mesmo que aquele trabalhador não seja filiado ao sindicato. O próprio conceito de categoria gera perplexidade e insegurança na doutrina porque, se o sindicato representa também os não associados, isso não aproximaria essa situação daquela atinente aos interessados difusos? A alusão a uma categoria não indeterminaria em parte os sujeitos abrangidos pela representação sindical? Ora os interessados difusos são todos os que são afetados por um fato e os interessados coletivos 45 46 são todos afetados pela circunstância de pertencerem a um determinado ramo de atividade produtiva... Também no campo do direito difuso a questão aparece. Como entender que o Movimento Mineiro das Donas de Casa, uma entidade associativa que representa apenas seus associados, possa estabelecer por convenção coletiva de consumo, cláusulas sobre preços de produtos com uma determinada rede de supermercados, que evidentemente põe seus produtos à venda para todos os consumidores e não apenas aos associados daquela associação? Pensamos que o elo entre os interesses, que são a manifestação de um sujeito em face de um bem, e o seu posterior reconhecimento como direitos coletivos ou difusos são conformados a partir da existência de valores. No plano jurídico esses valores são encontrados nas normas vigentes em um dado momento na sociedade, segundo sua estrutura normativa e, ainda, nas diversas atas, estatutos constitutivos de sociedades, associações, sindicatos ONGs, que manifestam um objetivo comum para o qual são constituídas. Os interesses, que são a manifestação da individualidade, em diversas situações revelados na sociedade pelos sujeitos, gerarão processos de aproximação desses sujeitos para uma organização comum que melhor atenda à tutela de seus interesses. Mas isso só é possível porque existem valores previstos objetivamente no sistema normativo e porque existe a aceitação e aplicação desses valores pela sociedade. Somente existe o direito coletivo de representação da categoria porque a lei define a possibilidade de o sindicato agir em nome de pessoas que se aglomeram para a tutela dos direitos trabalhistas previstos em lei. Somente é possível a tutela dos interessados difusos porque a lei estabelece que eles podem ser representados 46 47 por entidades criadas com o objetivo da tutela em legitimação concorrente desses interessados. O processo argumentativo presente na sociedade revelará sempre sujeitos que buscam o consenso com os demais sujeitos sobre os seus interesses individuais manifestados e que tendem a ser aceitos pelo grupo em face dos valores ali vigentes em confrontação com a norma jurídica válida. Os valores são, segundo nosso entendimento, o eixo que permite o giro entre a manifestação da individualidade e a sua projeção na esfera de diversos sujeitos, que identificarão a possibilidade de se aglutinarem em torno da defesa da prevalência de seus interesses individuais comuns sob a forma de um ente que os represente. Os valores informam o legislador no momento de elaboração da norma e são conformados dentro do ordenamento com o reconhecimento dos direitos que formam o sistema jurídico positivo vigente. É de extrema importância, portanto, que nos aprofundemos no estudo dos valores, para que possamos posteriormente tentar explicar os limites que devem prevalecer e os efeitos que deverão ser reconhecidos entre os interesses dos indivíduos e do ente que os representa. 2VYDORUHV O uso filosófico do termo “ valor” começou com os estóicos, quando houve a sua generalização para indicar qualquer objeto de preferência ou de escolha (ABBAGNANO, 1962, p.952). A retomada de sua noção no mundo moderno se deu com Hobbes, que reaviva a noção subjetiva de bem (ABBAGNANO, 1962, p.952). 47 48 Kant havia identificado o bem com o valor em geral, ou seja, cada um denomina bem aquilo que aprecia e aprova. Estaria no bem um valor objetivo, sendo que tal fato se daria em relação a todos os seres racionais (ABBAGNANO, 1962, p.952-953). Kant, entretanto, não aplicava a palavra valor para a indicação do que é belo, prazeroso; limitando o conceito dentro de uma perspectiva objetivista (ABBAGNANO, 1962, p.953). Mas foi a corrente psicologista do kantismo, e especialmente Windelband(1884), que introduziu a noção subjetivista de bem. E com Nietzsche(1886/1887) a discussão dos valores atingiu o seu ápice, tornandose fundamental para a filosofia (ABBAGNANO, 1962, p.953). Nietzsche propôs a inversão dos valores tradicionais, criticando a moral cristã, para retirar do WRSRV XUDQRV os chamados “ valores eternos” e, em seu lugar, colocar os “ valores vitais” , que