Carlos Aurélio Mota de Souza
Professor Adjunto de Introdução à Ciência do Direito, na Fauldade de História, Direito e Serviço Social da UNESP Campus de Franca (SP)
SEGURANÇA JURÍDICA
e
JURISPRUDÊNCIA
Um enfoque filosófico-jurídico
São Paulo
1996
II
Agradecimentos
A Deus, por me haver iluminado e
permitido viver este momento.
À Terezinha Ana, esposa paciente e
dedicada, pela unidade e sacrifício na ajuda, e aos queridos filhos Andréa, Sandra, Adriana e João Emanuel.
Aos meus amigos, pelas idéias e pelo incentivo ao estudo do tema, notadamente Juan Berchmans Vallet de Goytisolo e
Pe. Luis Vela Sanchez, S.J., de
Madrid.
Aos meus colegas de Magistério,
Advocacia e Magistratura.
Ao CNPq pela bolsa de estudos em
pós-doutorado, que possibilitou esta pesquisa.
In Memoriam: aos meus professores
de Filosofia, Mário Ferreira dos Santos e
Stanislaus Ladusãns, S.J. Ao amigo maior
José
Pedro
Galvão
de
Sousa,
jusnaturalista clássico.
III
O que faz bela a Catedral do Direito ?
Imaginou-se o Ordenamento jurídico
como pirâmide perfeita, sem fissuras; mas,
assim, semelha-se melhor ao túmulo do
Direito,
pelo
arcabouço
estático
e
impermeável que se arquitetou.
Na verdade, o Ordenamento é qual bela
e vetusta Catedral, construída, desde os
alicerces, pela história de um povo, erguendose majestosa e intocável no centro das
decisões do país.
Renova-se às vezes uma torre, outras o
zimbório, uma que outra ogiva ou contraforte,
mas a estrutura, sua essência, resta intocada
e imperecível.
Assim é a Ordem jurídica de cada nação:
conjunto de normas e posturas que se erigem
entrelaçadas, construídas pelo Legislador
para durar e dar aos cidadãos Segurança
jurídica e pelo julgador para lhes dar a
Certeza do que é Justo.
Mas, o que faz tão bela a Catedral não é
a visão externa de seus arcos e agulhas, em
dias luminosos, e sim a luz que côa dos
vitrais, cujo esplendor só por dentro
plenamente se aprecia.
IV
É onde pulsa a vida nacional, a cultura e
a fé de um povo e toda a trama social se
desenvolve, fonte perene de renovação da
mesma ordem do Direito.
Frente ao colosso, qual a postura do
Juiz? Uma adesão exterior de reverência ao
sólido e grandiloqüente monumento? Ou o
ingresso no âmago do Templo, para lhe sentir
a beleza que por alí filtra e mantê-lo arejado,
vivo e acolhedor? Pois o sol da vida sempre
reluz, refratando, por entre os vitrais,
coloridos irrepetíveis.
Penetrar no Ordenamento jurídico,
templo sagrado da Lei, para dele extrair - qual
Moisés no Sinai - a determinação vívida do
Justo, de maneira particular, individual e
concreta é, para o Juiz, momento supremo de
Humanização da Justiça.
Decisão tal nunca perderá sua
Segurança ou Certeza, pois sempre estará
protegida sob as naves do Templo da Justiça.
Nunca será fruto de uma visão estática e
exterior da Catedral do Direito, embora bela,
mas luz nova, servindo, de forma dinâmica e
renovada, à Pessoa humana, particular e
concreta.
Porque a Catedral tem vitrais por onde
jorra a luz da Justiça ideal, que se traduz por
princípios
gerais,
direitos
humanos,
conceitos-válvulas,
módulos
de
valor,
eqüidade na irredutível natureza do homem e
das coisas.
V
Por isso que a sagrada função de julgar
invoca, nesse Templo, a necessidade de
clareza e de frescor, que se expressam nos
ditames
da Jurisprudência, sempre
renovadora do Ordenamento jurídico.
V
SEGURANÇA JURÍDICA E JURISPRUDÊNCIA
Apresentação .......................................................................................I
Índice....................................................................................................V
Prefácio ............................................................................................... X
Introdução ............................................................................................1
1. Qual a natureza da Segurança Jurídica ..................................................... 3
2. Que objetivos se pretende alcançar ........................................................... 4
3. Os trabalhos doutrinários mais importantes ............................................... 4
4. Doutrina utilizada........................................................................................ 6
I. Segurança Jurídica e Certeza do Direito ...............................................9
1. Dimensões da Segurança Jurídica............................................................. 9
2. Significados fundamentais da Certeza do Direito ..................................... 12
3. A Certeza como garantia objetiva do conhecimento................................. 13
4. A Certeza como segurança subjetiva do conhecimento .......................... 14
5. A Certeza jurisprudencial ......................................................................... 19
6. A determinação do Justo, da Sentença à Jurisprudência......................... 20
7. Segurança e Certeza; Coisa julgada e Jurisprudência ............................. 22
8. Conclusões .............................................................................................. 26
II. O que é a Certeza .........................................................................................27
1. A Evidência objetiva................................................................................. 28
2. Significado do termo Certeza ................................................................... 29
3. Classificação dos tipos de Certeza .......................................................... 32
a) Certeza necessária.........................................................................32
b) Certeza livre....................................................................................33
c) Certeza natural...............................................................................34
d) Certeza científica............................................................................34
e) Certeza metafísica..........................................................................35
f) Certeza física..................................................................................36
g) Certeza moral..................................................................................36
h) Certeza jurídica...............................................................................38
4. Conclusões .............................................................................................. 40
III. O que é Verdade ..........................................................................................43
1. A Verdade como Correspondência ou Relação........................................ 44
2. A Verdade como Revelação ou Manifestação.......................................... 48
3. A Verdade como Conformidade ............................................................... 51
4. A Verdade como Coerência ..................................................................... 53
VI
5. A Verdade como Utilidade........................................................................ 53
6. Verdade e Conjetura ................................................................................ 54
7. A Verdade no direito................................................................................. 55
8. Conclusões .............................................................................................. 57
V. Segurança e o Valor Justiça .......................................................59
1. Teoria da Justiça...................................................................................... 59
2. Elementos da Justiça ............................................................................... 62
3. A Justiça como valor ................................................................................ 63
4. Necessidade de Segurança ..................................................................... 64
5. Segurança, Justiça e Bem Comum .......................................................... 65
6. Requisitos da Segurança ......................................................................... 67
7. Conclusões .............................................................................................. 68
VI. A Segurança Jurídica na Constituição Federal ............................70
1. A Segurança como Príncipio................................................................... 70
2. A Segurança como valor..........................................................................72
a) Valor-meio
Valor-necessário
Valor-adjetivo
b)
c)
3. A Segurança como Direito fundamental..................................................74
a) Como Garantia
b) Como Tutela
c) Como Proteção
4. Conclusões..............................................................................................76
a) Aspectos positivos
b) Aspectos negativos
VI. Dogmática e Segurança Jurídica ........................................................80
1. Os cinco aspectos do Direito.................................................................... 80
2. A importância da Dogmática .................................................................... 81
3. Justiça versus Segurança ........................................................................ 82
4. O Direito como valoração do Justo .......................................................... 83
5. A Segurança no Direito ............................................................................ 84
6. Dogmática e segurança ........................................................................... 86
7. O valor da Jurisprudência ........................................................................ 87
8. A Dogmática doutrinária........................................................................... 88
9. Conclusões. ............................................................................................. 94
VII
VII. A Segurança como Fundamento e Garantia da Justiça .............96
1. Relação dialética entre Segurança e Justiça............................................ 96
2. As opiniões de Carnelutti e Lopez de Oñate ............................................ 99
3. Legislação versus Jurisdição.................................................................. 101
4. Sentenças relevantes e irrelevantes ...................................................... 103
5. Direito passado, futuro e presente (ou atual) ......................................... 104
6. Momento gerador e momento aplicativo da norma................................. 105
7. Segurança dos bens jurídicos ................................................................ 109
8. Conclusões ............................................................................................ 112
VIII. Sistema cautelar e Medidas assecuratórias ...............................115
1. Segurança Jurídica e direito líquido e certo ........................................... 115
2. O Juiz e a Lei ......................................................................................... 119
3. Decisão individual e decisões coletivas.................................................. 121
4. Quando são certas as decisões dos Tribunais? ..................................... 123
5. A Eqüidade como resultado da aplicação da Lei.................................... 124
6. O Bem Comum, Unidade na Multiplicidade ........................................... 125
IX. Direito Judicial, Jurisprudencial, Sumular ...................................131
1. A norma jurisprudencial.......................................................................... 132
2. Segurança da Lei e Certeza da Jurisprudência ...................................... 136
3. A Jurisprudência como ordenamento aberto .......................................... 137
4. A relevância constitucional do STF ........................................................ 140
5. Jurisprudência: modelos jurídicos e modelos dogmáticos ...................... 142
6. Graus de auctoritas das decisões judiciais............................................. 144
7. Esboço de uma classificação das decisões judiciais.............................. 145
8. Coisa julgada e certeza do Direito.......................................................... 147
9. O ordenamento jurídico, corpo aberto e em evolução ............................ 148
10.Conclusões............................................................................................ 150
X. Integração Legislação - Jurisdição...................................................153
1. Legislação mais Jurisdição.................................................................... 153
2. Segurança legislativa e Certeza judicial ................................................. 154
3. As causas mais comuns da insegurança jurídica ................................... 159
4. O excesso legislativo e a insegurança jurídica ...................................... 160
5. A Certeza do Direito determinada pelos Tribunais ................................. 161
VIII
6. A Verdade como Certeza ....................................................................... 162
7. A Eqüidade como elemento determinante da Certeza do direito ............ 165
8. Jurisprudência e Eqüidade. .................................................................... 176
9. Diferença e semelhança entre Súmula e Norma Jurídica....................... 169
10.Conclusões............................................................................................ 170
XI. A formação judicial do Direito Comunitário Europeu ..............171
1. O Tribunal de Justiça cria direito? ................................................................... 171
2. O ordenamento comunitário: estrutura aberta e em evolução .............. 173
a) O que é ordenamento jurídico
b) Ordenamentos fechados e abertos
c) Caráter aberto do ordenamento comunitário
3. determinação de princípios gerais como metodologia do Tribunal ....... 176
a) "Criar" ou ”determinar" princípios de Direito como inventio juris
b) Do princípio ideal ao concreto, como fórmula de determinação do direito
c) O método de dedução evolutiva e a aquisição progressiva dos princípios
4. Pode-se identificar um princípio fundamental na ordem jurídica comunitária?
.................................................................................................................. 181
a) Os princípios gerais adotados pelo Tribunal de Justiça
b) Há, dentre os princípios, um que lhes seja superior?
5. Adesão ao acquis: afirmação e aperfeiçoamento do sistema jurídico ... 186
a) O acervo comunitário como “Direito adquirido”
b) O acquis justifica os precedentes vinculantes
c) Importância da criação judicial
6. Conclusões .......................................................................................... 188
7. Bibliografia ............................................................................................. 189
XII. Jurisprudência: fonte última de Segurança Jurídica ................191
1. Revisão dos temas................................................................................. 191
2. Da incerteza da Lei à certeza final da Súmula ....................................... 193
a) Leis e negócios jurídicos como fontes de incertezas
b) A primeira certeza: a das sentenças singulares
c) As decisões recursais: certezas clarificantes
3. A uniformização da Jurisprudência........................................................ 195
a)
b)
c)
d)
A Coerência nas decisões relevantes
O efeito vinculante das decisões
O iussum e o iustum como critérios de vinculação
A uniformidade simultânea
4. A Jurisprudência como fonte última da Segurança jurídica ................... 207
IX
a) A ambigüidade da norma jurídica
b) Da Segurança da norma jurídica à Segurança da Jurisprudência
c) Das Súmulas de Jurisprudência
5. Potestas versus Auctoritas ..................................................................... 218
a) Poder Plítico e Poder Jurídico
b) Poder Jurídico e Jurisprudência
6. Conclusões ............................................................................................ 226
XIII. O acesso à Justiça ...............................................................................224
1. A exigência de uma "Jurisprudência mínima" ou "vinculação mínima à
Jurisprudência.........................................................................................224
2. A ordenação jurídica da Jurisprudência ........................................................... 227
3.
Evolução da Jurisprudência para uma progressiva determinação do Direito.
........................................................................................................................................ 229
4. Direito alternativo ou uso alternativo do Direito. ....................................... 234
5. A nova Lei de Aplicação das Normas Jurídicas. ....................................... 238
6. As transformações constitucionais do Direito. ........................................... 240
7. O Poder Normativo de um Tribunal Constitucional .................................. 242
XIII. Direito Alternativo e Eqüidade
1. O espectro de Newton
2. Ideologia, o que é
3. Uso alternativo e ideologia no Direito
4. Uso alternativo e eqüidade
5. Os diversos tipos de eqüidad
6. A eqüidade no CPC e na LICC
7. Conclusão.
Conclusões ...........................................................................................245
Apêndice ..............................................................................................249
Bibliografia...........................................................................................251
Índice de Autores ................................................................................263
Índice de Assuntos ..............................................................................
Prefácio
Carlos Aurélio, com seu livro sobre a Segurança Jurídica
e Jurisprudência, preenche vácuo da literatura brasileira sobre a
importância da certeza do direito, apenas possível à luz da
relação conflitual exposta ao Judiciário e sua manifestação
definitiva.
Lastreado em sólida e atualizada doutrina, assim como
examinando a evolução histórica da prudência jurisdicional
desde tempos pretéritos, com percuciente análise do período
romano e das peculiaridades do direito saxão, Carlos Aurélio
realça a importância maior, no processo normativo, que o Poder
Judiciário exerce ao ofertar a “certeza” da decisão à “segurança”
exposta na lei.
A dificuldade de se obter clareza absoluta na lei, que
evitaria conflitos, não permite ao legislador senão dar a
“segurança” ao Direito, mas apenas ao Judiciário é outorgado
oferendar ao direito a certeza definitiva.
Ressalta, também, o eminente autor, a necessidade de
graduar a passagem da “certeza” individual para a “certeza”
coletiva, aquela, vinculada a decisões para casos concretos, que
podem influenciar outras sem constituir-se em jurisprudência, e
esta, voltada para jurisprudência, que nas súmulas encontra seu
momento maior, ao simplificar, por solução antecipada, o papel
das instâncias inferiores, com concomitante redução de sua
carga de trabalho, sobre orientar, com maior amplidão,
eventuais partes litigantes sobre o sucesso de suas pretensões.
Defende, pois, o efeito vinculante e a eficácia “erga
omnes” das súmulas, concluindo, à luz de sua concepção
jusnaturalista, que a “justiça” do Direito depende da “certeza”
que as decisões finais ofertam, sendo sempre “justa” a “certeza”
do Direito ofertada pelo Poder Judiciário.
XI
O brilhantismo da tese, mereceu da Banca Examinadora
de seu concurso de livre docência para a Faculdade de Direito
da UNESP, a nota 10 dos cinco examinadores, a saber: João
Grandino Rodas, Christiano José de Andrade, Hermínio Alberto
Marques Porto, Rui Geraldo Camargo Viana e Ives Gandra da
Silva Martins, prova inequívoca de seus méritos.
Pessoalmente, nada obstante jusnaturalista como o autor
e reconhecer, no Poder Judiciário, relevância maior do que a
dos outros poderes, por ser um poder técnico, contraposto aos
Poderes Políticos, não tenho a mesma convicção de que a
“certeza” jurídica propiciada pela decisão final do Poder
Judiciário gere necessariamente uma decisão “justa”. Será, é
bem verdade, a decisão que ofertará a certeza sobre o direito
aplicável, o qual poderá não ser o mais justo, seja por
insuficiência técnica ou ética dos julgadores, seja por força de
uma produção normativa defeituosa do Legislativo, que
terminará por limitar a prestação judicial do julgador. O que me
parece, todavia, pacífico, é que a “certeza” da jurisprudência é
mais “justa” que a “segurança” da lei e nisto não conflito com o
eminente autor.
Em que pesem as poucas divergências, as convergências
são incomensuravelmente maiores, em nossos pontos de vista,
razão pela qual é, com alegria e honra, que, de forma
perfunctória, apresento o livro de um dos jusfilósofos mais
respeitados do país, obra que, certamente, terá seu lugar
bibliográfico assegurado nas questões da dogmática jurídica, à
luz da veiculação processual, mormente em face de sua
concepção jusnaturalista de formatação aquiniana.
Congratulo-me com a Editora, com o autor e com o
público leitor pelo surgimento, no direito pátrio, de obra de tal
envergadura, sobre temática que de há muito esperava alguém
que a abordasse.
Ives Gandra da Silva Martins,
Professor Emérito da Universidade Mackenzie,
em cuja Faculdade de Direito foi Titular de Direito
Constitucional e Econômico
Introdução
SUMÁRIO: 1. Qual a natureza da Segurança Jurídica. 2. Que objetivos se
pretende alcançar.
3. Os trabalhos doutrinários mais importantes.
4.
Doutrina utilizada.
A Constituição Brasileira de 1988 instituiu "um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento,
a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem internacional, com a solução pacífica das
controvérsias" (Preâmbulo).
Introduzindo o longo capítulo sobre os direitos e deveres
individuais e coletivos, o artigo 5º reconhece como invioláveis e
garante a todos os cidadãos o direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, que são, fundamentalmente, direitos
naturais inerentes à existência da pessoa humana em sociedade.
Note-se que liberdade, igualdade e segurança são reiteradas
como fundamentos principais da Carta Constitucional, demonstrando a
rele-vância dada pela Constituinte a esses valores.
Numa época em que "crise" é a palavra-chave para a Economia, para as relações sociais, a saúde, a educação e as instituições
demo-cráticas, também o é para o Direito. Crise do Direito ou crise da
Justiça é a base da insegurança jurídica das nações em
desenvolvimento.
Apresentando-se o Brasil, no passado recente, como um dos
países de maior inflação monetária, não havia estabilidade, mas
insegurança nas relações econômicas, com grave reflexo na vida
patrimonial dos cidadãos, no seu poder aquisitivo e na situação de bemestar da população.
Introdução
2
O tema da Segurança Jurídica sempre foi objeto de estudo da
doutrina, mas nos tempos de crise, a instabilidade das instituições e das
relações humanas exige novas reflexões para encontrarmos fórmulas
diretas de Justiça que restabeleça o equilíbrio social.
Segurança e Justiça, à sua vez, são valores que se
completam e se fundamentam reciprocamente: não há Justiça
materialmente eficaz se não for "assegurado" aos cidadãos,
concretamente, o direito de ser reconhecido a "cada um o que é seu",
aquilo que, por ser justo, lhe compete.
Em realidade, os valores fundamentais prenunciados no
preâmbulo da Constituição Federal e, mais adiante, explicitados, não
constituem um elenco hierarquizado, em que os primeiros sejam
prevalentes aos demais, mas devem ser acatados como um conjunto ou
complexo de valores que se inter-relacionam e se completam.
De tal forma, não cabe falar em liberdade, v.g., sem que haja
Justiça e Segurança; vejam-se as garantias dos direitos individuais do
art. 5º: ser "obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de Lei" (inc. II); a "livre manifestação do pensamento" (inc. IV); a
"liberdade de consciência e de crença" (inc.VI); a "livre expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação" (inc. IX); "é
livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão" (inc. XIII); "é
livre a locomoção no território nacional" (inc. XV); "é plena a liberdade
de associação para fins lícitos" (inc. XVII) etc.
Pelas mesmas razões não podemos tratar da igualdade, que
é, juntamente com a alteridade e o débito, um dos elementos da Justiça
clássica, aristotélico-tomista, sem estar necessariamente assegurada
pela Lei ou pelo Judiciário: "homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações" (inc. I); "a Lei punirá qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais" (inc. XLI); "a prática do racismo
constitui crime inafiançável e imprescritível" (inc. XLII); "ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (inc.
LIII); "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal" (inc. LIV) etc.
Introdução
3
As medidas cautelares, em geral, a concessão de liminares
pelos Juízes, em particular, bem como as medidas de amparo judicial
(mandado de segurança, de injunção, habeas-corpus, habeas-data)
caracterizam, pelo próprio nome, instrumentos eficazes para garantir a
segurança de direitos subjetivos ofendidos ou ameaçados de ilegalidade
ou abuso de poder, por autoridades ou agentes do Poder Público
(incisos LXVIII, LXIX, LXXI, LXXII, do art. 5º).
Entretanto, o valor segurança é proeminente no direito de
propriedade e a Constituição reforçou as declarações anteriores ao
garantir "o direito de propriedade", atendida sua "função social" e
assegurar, na desapropriação, a "justa e prévia indenização" (incisos
XXII, XXIII e XIV), a proteção à pequena propriedade rural (inc. XXVI); e
ao garantir a propriedade intelectual (incs. XXVII, XXVIII, XXIX) e "o
direito de herança" (inc. XXX).
1. Qual a natureza da Segurança Jurídica
Como se depreende, trata-se de tema pertinente a vários
campos do Direito: nas relações privadas (especialmente nos contratos,
gerando o ato jurídico perfeito); no Direito público (conservando os
direitos adquiridos); no enunciado judicial do Direito (determinando a
coisa julgada) (inciso XXXVI do art. 5º da C.F.).
No campo dogmático assiste-se com freqüência à discussão
filosófico-jurídica sobre o valer da norma jurídica, a função da
Jurisdição, as novas e heterodoxas idéias sobre o uso alternativo do
Direito etc. Não está excluída uma incursão pelo Direito comparado em
busca de paralelos nas Constituições dos países democráticos atuais,
inclusive nos sistemas anglo-americanos.
No campo prático ressaltamos a importância da Segurança
Jurídica vista pela Constituição e pelos Códigos, o labor jurisprudencial
em busca da certeza última do Direito e os remédios processuais de
garantia dos direitos subjetivos.
Especulativamente, observamos que os campos mais
avançados do Direito brasileiro são os que tratam da segurança aos
Introdução
4
direitos do consumidor (inc. XXXII do art. 5º; Lei nº 8078, de ll.9.90), ao
meio ambiente (art. 225 e § 1º; Lei nº 7.347, de 24.7.85) e aos menores
(art. 227 e §§; Lei nº 8.069, de 13.7.90, de Proteção Integral à Criança e
ao Adolescente).
