SEGUNDA TURMA RECURSAL
Juizados Especiais Federais – Seção Judiciária do Paraná
Processo n.º : 2009.70.50.014698-0
Relatora: Juíza Federal Andréia Castro Dias
Recorrente: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Recorrido: ADRIANO REIS CANELLO
VOTO
Dispensado o relatório, nos termos dos artigos 38 e 46 da Lei
nº 9.099/95, combinado com o artigo 1º da Lei nº 10.259/2001.
Trata-se de recurso interposto pela UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PARANÁ contra sentença que julgou procedente o pedido
inserto na petição inicial, resolvendo o feito na forma do artigo 269, I do
CPC, nos seguintes termos: “JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o
pedido inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito (art. 269, I,
do CPC), para condenar a UFPR ao pagamento, a título de indenização
por danos materiais, da quantia de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos
reais), a ser atualizado pelo INPC desde 19.06.2008 e acrescido de juros
de 0,5% ao mês, a contar da citação, observando-se a partir de 30 de junho
de 2009 os índices aplicáveis à caderneta de poupança (que excluem a
incidência de juros), nos termos do artigo 1-F da Lei 9.494/97, na redação
dada pela Lei 11.960/2009.”
Em suas razões, requereu o pólo passivo a reforma do
julgado, porquanto “ a Universidade não pode ser responsabilizada tão
somente porque possui estacionamento ao público em geral, e ante a
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contratação de empresa de vigilância. Destaca-se que a relação do
autor com a Universidade Federal se restringe ao contrato de ensino
firmado entre ambos, sendo a natureza jurídica do estacionamento da
UFPR distinta da natureza de um estacionamento de estabelecimento
comercial. Caso se tratasse de instituição de ensino particular, caberia a
responsabilização, porém a UFPR se trata de autarquia federal sem fim
lucrativo que, primordialmente, oferece ensino público e gratuito. Não se
trata de relação de consumo. É um estacionamento público destinado à
população de um modo geral, ainda que indiretamente se espere que sua
utilização pelos usuários tenha alguma relação com as atividades de
ensino, fim último da instituição. Conforme bem demonstrado, a UFPR não
tem dever algum de vigilância ou guarda dos veículos dos particulares
que
optem
por fazer
uso
(gratuito,
diga-se) do
estacionamento
localizado em suas dependências.(...) A contratação da empresa, como já
exposto, não visava a proteção do patrimônio de particulares, mas sim o
patrimônio da Universidade, conforme cláusula segunda do Contrato
celebrado com a empresa de vigilância, lançado no evento 14 (PROCADM
2).”Com contrarrazões, vieram os autos conclusos para sentença.
Fundamentação
No pleito em apreço, postula o autor indenização por danos
materiais, porquanto alega que é estudante do curso de Administração
Internacional de Negócios da UFPR e que no dia 19/06/2008, às 18h30min,
estacionou seu veículo, marca/modelo VW/Passat LS, placa AJI 7145, ano
1986, no campus do Jardim Botânico e ao retornar ao local, após o término
da aula, verificou que haviam furtado seu veículo.
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A sentença, não obstante os brilhantes fundamentos lançados
pelo magistrado a quo, deve ser reformada, segundo passo a expor.
Tenho,
primeiramente,
que
não
se
está
diante
de
responsabilidade contratual, visto que não se insere, por si só, na prestação
do serviço público de ensino superior o correlato contrato de depósito e
guarda dos bens móveis dos alunos, professores, funcionários ou visitantes,
em especial dos veículos estacionados em área destinada para tal fim,
mormente porque na situação sub judice não possui sistema de segurança
específico.
Verifica-se,
pois,
hipótese
de
responsabilidade
extracontratual. Assim, lembra-se que a responsabilidade civil possui, em
síntese, dois objetivos primordiais: o caráter pedagógico e preventivo, e a
condição de meio pelo qual se postula o ressarcimento decorrente de algum
ato ou fato que lesionou a vítima.
No caso dos autos, segundo já referido, está-se diante de furto
ocorrido no estacionamento de autarquia federal: Universidade Federal do
Paraná, que tem por objeto o desenvolvimento do ensino superior, pesquisa
e extensão, seguindo as diretrizes estampadas na Carta Magna, artigo 207.
Em sendo assim, está-se diante de responsabilidade civil estatal. Nessa
esteira, preceitua o artigo 37, parágrafo 6º da CF/88: “ As pessoas jurídicas
de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos
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de dolo ou culpa.”Odete Medauar1, a respeito do tema, com o brilhantismo
que lhe é peculiar, leciona:
“Informada pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado
apresenta-se,
hoje,
na
maioria
dos
ordenamentos,
como
responsabilidade objetiva. Nessa linha, não mais se invoca o dolo
ou a culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da
Administração. Necessário se torna existir relação de causa e
efeito entre ação e omissão administrativa e o dano sofrido pela
vítima. É o chamado nexo causal ou nexo de causalidade. Deixa-se
de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento do
dolo ou culpa do agente, o questionamento da licitude ou ilicitude
da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da
Administração. Demonstrado o nexo de causalidade o Estado deve
ressarcir.”
