Textos poéticos
Cecília Meireles e Vinicius de Moraes são poetas consagrados pela
musicalidade e excelência no ofício de versar. Ambos, apesar da liberdade
modernista, exploraram os recursos sonoros, a métrica e a rima em vários
poemas.
Vejamos alguns exemplos:
Cantiguinha
(Cecília Meireles)
Meus olhos eram mesmo água,
— te juro —
mexendo um brilho vidrado,
verde-claro, verde-escuro.
Fiz barquinhos de brinquedo,
— te juro —
fui botando todos eles
naquele rio tão puro.
Veio vindo a ventania,
— te juro —
as águas mudam seu brilho,
quando o tempo anda inseguro.
Quando as águas escurecem,
— te juro —
todos os barcos se perdem,
entre o passado e o futuro.
São dois rios os meus olhos,
— te juro —
noite e dia correm, correm,
mas não acho o que procuro.
Motivo
Cecília Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/ceciliameireles01.html#motivo
Acesso 16 Abr 2011.
Em Cantiguinha, o título já sugere a musicalidade do poema. A expressão
anafórica te juro, não apenas marca ritmicamente as estrofes, como lembra o
refrão – recurso tão caro à canção popular. A vida é metaforizada pela
inconstância do fluir das águas, ora agitadas, ora delicadas. Em Motivo, o eulírico é o cantor dos instantes fugidios, característica comum aos poetas
simbolistas, que influenciaram Cecília Meireles. A imprevisibilidade da vida é
reiterada pelas antíteses gozo x tormento; dia x noite; desmorono x edifico; fico
x passo. A única certeza do poeta é o canto (poema), capaz de imortalizar o
instante fugaz. Há presença de rima nos dois poemas; no primeiro poema,ela
acontece no final de cada estrofe; no segundo, o primeiro verso rima com o
terceiro e o segundo com o quarto (rimas alternadas).
Soneto da separação
Vinicius de Moraes
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Ausência
Vinicius de Moraes
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo
da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/vm.html#ausencia
Acesso 16 Abr 2011.
Se no primeiro poema, Vinicius de Moraes retoma a forma clássica do soneto,
com dois quartetos e dois tercetos, rima e métrica, no segundo, o poeta utiliza
uma certa narratividade. No Soneto da separação, as antíteses riso x pranto;
calma x vento; triste x contente e próximo x distante revelam as mudanças na
relação amorosa que se processam de uma forma abrupta e inesperada. No
poema Ausência, os versos são livres e longos, assinalam o amor romântico
típico de uma lamentação, que mescla a voz poética à voz ausente.
Vamos lembrar:
Ritmo→ movimento regular. Na música, sucessão de tempos fortes e fracos,
de som e pausa. Na poesia, o ritmo é marcado pela alternância de acentos
silábicos (tônico/átono) e pausa.
Metro→ número de sílabas métricas de um verso. Na metrificação (contagem
de sílabas), não devemos contar a última sílaba tônica do verso.
Rima→ semelhança de sons da última vogal tônica dos versos.
Metáfora→ transposição de significados com base
comparação subentendida.
Exemplos:
Essa rua é um deserto.
Meu pensamento é um rio subterrâneo (Fernando Pessoa).
na
semelhança;
Catacrese → metáfora desgastada pelo uso corriqueiro.
Exemplos:
A manga da camisa rasgou novamente.
A garota quebrou o braço da cadeira.
Sinestesia→ mistura de sentidos; fusão sensorial.
Exemplos:
Eu quero ouvir a cor dos passarinhos (Manoel de Barros)
Ana Cañas interpreta a canção Esconderijo com uma voz aveludada.
Antítese→ aproximação de palavras ou expressões de sentidos opostos
Exemplos:
Nunca dois iguais foram tão diferentes./ A casa que ele fazia/ Sendo a sua
liberdade/ Era sua escravidão (Vinícius de Morais)
Paradoxo→ consiste numa proposição aparentemente absurda, fora do senso
comum.
Exemplos:
Quanto mais o operário trabalha, mais tem problema financeiro.
Oxímoro→ consiste numa proposição que beira a impossibilidade.
Exemplos:
A cantora muda de Kafka revelava o silêncio da plateia.
Metonímia→ substituição de uma palavra por outra, quando existe relação
lógica ou aproximação entre os sentidos.
Exemplos:
1- O autor pela obra. Li Drummond inúmeras vezes;
2- O efeito pela causa. Suou muito para conseguir comprar sua bicicleta.
3- O continente pelo conteúdo. Bebeu um copo d’água.
Prosopopeia ou personificação→ Consiste em atribuir linguagem, sentimentos
e ações de seres humanos a seres inanimados ou irracionais.
Exemplo:
Um pequenino grão de areia/Que era um pobre sonhador/Olhando o céu, viu
uma estrela/E imaginou coisas de amor. (Paulo Soledade/Marino Pinto)
Onomatopeia→tentativa de reproduzir sons reais por palavras ou expressões
Exemplo:
Passa, tempo, tic-tac/Tic-tac, passa, hora/Chega logo, tic-tac/Tic-tac, e vai-te
embora. (Vinicius de Moraes)
Aliteração→ repetição de um som consonantal
Exemplo:
Vozes veladas, veludosas vozes,/Volúpias dos violões, vozes veladas/Vagam
nos velhos vórtices velozes/Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. (Cruz e
Sousa)
Assonância→ repetição da mesma vogal.