2. Que objetivos se pretende alcançar
Procuraremos demonstrar a importância crescente da
Jurisprudência como a palavra dos Tribunais sobre o Direito e
determinar os limites ou correlações entre os conceitos de Segurança
Jurídica e Certeza do Direito, segundo a moderna teoria da "Segurança
da cidadania".
Como a maioria dos temas atuais sobre teoria e filosofia do
Direito, também pretendemos nos orientar para o estudo dos valores e
princípios constitucionais, a liberdade ou submissão do Juiz ao aplicar o
Direito, os novos métodos procedimentais da Justiça, a tutela dos
direitos fundamentais, a obediência ao Direito não estritamente positivo,
os novos aspectos da metodologia das leis, as opções por uma nova
política criminal, o impacto das novas tecnologias sobre a Justiça etc.
Todos estes temas e problemas não podem ser entendidos
nem solucionados sem referência à Segurança Jurídica como valor
fundamental das sociedades democráticas atuais.
Nosso trabalho objetiva rever o conceito de Segurança como
relevante ao Estado de Direito, e sua significação no sistema
democrático, mas levando a reconsiderar sua relação intrínseca com
outros valores, especialmente a Justiça, em sua democrática função
social.
3. Os trabalhos doutrinários mais importantes
Muito embora no campo dos estudos de Teoria e Filosofia do
Direito poucas sejam as pesquisas específicas sobre o tema
Segurança-Jurisprudência, o enfoque contemporâneo sobre Segurança
Jurídica tomou vulto a partir do pós-guerra, sobretudo com o
ressurgimento do Direito natural, as exaustivas investigações sobre os
Introdução
5
direitos humanos, garantias e liberdades individuais e os estudos
constitucionalistas a respeito dos princípios e garantias fundamentais.
Antes de 1945, o Juiz guiava-se pelo Direito legal (“Gezetsesrecht”),
objetivando concretizar a Segurança jurídica da Lei; após o restabelecimento do Estado de Direito nos paises europeus, os Juízes
passam a buscar a Justiça através do Direito judicial (“Richterrecht”);
ilustra bem esta “virada conceitual” as posições de Gustav Radbruch:
após a Segunda Guerra, a dramática experiência do nazismo, que
colocou a magistratura alemã diante do impasse de aplicar uma
legislação injusta, levou o ilustre filósofo a uma revisão de suas teses,
defensoras da Segurança jurídica, passando a eximir os Juízes do dever
de aplicar aquelas “leis que não são Direito”, quando manifesta sua
injustiça. 1
Trata-se de dois temas abrangentes: de um lado Segurança
Jurídica e a correlativa Certeza do Direito; de outro, a Jurisprudência. O
primeiro é estudado em função do seguinte, para o qual converge
especificamente a finalidade desta análise. Ou seja: apontar para a
Segurança Jurídica restaurada pela Jurisprudência, ou melhor, o
trabalho dos Tribunais como fonte última da Certeza do Direito.
A Segurança Jurídica é questão fundamental em toda Teoria
Geral e Filosofia do Direito, sobretudo por influência do movimento
codificador do Direito, empreendido por Napoleão, a partir do seu Code
Civile. A Segurança na Lei e sua estrita observância pelos Juízes e
Tribunais é o fundamento do positivismo legalista e estatal, pensamento
vigorante até nossos dias, apesar das inúmeras doutrinas em contrário
e do trabalho jurisprudencial das Cortes de Justiça, modificando e
construindo um novo Direito, não codificado.
4. Doutrina utilizada
1. Cf. Leyes que no son Derecho y Derecho por encima de las leyes, in: “Derecho injusto y
Derecho nulo” (1971), p. 12; Gustav RADBRUCH, Injustice légale et droit supralégal.
Archives de Philosophie du Droit, Tome 39 (1995), pp. 305-318.
Sobre as funções atuais do Juiz, cf. M. SAAVEDRA, Interpretación del Derecho e
ideología, (1978); Luis PRIETO SANCHÍS, Ideología e interpretación jurídica (1993);
Andrés OLLERO, Interpretación del Derecho y positivismo legalista (1982); J. IGARTUA,
Los jueces en una sociedad democrática (1987); J.A. GARCIA AMADO, Teorías de la
Tópica Jurídica (1988); Otto BACHOF, Jueces y Constitución (1985); Giovanni ORRÙ,
Richterrecht (1983); Mauro CAPPELLETTI, Giudici legislatori? (1984); etc.
Introdução
6
Autores mais recentes nos serviram de base e de partida para
tratarmos do tema. Vamos acompanhar, ao longo do trabalho, Flávio
López de Oñate 2, Massimo Corsale 3, Pérez Luño 4, Mezquita del
Cacho 5, Peces-Barba 6, Alterini 7; e os trabalhos do Gruppo di
Magistratura Indipendente 8 e da Conférence libre du Jeune Barreau de
Liège 9; entre nós, Cirell Czerna 10, Theóphilo Cavalcanti Filho 11, etc.
Referente aos estudos sobre Jurisprudência, cuja literatura é
mais abrangente, foram influentes os trabalhos dos alemães Sauer 12,
Boehmer 13, Esser 14, Coing 15, Larenz 16; dos italianos Lombardi 17,
Orrù 18, Cappelletti 19, Fazzalari 20, Zaccaria 21, Opocher 22; dos
franceses Gény 23, Travaux de la Association Henri Capitant 24,
Archives de Philosophie du Droit 25, Zenati 26; dos ibéricos Castán
Tobeñas 27, Recaséns Siches 28, Dominguez Rodrigo 29, Calvo Vidal 30,
Lalaguna 31, Vallet de Goytisolo, Lamego 32; dos nacionais Maximiliano
2. La certezza del diritto (1942; 1953).
3. Certezza del diritto e crisi di legittimità (1979).
4. La seguridad jurídica (1991).
5. Seguridad jurídica y sistema cautelar (1989).
6. Seminario sobre “Seguridad Jurídica”. Gregorio PECES-BARBA (org.) et alii (1987).
7. La inseguridad jurídica (1993).
8. La certezza del diritto. Un valore da ritrovare (1993).
9. La sécurité juridique (1993).
10. Direito e Certeza (ENCICLOPÉDIA Saraiva, v.26, p.494ss).
11. O problema da Segurança no Direito (1964).
12. Filosofía Jurídica y Social (1933).
13. El derecho a través de la jurisprudencia (1959).
14. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del Derecho privado (1961).
15. Fundamentos de Filosofía del Derecho (1976).
16. Metodologia da Ciencia do Direito (1989); Derecho Justo (1985).
17. Saggio sul Diritto giurisprudenziale (1975).
18. Richterrecht (1983).
19. Giudici legislatori? (1984).
20. Introduzione alla giurisprudenza (1984).
21. Ermeneutica e Giurisprudenza (1985).
22. Lezioni di Filosofia del Diritto. Il problema della natura della Giurisprudenza (1955).
23. Méthode d’interprétation.... (1932); Science et technique en droit privé positif (1924/30).
24. La réaction de la doctrine à la création du Droit par les juges, N.31, 1982.
25. La jurisprudence, N. 30, 1985.
26. La jurisprudence (1991).
27.Teoria de la aplicación e investigación del derecho (Metodologia y Tecnica Operatoria en
28.
29.
30.
31.
Derecho Privado Positivo) (1947); La formulación judicial del derecho (1954).
Nueva filosofía de la interpretación del Derecho (1956).
Significado normativo de la Jurisprudencia (1984).
La Jurisprudencia ¿ Fuente del Derecho ? (1992).
Jurisprudencia y fuentes del Derecho (1969).
Introdução
7
33,
Limongi França 34, Rosas 35, Dinamarco 36, Arruda Alvim 37, Sálvio de
Figuei-redo Teixeira 38, Nelson Nery Jr. 39
Merecem destaque as obras de Vallet de Goytisolo 40,
Metodología Jurídica (1987), Metodología de las Leyes (1991) e a
recentíssima Metodología de la Determinación del Derecho (1994), pela
sua onicompreensiva visão filosófica do Direito, fundada em invulgar
cultura jurídica, como notário, advogado e professor de larga experiência humanística. 41
E as abordagens filosóficas estarão fundamentadas em autoridades como Abbagnano, Ferreira dos Santos42, Ladusãns43, José
Pedro Galvão de Sousa44, Julián Marías, Sciacca, Luis Vela, Utz,
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
Hermenêutica e Jurisprudência (1990).
Hermenêutica e aplicação do Direito (1957).
O Direito, a Lei e a Jurisprudência (1954).
Direito Sumular (1991).
A instrumentalidade do processo (1987).
A Argüição de Relevância (1988).
Recursos no Superior Tribunal de Justiça (coord.) (1991); A jurisprudência como fonte
do Direito e o Aprimoramento da Magistratura. Rev. Tribs. (nov-1981), v. 553, pp. 18-26;
Rev.For. v.279, pp.1-8.
39. Recursos no Processo Civil (Princípios fundamentais - Teoria Geral dos Recursos)
(1993); Princípios do Processo Civil na Constituição Federal (1995).
40. Excelente amigo e orientador em Madrid, em cursos de pós-doutorado na Facultad de
Derecho de la Universidad Pontificia Comillas (1989-1991), a quem rendemos nossas
homenagens.
41. A propósito, Cristina FUERTES-PLANAS ALEIX, em sua obra Filosofía Política y
Jurídica de Juan Berchmans Vallet de Goytisolo (1992), conclui ter este filósofo uma
concepção pluralista, e portanto flexível, das fontes do direito e dos ordenamentos
jurídicos; considera ele o Direito natural como um método da ciência do Direito e da arte
jurídica; jurista prático, para Vallet não há um abismo entre quem elabora as normas e
quem deve aplicá-las; sua concepção dos direitos humanos e dos direitos subjetivos só
podem ser considerados em vista do bem comum; não se produz uma disjunção entre
indivíduo-pessoa-sociedade, senão religação, interação, solidariedade e tradição entre os
membros que compõem a sociedade; defende um pluralismo social e político,
possibilitando o múltiplo no uno; é um filósofo da liberdade, do ponto de vista da
realidade. Pp.311-17.
42. A quem recordamos como nosso antigo professor de Filosofía clássica, o qual deixou
vasta bibliografia publicada e inúmeros inéditos que estão a exigir publicidade; cf. nosso
Mário Ferreira dos Santos y su Filosofía Concreta, Revista Verbo, Madrid, N.295-296
(may-jun 1991), p.785-794.
43. Fundador e Diretor do CONPEFIL - Conjunto de Pesquisas Filosóficas
(Rod.Anhanguera, Km.24, depois PUC-Rio) - falecido em 1992, foi um dos grandes
mentores da Filosofia tomista em São Paulo, através de seus diversos cursos e
congressos filosóficos.
44. Inegavelmente um dos mais influentes mestres do jusnaturalismo clássico em São
Paulo, internacio-nalmente reconhecido; formador de várias gerações de juristas,
Introdução
8
Messner, Peter Wust, D’Agostino, Pontes de Miranda, Miguel Reale,
sem excluir os clássicos Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.
Quanto à metodologia adotada, por influência da dialética
socrática, platônica e aristotélica, pareceu-nos relevante utilizar os
métodos indutivo e dedutivo (o caminho que vai da realidade às idéias indução, é o mesmo que vem destas à realidade - dedução); na
evolução desses métodos adotamos o “processo dialético de implicação
e polaridade” 45 ou, mais amplamente, de complementaridade, peculiar
ao mundo da cultura, e não o de contraditoriedade 46; não olvidamos,
igualmente, a dialética neo-platônica de Santo Agostinho, de
excepcional importância para a cultura ocidental. 47
colaborador assíduo do CONPEFIL, a quem o autor muito deve sua visão tomista do
Direito, a gratidão fraterna.
45. Cf. Miguel REALE, Filosofia do Direito, Ns. 122, 207; Fontes e Modelos do Direito, pp.
79ss.
46. Em Experiência e Cultura, REALE demonstra que somente a dialética de complementaridade, com vigência crescente no pensamento contemporâneo, explica a correlação
entre fenômenos que se sucedem no tempo, em função de elementos e valores que ora
se polarizam, ora se implicam, ora se ligam, em função de circunstâncias variáveis de
tempo e lugar. Pp. 137ss, 162ss.
47. Jusnaturalista-racionalista, de início, e jusnaturalista-voluntarista depois, Agostinho foi o
primeiro existencialista dialético da era cristã; na célebre disputa com Pelágio, bispo
como ele no norte da África, e mais tarde com Juliano, combateu seu apego ‘positivista’
à letra da lei, demostrando que acima da Lei está a Justiça e esta é que tem valor,
porque salva a dignidade do homem, objeto maior do Direito. Bem a propósito o
contemporâneo jusfilósofo Francesco D’AGOSTINO comenta: “Salvando il cristianesimo
dal giuridismo, Agostino ha altresì salvato dal giuridismo tutto l’Occidente”. Cf.
L’antigiuridismo di S. Agostino, in “Il Diritto come problema teologico”, p. 141.
Capítulo I
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
SUMÁRIO: 1. Dimensões da Segurança Jurídica. 2.
Significados Fundamentais da Certeza do Direito. 3. A Certeza
como garantia objetiva do conhecimento. 4. A Certeza como
segurança subjetiva do conhecimento. 5. A Certeza jurisprudencial.
6. A determinação do Justo, da Sentença à Jurisprudência. 7.
Segurança e Certeza; Coisa julgada e Jurisprudência.
8.
Conclusões.
1. Dimensões da Segurança Jurídica
Qual a diferença entre Segurança Jurídica e Certeza do
Direito?
Nas várias doutrinas há uma mescla no significado dessas
expressões: quando falam segurança, querem dizer certeza, quando
falam certeza, como certezza del diritto, entre os italianos, dizem
tambem segurança. Por questão metodológica, impõe-se separar estes
conceitos, para clarificar seus dois sentidos.
Segurança é Fato, é o direito como factum visível, concreto,
que se vê, como a pista de uma rodovia em que se transita, que dá
firmeza ao caminhante, para que não se perca nem saia dos limites
traçados pela Autoridade competente:
“...la Justicia puede ser alcanzada en el caso concreto dentro de um
sector reducido del orden jurídico: por medio de una ley especial y, más
aún, por medio de las resoluciones concretas de las autoridades”. 1
Ademais, Certeza é Valor, o que vale no Direito, aquilo em
que se pode confiar, porque tem validez. O caminhante tem “certeza”
quando conhece o caminho, pois sendo visível, ele é também “previsível”. No Direito, o caminho é o Costume e a Lei, e Lei vem de legere,
significando que é para ser lida, como nos ensina singelamente Isidoro
de Sevilha, humanista e doutor da Igreja (560-636):
1. Wilhelm SAUER. Filosofia Jurídica y Social (1933), p. 222.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
10
“Ley es ordenación escrita. Costumbre es la práctica, aprobada por
su antiguedad, o sea, ley no escrita, pues ley (lex) viene a legendo, de
leer, porque está escrita”.2
Então, alguém que caminhasse à noite contaria com elementos
objetivos para lhe dar segurança: o concreto do solo, as defensas
laterais, as lanternas reflexivas, as linhas brancas da divisão da pista e
das bordas; seguindo tais indicações, pode "pre-ver" que chegará a seu
destino, pois elas valem, têm valor normativo, dão, portanto, segurança.
A estrada sinalizada não será uma incógnita e interiormente saberá se
guiar por ela. Sabe que, observando os sinais (positivos ou permissivos),
nada lhe ocorrerá; mas se desatender às indicações (negativas ou
proibitivas), poderá sofrer ou causar dano e ser responsabilizado por
seus atos.
Por isso, a estrada "legalmente" sinalizada representa uma
segurança jurídica, como fato material concreto; portanto, a primeira
conclusão é que a segurança é algo objetivo. O condutor humano,
valorando subjetivamente os sinais, conhecendo a via que percorre,
elaborando roteiros razoáveis de previsibilidade, pode eticamente se
conduzir com a certeza de agir direito, sem perigo de errar. Assim, a
segurança é um a priori jurídico para os cidadãos; e a certeza é a
confiança do cidadão nas leis, que lhe permitem agir eticamente,
adotando condutas razoáveis e previsíveis, de que seu agir é "direito" e
não "torto", de que suas atuações em sociedade não poderão sofrer
sanções, pois as rodovias (leis) não mudam seu traçado (princípio da
legalidade), para não surpreender aos cidadãos.
2. Etimologias (1951), Cap. III, n.2, p.112-3; cf. VALLET DE GOYTISOLO (1991), p. 519.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
11
A segurança vem das leis firmes que o Estado promulga para
o bem dos cidadãos e da sociedade; e a certeza do sujeito advém do
conhecimento dessas leis, da valoração de seu conteúdo (compreende
que é um bem para si e os demais; "fazer o bem, evitar o mal" é o
conteúdo da previsibilidade do homo medius, razoável, comum).
Então, a decisão subjetiva "direito-torto" é uma opção éticomoral da pessoa, é a decisão moral que "faz possível o direito" (Lon
Fuller) ou a "specifica eticità del diritto" (López de Oñate).
A segurança se traduz objetivamente (Direito objetivo a priori),
através das normas e instituições do sistema jurídico (como a norma
agendi dos romanos). Já a certeza do direito (como um posterius) se
forma intelectivamente nos destinatários destas normas e instituições (a
facultas agendi, embora esta analogia não seja completa).
A Certeza do direito é uma faculdade, pois pode não se concretizar o
direito, o condutor pode não sair pela estrada, sair de dia ou à noite, com
sol ou neblina, porém a estrada sempre estará em seu lugar, como as
leis estão nos códigos, nos contratos ou nos pleitos nos Tribunais.
As leis do tráfego urbano são outro exemplo de Segurança:
os semáforos nas ruas, piscando 24 horas, distribuindo a passagem por
igual a pedestres e carros (Justiça distributiva). Pela noite e madrugada
diminui o trânsito, não há carros rodando, porém os faróis (que são a
Lei do trânsito, a norma de conduta nas ruas), seguem funcionando,
como lei vigente que é, e a Segurança sempre permanece.
Assim é o Direito: institui regras permanentes que ficam, haja
usuários ou não, sirva a alguns ou não, pois sempre haverá em algum
dia, alguém necessitando indicativos para uma conduta certa, direita,
justa, sem perigos e danos e, portanto, segura. Desta forma, a
Segurança objetiva das leis dá ao cidadão a Certeza subjetiva das
ações justas, segundo o Direito.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
12
2. Significados fundamentais da Certeza do Direito
Depreende-se do exposto, que Certeza é conceito
relacionado ao conhecimento e que há diferença evidente entre
Segurança e Certeza. A Segurança é objetiva, visível, publicada, está
nas leis, nos sinais, e a própria Lei é um sinal, pode-se dizer. Certeza é
confiança em algo que a Segurança projeta em cada um de nós: a
Segurança externa nos dá Certeza interna.
Se a Lei diz que temos direitos, estamos seguros. Se a norma
das placas de trânsito diz que tal estrada vai à Capital, indicando um
destino (finalidade), confiamos no Estado, nas leis, na ordem jurídica e,
então, podemos nos conduzir :
“... según la concepción positivista y en particular, comtiana de la
ciencia, esta última no es más que la previsión introducida en el
conocimiento del mundo, según la antigua y gran fórmula de savoir c’est
prévoir, ...; análogamente ... a esa concepción de la ciencia, según la
cual introduce ella la certeza en el conocimiento, bien puede decirse que
el derecho introduce con su norma la certeza de la vida social,
garantizando la calificación de los comportamientos posibles”. 3
Vamos analisar os dois termos: o vocábulo Certeza vem do
latim certitudo, certitudinis. O inglês relaciona duas palavras para
Certeza: certainty e certitude; o francês expressa certitude; o italiano
certezza;
o espanhol também apresenta dois vocábulos, certeza e
certidumbre.
Encontramos, então, dois significados fundamentais para a
palavra Certeza: o primeiro é a garantia objetiva racional, que um
conhecimento oferece de sua verdade; é o conhecimento pelo objeto,
em que a garantia está ligada à segurança.
No inglês, o termo para este sentido é certainty e no
espanhol, certeza; em português temos apenas certeza que, entretanto,
abrange também o sentido de segurança.
3. LÓPEZ de OÑATE (1953), p. 75.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
13
O segundo significado é o de segurança subjetiva da verdade
de um conhecimento; quando o conhecimento se dá em nós e nos
apropriamos de uma verdade, adquirimos uma Segurança subjetiva; o
inglês a chama de certitude e o espanhol certidumbre 4; em português
não há uma tradução: poder-se-ia usar a palavra certidão, como certeza
absoluta, mas este termo já está bem definido na linguagem jurídica,
como certificado ou certificação.
Este sentido de segurança é subjetivo porque depende da
vontade, depende de crer ou não crer; querer conhecer é um
conhecimento pela causa, pois querer saber é saber das coisas como
são por suas causas.
Vemos, portanto, que os dois conceitos, Segurança e
Certeza, não se contradizem, mas se compenetram; isto é importante
para o Direito, pois a Certeza do cidadão não pode se opor à Segurança
da ordem jurídica e vice-versa; antes se complementam.
Estas conclusões seguem o método dialético positivo de
pensar, em que tese e antítese não se contrapõem, mas se completam
na síntese, da mesma forma como Direito objetivo e subjetivo também
são complementares, e se dão simultaneamente. 5
3. A Certeza como garantia objetiva do conhecimento
Verifiquemos o primeiro aspecto: certainty, certeza. É o
significado objetivo, que prevalece no pensamento clássico e expressa
a solidez ou estabilidade do conhecimento verdadeiro. É estar alguém
certo de algo, com base na evidência objetiva.
Platão, em dois Diálogos 6, ensina que a estabilidade do
conhecimento depende da estabilidade do seu objeto; há o
conhecimento estável, que é conhecer com certeza só as coisas
4. Nicola ABBAGNANO. Diccionario de Filosofia. Verb. CERTEZA, p. 159, que seguiremos
nas indicações subsequentes.
5. Sobre a dialética de complementaridade, cf. a excelente exposição do prof. Miguel Reale,
em seu recente Fontes e Modelos do Direito (1994), p. 79, bem como em Experiência e
Cultura, pp. 137-140 e 162-170.
6. Timeu 29 b-c; Filebo 5 q b.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
14
estáveis; e o conhecimento provável, que é conhecer coisas não
estáveis ou cambiantes.