seriam os valores próprios do homem (ABBAGNANO, 1962, p.954). Os valores não seriam mais “ absolutos” e sim “ relativos” . Contemporaneamente os valores têm sido definidos como uma possibilidade de escolha. Ela segue uma disciplina que permite identificar o caminho mais inteligente e eliminar as opções nocivas, privilegiando a repetição das escolhas corretas, que tendem à permanência e universalidade (ABBAGNANO, 1962, p.956). Para Cabral de Moncada (1965, p.306-307) os valores projetam-se sobre a vida em variadas combinações, que ficam registradas na alma das diferentes épocas e culturas. Para o autor, a dignificação dos direitos positivados decorre dessa projeção (MONCADA, 1965, p.307). Os princípios gerais que ordenam juridicamente os Estados formam-se da combinação entre as exigências das condições fundamentais da vida e da interpretação dos valores 48 49 que são positivados. E adverte que nenhum Estado pode subsistir sem uma combinação dessa natureza, sob pena de se transformar em cultor de valores meramente materiais, sem qualquer preocupação com valores mais altos (MONCADA, 1965, p.307). A fonte e condição de existência dos valores é a personalidade humana (MONCADA, 1965, p.290). A positivação das condutas no ordenamento jurídico implica em uma concepção tridimensional do Direito em três diferentes planos: o fato, a norma e o “ valor” (MONCADA, 1965, p.288). Falar em anseios da sociedade induz, necessariamente, a perquirir quais os valores vigentes hoje em nosso corpo social, para que possamos, após essa constatação, verificar qual o direcionamento dado na organização do Estado brasileiro e qual a forma adequada de paradigma punitivo. Para ressaltar a importância do estudo prévio dos valores, basta olharmos para a experiência da Constituição americana, que por mais de duzentos anos vem resistindo no tempo, justamente porque os valores atuais e fundamentais da sociedade vêm influenciando a reinterpretação de seu texto. No Brasil tivemos dentre outras a experiência do Código Civil, que vigorou desde 1917 e foi reinterpretado durante quase um século para a adequação aos novos padrões valorativos da sociedade brasileira. A nova dimensão trazida com o acatamento dos direitos coletivos e difusos modificou a antiga matriz do individualismo e da autonomia da vontade privada, que via no indivíduo o centro de todos os direitos. Ao lado dos direitos individuais, foram reconhecidos neste século direitos que sempre existiram, mas que não tinham espaço e eram abortados do ordenamento jurídico (MACIEL JÚNIOR, 1996, p.35). Esses “ novos” direitos são 49 50 hauridos em uma nova atmosfera, coletivizada, ou muitas vezes fragmentada, difusa, porque numa sociedade de massa muitas vezes não se consegue identificar claramente todos os interessados atingidos por determinado fato. Somente foi possível o acatamento desses direitos porque houve uma disseminação dos Estados Democráticos de Direito, que passaram a permitir e proteger a atuação das associações, ao invés de combatê-las como se fossem perigosos inimigos que exerciam atividades paralelas e concorrentes às do Estado (MACIEL JÚNIOR, 1996, p.34-36). Norberto Bobbio (1992, p.6-7) esclarece que os direitos coletivos, chamados de “ direitos de segunda geração” e os direitos difusos, chamados de “ direitos de terceira geração” , não nascem de uma só vez. Eles decorrem de novos carecimentos, que por sua vez aparecem em virtude das alterações nas condições sociais e das aquisições do progresso técnico. A perspectiva democrática do Estado e o aparecimento e reconhecimento de direitos coletivos e difusos revelam o novo quadro fático, sob o qual novos valores devem ser detectados e projetados. A Constituição brasileira de 1988 acatou o modelo democrático como parâmetro estatal, o que é ressaltado por Raul Machado Horta (1995, p.134135). Houve a recusa da sociedade brasileira a qualquer forma de autoritarismo e de messianismo político, que conduzem à opressão do Estado e à tirania (HORTA, 1995, 134-135). No Título I, do art.1o. ao 4o., a Constituição Federal de 1988 traçou os princípios básicos sob os quais deve ser organizada a sociedade brasileira. Nesses princípios podemos detectar claramente a opção valorativa que 50 51 ordenou a nossa estrutura constitucional. Encontramos os seguintes princípios que interessam para esta monografia: 1-) Adoção do Estado Democrático de Direito; art.1o, CF/88; 2-) A dignidade da pessoa humana; item III, art.1o.,CF/88; 3-) Os “ valores” sociais do trabalho e da livre iniciativa; item IV, art.1o.CF/88; Ainda no Título I, mas como objetivos a