Exemplo:
Sou um mulato nato no sentido lato/mulato democrático do litoral. (Caetano
Veloso)
Polissíndeto→repetição enfática dos conectivos.
Exemplo:
Falta-lhe o solo aos pés: recua e corre, vacila e grita, luta e ensanguenta, e
rola, e tomba, e se espedaça, e morre. (Olavo Bilac)
Anáfora→ repetição de termos
Exemplo:
Mudou de cara e cabelos/ Mudou de olhos e riso/ Mudou de casa e de
tempo/mas está comigo está perdido comigo/teu nome em alguma gaveta
(Ferreira Gullar)
Hipérbole→consiste no exagero da expressão.
Exemplo:
Se preciso for, farei mais um milhão de vezes esse exercício.
Eufemismo→ atenuação ou suavização de idéias consideradas desagradáveis,
cruéis, imorais, obscenas ou ofensivas.
Exemplo:
Ele entregou a alma a Deus
Disfemismo→utilizado para dar um impacto violento, desagradável, obsceno e
ofensivo.
Exemplo:
Ele bateu as botas!
Exercícios Propostos
1- (ITA) Leia o poema Canção, de Cecília Meireles:
Canção
(Cecília Meireles)
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
Nesse poema, há algumas figuras de linguagem. Abaixo, você tem, de um
lado, os versos e, do outro, o nome de uma dessas figuras. Observe:
I. “Minhas mãos ainda estão molhadas/do azul das ondas entreabertas” ›
sinestesia.
II. “e a cor que escorre dos meus dedos” › metonímia.
III. “ o vento vem vindo de longe › aliteração.
IV. “ a noite se curva de frio › personificação.
V. “ e o meu navio chegue ao fundo/ e o meu sonho desapareça ›
polissíndeto.
Considerando-se a relação verso/figura de linguagem, pode-se afirmar que:
A)
B)
C)
D)
Apenas I, II e III estão corretas.
Apenas I, III e IV estão corretas.
Apenas I, IV e V estão corretas.
Todas estão corretas.
2- As figuras de linguagem aparecem corretamente identificadas em todos
os trechos abaixo, exceto em:
A) “Há uma água clara que cai sobre pedras escuras/e que, só pelo som,
deixa ver como é fria//há uma noite por onde passam grandes estrelas
puras/ há um pensamento esperando que se forme uma alegria.”
(ANÁFORA E SINESTESIA)
B) Eu te esperei todos os séculos,/sem desespero e sem desgosto,/ e morri
de infinitas mortes/guardando sempre o mesmo rosto//Quando as ondas
te carregaram,/meus olhos, entre águas e areias,/cegaram como os das
estátuas,/a tudo quanto existe alheias.” (HIPÉRBOLE E SÍMILE)
C) “ O vento voa,/ a noite se atordoa/ a folha cai.” (ALITERAÇÃO E
PARADOXO)
D) “ Toca essa música de seda, frouxa e trêmula,/que apenas embala a
noite e balança as estrelas noutro mar.” (SINESTESIA E ASSONÂNCIA)
3- Leia com bastante atenção o poema a seguir.
A rosa de Hiroxima
Vinicius de Moraes
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Com base na sua leitura é possível afirmar:
A) O poeta utiliza versos pentassílabos e hexassílabos na composição do
poema.
B) A versificação livre, defendida pelos poetas modernistas, gera
musicalidade ao poema.
C) O primeiro verso é dividido em seis sílabas, sendo a penúltima sílaba a
mais forte.
D) A denúncia feita à bomba atômica é marcada pela acentuação de versos
hexasílabos e do imperativo Pensem.
4- ANALISE o poema Aceitação, de Cecília Meireles. (Formato vestibular
CEFET – 15 linhas)
Aceitação
Cecília Meireles
É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.
É mais fácil, também, debruçar os olhos nos oceanos
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mundo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança
Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.
Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.
5- ANALISE o poema Soneto da Fidelidade, de Vinicius de Moraes.
(Formato vestibular CEFET – 15 linhas)
Soneto da fidelidade
Vinicius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
6- Os haicais, de origem japonesa, consistem em uma forma que preza a
concisão: poemas de 17 sílabas divididas em 3 versos de 5, 7 e 5
sílabas cada um. São textos voltados para o presente, poemas que
captam a beleza do instante e da natureza
No Brasil, vários autores experimentaram a construção dos haicais (sem
se prender à forma exata oriental), numa tentativa de flagrar uma cena
poética que pudesse fulgurar o instante apreendido. Alice Ruiz é uma
das autoras que se destaca na feitura do gênero. Vejamos 3 de seus
haicais:
nuvem atras de nuvem
brincando de esconde esconde
uma semi lua.
diante do mar
três poetas
e nenhum verso.
por do sol
diante da flor de cacto
o gato nem pisca.
Disponíveis em: http://aliceruiz.mpbnet.com.br/bibliografia/
Acesso 16 Abr 2011.
Com base no que foi exposto, DEMONSTRE em que medida o poema
Epigrama nº 9, de Cecília Meireles se aproxima da composição dos haicais (15
linhas).
O vento voa,
A noite toda se atordoa,
A folha cai.
Haverá mesmo algum pensamento
Sobre essa noite? Sobre esse vento?
Sobre essa folha que se vai?
Gabarito
01- D
02- C
03- A
Download

Textos Poéticos e Exercícios Propostos