Podemos dizer que a vida humana é um conjunto de fatos
cambiantes, porque todo homem é imprevisível em seus atos. Por isso,
as sentenças dos Juízes nunca poderão ser absolutamente exatas e
jamais haverá duas iguais, porque as questões presentes nos Tribunais
cambiam de pessoa a pessoa, de caso a caso.
Aplica-se aqui a lógica do razoável de Recaséns Siches: 7 a
sentença não é um silogismo absoluto, mas funda-se na razoabilidade.
Compete aos Juízes e Tribunais minimizar a margem de erro, a
probabilidade de errar; se é provavél acertar, é provável errar; então, é
dever procurar diminuir os erros e aumentar os acertos.
A Certeza, neste aspecto, não é mais que um atributo da
verdade, é o caráter estável da própria verdade, não sujeito a
desmentido. A verdade é ou não é; se é verdade, não pode ser
desmentida; e a Certeza é esta face estável da verdade. 8
4. A Certeza como segurança subjetiva do conhecimento
Vejamos o segundo conceito, o da Certeza subjetiva; seria
como certidão, que não se usa em português porque já existe
significado definido e não cabe criar artificialmente outro; em espanhol é
certidumbre, algo como um sentimento interior, convicção íntima; para o
inglês é certitude, quando diz, v.g., "I am certain about this", "estou certo
disto"; é acreditar em algo que não é passível ou necessita de prova.
Esta Certeza subjetiva adquire importância nas religiões; é a
crença, o acreditar em algo, a possibilidade de uma garantia subjetiva
do saber, não fundada em um critério objetivo da verdade. Esta
possibilidade reforça a outra, pois se existe uma garantia objetiva, deve
existir uma subjetiva. Na tradição filosófica, estes dois conceitos se
esclarecem unidos e complementarmente, não sendo excludentes.
Para melhor entendê-lo, consideremos a Certeza
modos: pela causa e pelo objeto. 9 A Certeza pela causa
considerada segundo a Fé e se funda na Verdade divina, que
máximo de certeza; há mais certeza neste conhecimento que
sob dois
pode ser
oferece o
no saber,
7. Experiencia jurídica, naturaleza de la cosa y lógica “razonable” (1971), pp. 517, 533, 537.
8. ARISTÓTELES. Metafísica, IV, 1008 a 16; 1011 b 13.
9. SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II, 2, q 4 a 8.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
15
ciência ou entendimento; estes, por se fundarem na razão humana, têm
menos certeza.
Em outros termos, a Verdade divina, que por definição não
pode se enganar, nem enganar alguém, manifesta-se pela Fé, e uma
vez considerada por sua causa apresenta-se com mais certeza; ao
revés, buscada a causa pela Razão humana (saber, ciência,
entendimento), háverá menos certeza.
Entretanto, se quisermos conhecer algo das coisas, ter
Certeza pelo objeto, o raciocínio se inverte. Todos os objetos da
natureza estão adaptados ao entendimento humano ou vice-versa;
nossa inteligência é capaz, é apta, foi criada para conhecer todas as
coisas; por este enfoque, conhecer pelo objeto é mais certo, e pela Fé,
menos certo.
Resumindo: a Certeza de um conhecimento pode vir pelo
objeto ou pela causa: pelo objeto, predomina a Razão; pela causa,
predomina a Fé. Então, a Certeza objetiva é mais razão do que vontade,
enquanto a Certeza subjetiva é mais vontade do que razão.
Em síntese, podemos dizer que a ação da vontade leva à
verdade pela crença, enquanto a Certeza objetiva leva à verdade pela
razão. Temos a verdade da razão e a verdade da fé: pela fé a Certeza é
maior quando se vai à causa última; pela razão a Certeza é maior
quando se vai ao objeto; por isso, uma é subjetiva e a outra, objetiva.
Descartes, 10 um dos maiores racionalistas, foi o primeiro a
identificar Certeza e Verdade; é célebre sua afirmação: "não aceitar
como verdadeiro senão o que se reconhece evidentemente como tal".
É evidente, p. ex., o que é uma mesa ou o que é um livro;
apreendemos estas realidades e não temos dúvida de que tais objetos
são uma mesa, um livro, evidentemente; então, aceitamos como
verdadeiro se nos disserem que isto é um livro. Esta identificação entre
Certeza e Verdade, não mais abandonada pela Filosofia, pode ser aceita
também na aplicação do Direito; a identificação entre Certeza e Verdade
constitui, afinal, a base dos juízos.
10. Cf. ABBAGNANO, op. loc. cit.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
16
Locke 11 distinguia Certeza da verdade, e Certeza do
conhecimento: a Certeza da verdade é para fora (ad extra) e a Certeza
do conhecimento, para dentro (ad intra). Certeza da verdade (para fora)
é o acordo das palavras com aquilo que realmente é. Se falarmos
“mesa”, isto é realmente mesa. 12
Certeza do conhecimento (para dentro) é perceber o acordo
ou desacordo das idéias expressas; se as idéias que nos são colocadas
estão em desacordo, não temos certeza do seu conhecimento; é algo
interior, subjetivo, porque intelectivo; o intelecto faz parte do espírito do
homem. Locke afirmou: "Conhecer é estar certo da verdade de qualquer
proposição".
Leibniz 13 diferenciou Certeza absoluta de Certeza moral. Na
Certeza absoluta ele utilizou a classificação de Locke: Certeza da
verdade e Certeza do conhecimento. Quanto à Certeza moral, identificaa com a verdade religiosa, aquele “conhecer pela fé” de Santo Tomás. A
Certeza moral seria subjetiva, portanto.
Giambatista Vico 14 tem doutrina contrária às de Descartes,
Spinoza e Leibniz; usa dois conceitos para explicar o problema do
conhecimento e da verdade e, portanto, da Certeza: são o verum e o
certum.
11. Idem.
12. Locke era nominalista; as coisas tinham sentido porque respondiam pelo nome e não
por uma idéia superior; o nominalismo e o voluntarismo revolucionaram, no fim da Idade
Média, o pensamento aristotélico tradicional, racionalista ou realista. “Stat rosa pristina
nomine, nomina nuda tenemus”, ‘a rosa que feneceu permanece pelo nome; só temos
nomes nus’: é tradição que se atribui aos nominalistas medievais.
13. LEIBNIZ. Idem, ibid.
14. Filósofo de grande importância para a época, tanto quanto Montesquieu, o jurista
napolitano (1668-1744) é um grande olvidado na história do Direito. É fundamental sua
obra Scienza Nuova; quando todos seguiam o racionalismo, ele revalorizava Platão,
Aristóteles e a Filosofia clássica; este fenômeno cultural ocorre também hoje, não só no
campo do Direito, mas da Filosofia em geral, a redescoberta de Platão e de Aristóteles,
sobretudo Platão, o filósofo da sensibilidade humana, seguido de Santo Agostinho,
primeiro filósofo existencialista.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
17
O verum é o Fato: só se conhece com verdade o que se faz,
porque sabemos a causa. Tudo o que fazemos podemos conhecer com
certeza; nisto segue Santo Tomás.
Já o certum se funda na tradição e na autoridade, mas
ressalva que por não ser suscetível de demonstração necessária é uma
categoria de probabilidade; neste ponto volta a Platão, como vimos,
quando este alude ao conhecimento provável das coisas cambiantes.
Ao contrário de Descartes, Vico explica que a Filosofia não
pode se fundar apenas no verdadeiro, mas, como disse Aristóteles,
deve aceitar como verdadeiro o que se reconhece evidente.
Assim, o Direito não pode se fundar apenas no Fato, mas deve
utilizar também o conceito de Certo, que abrange os costumes, as leis, a
tradição. É, pois, oportuna esta colocação de Vico quanto à Certeza: a
Verdade está baseada na causa (o Fato, o que se faz) e no certo (a
antigüidade, a tradição, o costume).
Em Kant, 15 a Certeza é uma crença objetiva suficientemente
garantida como verdadeira; classifica a Certeza em duas espécies:
empírica e racional. A Certeza empírica pode ser originária e derivada;
Certeza empírica originária é aquela relacionada com a própria
experiência histórica; e a derivada provém de uma experiência alheia.
Quando fazemos pessoalmente alguma coisa, não podemos ter
dúvida daquilo que fizemos; a certeza empírica ou experimental é, pois,
uma experiência originária; é derivada quando copiamos uma
experiência que alguém vivenciou.
No campo da atuação jurisdicional, poderíamos falar da experiência
das sentenças e acórdãos proferidos originariamente; e na aplicação da
jurisprudência pelos julgadores em geral, equiparada à certeza empírica
derivada.
15. Crítica da Razão Pura. Apud ABBAGNANO, op. loc. cit.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
18
E Certeza racional é a consciência da necessidade de crer e
conhecer algo; não precisa ser demonstrada, pois é apodítica; portanto,
é a consciência que temos da necessidade do conhecimento.
Finalmente encontramos Hegel, 16 que identifica Certeza e
Conhecimento: para ele, Conhecimento é Certeza e Certeza é
Conhecimento; mas distingue a Certeza sensível, que pode ser
essencial e imediata, aquilo que simplesmente é, o objeto; e a Certeza
inessencial e mediata, que não é a coisa em si, mas algo que depende
do conhecimento de algum outro objeto. Hegel discorre sobre o eu, que
representa um saber que sabe que o objeto é, ou na expressão
clássica, o homem é o animal que sabe que sabe.
Husserl 17 fala em Certeza originária, identificada com a
crença, principalmente a primitiva, que chama de urdoxa ou protodoxa;
e para Heidegger, 18 a Certeza se funda na Verdade, é inerente a ela
com igual originalidade que ela mesma; parece indubitável: a Certeza
faz parte ou é a face da Verdade.
A Filosofia de Heidegger é a do "ser-em-si" o "ser-aí", a
pessoa, o eu; para ele há uma Certeza subjetiva; o “ser certo,” como
forma de ser do "ser-aí", é uma forma de ser do homem. A Certeza
objetiva é do Ente, como ser superior, de que pode "ser certo" o "seraí", certeza esta derivada da primeira; se o "ser-aí" é certo, deriva da
Certeza do Ente; em outras palavras, o bem deriva do Bem, o belo
deriva do Belo, o ser deriva do Ser.
5. A Certeza jurisprudencial
Quando tratarmos da Jurisprudência, distinguiremos melhor
estes conceitos bivalentes e recíprocos, entre Segurança e Certeza. A
16. Idem.
17. Idem.
18. Ser e Tempo, § 52. Idem.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
19
Segurança jurídica, afinal, como afirmam vários autores, 19 é a Certeza
de que a Lei é válida, tem eficácia e nos assegura a faculdade de bem
agir para alcançar a Justiça.
Entretanto, a Lei é uma certeza a priori, ou melhor, a
Segurança está na Lei, e se a Lei tem por finalidade dar Segurança,
esta é uma certeza a priori; poderíamos chamá-la "pré-judicial" ou
sociológica, 20 porque toda Lei se destina a solucionar ou prevenir
problemas, como ocorre nos contratos; há milhares que se firmam e se
resolvem autonomamente e têm valor, mas há uma quantidade
imponderável dos que não funcionam e acabam nos Tribunais.
São estes casos que nos interessam, pois o tema deste
estudo é Jurisprudência com Segurança: quando os Juízes e Tribunais,
ao final de um processo, emitem decisão que transita em julgado, podese falar em Certeza do Direito?
Chamâmo-la de Certeza judicial ou jurisprudencial, referente
ao labor dos Tribunais, porque a sentença singular, embora importante
para o Direito, não faz jurisprudência. De fato, a vocação da Lei é estar
voltada para a sentença; e a vocação da sentença é a jurisprudência. E
a sentença só se faz jurisprudência através de recursos; quando aquela
é juridicamente relevante e bem fundamentada os Tribunais a citam,
adotam suas razões e muita vez nada acrescentam!
6. A determinação do Justo, da Sentença à Jurisprudência
Têm razão os americanos quando afirmam que Direito é
aquilo que os Tribunais dizem que é. 21 Aceitamos as decisões judiciais
19. Renato Cirell CZERNA. Direito e Certeza. Verb. ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito, v.
26, p. 501; Theophilo CAVALCANTI Fº. O problema da segurança no Direito (1964), p.
59; Flavio López de OÑATE. La certeza del Derecho (1953), p. 75; Massimo CORSALE.
Certezza del Diritto e Crisi di Legitimità. (1979), p. 33; Letizia GIANFORMAGGIO. Certeza
del Diritto. Verb. DIGESTO (1988), Vol. II: 274ss, n. 3; Antonio-Enrique PÉREZ LUÑO. La
Seguridad Jurídica (1991), p. .22, n. 4 etc.
20. MEZQUITA DEL CACHO (1989), v. I, p. 108: “...esta Certeza no es todavia la Seguridad
Jurídica verdadera o plena, sino sólo el arranque de la ruta que el Derecho se traza en su
búsqueda; pues por mucha que sea la Certeza, no es garantía intrínseca, sino sólo
catalizadora de la Justicia”.
21. Oliver Wendell HOLMES tem famosa definição de Direito ao afirmar que “as previsões
daquilo que os tribunais efetivamente farão e nenhuma outra coisa mais pretensiosa, são
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
20
como verdades e nada impede que as aceitemos como hipótese de
trabalho e argumentação. Como dissemos, a finalidade da Lei é resolver
conflitos ou evitá-los; está voltada para a sentença, dirige-se ao Juiz,
como uma flecha lançada a um alvo, que é o processo. A sentença
está, pois, destinada à jurisprudência, como resultado final da coisa
julgada.
Uma simples ação de despejo por falta de pagamento faz coisa
julgada, mas nem sempre se torna jurisprudência, porque, na grande
maioria, são sentenças comuns, sem questões de Direito relevantes,
sentenças com conseqüências jurídicas limitadas às partes; fazem coisa
julgada formal e material em âmbito muito restrito.
Mas há julgados que se convertem em jurisprudência, não ficam
aprisionados na formalidade do processo, nem se restringem aos
litigantes; ao contrário, extrapolam estes dois níveis e se tornam
autênticas normas: é o que denominamos coisa julgada jurisprudencial
(embora pleonasticamente).
Esta tem sido uma idéia ousada: dizer que o precedente
judicial é norma soa um absurdo; todavia, os julgados não valem só
para as partes, mas também para todo o ordenamento; então, os
conceitos de coisa julgada e jurisprudência serão naturalmente mais
amplos.
Há exemplos notórios de construção jurisprudencial, como a
correção monetária, em que os Tribunais a estenderam para toda
espécie de débito judicial; quando as últimas questões foram decididas
definitivamente pelo Supremo Tribunal, promulgou-se a Lei 6.899/81, que
acolheu toda a jurisprudência acumulada. 22
Trata-se de exemplo eloqüente da superioridade da Jurisprudência
sobre a Legislação através da construção do Direito pelos Tribunais.
Embora se reitere que a Jurisprudência não é fonte do Direito,
na prática esta caminha mais célere que o Direito positivo. Na realidade,
a norma produzida pela Jurisprudência é tão genérica quanto as leis. A
certeza jurisprudencial é uma certeza praeter legem, pois ultrapassa a
própria lei. É certeza que nasce do caso concreto e se funda na coisa
o que entendo por direito”. Apud VALLET DE GOYTISOLO, Metodología de la
Determinación del Derecho (1994), p.1247. Cf. Álvaro D’ORS, Derecho es lo que
aprueban los jueces, in “Escritos varios sobre el Derecho en crisis” (1973), cap. V, p.
45ss, também publicado na revista Atlántida (1970), N. 45, pp. 233-243.
22. Art.1º:"A correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisão judicial".
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
21
julgada, cujo princípio superior é garantir às partes e à sociedade que a
controvérsia já decidida não mais retornará aos Tribunais.
A história do Código Civil de Napoleão (1804) é bem ilustrativa:
Portalis, 23 um dos redatores do Projeto, juntamente com os juristas
Tronchet, Maleville e Bigot-Préameneu, apresentou o Código à
Assembléia Nacional em 1801. Na exposição de motivos ousou afirmar
que o Juiz deveria julgar, interpretar, clarificar a letra da Lei; exprimia o
que um século depois, François Gény 24 iria empreender claramente com
o método da libre recherche scientifique, alargando o espírito da Lei.
Portalis foi execrado, e a Assembléia eliminou os dispositivos que
tratavam da interpretação da Lei. Na ocasião, Napoleão teria exclamado:
"Meu Código está perdido!", porque os Juízes pretendiam interpretá-lo; o
Código Napoleônico, fruto do racionalismo revolucionário, era o que
havia de mais positivista, e influiu decisivamente em todas as
codificações européias e latino-americanas. 25 Para ele, os Códigos
deveriam ser intocáveis.
Em 1904, ao se comemorar o centenário do Código de
Napoleão, ouviu-se outro discurso famoso, o do Presidente da Corte de
Cassação Francesa, Ballot-Beaupré, 26 no qual demonstrou que o
Código, formalmente, em nada fora alterado, mas a Jurisprudência,
durante um século, havia criado muitos outros institutos jurídicos, como
o seguro, o concubinato, a indenização etc; houve abundante criação
jurisprudencial, apesar de Napoleão...
A história prova que não há legislador que possa inovar
contra os fatos e os costumes; em contraposição, é tendência natural do
Juiz ocupar o espaço legal da sua decisão para ampliar o Direito,
desde que não julgue contra ou fora do ordenamento jurídico, como sói
ocorrer com o uso alternativo do Direito. Ao Juiz cabe decidir dentro da
ordem jurídica, com toda liberdade, inclusive aplicando a eqüidade, que
é o método adequado para melhor decidir segundo critérios de Justiça
Social.
O artigo 127 do CPC restringe, a nosso ver inconstitucionalmente, o
uso da eqüidade, que deveria ter a mais ampla aplicação pelos Juízes. O
Juiz inglês, quando predominava a equity, não possuía códigos, nem
leis, decidia segundo a lógica prudencial dos romanos; então, os casos
julgados constituiam um ordenamento de eqüidade. Hoje, na Inglaterra, a
23. Jean-Étienne-Marie PORTALIS. Discurso Preliminar del Projecto de Código Civil Francés
(1978); e Discours, Rapports et Travaux Inédits (1844).
24. Méthode d’interprétation..., nº 156.
25. No Chile, o Gal. O’HIGGINS chegou a propor a adoção integral do Código napoleônico.
26. Cf. François GÉNY. Science et Technique en droit privé positif (1924), v., 9, pp. 29-30.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
22
Jurisprudência de eqüidade é formalmente codificada, com normas,
princípios e máximas, como as codificações continentais. 27
7. Segurança e Certeza; Coisa julgada e Jurisprudência
Vejamos o entendimento sobre Segurança Jurídica e Certeza
do Direito, nas doutrinas estrangeiras.
Na doutrina italiana a expressão certezza del diritto é usada
igualmente para as dimensões objetiva (Segurança) e subjetiva
(Certeza) do Direito.
A maioria dos doutrinadores alemães tanto utiliza Segurança
quanto Certeza (Rechtssicherheit), mas alguns adotam a dimensão
subjetiva da Segurança, como "Certeza de orientação" (Orientierungsgewissheit).
Na Common Law as expressões legal security, public safety e
certainty lembram a dimensão objetiva da Segurança, enquanto
certitude é a garantia subjetiva, a Certeza do Direito, a possibilidade de
prever as conseqüências e implicações da Lei.
Para os espanhóis, seguridad é uma idéia objetiva, qualidade
ou estado de carência de risco; e certeza é forma subjetiva de
conhecimento dos direitos individuais; mas, igualmente, costumam
utilizá-las como sinônimos. 28
É fato que as leis nos dão segurança objetiva. Quando contratamos
ou transacionamos com base na Lei, se o contrato ou o negócio
funcionam, a Lei cumpriu sua missão; se as partes se desentendem, o
contrato não funcionou, e em conseqüência aquela segurança inicial
torna-se uma incerteza subjetiva para as partes. Ambas afirmam que têm
direitos, que a razão está com cada uma, vão à Justiça e a coisa julgada,
determinando o certo, liquida a questão e restaura a Segurança da Lei e
a Certeza dos direitos individuais.
Então, a autoridade da coisa julgada tem também a eficácia de
restaurar a Segurança objetiva da Lei e a Certeza subjetiva do Direito.
Ocorre aqui um processo dialético: a tese é a Lei, traz Segurança; a
antítese é o conflito, o dissídio que gera incertezas; já não existe mais
27. Cf. nossos Poderes Éticos do Juiz (1987), p. 94; Eqüidade e Jurisprudência. Tese de
doutorado (1989), p. 48ss. Cf. Carleton Kemp ALLEN e outros.
28. PÉREZ LUÑO (1991), p. 37, N. 32.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
23
Segurança, a Lei não garante concretamente; a coisa julgada, como
síntese, virá restaurar a Segurança e tornar-se, assim, nova tese, como
fonte material do Direito.
Vemos, pois, que a Segurança dada pela coisa julgada é
superior à da Lei, porquanto esta, tendo caráter genérico e abstrato,
deve se concretizar no caso singular; então, a Lei geral é particularizada
pela interpretação, e a decisão, afirmando o que é certo, o que é justo,
aplica corretamente a Lei e restaura a Segurança; entretanto, já não é
mais a mesma Lei, mas Lei aperfeiçoada; por isso que a Jurisprudência
aper-feiçoa as leis e os juristas, em geral, não soem invocar somente a
Lei, mas também os casos julgados à sua luz. 29
Queremos com isso afirmar que toda vez que um caso é
julgado este acresce um plus à Lei; é um acréscimo valorativo. Um dos
efeitos da Jurisprudência, como doutrina originária e exclusiva dos
Tribunais, é precisamente o de valorizar a Lei.
São funções essenciais da decisão, através da coisa julgada:
primeiro dizer o que é certo, determinando a cada um o que é seu;
segundo, trazer paz à sociedade; e terceiro, confirmar o ordenamento
jurídico. 30
É importante demonstrar como a Jurisprudência oferece segurança
qualificada, superior à das leis. Quando se discorre sobre a crise do
Direito, vê-se que uma das causas da insegurança jurídica é a proliferação das leis. A espantosa quantidade de leis promulgadas pelos
legislativos causa uma geral incerteza no povo, como no campo do
Direito Público, em que surgem, diariamente, inúmeras leis e regulamentos novos, gerando confusão e insegurança. E a proliferação das leis
é um fator crítico da própria Legislação. Também neste aspecto o
julgador supera o legislador, pois há justiça mais qualificada nas
decisões do Judiciário, do que nas leis do Legislativo.