serem atingidos, foram adotados os princípios que se seguem: 1-) Construção de uma sociedade livre, justa e solidária; item I do art.3o., CF/88; 2-) Atingir a igualdade sem preconceitos; itens III, IV do art.3o., CF/88. O Título II da Constituição Federal de 1988 retoma a perspectiva principiológica e traça os direitos e garantias fundamentais, bem como os deveres, que precisam ser organizados na sociedade de modo coletivo ou individual, mas sempre com respeito à inviolabilidade da vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. A Magna Carta de 1988 colocou a vida, a Justiça, a igualdade de condições, a liberdade, a solidariedade, no vértice da pirâmide valorativa da organização política brasileira. Esses valores adotados em nossa Constituição são a luz que ilumina o tortuoso trajeto rumo à efetividade dos direitos. Embora sejam sempre cultuados, não significa que o homem consiga implantá-los. A vida tem tratado de corrompê-los (MONCADA, 1965, 291), a despeito de ser necessária a sua permanência como patrimônio do ideário que se pretende 51 52 efetivar, a fim de tirar o homem do reducionismo materialista ao qual não deve ficar confinado. Os valores nascem para que sejam efetivados, embora o homem muitas vezes deles se esqueça e distancie. Os valores constituem uma fonte necessária de idéias de aprimoramento do egoísmo humano, reavivando a memória coletiva no sentido de harmonizar os interesses e possibilitar a convivência social. Os valores são a projeção da pluralidade dos interesses individuais manifestados em uma sociedade e que terminam por se incorporarem nas normas de um país segundo o processo legislativo vigente. Os valores são a chave que permite a compreensão de como ocorre a canalização dos interesses de cada indivíduo para uma síntese, uma simbiose de interessados que se unem para a defesa comum de seus interesses. Quando o indivíduo reconhece a projeção de seu interesse nos objetivos estatutários e na atuação de determinada entidade intermediária, ele convenciona, estabelece um consenso, no sentido de que aquela entidade pode melhor atender à tutela de seus interesses. Se uma associação, um sindicato, estrutura-se para a representação de seus associados e de uma categoria, ele terá de obedecer a regras de constituição segundo o direito vigente e receber a legitimação para agir em nome da coletividade, nos termos da previsão legal de determinada sociedade. Se não há a previsão legal, em certo sistema normativo, para que haja a possibilidade da representação pela entidade intermediária, o indivíduo terá de fazer valer seus interesses apenas através de suas reivindicações individuais. E isso pode ser facilmente constatado na evolução histórica das entidades intermediárias entre o Estado e o indivíduo. Sempre existiram fatos que afetaram a vida de um número indeterminado de pessoas, mas isso não significou no passado que fossem reconhecidos direitos difusos. Somente com a evolução da sociedade, a lenta conquista de direitos, a inserção desses 52 53 direitos pela defesa de novos valores para a sociedade, é que se pôde falar em direitos coletivos e difusos. Isso se deu em função de um novo e inegável patamar de valores que passaram a reger a vida moderna. No universo jurídico, pairam as normas que regem as hipóteses de conduta dos indivíduos e fixam valores que devem vigorar no convívio social. A interpretação de cada um desses valores é individualizada em cada sujeito da comunidade, que imprime, pela sua manifestação nessa sociedade, os seus interesses. Entretanto, o reconhecimento desses interesses depende de um processo de validação espontâneo ou judicial para que se tornem direitos. Ou a sociedade espontaneamente resolve sobre a prevalência de consensos fundados em valores que nela vigoram e irão orientar a fixação de convenções sociais; ou há o recurso ao processo judicial, onde o Estado, através do Juiz, irá conduzir um processo racional de estabelecimento de qual interesse deve prevalecer no confronto sistemático das normas que orientam aquele ordenamento jurídico. 