Impende destacar que me filio entre aqueles que verificam a
natureza objetiva2 da responsabilização do Estado sejam nos atos
comissivos, sejam nos omissivos, em que decorram de ‘falta de serviço,
falha do serviço ou culpa do serviço’, o que faço com supedâneo na
doutrina do saudoso Hely Lopes Meirelles3 (sem olvidar da divergência
doutrinária
a
respeito
da
natureza
jurídica
da
responsabilidade
extracontratual da Administração Pública nos atos omissivos, já que muitos
1
Direito Administrativo Moderno. 10ª edição revista e atualizada. Ed. RT, SP: 2006, p. 366/367.
Note-se que desde 2008 o STF vem afirmando a natureza objetiva da responsabilidade civil do
Estado nos casos de atos omissivos, basta ver dos julgados unânimes lavrados pelo Ministro Eros
Grau (2ª Turma): a) RE 607771 AgR / SC - SANTA CATARINA AG.REG. NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 20/04/2010; b) RE 573595
AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a):
Min. EROS GRAU Julgamento: 24/06/2008).
3
Direito Administrativo Brasileiro. 24ª Edição, Ed. Malheiros, SP, 1999.
2
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a apontam como subjetiva):
“O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato
ou a omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a
pretexto de exercê-las. Para a vítima é indiferente o título pelo
qual o causador direto do dano esteja vinculado a Administração;
o necessário é que se encontre a serviço do poder público, embora
atue fora ou além de sua competência administrativa. O abuso no
exercício das funções por parte do servidor não exclui a
responsabilidade
objetiva
da
Administração.
(...)
Nessa
substituição da responsabilidade individual do servidor pela
responsabilidade genérica do Poder Público, cobrindo o risco da
sua ação ou omissão, é que se assenta à teoria da responsabilidade
objetiva da Administração, vale dizer, responsabilidade sem culpa,
pela só ocorrência da falta anônima do serviço, porque esta falta
está,
precisamente,
na
área
dos
riscos
assumidos
pela
Administração para a consecução de seus fins. (...)” fl. 586
Nessa linha, por se estar diante de responsabilidade objetiva
do Estado, a vítima deve comprovar, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º
da Constituição Federal, a existência concomitante dos seguintes
pressupostos: a) conduta (ato humano, comissivo ou omissivo, em
princípio ilícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou
de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a
outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do ofendido); b) dano
(material, moral, estético); c) nexo causal que ligue a conduta ao dano.
Por sua vez, o agente apontado como causador do dano, para
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eximir-se ou atenuar a imputação da sua responsabilidade civil deverá
comprovar ou a ausência dos pressupostos supra, ou que o dano decorreu de
culpa exclusiva (ou parcial) da vítima ou de terceiro, ou, ainda, de fatos da
natureza (caso fortuito/força maior).
Passa-se a examinar os pressupostos da responsabilidade civil
do Estado.
No que tange, primeiramente, à conduta, tenho que não é caso
de conduta omissiva que imponha dever de responsabilização da
Universidade Federal do Paraná pelo furto do veículo do autor estacionado
em suas dependências, na medida em que a finalidade da existência da ré é
a propagação do ensino superior público, a pesquisa e a extensão. Não se
está diante de prestação de serviço privado, tal qual o oferecido pelos
estabelecimentos comerciais como supermercados e shoppings centers, que
colocam à disposição do cliente locais de estacionamento como mais um
atrativo para propagação do seu comércio.
Ora, como não poderia deixar de ser, em se tratando de um
órgão público, no qual circulam muitas pessoas diariamente, é vital a
alocação de áreas destinadas a seu acesso, na qual se inclui estacionamento
de veículos dos visitantes, alunos, funcionários e professores, sendo que, no
caso da ré, o acesso ao estacionamento onde ocorreu o furto possui ínfimo
controle (cartão de entrada e saída). Ademais, a empresa de vigilância,
segundo consta do contrato de vigilância entabulado com a Universidade
recorrente, tem por obrigação o zelo do patrimônio da universidade, não
sendo contratada para prestar segurança para todos que lá circulam. Assim
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não é entendida como “serviço especializada para esse fim”, motivo pelo
qual não se aplica o entendimento do STJ e TNU que estabelecem o dever
de indenizar.
CLÁUSULA SEGUNDA - DA ESPECIFICAÇÃO DOS
SERViÇOS Os serviços de vigilância compreendem a guarda
e
a
vigilância
das
instalações
dos
"Campi"
da
CONTRATANTE, bem como a preservação e integridade do
seu patrimônio.