29. “O mínimo de fundamento axiológico, exigido pela sociedade em qualquer circunstância,
postula, também, a certeza do Direito, põe e exige um Direito vigente. O princípio da
Certeza preside - em díade indissolúvel com o da segurança - todo o evolver histórico da
vigência do Direito, e, por via de consequência, a toda a história do Direito positivo”.
Miguel REALE. Filosofia do Direito (1982), N. 216, p. 598.
30. Recordemos o caso do IPMF, editado e cobrado em setembro de 1993; bastou uma
ação declaratória de inconstitucionalidade para que um Ministro do STF paralizasse toda
sua cobrança, pondo fim à medida provisória, porque havia insegurança jurídica, gerada
por Lei inconstitucional, uma vez que o imposto criado não poderia ser cobrado no
mesmo ano; portanto, a atuação judicial teve a função de restaurar a Segurança jurídica
em uma situação de incerteza.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
24
Ademais, a Lei, mesmo tendo uma causa e um fim, uma vez
promulgada tende a se cristalizar; ao passo que a Jurisprudência é
dinâmica, estando em constante devenir. Este dinamismo da Jurisprudência aparenta uma certa insegurança. A crítica mais comum à
Jurisprudência é que não pode ser fonte normativa do Direito por não
trazer segurança. Mas a assertiva não se sustenta, pois existem
Súmulas do STF com mais de 30 anos que ainda não foram
modificadas.
Detrai-se a Jurisprudência por não ser fonte do Direito, ou ser
menos segura, devido à sua mutabilidade, dada pela interpretação
progressiva ou casuística do Direito. Entretanto, não é impossível fundamentar que há Segurança na Jurisprudência, pois do contrário não seria
sumulada, nem teriam valor os repertórios jurisprudenciais.
A Jurisprudência não é autorizada como fonte do Direito pela
maioria dos doutrinadores. Não está elencada, por exemplo, no art. 4º
da LICC ou no art. 126 do CPC, que autorizam o juiz, à falta de Lei,
julgar por analogia, pelos costumes, pelos princípios gerais do Direito;
portanto, estas são, com a Lei, fontes únicas do Direito, mas não a
Jurisprudência; todavia, em muitos países ela é considerada fonte
auxiliar ou complementar do Direito, como na Espanha, 31 e esta vem
sendo a tendência da dogmática brasileira mais recente. 32
Sobre o dispositivo, assim se expressa a Exposição de
Motivos de Título Preliminar do Código Civil espanhol:
“A la jurisprudencia, sin incluirla entre las fuentes, se le reconoce la
misión de complementar el ordenamiento jurídico. En efecto, la tarea de
interpretar y aplicar las normas en contacto con las realidades de la vida
31. Título Preliminar del Código Civil, art. 1º, nº 6: “La jurisprudencia complementará el
ordenamiento jurídico con la doctrina que, de modo reiterado, establezca el Tribunal
Supremo al interpretar y aplicar la ley, la costumbre y los principios generales de
Derecho”.
32. O Anteprojeto da Lei de Aplicação das Normas Jurídicas, apresentado ao Congresso
Nacional, onde se tornou o Projeto de Lei nº 4.905/95, inclui a doutrina e a Jurisprudência
como novas formas de expressão do Direito, superando, assim, o dogmatismo vigente.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
25
y los conflictos de intereses da lugar a la formulación por el Tribunal
Supremo de criterios que si no entrañan la elaboración de normas en
sentido propio y pleno, contienen desarrollos singularmente autorizados y
dignos, con su reiteración, de adquirir cierta trascendencia normativa”
(grifamos). 33
8. Conclusões
Podemos extrair do exposto algumas idéias, à guisa de
conclusões: a primeira, que a Jurisprudência é fonte valorizadora da
Segurança jurídica; a segunda, que a autoridade da coisa julgada
devolve às partes a Certeza do direito, restaurando-se, em
conseqüência, a Segurança jurídica inicial; a terceira, que o valor
acrescido à Lei pela Jurisprudência dominante é expressão de Direito
justo, sobretudo nas questões jurídicas relevantes; em consequência,
por derradeira, a coisa julgada, através da Jurisprudência, sobretudo
sumulada, estende sua autoridade à própria ordem jurídica, para sua
reafirmação e completude.
É que, sendo a Jurisprudência um conjunto de decisões finais
irrecorríveis, neste ponto se identifica com a coisa julgada; portanto,
tratando-se de questões relevantes de Direito, a auctoritas dos casos
julgados se transfere à Jurisprudência, assumindo o caráter de nova
categoria: a coisa julgada com força ou efeito jurisprudencial. 34
Ademais, no desenvolvimento do estudo tentaremos
demonstrar que a Jurisprudência deve ser entendida não como mero
repositório ou conjunto esparso de acórdãos reiterados ou precedentes,
como no modelo anglo-norte-americano, mas, muito além, constitui um
33. Tomás OGÁYAR Y AYLLÓN. Creación Judicial del Derecho (1975), p. 137.
34. É o que se poderia denominar de coisa julgada com auctoritas jurisprudencial, pois esta
qualidade do julgado ultrapassa o processo (coisa julgada formal), e as partes (coisa
julgada material), para alcançar o aperfeiçoamento e a evolução do próprio ordenamento
jurídico. É uma terceira dimensão da coisa julgada, que também outros autores trazem à
discussão doutrinária.
Segurança Jurídica e Certeza do Direito
26
corpo, um ordenamento judicial 35, aberto, em evolução constante, com
o que se aproxima e se integra ao ordenamento legislativo (passando,
assim, do Plano das Normas Particulares ao Plano das Leis Gerais).
35. É o denominado Direito Judicial ou Jurisprudencial.
Cf. LOMBARDI (1975), ORRÚ
(1983), CAPPELLETTI (1984), ZENATI (1991), CALVO VIDAL (1992), MARTINS FILHO
(1992) e outros. Cf. Cap. IX, pp. 132ss.
Capítulo II
O que é Certeza
SUMÁRIO:
1. A evidência objetiva. 2. Significado do
termo Certeza. 3. Classificação dos tipos de Certeza.
a. Certeza
necessária. b. Certeza livre. c. Certeza natural. d. Certeza científica.
e. Certeza metafísica. f. Certeza física. g. Certeza moral. h. Certeza
jurídica. 4. Conclusões.
Certeza é um tema filosófico e especificamente de
gnoseologia, ou seja, pertinente à Teoria do Conhecimento, como o
homem conhece as coisas da natureza e as próprias idéias.
A certeza é um conhecimento objetivo, mas apresenta
gradações e espécies. Neste estudo queremos associá-lo ao
conhecimento jurídico, especialmente ao do Juiz. Quando se fala do
livre conven-cimento do Juiz, a convicção é um conhecimento e uma
certeza; o Juiz conhece os fatos, as provas, interroga as partes, as
testemunhas, ouve peritos e este conjunto de informações é que
sustentam sua convicção, e plasmam seu conhecimento; se ele não se
apropriar intelectivamente do universo do thema decidendum, ele não
terá certeza e, portanto, a sentença não trará segurança.
Por isso, este tema, embora filosófico, está intimamente
ligado ao problema da Segurança Jurídica; porque a sentença, uma vez
transitada em julgado, nada mais é do que uma certeza, ao menos sob
aquele aspecto particular do Direito, que envolve duas ou mais pessoas
na relação jurídico-litigiosa. Portanto, embora seja um tema teórico,
está diretamente implantada na realidade que é a questão do
convencimento do Juiz.
Então, podemos dizer que todo julgador, assim como
qualquer homem medianamente instruído, tem uma forte tendência
dogmática a superar um estado de dúvida e buscar a tranqüilidade da
certeza, que é um estado perfeito da mente em relação à verdade; mas
O que é Certeza
28
tem, ademais, forte tendência crítica a possuir ou alcançar a verdade e
a certeza, porém com motivo válido, ou seja, com fundamentação.
Sabemos quanto é importante o Juiz fundamentar sua
convicção, pois se este não explicar por que condenou uma pessoa e
absolveu outra, acusadas do mesmo fato, essa sentença pode ser nula,
pois a motivação convincente é a base da decisão, embora os motivos
não façam coisa julgada, o que será objeto de apreciação, mais adiante.
1. A evidência objetiva
O Juiz não trabalha com a existência da certeza, mas busca o
motivo primordial da certeza, qual o fator essencial, necessário,
imprescindível, último e universal que a determina. Esta causa última é
a evidência objetiva. Evidência deriva de ex-videre (ver para fora),
aquilo que vemos através dos sentidos. O mundo, as coisas que nos
rodeiam entram para o nosso conhecimento através dos sentidos. Daí
todo um processo de classificação, de apuração, mas esse é o
processo de apreensão das coisas. Então, evidência objetiva é aquilo
que se vê fora, objetivamente.
A Filosofia que está sendo apresentada é aristotélico-tomista, refutada
por muitos. Mas, hoje, prestigiosos juristas e filósofos voltam-se a ela para mostrar
que não se pode fugir da natureza das coisas e da natureza do homem. Este é mais
um convite à meditação, voltarmos a repensar os nossos conceitos e buscar na
natureza humana, não nas idéias puras, as razões últimas do Direito e mesmo do
Estado.
O fundamento do Direito não está no Estado e sim na
natureza, nem tampouco em algum gênio que por aqui passou. Hitler
teve idéias. E as nazistas ... deram no que deram.
A sabedoria aconselha retornar ao realismo aristotélico e ao idealismo
platônico, pois não se contradizem. O caminho que vai é o mesmo que volta.
Alguém, por exemplo, possui um terreno, muito bonito, à margem de uma rodovia,
acidentado, cheio de pedras, com uma belíssima queda dágua. Sonha erguer ali uma
casa, aproveitando as pedras e a cascata, sem alterar a natureza. Chama um
famoso arquiteto e ordena: "Desejo construir uma casa neste sítio, sem retirar uma
única pedra, aproveitando integralmente a paisagem".
O arquiteto vai ao local, fotografa, estuda, vê, sobe e desce, retorna para
seu estúdio e principia a meditar. A idéia tarda, sai de férias para se inspirar. De
repente, o insight: senta e desenha, com base nas fotos, um projeto todo original,
não tocando nas pedras e aproveitando a cachoeira. Apresenta-o ao proprietário e
O que é Certeza
29
este o aprova; chama um engenheiro, que vai ao local e constrói a casa conforme o
projeto.
O que aconteceu? Dois caminhos foram percorridos: o da
realidade da natureza para as idéias, das fotografias ao projeto; e o do
projeto para a realidade da obra construída.
Assim é a experiência jurídica, como na vida humana. Nada
fazemos sem idéias, como também não as deixamos no espaço, mas
as concretizamos com nossas ações. Então, as duas atitudes humanas,
meditação e ação, se interligam reciprocamente: uma exige a outra e
ambas se complementam. Portanto, tudo na vida é planejado e
executado segundo a realidade. Quem sai construindo casas na areia
vê-las-á ruir água abaixo...
Então, esta evidência objetiva é muito importante ao
conhecimento porque a evidência já é conhecer.
Por exemplo, quando se olha para fora e se vê que está claro, o sol
brilhando, não temos dúvida em dizer que agora é dia. E à noite, quando está tudo
escuro, não duvidamos que não é dia, mas sim noite. É uma evidência objetiva, pois
a natureza se conhece através da evidência. O ex-videre, portanto, é um dos
fundamentos básicos da certeza.
2. Significado do termo Certeza
O termo certeza deriva do verbo latino cernere, que significa
"ver claro", "discernir", com o sentido real de “firme assenso da mente à
verdade conhecida, sem medo de errar". 1 É um firme assentimento ou
concordância da mente com a verdade.
Esse sentido real, de um ponto de vista positivo, encontra no
Sujeito a firmeza e a determinação da mente em se opor à dúvida; e da
parte do Objeto, a evidência objetiva do enunciável.
1. Stanislaus LADUSÃNS, S.J. Gnosiologia Pluridimensional. Um Tratado Filosófico sobre
os Fundamentos Fenomenológico-críticos da Ciência Consciente (1980), p. 74; cf.
também, do mesmo autor, Humanismo Pluridimensional (1974).
O que é Certeza
30
A certeza afasta a dúvida, e da parte do Objeto, daquela
coisa que está sendo vista, desvelada: a evidência objetiva do
enunciável. Se vemos que é dia, por exemplo, podemos fazer um
enunciado. Então, da parte do Objeto, a evidência é objetiva daquilo
que vou falar: "agora é dia". O Objeto me dá certeza pela evidência
objetiva, pela firmeza da minha afirmação.
Pode-se, pois, definir a certeza como a adesão firme da
mente a um enunciável evidente; tudo aquilo que pode ser enunciado,
definido, apontado. 2
De um ponto de vista negativo, a certeza exclui o medo de
errar. E do ponto de vista positivo, vimos, ela exclui a dúvida; ela afirma
com evidência. Ora, o medo é uma faculdade sensitiva, intelectual; a
inteligência não teme, apenas pensa na possibilidade do erro, e causa
medo na parte apetitiva, ou seja, na vontade. A inteligência quer acertar;
então, a possibilidade de não acertar causa medo na parte da volitiva; o
homem não sabe decidir se faz ou não faz, se quer ou não quer.
Mas esta questão não é da razão, é da vontade. Portanto, a
evidência objetiva é, para a certeza, uma causa eficiente, noética (Nous
= ser), ou seja, primordial, necessária, imprescindível (motivo essencial)
é aquilo que dá essência às coisas; pode haver outros motivos, mas
não serão essenciais.
A evidência objetiva é o motivo essencial da certeza, porque a
perfeita atuação da mente, como faculdade visiva e necessária, não
pode resultar senão pela evidência objetiva.
A certeza é a perfeita atuação da inteligência, porque não a
possuindo, a inteligência, insatisfeita, a procura; e possuindo-a,
permanece satisfeita e tranqüila (Eu existo; 2+2=4; Franca fica ao norte
de São Paulo...). A inteligência quer certeza no conhecimento das
coisas.
Quando tomamos contato, à primeira vez, com alguma coisa estranha,
temos curiosidade de saber. Por que as crianças tanto perguntam? porque têm
apetite de conhecer e aprender. É a inteligência que as leva a fazer perguntas; é a
perfeita atuação da inteligência. Possuindo esta certeza, a mente se sente satisfeita
e tranqüila.
Por exemplo, a dúvida existencial: “eu existo?”
2. Neste ponto é bom lembrarmos quão importante é distinguir verdade e certeza, pois não
se confundem; enquanto a verdade é a conformidade da inteligência, que julga, com a
coisa, a certeza traduz a firmeza da mente, que resulta daquela conformidade ou
julgamento evidente. Descartes foi o primeiro filósofo que identificou certeza com
verdade, posteriormente a Aristóteles e a Santo Tomás, que a distinguem.
O que é Certeza
31
Se conseguirmos responder, ficamos tranqüilos, pois temos a certeza de
que existimos. Há coisas que são evidentes por si mesmas. Esta evidência objetiva é
que dá a certeza para que a inteligência fique tranqüila e não se questione.
Quando o Juiz não se dá por satisfeito, pergunta, repergunta, manda
fazer diligências, abre instruções, enfim, utiliza-se de todos os poderes que tem para
alcançar a verdade.
Quantos juízes não passam por este dilema: "Bem, alguma
coisa está acontecendo, não estou convicto, vou fazer diligências,
determinar nova perícia...". Isto porque não há uma evidência objetiva.
No crime, a incerteza é causa de absolvição, devido à ausência de
evidência objetiva.
A inteligência é uma faculdade visiva porque não afirma nem
nega sem ver antes. Por exemplo, qual o número de estrelas no céu? é
par ou é ímpar? não afirmo nem nego, porque intelectualmente não
consigo contar. É uma evidência.
Dizemos: "O homem é um animal racional". Afirmamos que é assim
porque vemos que os outros animais não são racionais; podem até ter um certo grau
de percepção, que não poderíamos chamar de inteligência, são espertos, instintivos,
mas não inteligentes.
Se dizemos "o homem macaco existe", podemos negar isto
porque vemos que o homem não é assim.
Inteligência, que deriva de intus-legere, significa "ver dentro".
Quando a evidência nos dá os elementos, a inteligência elabora aquela
visão interior.
A inteligência é também uma faculdade necessária porque,
ao descobrir um ente, não pode deixar de julgar, pois não é livre como a
vontade. Na vontade podemos optar: quero ou não quero; mas a
inteligência não é livre neste aspecto.
A inteligência, quando vê algo, tem de julgá-lo, conhecê-lo,
compreendê-lo; isto é o apetite intelectual. O homem é um animal feito
para conhecer as coisas. Portanto, a inteligência não pode não julgar;
ela tem de ir a fundo, e lá, tem de dar uma resposta.
Para concluir, a evidência objetiva é o motivo último da
certeza; a verdade, evidentemente conhecida, faz que julguemos as
coisas com certeza; o erro não o pode fazer, pois é uma certeza falsa,
muitas vezes subjetivista, que não tranqüiliza a mente.
O que é Certeza
32
Às vezes aprendemos coisas, mas ainda ficamos em dúvida e
dizemos: "vou pesquisar melhor, investigar, aprofundar"; parece uma
certeza, não é muito evidente, objetiva. Então, o erro não pode dar
certeza. Sobre o erro não se pode construir uma sentença, por exemplo,
pois como tal será anulada, reformada, e se transitada em julgado, será
sempre considerada injusta.
Portanto, uma Certeza genuína, autêntica ou formal existe e
o motivo é a evidência objetiva. Essa é a conclusão a que podemos
chegar: motivo da causa.
Sempre se procura explicar as coisas pelas causas. Então,
motivo ou motivação são as causas de algo ser desta ou daquela forma.
O motivo último é a evidência objetiva.
3. Classificação dos tipos de Certeza
Agora vamos entrar no estudo de uma classificação da
certeza, as espécies de certeza que podemos alinhar, dentro da Teoria
do Conhecimento.
a. Certeza necessária
Certeza necessária é aquela que não sofre o influxo da
vontade. A inteligência examina os motivos, julga e dá assentimento ao
enunciável; como faculdade necessária, a certeza não pode negar-se a
julgar, ou seja, é necessário julgar.
É o que ocorre permanentemente com o Juiz. O Juiz não pode deixar de
julgar, pois se não encontrar solução na lei, vai preencher a lacuna, ou por analogia,
princípios gerais, costumes ou até mesmo por eqüidade. Mas tem de decidir, porque
a sentença é necessária, a função do Juiz é necessária, essencial à Justiça.
"O homem é imortal" é um enunciado e a inteligência não
pode deixar de julgar: é imortal ou não é? "O mundo existe" é uma
afirmação, julgamos isto: existe ou não existe?
Lembramos aqui os primeiros princípios da lógica. O primeiro enunciado:
o ser existe ou não existe, o ser é ou não é, uma coisa é ou não é. Uma caneta é ou
não é uma caneta. Se escrevo e verifico pelas circunstâncias que o objeto responde
ao conceito de caneta, afirmamos que é uma caneta, que ela existe; logo, a nãocaneta não existe.
O que é Certeza
33
Poderíamos exemplificar com o problema do mal. O que
existe é o bem. O mal, como ser, não existe. O mal é o não-bem, aquilo
que se deixou de fazer ou que se fez com erro.
O problema do nada: se os seres existem, o nada não existe. Uma
Filosofia como a de Sartre, que se baseia sobre o nada é vazia, é uma literatura,
uma novela. O nada não existe. Se desligarmos o interruptor da luz, ficaremos no
escuro como se fosse noite. Não quer dizer que as trevas existem; o que existe é a
ausência de luz. Na verdade, o que existe é o positivo. E se fizermos bem esta
distinção, muitos problemas de ordem prática e da vida pessoal humana se
resolveriam.
b. Certeza livre
Corresponde ao influxo da vontade em auxílio da inteligência.
Pode exercer influência direta e próxima, como em muitos cientistas que
descobrem uma vacina mas têm dúvidas: "Será que funciona?".
A inteligência teme, não tem certeza absoluta, mas a vontade
a incita a ir adiante.
Então, esse influxo ou influência da vontade sobre a
inteligência é legítimo: primeiro, para que a inteligência aceite aquilo
que é evidente e não fique em dúvida; e segundo, porque o homem é
pessoa concreta, é um eu total que julga, não apenas com a
inteligência, mas com todas as suas aptidões, como a vontade e a
liberdade.
Não é só a inteligência que age, que atua, mas também a
vontade. O Juiz, quando decide condenar, quando toma a decisão que
foi iniciada pela inteligência, pelo estudo das provas, ele tem dúvidas,
mas como tem de decidir, ele diz: "Eu quero condenar", ele afirma sua
decisão, isto é influxo da vontade. Essa decisão é a última palavra da
vontade; pode haver o auxílio da intuição, mas como ele é
independente, livre, pode absolver ou condenar, segundo sua alta
prudência.
Portanto, não é somente a inteligência que julga, mas todo o
ser humano com todas as suas virtudes intelectuais e espirituais.
c. Certeza natural
Um terceiro tipo é a certeza natural, também chamada vulgar
ou direta: ela existe quando se conhecem os motivos, que excluem o
O que é Certeza
34
medo de errar: está no plano da espontaneidade intelectual; promana
espontaneamente da natureza da inteligência, que é conhecer conforme
o real; a realidade é, talvez, o mais simples dos tipos de certeza, é uma
certeza direta, também objetiva.
d. Certeza científica
Um quarto tipo de certeza é a científica: é o conhecimento
explícito e distinto dos motivos, e também pode responder diretamente
às dificuldades contrárias à certeza. De um lado é o conhecimento que
a inteligência elaborou, conhecendo as causas, os motivos; e de outro,
é esse poder, faculdade de responder às dúvidas contrárias à certeza.
É o método demonstrativo: primeiro se afirma e depois se
nega aquilo que é contrário; método dialético do afirmo, nego, concluo.
A diferença entre a certeza natural e a científica está no modo
de conhecimento. A certeza científica é mais perfeita e a natural, menos
perfeita; mas ambas são autênticas e genuínas. A certeza científica
acrescenta à certeza natural a passagem do "claro-confuso" para o
"claro-distinto".
Ou seja, a certeza científica traz clareza ao
conhecimento.
Outro aspecto a valorizar em relação a estas duas certezas é o senso
comum, expressão corrente, mas esquecida e não usada por falta de aprendizagem.
O "senso do gênero humano" promana da mesma natureza da inteligência.