2FRQFHLWRGHSURFHVVR Se em nossa concepção os interesses são a manifestação de vontade de um sujeito em face de um bem; se os interesses estão na base da formação dos direitos, mas não se confundem com ele; se os direitos somente existem a partir do momento em que ocorre um processo racional de validação através do consenso, seja pela sociedade, seja pela atividade substitutiva estatal; temos como próximo passo a enfrentar que definir o que é o processo. A primeira constatação a ser ressaltada é que o processo é um instrumento discursivo da racionalidade, presente na sociedade, que cria mecanismos espontâneos de reconhecimento dos interesses dos diversos sujeitos nela presentes. E o processo é também um conjunto de garantias asseguradas pelo Estado, para que as partes solucionem o conflito de interesses não pacificados espontaneamente. Como tivemos a oportunidade de expor, quando um interesse manifestado por um sujeito não encontra respaldo na sociedade, que não lhe reconhece legitimidade, ele poderá invocar que, em face do direito vigente, o Estado, através do juiz, lhe reconheça a validade. Esse interesse manifestado perante o judiciário, se for reconhecido e julgado procedente, será transformado em direito. O processo, portanto, faz parte da formação do direito. Ele é a atividade substitutiva de um processo espontâneo frustrado existente na sociedade e que gerou um conflito de interesses. Em face disso, os interessados podem 53 54 recorrer ao Poder Judiciário para que, dentro de um processo judicial, haja a solução da controvérsia existente. O processo é de uma fundamental importância em uma sociedade, porque é ele que vai definir o que é o direito para as situações conflituosas, impondo uma decisão que deverá ser observada pelos contendores. A definição legal e a observância do conjunto de garantias processuais e do modelo processual a ser adotado definirão o grau de evolução e democracia presentes em uma sociedade. Podemos conceituar o processo como um conjunto de garantias estruturadas em técnicas postas a serviço do homem para a manifestação de seus interesses de forma ordenada e racional, no intuito de produzirem as provas necessárias à confirmação desses interesses. O processo é uma atividade substitutiva e que culmina na definição do direito para o caso concreto. O pressuposto da existência de um processo é a manifestação de um interesse que se quer ver reconhecida perante uma outra pessoa ou perante a sociedade, e que resultou sem consenso através de um processo espontâneo de reconhecimento de validação do interesse. 'XDOLGDGHRXXQLGDGHGRRUGHQDPHQWRMXUtGLFR Não é nova a discussão sobre a unidade ou dualidade do ordenamento jurídico. Para os autores que defendem a primeira tese, somente haveria verdadeiramente o direito a partir do momento em que o juiz declara, em sentença que um determinado sujeito tem direito a um bem em face de outro. Para a teoria dualista, existem os direitos que são decorrentes de um reconhecimento em um provimento jurisdicional, e direitos que são reconhecidos espontaneamente pelos diversos sujeitos em uma sociedade. A estruturação das sociedades em Estados, organizados em função de uma ordem jurídica hierárquica, submeteu a todos, inclusive ao próprio Estado, a um conjunto de normas que devem ser observadas para o convívio social. É evidente que a ordem jurídica, que é estática, criada historicamente, em dado momento, possui leituras variadas pelas diversas gerações que vão conviver com as mesmas leis em épocas diferentes. Para que uma lei sobreviva no tempo e possa ser útil em dada sociedade, é óbvio que ela será adaptada ao seu tempo pelos sujeitos que dela se utilizarão na prática em certo momento histórico e isso repercutirá nos processos espontâneos de observância e reconhecimento dos interesses alheios e, 54 55 também, nos processos judiciais em que os interesses serão questionados em face daquela lei vigente. As pretensões de validade universais inseridas na norma para vigorar em uma comunidade e que o legislador elabora LQDEVWUDWR para que abranja o maior número possível de situações da vida, são uma mera ficção racionalista, no intuito de estabelecer um critério de convivência segundo processos de legitimação da lei e do poder. Esse momento “ estático” do ordenamento não exaure, entretanto, a vida social, como bem esclarece Habermas. É fundamental que se tenha a perspectiva de que a “ aplicação” do direito legislado é tão ou mais importante quanto a vigência formal da lei. Os processos de validação dos interesses pela sociedade e os processos de validação dos interesses através do processo são processos igualmente válidos e fazem parte da criação do direito para o caso concreto. Isso não significa que o ordenamento jurídico ou o direito esteja reduzido ao processo. Essa afirmação seria o mesmo que incorrer no equívoco de Ihering ao confundir os interesses com os direitos. Os interesses são manifestações unilaterais de vontade dos diversos sujeitos dentro de sua esfera de personalidade. Os direitos são o reconhecimento de que os interesses dos sujeitos são válidos, o que pode ser obtido