Por
outro
lado,
a
cláusula
6.1.26,
apenas
prevê
responsabilização da empresa contratada pelos danos que os seus
empregados causem, o que, como não há provas, não pode ser entendido o
furto narrado nos autos como tal:
“6.1.26. Responsabilizar-se por todo e qualquer dano
causado por seus empregados, dolosa ou culposamente aos
imóveis, veículos, equipamentos, móveis, material e valores a
que deverão dar assistência especialmente no que se refere à
limpeza e conservação, bem como a terceiros, obrigando-se a
reparar, substituir ou indenizar,conforme o caso;”
É importante repetir que na situação vivenciada nesses autos
não há exploração econômica de tal atividade, seja por parte da
Universidade, seja por meio de convênio/contrato com empresa
terceirizada, justamente porque não existe colocação de serviço de
estacionamento aos usuários como forma de atração de clientela. Tampouco
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caracteriza-se hipótese de incidência do Código de Defesa do Consumidor,
na medida em que não há relação de consumo entre o autor e a ré.
De outra banda, a existência de vigilantes que circulam pelos
arredores da Universidade, ali estão para proteção do patrimônio da própria
ré e não dos terceiros que nela freqüentam. Logo, o fato deles não terem
agido impedindo o furto também não se caracteriza como conduta omissa
da demandada, na medida que não tem dever legal de vigilância e guarda de
aludidos veículos.
Não havendo conduta omissiva da ré, não há falar em
responsabilização civil. Em geral, na linha da fundamentação, seguem
acórdãos:
“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE
VEÍCULO
EM
ESTACIONAMENTO
DE
UNIVERSIDADE
PÚBLICA.
1. O Poder Público deve assumir a guarda e responsabilidade do
veículo quando este ingressa em área de estacionamento
pertencente a estabelecimento público, desde que haja serviço
especializado com esse fim.
2. No caso dos autos, o acórdão recorrido consignou a inexistência
de serviço especializado e que a empresa responsável pela
vigilância na cidade universitária, por contrato, não cumpriria
essa função. Rever tal entendimento implicaria na incidência das
Súmulas 5 e 7/STJ.
3. Recurso especial não conhecido.”
(Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe:
RESP - RECURSO ESPECIAL – 438870 Processo: 200200682418
UF: DF Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão:
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12/04/2005
Documento:
STJ000623671
Fonte
DJ
DATA:01/07/2005 PÁGINA:465 Relator(a) CASTRO MEIRA)
“DANOS
MATERIAIS.
FURTO
DE
VEÍCULO
NO
ESTACIONAMENTO DA UNIVERSIDADE. AUSÊNCIA DO
DEVER DE INDENIZAR.
1. O Poder Público, diversamente da iniciativa privada, que tem
objetivo de captação de clientela e, portanto, de lucro, quando
oferece estacionamento ao público, não deve assumir a guarda e
responsabilidade pelo veículo se não oferecer serviço de
vigilância especializada para esse fim e, particularmente se não
houver cobrança pela utilização do espaço.
2. (...)
3. Assim, uma vez que a universidade , em seu campus, não coloca
à disposição dos seus alunos estacionamento com vigilância
especializada, não tem sobre eles o dever de guarda dos veículos
que utilizam aquele serviço.
4. Apelação improvida.”
(Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO Classe: AC APELAÇÃO CIVEL Processo: 200170000194950 UF: PR Órgão
Julgador: QUARTA TURMA Data da decisão: 16/04/2008
Documento: TRF400163954 Fonte D.E. 05/05/2008 Relator(a)
JAIRO GILBERTO SCHAFER)
Sinale-se que mesmo que se entendesse pela natureza
subjetiva da responsabilidade-extracontratual- da Universidade-ré, também
não restou comprovada a ocorrência de culpa em qualquer das suas
modalidades, justamente porque não possui o dever de vigilância, guarda e
depósito dos veículos estacionados nas suas dependências, mais
especificamente na localidade onde ocorreu a subtração dos autos.
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Conclusão
Em razão do exposto, voto por DAR PROVIMENTO AO
RECURSO da parte ré, para reformar a sentença e julgar improcedente o
pedido, na forma do artigo 269, I do CPC.
À luz do artigo 55, da Lei nº 9.099/95sem honorários
advocatícios.
Considero
prequestionados
especificamente
todos
os
dispositivos legais e constitucionais invocados na inicial, contestação,
razões e contra-razões de recurso, porquanto a fundamentação ora exarada
não viola qualquer dos dispositivos da legislação federal ou a Constituição
da República levantados em tais peças processuais. Desde já fica sinalizado
que o manejo de embargos para prequestionamento ficarão sujeitos à multa,
nos termos da legislação de regência da matéria.
Curitiba, 31 de agosto de 2010
Andréia Castro Dias,
Juíza Federal Relatora.
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200970500146980 - Justiça Federal do Paraná