Poderíamos chamá-la de intuição, talvez, mas intuição coletiva. E o bom senso é
fundamental para operar com o Direito.
Neste campo da certeza natural e científica entra o senso
comum. O cientista, quando observa seres microscópicos, seu senso
comum mostra que é um micróbio, uma célula, ou uma célula
envolvendo um micróbio. É o senso comum da observação, um óbvio
que vem de dentro de nós, (não o que vem de fora, da natureza), está
muito próximo da intuição. A intuição é uma luz fugidia, mas o bom
senso é de todo momento.
O senso comum é esta cultura informe que existe em todas
as pessoas medianamente educadas e que sabem como os fenômenos
se verificam. No Direito pode ser aplicado ao aforisma quod plerumque
accidit...
e. Certeza metafísica
O que é Certeza
35
A certeza metafísica tem por motivo a necessidade absoluta,
transcendental, superior a tudo, com exclusão de qualquer contraditório;
porque, se existe algo de absoluto e opusermos um contrário a ele,
deixa de ser absoluto e seria impossível; se é absoluto, se existe algo
absoluto, é absoluto em si e, portanto, não existe outro; logo, é uma
necessidade absoluta com exclusão do contraditório.
Necessidade absoluta é o que é assim, desta forma, e não
pode ser nunca de outra maneira diferente; promana das relações
primeiras das coisas com base na essência destas.
Absolutamente impossível é a contradição ou a repugnância
interna tal que, em nenhuma hipótese, pode se realizar. A certeza
metafísica, é, portanto, plena e perfeita.
Por exemplo, se afirmamos que todo o contingente contém a
sua causa, ou que Deus existe, é uma certeza absoluta; se afirmamos
que o homem é um animal racional, diferente dos demais, é uma
certeza absoluta, que não admite contrário.
Esta certeza é metafísica porque transcende; além de tudo é
uma idéia perfeita de que o homem, sendo racional, é diferente dos
outros. Pode ser que haja pontos comuns, mas serão pontos comuns
apenas naturalmente (das leis físicas).
Então, a certeza metafísica, por não admitir o contraditório, é absoluta e
necessária.
A palavra necessidade tem na Filosofia conotação muito específica:
necessário é aquilo que é e não pode deixar de ser. É indispensável. Necessidade é
termo de aplicação filosófica precisa.
f. Certeza física
Tem por motivo a necessidade física, que é a determinação a
algum modo de agir; promana da natureza física das coisas, segundo
as leis físicas.
Natureza física é a natureza em ordem às operações das
coisas entre si. A certeza física é suficiente e autêntica, mas hipotética.
Por exemplo, se lançarmos um livro ao fogo, ele se queima; um objeto
lançado no espaço cairá; Pedro, tentando caminhar sobre as águas,
afundará...
O que é Certeza
36
A certeza física é suficiente, autêntica; pois pode não se
realizar; se eu não jogar o livro ao fogo, ele não queimará etc.
g. Certeza moral
Seu motivo é a necessidade moral, que tem por fundamento o
modo humano de agir. A certeza moral é suficiente e autêntica; mas
também hipotética: tem, como condição, que a vontade livre não viole a
lei moral.
Não matar, não mentir, não roubar, são leis morais. Então, a
necessidade moral está fundada nas inclinações primeiras da natureza racional e
promana das leis morais, como conjunto das inclinações naturais. Que inclinação é
esta? Fazer o bem e evitar o mal.
Podemos fazer o mal, mas ele é um desvio na prática do bem. No Direito
entra o problema da intenção, se foi culpa ou dolo. De qualquer maneira, a tendência
natural no homem é fazer o bem.
Ela é hipotética também porque, se não fizermos o mal, se
não transgredirmos a lei moral, não há transgressão. Se fizermos,
estamos transgredindo. Mentir, passar cheque sem fundo, fazer
contrato fraudulento, são expressões da vontade humana contra as leis
morais.
A distinção entre Moral e Direito é difícil porque são
extraordinariamente semelhantes, implicando-se mutuamente: não é
possível ser Homem moral sem ser justo; não se pode ser Homem justo
sem o sentido moral.
Embora distintos, Moral e Direito se assemelham, por causa
de sua origem comum: Luis Vela Sanchez 3 opta por uma terminologia
especial, chamando Ética à Filosofia prática, às ações especificamente
humanas, e ético o homem responsável pelos seus atos, e cujos efeitos
lhe são imputáveis.
A Ética não é senão Moral + Direito. Da Ética constam
sempre dois elementos: um, pessoal, subjetivo, o sujeito que as realiza;
e outro objetivo, a ação mesma, que é uma objetivação ou concreção
da vontade. Toda ação é sempre espiritual-corporal; mesmo um puro
desejo se realiza com o instrumento do nosso corpo; uma coisa é o
desejo, outra o objeto desejado. A Ética trata, portanto, das ações
humanas em dois campos, subjetivo e objetivo: assim, Moral é a Ética
3. Anotações de aulas de Filosofia do Direito na Facultad de Derecho de la Universidad
Pontificia Comillas de Madrid (1989-1991).
O que é Certeza
37
vista sob o aspecto subjetivo-objetivo (ESO); e Direito é a Ética vista
sob o aspecto objetivo-subjetivo (EOS).
O que ocorre, então, é que a Moral acentua o aspecto
Subjetivo e o Direito, o Objetivo; a acentuação da Moral é o Subjetivo
Unilateral, e a acentuação do Direito é a Inter-subjetividade, a
Bilateralidade Recíproca. A Moral termina no Sujeito que a executa,
sem exigir a presença do outro: p.ex., pagar espontaneamente dívida
natural, sem que o credor o exija. Já o ato jurídico é intersubjetivo,
bilateral, entre dois ou mais sujeitos e sem eles não há ação jurídica:
pagar dívida é um dever jurídico.
Estas três últimas espécies, metafísica, física e moral,
refletem três graus de certeza. Enquanto a certeza metafísica é perfeita,
as certezas física e moral são imperfeitas, sem deixarem de ser
autênticas e verdadeiras.
Quanto às certezas física e moral, trata-se de casos
concretos de aplicação das leis físicas e morais. Podemos estar certos
de que esses fatos concretos nos oferecem verdadeiras certezas? A
resposta é sim, porque:
1º) na certeza física vigora a necessidade entre as causas
naturais e seus efeitos; não são meras probabilidades, mas certezas
autênticas; a lei da gravidade nos dá uma certeza autêntica. Devemos
descer as escadas ao invés de pularmos pela janela. A lei da gravidade
nos adverte desta certeza.
2º) na certeza moral, igualmente, vigora a necessidade entre
as causas livres e seus efeitos, não como probabilidades, mas como
certezas autênticas; se mentimos, v.g., na emissão de cheque sem
fundo, poderemos ser presos ou condenados a pagar.
Não sendo, pois, probabilidades, são certezas autênticas,
sobre um fato já realizado e presente, certezas sobre a própria
existência das leis físicas e morais.
h. Certeza Jurídica
Interessa estudar a certeza jurídica, que tem por motivo a
necessidade jurídica; a necessidade que os homens têm de leis para se
governarem, para se organizarem.
Está fundada nas inclinações primárias da natureza social do
homem, modo de agir humano em sociedade, que determinam o
O que é Certeza
38
ordenamento jurídico; promana da natureza das coisas e da natureza
do homem; é a juridicidade dos atos humanos.
A certeza jurídica envolve os aspectos não normatizados na
lei positiva; a verdade jurídica e sua correspondente certeza jurídica,
extrapolam da lei escrita; por isso, é um conceito metajurídico 4, como
justiça ideal, direito natural ou princípios gerais do direito.
A certeza jurídica se constitui em certeza autêntica porque
não se confunde com a existência das leis naturais e positivas, mas
ilumina e orienta a formulação e aplicação das leis. É uma necessidade
que vigora entre as causas jurídicas e seus efeitos. Não é uma mera
probabilidade, mas uma certeza autêntica (direito à vida, à liberdade, à
segurança, a própria justiça): é um dever-ser, enquanto Lei Jurídica,
como a Lei Moral, ambas subordinadas à ética, que é o gênero dos atos
humanos.
Lei e Moral são espécies do mesmo gênero. Por isso o Direito está
permeado pela Moral, e num sentido lato, elas se identificam. Direito à vida, à
propriedade, à liberdade, certezas jurídicas de Direito natural. Mas, estrito senso se
distinguem. Matar alguém: reclusão de 6 a 20 anos, é uma certeza legal de Direito
escrito e hipotético, condicionado a que a vontade livre não viole a Lei escrita;
verificada a causa (caso típico: matar), dá-se o efeito (condenação); se A é, é B.
Modernamente procura-se relacionar certeza legal com
linguagem jurídica, estudados no campo da metodologia e da Lógica
Jurídica; cogita-se mesmo uma lingüística jurídica: neste aspecto a
certeza legal se reduz a uma certeza lingüística: certo é o que a
Linguagem diz que é.
Ora, isto nos parece artificial, desligado do conjunto total do
conhecimento e da natureza das coisas e do homem, pois certeza é
muito mais que a Linguagem, é um conceito metafísico e lógico, de que
decorrem a certeza moral e a jurídica.
Na verdade, a certeza legal é fundada em valores lógicos e
éticos, portanto, morais e jurídicos, inerentes ao Direito, conforme a
teoria tridimensionalista do professor Miguel Reale: Fato, Valor e
Norma.
Ora, a Sociedade necessita de julgamentos autênticos e
verdadeiros para discernir o justo do injusto, para procurar agir certo,
segundo o Direito, e para evitar agir errado, contrário ao Direito.
4. Segundo Luis Alberto WARAT, sistema metajurídico é um direito superior ideal. Abuso
del Derecho y lagunas de la Ley (1969), p. 99; particularmente o identificamos com o
Direito natural.
O que é Certeza
39
Sociedade, aqui, tratada como conjunto de todos os cidadãos,
com significação especial no mundo jurídico: a certeza jurídica ou
certeza do Direito se destina especialmente aos operadores da Justiça
em especial (advogados, funcionários de justiça, promotores e
procuradores de justiça, juízes e tribunais de justiça), mas não exclui
nenhuma pessoa, pois a certeza jurídica, como garantia do Direito que
é, deve ser válida e legítima para toda a nação e qualquer classe de
cidadãos.
Nesse sentido, a certeza legal é o reconhecimento de
condutas humanas, mediante investigação do caso concreto, particular,
como conclusão de um processo lógico, deôntico, normativo, teleológico
e axiológico de aplicação das leis sobre os fatos.
É um processo de conhecimento pelo qual se dá a formação
do convencimento do Juiz para determinar o certo segundo a Lei;
corresponde à verdade processual ou legal (que pode ser formal ou
real, segundo os direitos subjetivos possam ser disponíveis ou
indisponíveis). 5
4. Conclusões
Como conclusão sobre o conhecimento do Direito e para
alcançar a certeza da verdade, verifica-se que a segurança da Lei só
existe enquanto esta se aplica. Sendo hipotética a norma, a segurança
só emerge se a hipótese se realiza; é a normalidade do Direito (como
no contrato eficaz, quando cumpre ou alcança os objetivos jurídicos
para o qual foi avençado). Se a Lei não funciona no suposto previsto,
tem-se a patologia do Direito; a dúvida fundada, sobre o pacto ou sobre
a própria regra jurídica, gera incerteza.
A segurança, portanto, como a lei, é um prognóstico. 6
5. Quando no uso ordinário se fala de “verdadeiro”, em relação a fatos humanos ou dados
da Ciência, estamos nos referindo à “veracidade”, que no fundo é um imperativo da
Verdade: consiste em não mentir, não dizer algo contra a própria consciência; mas é
possível que, sem contrariar a consciência, os homens incorram em declarações
contraditórias. Cf. Álvaro D’ORS, Derecho y sentido común. Siete lecciones de derecho
natural como límite del derecho positivo (1995), p 48. Cf. nosso Poderes Éticos do Juiz,
pp. 47ss; e Elício DE CRESCI SOBRº., Dever de veracidade das partes no novo código
de processo civil (1975),p.98.
6. Álvaro d’ORS explica que tudo o que ocorre antes da decisão são “prognósticos de
Direito”, são objeto da Ciência da Organização, Ciência social, mas não da Ciência do
Direito ou Jurisprudência. Op. cit., p. 48, N. 6; sobre a Verdade no Direito, afirma que
fatos verdadeiros são os fatos verdadeiramente provados; são fatos jurídicos porque
entram na definição “daquilo que aprovam os juízes”, N. 8; mais adiante enfatiza que o
Direito, como ato de autoridade, é declaração de prudência e, portanto, ato intelectivo e
O que é Certeza
40
Tomemos, ao acaso, o art. 159 do Código Civil: aquele que
violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano;
esta regra protetora, ampara, assegura, garante que o devedor pagará
uma indenização; esta segurança, objetivada na Lei, gera, no credor, a
certeza do seu direito; mas a dúvida, desde que instaurada sobre esse
direito certo a uma indenização, produz um estado subjetivo de
incerteza.
Logo, enquanto norma geral e abstrata, a Lei traz implícita
uma Segurança ou garantia de realização do comando que ela contém;
porém, nos casos particulares (como nas relações litigiosas, nos pactos
negociais ou nos atos ilícitos), enquanto a norma não se concretiza, a
Segurança não é tão certa, nem a garantia tão plena, pois as relações
jurídicas não escapam a um percentual de incerteza, natural no ser
humano.
Daí exigirem-se normas anteriores e superiores às regras
jurídicas, como os princípios éticos de boa fé ou fidúcia, honestidade,
lealdade, respeito à palavra empenhada, aos pacta servanda, até
mesmo regras morais ou de Direito material.
A aplicação da Lei, por isso, seja nas relações negociais
(entre particulares), seja nas relações administrativas ou judiciais, exige
o conhecimento da realidade jurídica em todos seus aspectos
(econômicos, sociais, morais etc), visando às conseqüências jurídicas
pretendidas (o resultado de um negócio ou de uma ação).
E o conhecimento valorativo das leis, dos fatos e das
circunstâncias, quanto mais esclarecedor e abrangente, mais certeza
gera nos destinatários do Direito.
Por isso, "conhecer" a Lei (segurança objetiva) e o seu
próprio direito (certeza subjetiva) são faces da mesma moeda ou mãos
da mesma via: o caminho que vai da segurança (geral, abstrata) à
certeza (particular, concreta) é o mesmo que vem da certeza à
segurança; não há como falar em certeza do direito para o caso
concreto se esta não se traduz em segurança do caso particular;
garantido este direito certo a segurança emerge e se reafirma como
resultante final da dinâmica jurídica.
não volitivo. E arremata: “No es derecho lo que aprueban los jueces porque así lo quieren,
sino porque es su opinión o sentencia ... La decisión del juez es volitiva como decisión,
pero se funda en el conocimiento: el juez, primero conoce, y luego decide”, N. 16, p.53.
Escritos varios sobre el Derecho en crisis (1973).
O que é Certeza
41
Bibliografia:
1. José Maria de ALEJANDRO. Gnoseologia, Madri, BAC, 1969.
2. Mozar Alves COSTA. O Conceito de “Lei” na Metafísica e na Ciência Positiva do
Direito (Santo Tomás de Aquino e Pontes de Miranda). Dissertação de Mestrado à
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1983.
3. Elício DE CRESCI SOBRINHO. Dever de veracidade das partes no novo código de
processo civil. S.Paulo, Livr. Jurídica Vellenich, 1975.
4. ______. Idem. ENCICL. Saraiva do Direito, vol. 47:534.
5. Álvaro D’ORS. Escritos varios sobre el Derecho en crisis. Roma-Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Científicas, 1973.
6. ______. Derecho y sentido común. Siete lecciones de derecho natural como límite
del derecho positivo. Madrid, Cuadernos Civitas, 1995.
7. Werner GOLDSCHMIDT. El sentimiento de evidencia. In: La ciencia de la Justicia
(Dikelogia). Madrid: Aguilar, 1958, p.39.
8. Ylves José Miranda GUIMARÃES. Direito Natural. Visão metafísica e antropológica.
Rio: Forense Universitária, 1991.
9. Hans KELSEN. La interpretación como acto de conocimiento o de voluntad. In:
Teoría Pura del Derecho. México: Porrúa, 1993, 7ª ed.,p. 353.
10. Stanislaus LADUSÃNS, S.J. Gnosiologia Pluridimensional, São Paulo, CONPEFIL,
1980, 2ª ed. mimeografada.
11. Silvio de MACEDO. Certeza, verb. ENCICL. Saraiva do Direito, v.14, p.149.
12._________ Certeza Legal, ENCICL. Saraiva Dir., v.14, p. 190.
13._________ Compêndio de Axiologia Jurídica, Rio, Forense, 1986.
14. Carlos Lopes de MATOS. Um capitulo de história do tomismo. A teoria do
conhecimento de Tomás de Aquino e sua fonte imediata. S.Paulo: Revista de História
da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP, 1959 (separata), 105 pgs.
15. Jacy de Souza MENDONÇA. O sentido do conhecimento jurídico. In: Humanismo
Pluridimensional. (Atas da 1ª Semana Internacional de Filosofia) S. Paulo, Loyola,
1974, v. 1, p. 398-410.
16. Pontes de MIRANDA. O Problema Fundamental do Conhecimento, Rio de Janeiro,
Borsoi, 1972. Sistema Positivo de Direito
17. Miguel REALE. Teoria Tridimensional do Direito, São Paulo, Saraiva, 1986, 4ª ed.
18. Mário Ferreira dos SANTOS. Filosofia Concreta, São Paulo, Logos, 1961, 4ª ed., 3
vols.
19._________Ontologia e Cosmologia, São Paulo, Logos, 1954.
20._________Teoria do Conhecimento (Gnoseologia e Criteriologia). S. Paulo,
Edit.Logos, 1954.
21. Luis Alberto WARAT. Abuso del derecho y Lagunas de la Ley. Buenos Aires,
Abeledo-Perrot, 1969.
Capítulo III
O que é a Verdade
SUMÁRIO: 1. A Verdade como Correspondência ou Relação. 2. A
Verdade como Revelação ou Manifestação. 3. A Verdade como
Conformidade. 4. A Verdade como Coerência. 5. A Verdade como
Utilidade. 6. Verdade e conjetura. 7. A Verdade no Direito.
8.
Conclusões.
Vimos o problema da certeza e seus vários tipos. Em aprofundamento a esse tema, devemos abordar a questão da verdade, ainda
como problema do conhecimento, ou seja, como o homem conhece as
coisas e chega à verdade.
Um primeiro ponto diz respeito à validez ou eficácia dos
procedimentos cognoscitivos ou processos de conhecimento. É a qualidade pela qual um procedimento cognitivo resulta eficaz ou tem êxito;
pode ser um processo mental, lingüístico ou simbólico; ele prescinde da
distinção entre a definição da verdade e critério da verdade.
Segundo ponto: mostrar que na Filosofia existem cinco conceitos de verdade: o primeiro, como correspondência ou relação; o
segundo, como revelação ou manifestação; o terceiro, como
conformidade a uma regra; o quarto como coerência; e o quinto como
utilidade. Os mais conhecidos e difundidos na Filosofia são os dois
primeiros: conceitos de verdade como correspondência ou relação e
como manifestação ou revelação; eles não se excluem, pois um é
racional e o outro é metafísico-teológico; encontram-se freqüentemente
num mesmo filósofo; mas são distintos e um não se reduz ao outro; são
separados, mas se encontram juntos muitas vezes. 1
1. A Verdade como Correspondência ou Relação
1. Nicola ABBAGNANO. Diccionario de Filosofia (1992). Verbete Verdad, p.1180ss, a quem
seguiremos nas citações.
O que é a Verdade
44
O primeiro conceito de verdade é o de correspondência ou
relação: é o mais antigo e mais difundido, desde os pré-socráticos.
Platão 2, em seu diálogo sobre o discurso, afirmava: "verdadeiro é o
discurso que diz as coisas como são, falso o que diz como não são".
Aristóteles, 3 por sua vez, ensinava que: "Negar o que é e
afirmar o que não é, é o falso; enquanto afirmar o que é e negar o que
não é, é o verdadeiro". Este filósofo, para nós, dos mais importantes,
enunciou dois teoremas fundamentais sobre este conceito de verdade: o
primeiro, que a verdade está no pensamento ou na linguagem, não no
ser ou na coisa 4. A verdade, portanto, está dentro de nós, no
pensamento ou naquilo que falamos. O segundo: a medida da verdade
é o ser ou a coisa, não o pensamento ou o discurso 5; por exemplo, uma
coisa não é branca porque se afirma como verdade que é tal, mas se
afirma como verdade que é tal porque é branca.
Depois destes pensadores, os estóicos e os epicúreos
seguem admitindo que verdade é a correspondência do conhecimento
com a coisa. Então, a verdade como correspondência ou relação se dá
entre o conhecimento e a coisa. Não sabemos que objeto é este, até o
momento em que a inteligência nos explica o que é isto, como o objeto
tal. Então, a verdade é a relação ou a correspondência entre a coisa e o
nosso pensa-mento. Este raciocínio vai prevalecer na Filosofia, até hoje.
Em relação a estes conceitos, Santo Agostinho 6 definia o que
era "verdadeiro", não a verdade, "o que é assim, tal como aparece", ou
é "o que revela o que é ou que se manifesta a si mesmo". Ele identifica
o Verbo ou Logos como uma primeira, imediata e perfeita manifestação
do Ser.
Já Santo Tomás 7 define a verdade - esta é a expressão mais
freqüente na Filosofia - como: "conformidade entre o entendimento e as
coisas", observando, portanto, o teorema de Aristóteles: são as coisas e
não o entendimento que constituem a medida da verdade.
O filósofo brasileiro Carlos Lopes de Matos, em precioso
trabalho sobre a teoria do conhecimento em Santo Tomás, assim
analisa o ensino do Doctor Angelicus:
2. Crátilo, 385 b.
3. Metafísica, IV, 7, 1011 b 26ss.
4. Idem, VI, 4, 1027 b 25.
5. Idem, IX, 10, 1051 b 5.
6. Solilóquios, II, 5; Da Verdadeira Religião, 36.
7. Suma Teológica, I, q. 16, a.2; Contra os gentios, I, 59; Sobre a Verdade, q. 1, a. 1.
O que é a Verdade
45
Uma característica da verdade é a certeza, que consiste na adesão
do intelecto a seu objeto - o verdadeiro. Não se trata do sentimento da
certeza, mas da certeza objetiva, fundada na evidência, e que só é
perfeita quando se atinge o juízo. Eis porque ela não existe no erro.