por processos espontâneos de validação desses interesses ou pela via judicial. Já o processo é a técnica pela qual as manifestações dos interesses, sejam espontâneas na sociedade ou judiciais, serão canalizadas para uma confrontação em contraditório. Não se pode confundir a técnica pela qual o direito é formado, com o próprio direito, nem com o ato de manifestação do interesse pelo sujeito. O ordenamento jurídico tem, portanto, grande importância para a sociedade, que nele tem um parâmetro de conduta. Entretanto, a sociedade não se exaure nesse ordenamento e as diversas questões surgidas entre os sujeitos que a compõem poderão ser resolvidas espontaneamente entre os envolvidos ou através do processo de validação dos interesses manifestado perante o Estado que, através de seus agentes, decidirá qual o sentido de interpretação deverá ser impresso no caso concreto. Ambos os processos, o espontâneo e o judicial, são igualmente importantes e inerentes a uma sociedade organizada. 55 56 É evidente que esses processos sofrerão a influência da estrutura social na qual foram idealizados e implantados. O direito processual tem passado por transformações que são mais uma imposição das alterações sociais do que propriamente uma contribuição de alguns teóricos do direito processual, que entendem já haver um patamar de conceitos suficientes para o direito processual. O direito processual enquanto Ciência, não comporta respostas definitivas, mas esclarecimentos necessários e permanentes de uma evolução constante. Não pretendemos estabelecer um ponto de chegada, mas de partida, para uma revisitação de conceitos que foram se formando entorno de bases equivocadas e que hoje não se sustentam mais em face da realidade. Evidentemente pretendemos que os processos de reconhecimento do direito tenham uma configuração democrática e isso não se faz possível sem que se pressuponha o diálogo entre seus atores, o que juridicamente se delineou no conceito de contraditório. 2SURFHVVRHVWUXWXUDGRGHPRFUDWLFDPHQWH Tanto o processo espontâneo de formação do direito, quanto o processo judicial, deve pressupor, para uma estruturação em torno de princípios democráticos, o estabelecimento do contraditório de modo pleno. Não basta a garantia formal de um contraditório inodoro. É essencial que esse princípio repercuta numa prática que assegure às partes a simétrica paridade nas discussões sobre os interesses manifestados. Não é nova ou original a idéia de contraditório, que é inerente ao processo. E ela se funda basicamente no discurso, na garantia que ele ocorra de forma plena. A participação pelo discurso é que possibilitará a formação de um processo legítimo de criação do direito, seja no âmbito judicial ou não. Enquanto nos processos espontâneos de formação do direito a interlocução dos sujeitos se faz diretamente, normalmente sem intermediários; nos processos judiciais há um interlocutor que induz as partes ao diálogo e que tem a principal missão de assegurar que elas possam discutir seus interesses em igualdade de condições. 56 57 Para o juiz, a missão conferida constitucionalmente para dirigir os trabalhos em um processo, é tão importante quanto o ato final do julgamento. O juiz não é aquele que julga, mas, antes de tudo, aquele que conduz ao julgamento, assegurando, de acordo com o modelo legal, que as partes tenham a oportunidade de afirmarem e provarem seus interesses no processo. A perspectiva reducionista imposta historicamente aos juízes os reduz a meros impositores de condutas a casos concretos. Modernamente essa visão é insustentável. O juiz tem atribuições muito mais nobres no processo democrático. Seu papel é hoje o de um interlocutor ativo, que participa, ouve, fala, esclarece e é esclarecido pelas partes e garante que elas tenham produzido suas provas em função dos ônus de prova de seus interesses manifestados em juízo. A decisão é e deve ser vista como o ato final de um processo pleno e rico de debates, onde as partes tenham exaurido suas expectativas de confirmação de seus interesses. 