A verdade estritamente dita é, portanto, a do intelecto que julga.
Consiste num ser de razão, mas tem fundamento na realidade. Esta
última é a causa da verdade; não se diz, porém, que ela mesma é
verdadeira senão num sentido derivado, como a saúde se diz num
sentido secundário do remédio, que é sua causa. Trata-se neste caso da
verdade das coisas em relação a nosso conhecimento: dizemos
verdadeira uma coisa quando tem tais aparências externas que ela nos
faz conhecer o que é em si, e falsa, se nos induz ao erro quanto a sua
natureza. 8
Existe, pois, uma verdade das coisas, que é aquela pela qual
se assemelham à sua causa primeira. A "coisa" a que se deve
conformar o entendimento é a res intellecta, ou seja, a coisa tal como é
apreendida, no seu exterior, pelo entendimento. Então, o nosso
entendimento, nossa inteligência deve se conformar a este objeto como
ele é no seu exterior ou externamente à nossa compreensão; é a
evidência que mais uma vez aparece como fonte de verdade.
“A evidência é critério de verdade, ou seja, algo distintivo da verdade,
(verdade do conhecimento). A evidência envolve um mostrar-se do
próprio ente, o qual significa que a verdade tem sua medida no ser das
coisas. A evidência constitui o necessário fundamento lógico da
certeza”.9
Do Século XIV em diante, este conceito de adequação ou
conformidade perde seu alcance metafísico e teológico e passa a ter um
significado estritamente lógico ou semântico, a relação entre a coisa e o
intelecto.
Após esse século, a Filosofia começa a mudar, a partir dos
nominalistas, Ockham e Duns Scott, franciscanos ingleses; Ockham 10
identifica verdade com proposição ou afirmação verdadeira; com isso,
nega valor metafísico à palavra verdade.
Entretanto, houve um grupo de filósofos platônicos, da Escola
de Cambridge, que manteve, nessa época, este caráter metafísico da
noção de correspondência; definiram a verdade como conformidade da
coisa consigo mesma ou com a própria essência, contida no
entendimento.
8. Um Capítulo da História do Tomismo. A Teoria do Conhecimento de Tomás de Aquino e
sua Fonte Imediata (1959), pp.51-52.
9. Mário Ferreira dos SANTOS. Teoria do Conhecimento (1954), p. 260.
10. Suma Lógica, I, 43; Quodlibetais, I, q. 24.
O que é a Verdade
46
Hobbes prossegue na linha nominalista, entendendo a
verdade como simples atributo das proposições ou afirmações, assim
como Locke.11 Leibniz12 rejeita mais ainda a noção metafísica da
verdade, ao dizer: Verdade é a correspondência das proposições que
estão no espírito do homem, aquilo que pensamos ou afirmamos em
relação às coisas de que se trata.
Wolff 13 já divide a verdade em dois conceitos: o primeiro é
uma definição nominal da verdade e o segundo, uma definição real da
verdade. Definição nominal: é a concordância do nosso juízo com o
objeto, ou seja, com a coisa representada no intelecto. Definição real ou
noção lógica: é a determinabilidade do predicado mediante a noção do
sujeito.
Baumgarten 14 voltou à noção de verdade metafísica de forma
muito original e bem platônica. Sua definição é bela: verdade é a ordem
do múltiplo na unidade. O problema do um e do múltiplo, a ordem do
múltiplo na unidade, noção ontológica tanto estudada por Platão, 15 e
que vai nos interessar diretamente no estudo da Lei e da Jurisprudência,
pois aquela é una (genérica) e esta múltipla (casos particulares). 16
Kant, 17 por sua vez, insiste na definição nominal da verdade:
o acordo do conhecimento com seu objeto. O filósofo de Koenigsberg
afirma ter encontrado um critério formal da verdade, a conformidade do
conhecimento a regras próprias; se o conhecimento obedecer a regras
próprias ele conhecerá a verdade formalmente.
Nas Filosofias mais recentes, a partir do século XIX, este
conceito da verdade como correspondência, às vezes está suposto ou
escondido, mas muitas vezes vem explicitamente definido, especialmente entre os realistas. Parece ser uma posição correta: definir a
verdade como uma ponte entre o pensamento e o objeto pensado,
como “correlação”. Por exemplo: uma parede, supõe-se que seja
branca; a verdade será esta, porque o nosso entendimento sobre o
branco já existe.
11. Ensaios, II, 32, 3-19.
12. Novos ensaios, IV, 5, 11.
13. Lógica, §§ 505 e 513.
14. Metafísica, § 89.
15. Mário Ferreira dos SANTOS. O Um e o Múltiplo em Platão. “Parmênides” em Platão
(1958).
16. V. Cap. XII, Jurisprudência: fonte última da segurança jurídica.
17. Crítica da Razão Pura. Lógica, Introd., III.
O que é a Verdade
47
A verdade processual
E na Justiça, como é que o Juiz decide, diante de uma prova, se
alguém é culpado ou não? foi autor ou não de um dano? Sua função é
buscar esta verdade. Sabemos que há uma distinção entre a verdade no
processo civil e no processo penal; no penal, bem como nas ações de
ordem pública, essa verdade deve ser real ou o mais próximo da
realidade, não valendo as ficções, ou presunções absolutas; ao passo
que no civil, ao menos em relação aos direitos disponíveis, a verdade é a
que as partes trazem para o processo, está nas provas que apresentam;
é aquela provada nos autos. Pode não ser a verdade real, mas nem por
isso deixará de haver justiça. Por isso, o problema da verdade é
importante para o Juiz e este conceito da verdade como correspondência ou relação entre o pensamento e o objeto, também é válido
para o juízo decisório.
No campo da lógica contemporânea, Alfred Tarski 18 afirma
que um enunciado ou afirmação é verdadeiro no caso de designar um
estado de coisas existentes; um enunciado é verdadeiro se é satisfeito
por todos os objetos, e falso em caso contrário. Ele introduz uma noção
semântica de verdade; por exemplo, o enunciado "a neve é branca"
indica apenas que, ao afirmarmos ou rejeitarmos este enunciado devemos estar prontos para afirmar ou rejeitar o enunciado correlativo: “a
neve é branca" é verdadeiro. Quer dizer, uma verdade tem de afirmar
outra verdade, para que a primeira seja verdadeira.
Seria o que se chama de contraprova, como técnica de
argumentação. Não basta que se afirme "este objeto é um livro"; este
enunciado deve ser provado como verdadeiro; daí os "porquês": a boa
técnica prova com três argumentos: por que este objeto é um livro?
Primeiro, porque foi adquirido por indicações bibliográficas; segundo,
porque serve para leituras e consultas; terceiro, porque conhecemos o
autor e podemos citá-lo em trabalhos doutrinários.
Estas propriedades só podem ser atribuídas a um objeto que se
conhece por livro. Também no campo do Direito, o advogado sabe muito
bem que deve raciocinar, argumentar, provar suas razões da verdade, e
o mesmo se aplica ao Juiz, que deve justificar suas decisões com
fundados argumentos.
É assaz conhecida a original teoria dos jetos de Pontes de
Miranda, que assim a explica, em referência sucinta:
“A verdade é inexistente como ser, não há verdades descobríveis; há
fatos, relações sobre as quais se enunciam proposições verdadeiras, ou
falsas: a verdade é apenas... a qualidade das proposições verdadeiras.
... Portanto, a ciência não pode ficar na coincidência entre pensamento e
18. Cf. ABBAGNANO, op. cit., p. 1182.
O que é a Verdade
48
objeto (identidade ou analogia entre eles). Por processo seu, seguro,
reduz tudo a jetos (fatos e pensamentos são jetos, a univocidade da
correspondência entre um símbolo e uma experiência já se passa dentro
da ciência, que não começa ex nihilo): o cálculo e a experimentação; os
valores da experiência correspondentes aos do cálculo.” 19
2. A Verdade como Revelação ou Manifestação
Passemos ao segundo conceito de verdade: como revelação
ou manifestação. Ela se apresenta sob duas formas, empírica e
metafísica. A verdade empírica é a que se manifesta imediatamente ao
homem, a que se revela de pronto; é uma sensação, intuição ou
fenômeno. A fenomenologia, em grande parte, se fundamenta neste
conceito.
A verdade metafísica se revela por modos de conhecimento
excepcionais. Veja-se o problema de conhecimentos privilegiados,
através dos quais se faz evidente a essência das coisas: o "ser" das
coisas ou mesmo o seu princípio, o princípio supremo ou geral. A
característica fundamental é a importância da evidência: aquilo que é
evidente, que se manifesta como uma evidência. Temos aqui algumas
afirmações sobre os cirenaicos, epicúreos, estóicos, mas vamos chegar
logo á modernidade. Ockham 20 coloca o problema do conhecimento
intuitivo, uma noção de manifestação imediata das coisas ao homem,
em seus caracteres e em suas relações.
Para Plotino, 21 o mais importante dos neoplatônicos, a
Verdade não está de acordo com outra coisa, mas de acordo consigo
mesma; “nada enuncia fora de si, mas enuncia o que ela mesma é".
É o princípio da não-contradição: tal livro é ou não é livro; o livro está
de acordo com ele mesmo, pois não pode ser outra coisa; então, a
verdade nada enuncia fora de si, porém enuncia o que é ela mesma.
Depois, Santo Agostinho, 22 também neoplatônico, afirmou
que deve existir uma natureza tão próxima da Unidade suprema, de
modo a reproduzi-la em tudo e ser "um" com ela; esta natureza é a
Verdade ou o Verbo. A verdade, aproximando-se da Verdade, acaba
sendo uma só, e a última Verdade seria Deus. Na Escolástica, segundo
19. O problema fundamental do conhecimento (1972), pp. 196-198.
20. ABBAGNANO, op. cit., p.1182.
21. Idem, p. 1183.
22. Da verdadeira religião, 36.
O que é a Verdade
49
Santo Anselmo 23e Santo Tomás, 24 a verdade é, em primeiro lugar, o
próprio entendimento ou Verbo de Deus.
Chegamos a Descartes, 25 racionalista, mas não menos
metafísico: ele concebe a verdade a partir do critério da evidência,
afirmando a existência de verdades eternas. O cogito de Descartes é
uma evidência originária, a que revela ao sujeito pensante sua própria
existência. Há uma frase sua, quase um teorema para os cientistas:
deve ser considerado como verdadeiro tudo o que se manifesta de
modo evidente.
O que ele chama de verdades eternas? São verdades
garantidas e reveladas diretamente por Deus que, por isso são eternas.
26 É o que a Filosofia clássica chama de leis eternas ou leis naturais,
que não podem ser revogadas, como a lei da gravidade.
Hegel 27 afirma que a idéia (pois Hegel é idealista, quase
platônico) é a verdade, porque a verdade é a resposta da objetividade
ao conceito. Diz Hegel: todo real, enquanto verdadeiro, é a idéia e tem
sua verdade só por meio da idéia e nas formas dela. Em síntese, ele
afirma a objetividade do conceito ou racionalidade do real.
Husserl, 28 conhecido fenomenólogo, afirma que a verdade e
a evidência pertencem não só aos objetos teóricos mas também a todos
os objetos da consideração fenomenológica, sejam valores,
sentimentos, intuições etc.
Portanto, quando temos uma intuição, um sentimento, como
evidência, isto é uma verdade. Como é que os namorados sabem que se
gostam? Existe alguma medida dessa verdade? Eles se amam e este
gostar é um sentimento, uma verdade intuitiva, contida nesse
relacionamento.
Heidegger 29 diz que a verdade é uma alethéia, revelação ou
descobrimento da verdade; pela etimologia desta palavra grega há uma
estreita relação entre o modo de ser da verdade e o modo de ser do
homem.
23. De Veritate, 14.
24. De Veritate, q. 1, a. 4.
25. Meditações, IV, 16. 5.
26. Objeções e Respostas, 541.
27. Enciclopédia das Ciências Filosóficas, § 213.
28. Idéias sobre Fenomenologia Pura, I, § 136.
29. O ser e o tempo, § 44.
O que é a Verdade
50
Trata ele o homem como o "ser-aí"; o homem não é o "serpara-si", não é "ser-em-si", como pretendia Sartre, mas o homem é um
“ser-para" ou “ser para o outro", como nos ensina a Filosofia cristã.
O homem é para a mulher, o professor é para os alunos, os pais são
para os filhos; é, portanto, um ser de finalidades.
Heidegger fala do "ser-aí": o homem é um ser enquanto está
aqui, enquanto a verdade pode se revelar, e se revela somente ao
homem; há uma estreita relação entre o modo de ser da verdade e o
modo de ser do homem, como "ser-aí".
Afirma que o lugar da verdade não é o juízo do homem, o
julgamento. A verdade não é revelação de caráter predicativo, mas
consiste no ser descoberto do ser das coisas ou destas próprias coisas
e no ser descobridor do homem. Todo o descobrimento do ser,
enquanto descobrimento parcial, é também o seu descobrimento.
Porquanto descobrir-se é conhecer-se.
Aquí voltamos a Sócrates: "conhece-te a ti mesmo," gnoti seautón.
Santo Agostinho, uma das expressões mais fecundas do existencialismo
personalista, repete: Noli foras ire, in teipsum redi; in interiore homine
habitat veritas, significando que a Verdade reside dentro do homem. 30
3. A Verdade como Conformidade
Estudemos o terceiro conceito: Verdade conforme a quê?
Conforme a uma regra ou a um conceito. Platão foi o primeiro a
enunciá-lo: "tomando como fundamento o conceito que julga o mais
sólido, tudo que parece estar de acordo com ele, eu considero
verdadeiro, sejam causas ou coisas existentes; o que não me parece
estar de acordo com ele, considero não verdadeiro”. 31
O mesmo Agostinho Aurélio, 32 enveredando por essa linha,
afirmava existir por sobre a nossa mente uma Lei que se denomina
30. Da verdadeira religião, I, 39, 72. Cfr. Luis VELA, El derecho natural en Giorgio Del
Vecchio (1965), p. 231; Ismael QUILES. La interioridad agustiniana (1989), p.14. Para
Michele Federico SCIACCA, conhecer é julgar; logo, conhecer significa “crítica”: crítica
significa precisamente juízo; antes de Kant, Vico se havia dado conta disto. Mas, quando
um juízo é verdadeiro? que é o que garante a validez do juízo? La interioridad objetiva
(1955), p.32.
31. Fédon, 100a.
32. Da verdadeira religião, 30-31.
O que é a Verdade
51
Verdade, e que podemos julgar todas as coisas de conformidade com
ela, ainda que escape ao nosso juízo.
Ora, isto está de acordo com princípios de Direito natural, pois o
legislador pode fazer leis de conformidade com uma Justiça superior,
ideal; o mesmo se dá com Juízes ou com intérpretes, aplicadores das
leis ou administradores.
Não basta abrir códigos e verificar o que a norma diz; além da norma
existem valores não escritos. As normas precisam ser valorizadas de
acordo com as circunstâncias e pessoas envolvidas no caso concreto 33.
O juiz não julga nem raciocina matematicamente, pois a lógica do
julgador deve ser razoável, o juízo prudencial não se dá pela letra da Lei,
pela norma em si mesma, mas segundo a natureza das coisas e a
natureza do homem. 34
Quanto ao problema da Segurança e do Direito, do conhecimento e
da verdade, existem leis que independem da vontade humana, que estão
fora e acima de nossa mente e do campo do Direito, podendo-se dizer
que são de Direito natural.
Voltando ao conceito da conformidade, propriamente, o
filósofo mais influente foi Kant; 35 ele utilizou a noção de conformidade
como critério da própria verdade. Não é definição da verdade, mas
conceito da própria verdade, porque, como nominalista, sua definição é
de correspondência.
Dizia Kant que o critério pode concernir somente à forma da
verdade, isto é, ao pensamento em geral; consiste na conformidade com
as leis gerais necessárias do entendimento; o que contradiz estas leis é
falso, porque nesse caso o entendimento é contra suas próprias leis,
portanto, contra si mesmo.
Entretanto, parece-nos que este critério formal para estabelecer a
verdade material ou objetiva do conhecimento, a tentativa para
transformar esta regra de valorização formal em órgão de conhecimento
33. No Criton, de Platão, Sócrates, já condenado à morte, se recusa a fugir da prisão, pois
significaria invalidar a lei; ainda que o Juízo e a sentença se considerem injustas, diz,
temos que aceitar suas consequências para que as leis justas sejam obedecidas. Ensina
a Criton não se preocupar com a opinião da maioria, pois os mais capazes reconhecerão
a verdade dos fatos, mas preocupar-se com o Justo, o Belo e o Bom, pois o importante
não é viver, mas viver bem! Cfr. Criton ou O Dever do Cidadão.
34. Neste sentido predomina modernamente a Wertungsjurisprudenz, jurisprudência
estimativa ou de valoração, que busca os princípios ético-jurídicos para aplicação da lei.
VALLET DE GOYTISOLO. Metodología de las Leyes (1991), p. 397; Metodología de la
Determinación del Derecho (1994), p. 1205.
35. Crítica da Razão Pura, Lógica, Introd. III, VII.
O que é a Verdade
52
efetivo, não é mais do que um uso dialético, e portanto, ilusório, da
razão.
Outro filósofo alemão, Windelband 36, disse que o que mede e
determina a verdade do próprio conhecimento não é uma realidade
externa, inalcançável e incognoscível, mas a regra intrínseca do próprio
conhecimento. Rickert 37 também identificou o objeto do conhecimento
com uma norma à qual o conhecimento deve se adequar para ser
verdadeiro.
Resumindo, é de Kant o pensamento mais influente: para o
filósofo, a conformidade à regra do pensamento é o critério da verdade;
mas os neokantianos dizem que a conformidade à regra é a única
definição da própria verdade. Basta que se adote uma regra ou fórmula
de pensamento, para que se descubra a verdade e ela é tão somente
aquilo.
4. A Verdade como Coerência
Vejamos esta conceituação da verdade como coerência;
apareceu no século XIX, na Inglaterra e nos Estados Unidos, no
chamado movimento idealista, em que surgem duas obras interessantes
38, a propósito da experiência humana. Que é a experiência humana? O
contraditório não pode ser real; portanto, a realidade ou a verdade é
coerência perfeita; aqui se trata da coerência com a realidade última
que, para os autores desse movimento, é a Consciência Infinita ou
Absoluta.
Eles admitem graus de verdade; é um tipo de julgamento a
partir do grau de coerência que se possua, mesmo aproximativa ou
imperfeita. Afirmam estes autores que esta conceituação de verdade
tem antecedentes em Spinoza, quando a chama de "terceiro gênero de
conhecimento", que seria "o amor intelectual de Deus", o conhecimento
da ordem total e necessária das coisas, que significa o próprio Deus.
5. A Verdade como Utilidade
36. Prelúdios.
37. O objeto do conhecimento.
38. B. BOSANQUET. Lógica ou morfologia do conhecimento (1888). F.H.BRADLEY.
Aparência e Realidade (1893).
O que é a Verdade
53
O último conceito a analisar é sobre a verdade como utilidade;
sabemos que o utilitarismo e o pragmatismo são Filosofias de ação.
Nietzsche, que no fundo era utilitarista, buscou o super-homem; para
ele, verdadeiro significa o que é apto à conservação da humanidade.
Isto penetrou na raiz da ideologia nazista, povo é aquele de raça pura:
“Verdadeiro não significa senão o apto para a conservação da
humanidade; o que me faz perecer quando creio que não é verdadeiro
para mim, é uma relação arbitrária e ilegítima do meu ser com as coisas
externas. O que me faz morrer é não acreditar nas coisas que são aptas
para a minha vida".39
William James 40 identificou utilidade e verdade somente até o
limite das crenças não verificáveis empiricamente, ou não
demonstráveis como crenças morais e religiosas. Quer dizer, tudo o que
não puder ser empiricamente demonstrável não é verdade; ele
identifica, pois, utilidade com verdade.
Schiller 41 estendeu este conceito de verdade e utilidade a
toda esfera do conhecimento; uma proposição é verdadeira somente por
sua efetiva utilidade, ou porque é útil para estender o próprio
conhecimento, ou para ampliar o domínio do homem sobre a natureza,
ou seja, "o homem conhece para agir". (Marx, igualmente utilitarista,
mais tarde viria a dizer: "conhecer para transformar o mundo"); esta
utilidade deve-ria estar voltada para a solidariedade e a ordem do
mundo, que pressupõe respeito à liberdade e dignidade de toda pessoa
humana.
Dewey 42, também pragmatista, tem uma concepção semelhante: todo conhecimento adquirido é um instrumental válido, mas nem
sempre verdadeiro; quer dizer, o conhecimento é um instrumento para
se chegar à verdade.
6. Verdade e Conjetura
Não podemos desconhecer, igualmente, outra forma
essencial do conhecimento científico, que é a conjetura, como bem
estudou Miguel Reale, em valioso trabalho dedicado a este tema:
39. F. NIETZSCHE. Vontade de Potência.
40. O desejo de acreditar, 1897.
41. Humanismo, 1903. Cf. Mário Ferreira dos SANTOS. Op. cit., p. 259.
42. Lógica, XV.
O que é a Verdade
54
“Podemos dizer que as conjeturas fazem parte essencial de nosso
modo de ser pessoal, e se inserem na problemática da verdade, dado
que visam a preencher os vazios a que acima me referi: a linha que
passa, pois, entre a verdade e a conjetura não é a de dois opostos que
se repelem, mas antes a de dois termos distintos que se
complementam”.
“...estou convencido de que o pensamento conjetural merece nossa
mais dedicada atenção, como forma autônoma de pensamento que,
correndo em paralelo ou complementarmente com a investigação
positiva, e nunca em conflito com esta, tem seus princípios e normas
próprias, não se desenvolvendo como simples resultado do arbítrio”. 43
Outro autor que trata do pensamento conjetural como
pensamento metafísico é Bertrand de Jouvenel, pensador social preocupado com a “arte de conjeturar” na linha da previsão do futuro ou dos
futuríveis, conforme define: é a arte de conjeturar a respeito do futuro,
com plausível segurança, a partir de suposições, ficções, analogias,
probabilidades e até mesmo causas intercorrentes, baseadas em dados
conhecidos 44.
No mesmo campo o ilustre pensador Karl Popper pôs em
relevo a participação da imaginação no ato de conjeturar; focalizando o
problema da conjetura sob o prisma epistemológico, considera ele a
conjetura um momento relevante inserido no processo do conhecimento
científico, atuando como “antecipações justificadas (ou não), palpites e
tentativas de soluções, graças às quais a ciência pode progredir, justamente porque aprendemos com nossos erros” 45.
Segundo Reale, a conjetura ocupa um papel dos mais significativos em todos os atos praticados pelos homens, tanto comuns como
cientistas, seja operando como ponto hipotético e provisório de partida,
43. Verdade e Conjetura (1983), p. 19.
44. A Arte da Conjetura (1968). Para este autor, “a construção intelectual de um futuro
verossímil se constitui numa obra de arte, na plena acepção da palavra. É isso que
chamamos de “conjetura”. p.36. Cf. Miguel REALE, op.cit., p. 22.
45. Conjetura e refutações (o progresso do conhecimento científico), p. 260. Cf. Miguel
REALE, idem, p. 23.
O que é a Verdade
55
mais tarde confirmado graças a novos processos de conhecimento, seja
valendo como “verdades práticas” que nos auxiliam a superar o estado
de dúvida, sempre incerto e inseguro, como é próprio de todos os
homens 46.
7. A Verdade no Direito
Destes conceitos sobre a verdade, quais os que mais se
aproximam ou se aplicam ao Direito, às regras e princípios jurídicos e ao
ordenamento em geral? Não há uma resposta definitiva, mas uma
pergunta para continua discussão. Os Juízes costumam utilizar
expressões como "os fatos estão em conformidade ao Direito",
indicando que a verdade jurídica pode estar conforme à lei ou à justiça.
Os tabeliães costumam atestar que tal declaração ou documento "está
conforme à Lei".
Pelo princípio geral da anterioridade, exige-se que o fato,
sobretudo o criminoso, esteja absolutamente conforme ao enunciado da
Lei (fato típico ou descrição legal do tipo penal), sob pena de exclusão
da criminalidade.
Qual é a verdade do processo? Fala-se em verdade formal e
verdade material; no penal, seria a verdade real ou material; no cível, a
formal. Já contestaram os doutrinadores esta separação, por caber o
aforismo quod non est in actio, non est in mundo.
Quando o Juiz se convence da verdade? qual o papel das
evidências em Direito, sobretudo no campo da prova? Kant falava em
conformidade à regra como critério formal da verdade e os neokantianos
em conformidade à regra.
Acreditamos que daqui derivou o positivismo jurídico e a exclamação
de Napoleão de que seu Código não poderia ser interpretado, proibindo
sua interpretação e mandando excluir do Projeto Portalis até mesmo a
eqüidade.47. Este apego ao juridicismo ferrenho Cícero já o condenara,
proclamando o summum ius, summa iniuria; se levarmos a Lei ou ius, ao
46. Op. cit., pp.25-26.
47. V. Cap. I, Segurança Jurídica e Certeza do Direito, N. 6.
O que é a Verdade
56
pé da letra, cometeremos injustiça; pois o resultado da sentença poderá
ser pior do que aquilo que as partes pediam 48.
Esta análise nos leva demasiado longe: quando se fala de
Segurança no Direito, onde está esta Segurança? Acreditamos que se
encontra não apenas na Lei escrita, na regra legislada, mas muito mais
em sua aplicação judicial; o estudo sobre a Segurança se fixará,
portanto, com maior ênfase, na aplicação do Direito, do que na
formulação da norma estrita; entendemos que a Segurança se constrói
com mais amplitude social através da Jurisprudência, sobretudo nas
Súmulas e Enunciados, do que na regra positiva.
De fato, a norma escrita é uma hipótese de Segurança. Este termo
lembra, por exemplo, Segurança Pública: a Constituição reza que o
cidadão deve ser garantido na sua integridade física e patrimonial. No
entanto, quantos assaltos e mortes! Qual norma garante a inviolabilidade
do domicílio? É hipotética esta garantia; não há segurança autônoma na
Lei; ela é um projeto, proposta, hipótese, porque não tem, por si mesma,
força coercitiva; a coerção vem da sentença, na execução; o Juiz pode
requisitar a força judiciária, e esta age, pois sua função é garantir o
império da Lei; pode-se prender em flagrante, abrir inquérito, manter
prisão provisória etc, mas na prática sabe-se que falta segurança, pois a
polícia nem tudo e a todos pode garantir.
Em suma, na ordem do Estado democrático de Direito, não se
concebe que um agente policial aplique melhor a Lei do que os Juristas.
Quer dizer, onde está o homem, está a imperfeição; não está nas
instituições, no sistema econômico ou no regime político, mas está no
ser imperfeito do homem, é problemática humana; as reformas não se
fazem por decretos, muito menos por revoluções, pois a grande
revolução é a educação, sobretudo a pessoal, que opera do interior para
fora da pessoa; mas este tema já é do campo do Direito e da Moral...
Estas observações, no tocante à interpretação e aplicação da
lei pelos Juízes e Tribunais, enquadram-se satisfatoriamente como
conjetu-ras ou prognósticos do homem comum ou dos juristas em geral,
quanto à previsibilidade dos julgamentos, e que constitui a base da
segurança jurídica: a razoável estabilidade das decisões, segundo os
parâmetros da lei e da Constituição.
48. Exemplo ilustrativo encontramos no Mercador de Veneza, de Shakespeare: desejando
casar-se, um jovem pede dinheiro a um mercador; este diz que tomará uma libra da
carne do devedor, se não lhe pagar; inadimplente, vão ao Juiz, que reconhece o pacto,
mas adverte: se derramar sangue, haverá excedido à sentença, com culpa; então,
confisca-lhe os bens, apenas. Solução de eqüidade...
O que é a Verdade
57
8. Conclusões
O tema da verdade é tratado pela Teoria do Conhecimento.
Procurar, conhecer e determinar o que é verdadeiro constitui, para
Juízes e Tribunais, o métier do seu dia-a-dia. “Formar convicção”
constitui o fim último do processo judicial, para chegar à sentença. E
este conven-cimento se “forma”, de um lado pela prova dos fatos
concretos, e de outro, pela adequação à regra jurídica aplicável, sem
excluir a incidência das experiências pessoais do julgador e as
circunstâncias do momento da decisão.
A “verdade do processo” emerge desta conjunção entre as
questões de fato e as questões de direito (como exaustivamente as
estudou Castanheira Neves 49), e constitui a verdade humanamente
aceitável, porque foi buscada através dos vários processos lógicos e
dialéticos da razão.
Na convicção dos Juízes se assenta, portanto, a
determinação do juridicamente verdadeiro, apto a produzir a certeza do
direito para as partes, para terceiros (paz social), para os órgãos
julgadores e mesmo para a ordem jurídica, como criação jurisprudencial.
Quanto ao método que melhor se aplica ao raciocínio judicial,
para chegar à verdade, excluida as vias da revelação e a da coerência
idealista, parece-nos que o Juiz pode se utilizar cabalmente dos
conceitos de correspondência ou conformidade entre seu entendimento
e os fatos; também, segundo os neokantianos, pode se dar uma
conformidade à regra; ou mesmo utilizar o conhecimento para alcançar
o que é verdadeiro, ao modo pragmatista.
Enfim, a conformidade do objeto do conhecimento a uma
norma lembra bem a adequação dos fatos à lei ou subsunção,
conformação típica dos fatos à norma legal. Esta adequação parece
atender melhor, num primeiro momento, ao conceito de conformidade
entre o pensamento do Juiz e o caso singular em apreciação no
processo; mas posteriormente se verá que a decisão judicial não
consiste em puro silogismo, antes atem-se a regras de prudência
49. Antonio CASTANHEIRA NEVES. Questão de Facto-Questão de Direito ou O Problema
Metodológico da juridicidade (1967).
O que é a Verdade
58
razoável, intuições do valor Justiça e aplicação da interpretação jurídica
mais eqüitativa aos interessados.
Capítulo IV
A Segurança e o Valor
Justiça
SUMÁRIO: 1. Teoria da Justiça.
2. Elementos da Justiça.
3. A Justiça como
valor.
4. Necessidade de Segurança. 5. Segurança, Justiça e Bem Comum. 6.
Requisitos da Segurança. 7. Conclusões.
1. Teoria da Justiça
Para apreciar devidamente a Segurança como Valor, recorramos à Teoria da Justiça, especialmente exposta na Ética a Nicômaco,
com ênfase no Livro V, onde Aristóteles trata da Justiça, e no Capítulo
10, em que cuida da Eqüidade.
Segundo o Estagirita, a Justiça é, antes de tudo, uma virtude
moral, não apenas "sentimento do justo", mas característica inerente a
todos os homens, independente de qualquer "sentimento religioso". Das
virtudes morais da pessoa humana destacam-se a Prudência, a Força,
a Temperança e a Justiça, das quais a Prudência rege e sintetiza as
demais, como "moderadora e guia das virtudes", conforme o ensino de
Santo Tomás. 1
Para Aristóteles, a Justiça apresenta três faces: uma é a que
regula as relações entre os membros da sociedade (de modo geral, a
Justiça, como o Direito, só se realiza entre pessoas humanas); é a
Justiça entre particulares, como se verifica nos contratos voluntários,
chamados comutativos ou sinalagmáticos; é Justiça comutativa, porque
nelas estão presentes valores equivalentes ou valências eqüitativas.
1. SANTO TOMÁS, Suma Teológica, II, II, q. 57; Idem, Tratado da Justiça (s/d), p. 21:“toda
a estrutura das boas obras se assenta nas quatro virtudes, isto é, a temperança,
prudência, força e justiça”; ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco, L.V, cap. 1, 1129b: “En la
justicia toda virtud está en compendio. La consideramos la virtud perfecta porque
representa el ejercicio de la virtud cabal. Y es perfecta porque el que la posee puede
ejercitarla en relación con terceros, y no sólo consigo mismo. ... Esta justicia no es una
parte de la virtud, sino la virtud entera, como su contraria, la injusticia, no es parte de la
maldad, sino la maldad toda.” Cf. Eduardo GARCIA MÁYNEZ, Doctrina aristotélica de la
Justicia (1973), pp. 191-192.
A Segur ança e o Val or Just iça
60
Nesta Justiça, a mais simples (e por isso mesmo chamada de
aritmética), tem-se uma relação entre as partes, em que a igualdade é a
mais perfeita possível; por ela se vê, v. g., que no comércio não se deve
cobrar além do preço justo; no trabalho assalariado não se pode negar
um salário justo; como nas profissões liberais não se podem exigir
senão honorários justos.
Como esta Justiça trata de evitar injustiças nos contratos
particulares, é também chamada Preventiva, pois cuida de prever as
conseqüências jurídicas dos negócios, o que constitui uma característica
da Segurança.
O segundo tipo, a Justiça distributiva, é a que do todo se
dirige às partes, ordena aos governantes distribuir cargos e encargos
segundo as necessidades do Estado e os méritos dos cidadãos; é a
Justiça da Pólis, que busca uma proporção, segundo os merecimentos
de cada um, porque há de ter em conta a dignidade das pessoas. 2
Aqui se dá igualmente a Justiça Penal, Repressiva, Reativa ou
Corretiva, cujas funções são compensar as injustiças de alguma forma e
prevenir a delinqüência.
Para uma visão holística desta teoria, podemos tomar um
triângulo dividido em dois planos: o plano do todo, do universal ou do
uno, e outro plano, do particular ou do múltiplo: 3
TODO
Plano do Todo
ou
do Universal
UNO
JUSTIÇA
GERAL, LEGAL, SOCIAL
MÚLTIPLO
PARTE
COMUTATIVA
(ARITMÉTICA)
DISTRIBUTIVA (GEOMÉTRICA)
Plano do Particula
ou
do Múltiplo
PARTE
2. ARISTÓTELES, Política, 1280 a, 25-32: “Corretamente observa el filósofo que tanto los
partidarios de la democracia como los de la oligarquía parecen haber olvidado la
naturaleza del fin para cuyo logro el Estado existe. Si la propiedad no es la meta de la
vida en común, la justicia distributiva no debe tener como criterio la riqueza de los
ciudadanos; el fin de la pólis no es simplesmente la vida, sino la vida valiosa”. Cf.
Eduardo GARCIA MÁYNEZ, op. cit., p. 82.
3. O Todo pode ser o Estado, uma Empresa, uma Sociedade civil ou mesmo a Família, v.g.
A Segur ança e o Val or Just iça
61
Entre as partes dá-se a Justiça comutativa, aritmética ou
sinalagmática. Quando impera nas relações do todo com as partes,
Aristóteles a chama de Justiça distributiva, geométrica ou proporcional;
ocorre por exemplo, numa empresa, onde existem operários ganhando
salário mínimo e chefes ganhando vários salários, e assim progressivamente; então, aqui, a igualdade é proporcional. O mesmo ocorre na
hierarquia militar, em que as funções e os soldos diferem segundo o
mérito ou tempo de serviço.
Entre indivíduos da mesma categoria há igualdade, mas entre
pessoas hierarquicamente dispostas em níveis diferentes há uma
desigualdade proporcional; ou seja, há igualdade horizontal e desigualdade vertical, sem que implique em injustiça nas diferenças de
tratamento.
Em estudo crítico à Teoria Pura do Direito, Errázuriz associa
Igualdade à Segurança jurídica, afirmando:
“En el extremo opuesto a esta norma del trato igualitario para todos,
se sitúa lo que (Kelsen) califica de ‘principio de justicia de la
desigualdad’, o sea, habría que tomar en consideración todas las
desigualdades.
El principio de la desigualdad operaría en un sistema jurídico flexible,
propugnado por la Escuela del derecho libre, en el que sólo habría
normas individuales. La seguridad jurídica provendría, en cambio, de un
régimen de normas generales, que habilitan a los individuos para prever
el tratamiento que recibirán por parte de los órganos aplicadores del
derecho.” 4
A Justiça legal ou geral, por sua vez, ordena aos governantes
que elaborem leis e decretos justos, orientados ao bem comum, ao
bem-estar de toda a sociedade, sem discriminações injustas; exige,
igualmente, dos cidadãos, a justa observância das leis e dos deveres
em relação ao Estado. Por isso se chama, também, Justiça social.
Temos, assim, exposta singelamente, a Teoria clássica da
Justiça, aristotélico-tomista, que adotamos e vimos seguindo, por ser
mais consentânea com a natureza e dignidade do homem, haja visto
que a ela os povos civilizados sempre retornam, após tempos de crise
4. Carlos José ERRÁZURIZ M., Introducción crítica a la doctrina jurídica de Kelsen (1987),
p.137.
A Segur ança e o Val or Just iça
62
do Direito, como recentemente, em consequência das grandes guerras.
5
2. Elementos da Justiça
Vemos ainda que a mesma Justiça tem três características: a
igualdade, a alteridade e o débito, que aparecem nos diversos tipos de
Justiça. Na comutativa, por exemplo, há uma igualdade perfeita entre as
partes: quem contrata a locação de uma casa assume um débito para
com o senhorio de pagar o aluguel, mas este tem também a obrigação
de entregar e manter a casa em condições de uso.
A relação de Justiça é sempre de alteridade; existe o "eu"
mas também o "alter". Robinson Crusoe, enquanto só na ilha, não
necessitava do Direito, pois não tinha um "alter" para dialogar ou para
quem devesse algo; assim, somente existe débito e alteridade quando
há relação ou relações humanas inter-subjetivas.
Daí a Teoria Egológica de Carlos Cossio, que é uma Teoria do
Direito como ciência objetiva ou ciência cultural para alguns autores,
como Recaséns Siches e Ortega y Gasset; Cossio a coloca como teoria
subjetiva porque define o Direito como ciência da conduta de interferência inter-subjetiva, entre sujeitos, portanto.
Referindo-se à teoria de Cossio, Castanheira Neves comenta que “às
duas teses tradicionais, uma que entende convir a qualificação de
normativa a ciência do direito, porque ela subministrava normas, outra
porque conheceria normas, a teoria egológica opõe uma terceira: a
ciência do direito não cria normas, nem tão pouco conhece normas, mas
conhece condutas humanas mediante normas”. 6
A Teoria de Miguel Reale, do Tridimensionalismo Jurídico,
ensina que o Direito é, ao mesmo tempo, fato, valor e norma; para o
primeiro Kelsen, somente a norma pura seria a base do Direito.
Esta visão, se adotada como tal, afigura-se reducionista,
porque atrelada à matéria fática, à positividade; todo o social (os fatos)
5. Tese recentemente publicada de Emmanuel MATTA (com prefácio de Ives Gandra da
Silva MARTINS), O Realismo da Teoria Pura do Direito (1994), revela uma terceira fase
de Kelsen, do após-guerra, quando encontra “o significado último de finalização do
Direito: o seu traço normativo-valorativo-ético-prático de Justiça”; Kelsen proclama,
então, o que Justiça para ele significava: “A minha Justiça é a Justiça da Liberdade, a
Justiça da Paz, a Justiça da Democracia - a Justiça da Tolerância”, o que salva, a final, a
figura do grande juris-ta judeu, vítima ele mesmo do nazismo fundado no positivismo
estrito das leis. Pp.14,18.
6. Questão-de-facto--Questão-de-direito (1967), § 25º, p. 846. Cf. Josef ESSER, Principio y
norma... (1961), p. 28.
A Segur ança e o Val or Just iça
63
e cultural (os valores) resta afastado; daí a relevância do Tridimensionalismo: por restaurar a unidade do Direito, constitui uma superação do
positivismo jurídico extremado. 7
3. A Justiça como Valor
O valor, portanto, passou a ser melhor entendido dentro da
teoria da Justiça e da visão tridimensional do Direito, porque intrínseco
à própria Justiça.
A Segurança jurídica é também uma característica da Justiça,
da qual não se pode dissociar, pois não existe Justiça sem segurança.
A Segurança jurídica tem caráter inequivocamente axiológico,
de valor material concreto. 8 Não é um mero factum, imanente a este ou
àquele sistema de Direito, mas é um valor do Direito; aqui recordamos a
teoria de Larenz, 9 derivada de Stammler, quando este, no início do
século, assistindo à progressão do positivismo, dizia existir algo mais,
acima do Direito positivo, que é o Direito natural e que exprimiu como
"Direito Justo", confundindo-se até mesmo com a Eqüidade.
O Direito justo não é o Direito legal, que se aplica friamente,
ao pé da letra, mas o que está no espírito da lei, algo que o Juiz e os
aplicadores do Direito devem procurar além da letra da lei, ao invés de
adotar o mero juridicismo, o seguimento da Lei descompromissado com
os valores socio-econômicos reinantes.
Exemplificando: diante da postura de algumas pessoas, não
admitindo a transfusão de sangue, a pretexto da defesa do valor
liberdade religiosa, o valor vida parece ser, hoje em dia, mais relevante
para a sociedade e ao próprio indivíduo.
O Direito não é norma pura, só positividade. A aceitação de
que pudesse resumir-se ao positivismo legalista permitiu a
disseminação do nazismo, com a interpretação fria da lei, o summum
ius summa iniuria de Cícero. Se aplicarmos a lei tal qual se lê, causar7. Emmanuel MATTA descreve que “A evolução do pensamento kelseniano se deu justo no
sentido de uma passagem do período inicial, de atenção e ênfase para a essência
específica do jurídico - aquilo que alguns definiram kantianamente como o ‘a priori formal
do jurídico’ -, para um segundo momento, de cuidado na investigação do aspecto fático,
tensional, político, do Direito real e concreto, posto e pronto no seu meio de efetividade e
de realização...”. Op. cit., p. 14.
8. PÉREZ LUÑO, op. cit. (1991), p. 104.
9. Karl LARENZ, Derecho Justo (1985), p.21.
A Segur ança e o Val or Just iça
64
se-ia mal muito maior. Mas, “ler” a lei implica fazer sua adaptação à
realidade...
Um exemplo é a prisão civil do devedor de alimentos; o Juiz pode
ordenar a prisão com base na Lei que a permite; mas se o fizer, in limine,
o mal será muito maior, porque o devedor perde a liberdade, e talvez o
salário; pode vir a perder o emprego e o credor da medida extrema pode
perder a pensão. Assim, o mal da "aplicação fria" dessa Lei é maior do
que o objetivo justo a que ela realmente visava; esta seria a aplicação
exata da máxima citada.
Enfatizando: aplicar estritamente a lei é um juridicismo, o
"amor à norma", e é a isto que o positivismo leva, à defesa intransigente
da regra e do ordenamento jurídico: "Pereça o mundo, salve-se a lei";
mas, muito ao contrário, devemos pensar em "Salvar o homem, ainda
que pereça a lei",10 segundo o Direito justo e as máximas da civilização
ocidental: a lei é feita para o homem, não o homem para a lei, pois
“por causa do homem se constituiu todo o direito”. 11
4. Necessidade de Segurança
Há alguns aspectos convincentes que demonstram a
exigência de Segurança; são manifestações básicas como: a ignorância
do Direito não escusa o cumprimento da Lei; a coisa julgada não é uma
ficção, mas um instituto de Direito, necessário para dar Segurança aos
julgados; a irretroatividade das leis (salvo in bonam partem), os direitos
adquiridos e os atos jurídicos perfeitos são máximas de Segurança
Jurídica. 12
Deve haver, dentro do Direito, predominância de fins e
valores jurídicos, e através da interpretação teleológica, que é a mais
adequada, deve-se procurar a finalidade da norma, pois há um
dinamismo, desde sua origem até sua aplicação, como um pensamento
orientado a valores. 13
10. Fiat iustitia, pereat mundus e Fiat mundus, pereat iustitia: são falsas estas sentenças,
pois o Direito e a Justiça não podem ser absolutizadas na estrita legalidade; os juristas
devem distinguir entre o substancial e o acidental, entre o estável e permanente e o
efêmero, entre o socialmente assimilável e o disperso; na apreciação de Carlos
MAXIMILIANO, são antigualhas, substituidas pelo summum ius summa iniuria e ius est
ars boni et aequi, que apontam em definitivo para o fim social e humano do Direito.
Hermenêutica e aplicação do Direito (1991), pp. 180-182.
11. Hominum causa omne ius constitutum est. JUSTINIANO, D., 1,5,2.
12. PÉREZ LUÑO (1991), p. 71, 82, 90, 96; ALTERINI (1993), p. 18, 25; LIMONGI FRANÇA,
Irretroatividade das Leis (1994), pp. 196, 219 fine; VELLANI (1963), p.167; SOARES
MARTI-NEZ (1991), pp. 366, 367.