2(VWDGRHRSURFHVVR O processo é estreitamente vinculado à estrutura do Estado no qual existe. Em um Estado autoritário o processo tende a cumprir uma missão meramente pacificadora de litígios. O que importa é decidir para sepultar o litígio. Partindo de uma perspectiva democrática de Estado, o processo deve ser um canalizador de participações das partes envolvidas em um litígio, de modo que elas tenham efetivamente a possibilidade de discutir e solucionar as questões que lhes são submetidas. O processo coletivo deve ser estruturado em bases diversas do processo individual, sendo fundamental o papel da legislação processual na definição dos limites de atuação dos legitimados para o processo, nos efeitos das decisões proferidas, no modelo de execução das decisões coletivas, etc. Definir as bases para o estudo do processo coletivo é de fundamental importância para a evolução da Ciência Processual, visto que o Estado Democrático de Direito trouxe novas exigências, que não se exaurem no individualismo ou, mais precisamente, na limitação das funções estatais apenas à proteção ao indivíduo contra o Estado. 57 58 &RQFOXVmR O presente trabalho é a primeira parte dos estudos que venho desenvolvendo sobre o tema dos direitos coletivos, desde 1991, quando comecei a escrever a minha tese intitulada “ Convenção Coletiva de Consumo” . O primeiro capítulo de minha tese foi exatamente sobre “ direito e interesse” , visto que é impossível escrever sobre o direito coletivo sem essa abordagem prévia. Pela limitação do tema da tese à época, centrei-me numa exposição histórica das teorias existentes. Dos estudos feitos restou apenas uma certeza e um emaranhado de dúvidas. A certeza é que o modelo de processo individual, idealizado para possibilitar a ação do indivíduo em seu restrito âmbito de legitimação não possibilitaria a tutela de situações novas, decorrentes da abertura democrática e da nova configuração do Estado. E o processo formulado sob a estrutura de múltiplas ações coletivas, representava a fragmentação do processo em procedimentos especializados, quando a doutrina ainda não havia respondido à pergunta sobre o significado dos direitos materiais coletivos. Como poderemos construir uma teoria do processo coletivo sem saber o significado do direito coletivo? Sem que tenhamos um consenso, ou iniciemos os estudos sobre o direito coletivo, todas as tentativas de construção de um processo coletivo serão frustradas, porque estaremos construindo uma tutela sem saber ao certo o que efetivamente tutelar... E mais, os advogados, o cidadão, o Ministério Público, os juízes, não saberão agir, porque perguntas simples referentes à legitimação para o ressarcimento dos “ danos de massa” restarão sem resposta. E os direitos coletivos ficarão sem execução eficaz. Qual a melhor forma de penalizar o infrator de um dano de massa? Qual a melhor forma de ressarcimento? E os efeitos da coisa julgada no processo coletivo? Tudo, absolutamente tudo está aberto ao campo dos debates, e só o estabelecimento de parâmetros científicos para o desenvolvimento de 58 59 consensos sobre a disciplina permitirá a construção científica de uma teoria do processo coletivo. Nosso objetivo foi levantar perguntas e questionamentos, muito mais do que buscar respostas, na certeza que somente os processos de debate científicos poderão contribuir para o crescimento do direito processual coletivo, que muita contribuição dará à participação do cidadão na vida social. Nossa convicção é no sentido de que o pano de fundo de todo esse debate reside nos diferentes momentos das teorias que influenciaram o direito. Ihering com seu brilhantismo difundiu a idéia fundamental do individualismo e da afirmação do indivíduo perante o Estado forte e centralizador. Atualmente, diante da perspectiva do Estado Democrático de Direito, surge também o reconhecimento formal de tutelas aos consumidores, ao meio ambiente, a participação coletiva em processos decisórios, como fruto da desmistificação do Estado como o único foco do qual podem emanar decisões. Nosso próximo enfoque será no processo coletivo, tendo por ponto de partida o que até agora apresentamos e que será, sem dúvida, enriquecido pela valiosa contribuição crítica dos leitores. 59 60 BIBLIOGRAFIA ABREU, José. 2QHJyFLRMXUtGLFRHVXDWHRULDJHUDO. São Paulo: Saraiva, 1984. 341p. AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEI 7.347/1985 – 15 ANOS. &RRUGHQDGRU(GLV 0LODUp. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2002. 895p. AFONSO, Elza Maria Miranda. 2SRVLWLYLVPRQDHSLVWHPRORJLD GH+DQV.HOVHQ. Belo Horizonte, 1984. 312p. MXUtGLFD ALMEIDA, Carlos Ferreira de. 2VGLUHLWRVGRVFRQVXPLGRUHV Coimbra: Almedina, 1982. 360p. AMARAL, Luiz Otávio Oliveira. Da convenção coletiva de consumo (art.107 e 108). In: &RPHQWiULRVDR&yGLJRGR&RQVXPLGRU Rio de Janeiro: Forense, 1992. p.400-404. AMARAL, Luiz Otávio Oliveira. Do sistema nacional de defesa do consumidor (art.105 e 106). In: &RPHQWiULRVDR&yGLJRGR &RQVXPLGRU Rio de Janeiro: Forense, 1992. p.385-400. ANCEL, Marc. 8WLOLGDGHHPpWRGRVGRGLUHLWRFRPSDUDGR. Porto Fabris, 1980. 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