13. Karl LARENZ (1989), p. 252.
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65
A Segurança não é, pois, um critério lógico da estrutura
formal das normas, como se fosse elemento impregnado a elas e
estático, mas é algo dinâmico que busca a consecução dos bens e dos
valores jurídicos 14, mormente no Estado democrático de Direito, como o
nosso, a partir da nova ordem constitucional de 1988.
5. Segurança, Justiça e Bem Comum 15
Qual a ligação do valor Segurança com o valor Justiça? A
Segurança é um pleonasmo inútil da Justiça? Tem a Segurança uma
autonomia conceitual ou funcional em relação à Justiça? Quais os sinais
de separação entre estes dois valores, que são valores da experiência
jurídica?
A Justiça é um valor fundamental e onicompreensivo, superior
a todos os outros valores, salvo a Prudência. Platão a chamava
dikaiosine (de dikaión, lei), como virtude que compreendia e resumia
todas as demais. 16
Em sua dimensão particular, como vimos, a Justiça
(comutativa) é o "dar a cada um o que é seu", partindo de um indivíduo
para outro (relações privadas); ou da Autoridade, que é o todo, para as
partes (distributiva).
"Dar a cada um o que é seu" deve se basear não no passado, mas
no presente e no futuro; "dar o seu" a cada qual é dar oportunidade de
vida, pagar salário justo, é satisfação integral dos débitos,
responsabilidade civil etc.
Os débitos, p. ex., não solucionados pacificamente e
cobrados na Justiça, são processados em duas fases: primeiro, na
declaração de existência ou não do que é reclamado (o an debeatur) e,
num segundo momento, na estipulação do quantum debeatur. O débito,
14. PÉREZ LUÑO, op. cit., pp. 51, 105.
15. Principais autores que trataram deste tema: MEZQUITA, p. 199; ALTERINI, p. 46;
DINIZ, p. 360; LE FUR, pp. 13ss; OLLERO, p. 29; KELSEN, p. 50; SOARES MARTINEZ,
p. 290; REALE, Filosofia, p. 271, 591; RADBRUCH, Filosofia, p. 211.
16. República, IV, 16, 441c-443d. ARISTÓTELES a denomina virtude total ou completa;
SANTO TOMÁS a compara "ao bem comum"; DANTE fala da Justiça como proporção
básica das relações inter-humanas; LEIBNIZ a define como Justiça universal; RAWLS
concebe a Justiça como procedimentos e princípios da sociedade bem ordenada. Cf.
PÉREZ LUÑO, op. cit., p. 106.
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66
nesta forma particularizada, é o "seu" na máxima mencionada. O "seu"
é de difícil definição: o débito do criminoso para com a sociedade é
pago com pena, mas não é de fácil quantificação.
Pode-se associar o conceito de Bem Comum ao de Paz
social, pois a decisão resulta “de la tendencia pacífica del derecho; el
juez tiene que proteger la paz social; por ello tiene que eliminar con su
sentencia los conflictos que se le presenten y que amenazan la paz
social”. 17
Em suma, a Segurança jurídica constitui um dos
componentes da Justiça geral, por ser condição da sociedade
corretamente organizada. Assim, se faz parte da Justiça geral, é
impossível falar-se numa oposição, suscitada por muitos autores, entre
Justiça e Segurança (se há Segurança não pode haver Justiça e se se
pratica Justiça, faltaria Segurança). Ambas, Justiça e Segurança, se
comportam dialeticamente, de forma a alcançar a inevitável integração.
Unidas, são pressupostos de garantia da boa ordem da
sociedade. A sociedade necessita tanto de Justiça como de Segurança
e como as duas são indissociadas, não podem se contrapor, e ademais
atendem às exigências do Bem Comum.
Le Fur aprecia o trinômio Segurança-Justiça-Bem Comum,
como associados aos direitos fundamentais:
“...la justicia y la seguridad, lejos de ser verdaderamente antinómicas, son más bien los dos elementos, las dos caras del bien común o
del orden publico que, bien comprendidas, tienen el mismo sentido, un
poco como se dice indiferentemente libertades individuales o derechos
públicos, según que uno se coloque en el punto de vista del individuo o
de la sociedad, lo que otros también han llamado libertades necesarias o
derechos fundamentales”. 18
Sob outro ângulo de análise, Delos encontra Segurança e
Justiça na sociedade, que se identifica com o Bem Comum, assim se
expressando:
“Resulta que la función de seguridad - que es una de las funciones
esenciales de la sociedad -, se ejerce enteramente, si puede decirse así,
entre estos dos polos: derecho del individuo - deber de la sociedad;
derechos de la sociedad - deber del individuo; es decir, que se ejerce
17. Helmut COING, Fundamentos de Filosofía del Derecho, p. 257.
18. Louis LE FUR, El fin del Derecho: Bien Común, Justicia, Seguridad. In: “Los Fines del
Derecho” (1967), p. 15.
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67
entera en un cuadro de justicia y de derecho, en donde se afirman frente
a frente la trascendencia de la sociedad sobre el individuo, y su
subordinación a la persona individual.”. 19
6. Requisitos da Segurança
Quais os requisitos específicos da Segurança jurídica, implícitos na Justiça geral? Podem ser divididos em duas ordens:
a. Exigências objetivas
Temos exigências objetivas de dois tipos: a correção
estrutural e a correção funcional. A primeira é tarefa do Legislativo na
formulação das normas: a estrutura do ordenamento jurídico. A segunda
está no campo da negociação, da Administração e da Jurisdição, ou
seja, no campo particular, na área administrativa (Executivo) e na
jurisdicional (Judiciário), respectivamente; refere-se ao cumprimento do
Direito por seus destinatários, e em especial pelos órgãos aplicadores
ou intérpretes do Direito. 20
b. Exigências subjetivas
Na acepção subjetiva, a que chamamos certeza do direito, há
uma projeção, nas situações pessoais, das garantias estruturais (Lei) e
funcionais (Jurisdição) da segurança objetiva; ou seja, subjetivamente
temos duas fontes de referência: a própria Lei, bem como a aplicação
da Lei, que pode se dar por um administrador, ao despachar um simples
requerimento, ou por um Juiz, ao proferir uma decisão. É a possibilidade, pelos cidadãos, de conhecimento prévio das conseqüencias
jurídicas dos seus atos, ou previsibilidade. 21 No momento em que o
sujeito se conscientiza plenamente do que pode fazer, ou não, ele tem a
certeza do direito.
O que se estabelece é uma relação de confiança entre o
cidadão e a ordem jurídica, o acreditar no Direito, confiança fundada em
pautas razoáveis de previsibilidade; esta previsibilidade é tida como a
razoável, do "homem médio", do "homem comum", o quod plerumque
accidit do Direito Penal.
19. J.T. DELOS, Los Fines del Derecho: Bien Común, Seguridad, Justicia. In: Op. cit., p. 54.
20. Op. cit., p. 106.
21. Idem, p. 107.
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68
Isto exige que a lei deva ser muito clara, precisa, amplamente
divulgada, amplamente discutida pela sociedade. Ao Poder Judiciário
poderia caber, neste campo, o exercício de elevada "pedagogia social".
7. Conclusões
Estes são, portanto, os enfoques mais usuais da Segurança
jurídica: é um valor imanente a qualquer sistema de Direito positivo;
está em relação dialética com a Justiça, que, por sua vez, é valor
transcendente; o Direito justo tem amplitude mais extensa que o legal,
com ênfase no sentido axiológico e menos nos aspectos fáticos; não
obstante, os sistemas jurídicos costumam enfatizar mais os fatos e
menos os valores, sem considerar que a Segurança não está nos fatos,
mas no valor da Justiça. 22
Segurança e Justiça estão igualmente entrelaçadas com o
conceito de Bem Comum, pois toda norma não é nem genérica (única),
nem particularizada (múltipla), se não estiver dirigida para o social, o
comum, ponto de interligação dessas duas categorias.
Entendemos, com os autores citados, que a Segurança é um
valor dado a priori pelo Legislador, no momento normativo ou nomogênico, enquanto o momento judicial de aplicação da norma, a
posteriori, é o da Justiça (Certeza do direito); mas tanto o Legislador
quanto o Julgador não podem afastar seu olhar daquele ponto que os
une, e para o qual existem: a Sociedade, da qual emana a potestas de
um (o Poder Político) e a auctoritas de outro (o Poder Jurídico), que
constituem, con-juntamente, o Bem Social ou Comum. 23
22. Ibid., p. 107.
23. Sobre este tema cobra importância o estudo de Rafael DOMINGO, Teoria de la “auctoritas” (1987), analisada na experiência romana, nas fontes do direito, no direito político,
processual, canônico, na universidade, culminando por elaborar uma teoria geral, baseada no pensamento jurídico-filosófico de Álvaro D’ORS.
Também de inegável valor o trabalho de Dalmacio NEGRO PAVÓN, Natureza social do
Poder Judiciário, (trad. Carlos Aurélio M. de Souza), Rev. Tribs., v. 695 (set 1993), pp.
16-29, em que desenvolve em profundidade estes conceitos, para mostrar a missão do
Poder jurídico no desenvolvimento social.
Capítulo V
A Segurança Jurídica na Constituição Federal
SUMÁRIO: 1. A Segurança como princípio. 2. A Segurança
como valor: a) Valor-meio. b) Valor-necessário. c) Valor-adjetivo. A
Segurança como direito fundamental: a) Como Garantia. b) Como tutela.
c) Como proteção. 4. Conclusões: a) Aspectos positivos. b) Aspectos
negativos.
A Constituição Federal traduz a segurança jurídica sob três
aspectos: como princípio, como valor e como direito fundamental, faces
diferentes da mesma realidade.
Esta segurança se expressa através de alguns verbos de ação, de largo uso na linguagem jurídica, tais como "assegurar", "amparar" (amparo ao direito subjetivo), "garantir" (todas as garantias dadas
pela Lei ou pela Justiça), "proteger" (proteção aos direitos individuais,
coletivos ou difusos); sem contar diversas expressões verbais como
"instituir", "constituir"; em todas há um princípio ou um valor jurídico.
1. A Segurança como princípio
Miguel Reale, com abalisada autoridade nos ensina que
“Princípios são ... verdades ou juízos fundamentais, que servem de
alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados
em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”. 1 (grifamos).
Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, define-se princípio
jurídico como
1. Filosofia do Direito (1982), N. 18, p.60.
A Segur ança Jur ídica na Const it uição Feder al
71
“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondolhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico” 2.
A melhor exposição, contudo, encontramos no emérito constitucionalista José Afonso da Silva: baseando-se em Gomes Canotilho e
Vital Moreira, separa os princípios constitucionais em políticos e jurídicos. 3
Os princípios político-constitucionais estão presentes nos artigos 1º a 4º da Constituição; como fundamentos do Estado Democrático
de Direito, nos arts. 1º e 2º; e como objetivos fundamentais da República, utilizando as expressões do art. 3º.
Já os princípios jurídico-constitucionais são gerais, informadores da ordem jurídica nacional, especialmente processuais, destacando
o autor, no art. 5º, os incisos XXXVIII a LX.
O professor de Direito Público, Eduardo Garcia de Enterría,
ensina que a Constituição assegura uma unidade do ordenamento, essencialmente à base de uma ‘ordem de valores’ materiais por ela expressos, e não sobre as simples regras formais de produção de normas,
dizendo mais que
“La unidad del ordenamiento es, sobre todo, una unidad material de
sentido, expressada en unos principios generales de Derecho, que o al
intérprete toca investigar y descubrir (sobretodo, naturalmente, al intérprete judicial, a la jurisprudencia),o la Constitución los ha declarado de
manera formal,destacando entre todos...unos valores sociales determinados...como primordiales y básicos de toda la vida colectiva.”. 4
Outro constitucionalista espanhol, Arce y Florez-Valdés, tratando da formulação constitucional dos princípios gerais do Direito escreve que a Constituição, por ser norma superior de organização jurídica
da Nação, encerra princípios gerais do ordenamento e reflete a Filosofia
da vida jurídica, enquanto síntese das aspirações de um povo.
2. Curso de Direito Administrativo (1994), p. 450; cf. José Afonso da SILVA, Curso de Direito
Constitucional Positivo (1995), p. 93.
3. José Afonso da SILVA, op. cit., p. 95.
4. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, p. 98. Ap. Celso Ribeiro
BASTOS. Curso de Direito Constitucional (1988), p. 138, Nota 2.
A Segur ança Jur ídica na Const it uição Feder al
72
A Constituição representa hoje, para este autor, uma nova
fonte para o estudo dos princípios gerais, pois através dela haverá influências que se farão refletir necessariamente no Direito, podendo-se dizer que toda reforma constitucional constitui ou acarreta um novo espírito informador do Direito e com ele seus princípios gerais. 5
Não menos abalizadas são as lições do jurista Raúl Canosa
Usera, que identifica a certeza do direito como um princípio geral do ordenamento jurídico e que, por isso, deve ser recepcionado como princípio constitucional. 6
Afirma que o Direito aspira ordenar as relações jurídicas de
modo seguro, de forma tal que qualquer um deve saber as consequências jurídicas de seus atos, pois os efeitos sempre iguais são previsíveis.
A previsibilidade representa, portanto, instrumento essencial da segurança jurídica; somente quando a reação do Direito pode ser prevista é
que cabe falar de segurança ou certeza do Direito.
E pondera que certeza do Direito significa previsibilidade na
aplicação da própria Constituição, toda vez que esta assegura a validez
e certeza de todos os demais âmbitos jurídicos, começando a ser aplicada a partir dos princípios gerais nela contidos. 7
2. A Segurança como Valor
Com sentido de valor a segurança vem indicada desde o Preâmbulo, quando a Constituição se refere à instituição de um Estado
democrático destinado a
8
“...assegurar... a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social..."
(grifos nossos).
São tendências axiológicas da Constituição: quando assegura
"valores superiores", entendemos significar não apenas o que ali está
escrito, mas algo mais que a antecede e a transcende.
5. Los principios generales del Derecho y su formulación constitucional (1990), p. 11.
6. Interpretación constitucional y fórmula jurídica (1988), p. 182.
7. Idem, ibid.
8. O Preâmbulo é parte da Constituição, pois foi igualmente discutido e votado;
embora alguma doutrina afirme o contrário, esta foi a intenção dos Constituintes; ademais, tais valores, ali enunciados, foram explicitados e ratificados pelos artigos seguintes,
o que demonstra constituirem tendências axiológicas iniludíveis da Lei Magna. Cf. José
Afonso da SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo (1995), pp. 142, 144.
A Segur ança Jur ídica na Const it uição Feder al
73
Como tais valores supremos se encontram indissociados, não
é possível separá-los, estão intimamente interligados, e, pois, não podem atuar um sem o outro.
Ora, a vida do homem em sociedade exige regras conhecidas
para que possa se conduzir retamente, de forma tal que tenha sua dignidade pessoal respeitada e possa respeitar a dos semelhantes (e hoje,
mais ainda, respeitar a todo o ecúmeno terrestre e mesmo cósmico...).
Sendo a vida e a personalidade humana um valor supremo, a
seguridade deste valor tambem o será e pode se apresentar como a)
valor meio, b) valor necessário ou c) valor adjetivo, para sustentar o exercício dos demais valores. 9
a) O ordenamento jurídico deve garantir sua própria consistência, como sistema normativo, para seus destinatários e operadores
jurídicos. 10
Por isso, como valor meio, a segurança resulta de um conjunto de técnicas normativas dispostas a garantir a completude do sistema;
ou seja, o ordenamento jurídico tem, na Segurança, uma auto correção,
um corretivo dele próprio, como “meios predispostos para assegurar a
observância, e, portanto, a conservação de um determinado ordenamento constitucional”. 11
b) É também um valor necessário para a atuação dos valores
que o ordenamento jurídico pretenda realizar, em maior ou menor grau
(nossa Constituição, como se viu, reconhece como valores a igualdade,
a liberdade, o bem-estar, a justiça etc).
c) Em outro aspecto, a segurança é um valor adjetivo em relação aos demais: se A, B, C são condutas ou normas valiosas, poder
prever, ter a segurança de que A, B, e C se realizarão, também é um
valor, adjetivo dos demais valores.
9. HIERRO SÁNCHEZ-PESCADOR (1989), pp. 235ss.
10. Cf. Cap. XIII. O Acesso à Justiça.
11. Ferrucio PERGOLESI. Diritto costituzionale, v.I/57, apud José Afonso da SILVA, op.cit.,
p.185; para nosso autor não se trata de garantias mas de defesa de dado regime político
constitucional.
A Segur ança Jur ídica na Const it uição Feder al
74
Neste campo emerge a função da Jurisdição como operadora
definitiva na aplicação do Direito, e, portanto, como garantia última da
certeza e da consistência da ordem jurídica. 12
3. A Segurança como direito fundamental
O art. 5º da Constituição Federal, além da igualdade perante
a lei, garante a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Novamente encontramos associados os valores
liberdade, igualdade e segurança, expressões referenciadas diretamente à própria Justiça.
Como direito fundamental, a segurança apresenta três conotações ou matizações: como garantia, tutela ou proteção. 13
a) Como garantia, esclarece José Afonso da Silva que os direitos fundamentais são garantias, e que as garantias são direitos, sendo difícil separá-los em declaratórios e assecuratórios; por isso, distingue garantias gerais, destinadas a assegurar aa existência e a eficácia
social daqueles direitos; “trata-se da estrutura de uma sociedade democrática, que conflui para a concepção do Estado Democrático de Direito,
consagrada agora no art. 1.º”; e garantias constitucionais, consistentes
em instituições, determinações e procedimentos mediante os quais a
própria Constituição tutela a observância ou a reintegração dos direitos
fundamentais. 14
No inc. LXVIII há a concessão do habeas corpus, "sempre
que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação
em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".
b) Distinguimos como tutela quando trata da irretroatividade,
ao declarar que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada" (inc. XXXVI); ou, p. ex., quando enuncia o
princípio da legalidade (inc. II). 15
Tocante ao direito adquirido, temos como algo que já se estabilizou como justo, seja nas relações jurídicas privadas, como nas públicas. Não se pode adquirir um direito fundado na desonestidade ou no
12. HIERRO SÁNCHEZ-PESCADOR, p. 238.
13. PÉREZ-LUÑO (1991), op.cit., pp. 27ss.
14. Op. cit., pp. 183, 185, 186.
15. No Direito penal, o nullum crimen nulla poena sine lege (inc. XXXIX).
A Segur ança Jur ídica na Const it uição Feder al
75
ilícito; ao contrário, um direito só estará seguro quando comprovadamente se assentar em ato lícito, de interesses privados ou mesmo públicos.
É o direito que resulta da lei, diretamente ou por intermédio de
fato idôneo, e passa a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito
de direito. 16
O ato jurídico perfeito (negócio, ato administrativo, ato volitivo): se não houver ilícito viciando a vontade das partes, aperfeiçoa-se
como ato jurídico: é o ato consumado de acordo com a lei do tempo em
que se efetuou; ademais, é causa geradora do jus adquisitum. 17
Dos três institutos, cabe lembrar que a coisa julgada 18 é mais
relevante que os outros dois, pois enquanto neles pode interferir, anulando, desconstituindo ou modificando, aqueles nada podem contra esta. Não obstante, mesmo a coisa julgada não é definitiva, suscetível que
é de rescisão ou declaração de nulidade. Basta mencionar a ação rescisória: por este instituto processual, dentro de um determinado limite de
tempo, há possibilidade de se desconstituir a coisa julgada. Decisão que
rescinde coisa julgada "reabre" o que já estava concretizado, para rever
o julgado, e depois o consolida numa situação jurídica nova. É um procedimento cuja eficácia alcança, portanto, além da coisa julgada. 19
A coisa julgada, é, pois, a nosso ver, mais potente que o ato
jurídico perfeito e o direito adquirido, porque neles pode interferir, mas
não sofre modificação senão pela rescisória.
O Estado, p. ex., pode mover ação de sequestro de bens de pessoas
envolvidas em desvio de dinheiro público e depois expropriá-los para a
Fazenda Pública; haverá, portanto, coisa julgada (sequestro) sobre ato
jurídico perfeito (direito de propriedade).
16. Art. 5º, § 1º, do novo Anteprojeto da Lei de Aplicação das Normas Jurídicas. Cf. em
Apêndice.
17. Idem, § 3º.
18. Idem, § 4º; a coisa julgada, aliás, não é mais que uma espécie de ato jurídico perfeito,
emanado não da lei, mas da decisão judicial.
19. Além da ação rescisória existe outra para modificar a coisa julgada, quando expirado o
prazo da primeira: a ação declaratória, que simplesmente supera a rescisão e pode inibir,
igualmente, os efeitos da coisa julgada.
A Segur ança Jur ídica na Const it uição Feder al
76
Há casos julgados que, por sua relevância, transcendem o direito das partes: através da jurisprudência e da uniformização sumulada,
constituem Direito novo, verdadeiro Direito Sumular. 20 21
Assim, pois, as três tutelas (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada), que representam o princípio geral da irretroatividade das leis, constituem institutos máximos da segurança jurídica.
c) Como proteção, a Lei Magna inova largamente, com profundas consequências no Direito Civil e Econômico, quando, v.g., determina que o "Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" (inc. XXXII; art. 170, inc. V); a defesa do meio ambiente (art. 170,
inc.VI) e a proteção à infância e juventude (art. 227), ou mesmo ao criar
o instituto do habeas data (inc. LXXII, a), respaldado no direito de informações pelos órgãos públicos (inc. XXXIII).
De todo o exposto, concluimos com José Afonso da Silva, em
síntese metodológica, que “o conjunto das garantias dos direitos fundamentais forma o sistema de proteção deles: proteção social, proteção
política e proteção jurídica”. 22
4. Conclusões
a) Aspectos positivos:
Há uma correlação entre a estrutura do Direito (o ordenamento jurídico) e seu funcionamento (através dos aplicadores da lei e seus
destinatários), considerando-se aplicadores todos os intérpretes, administradores ou juízes.
Assim, observa-se uma conexão entre a dimensão funcional
da segurança jurídica (princípio da legalidade) com seu sentido estrutural (exigências de segurança jurídica), pois o próprio ordenamento exige
segurança para manter sua integridade ou completude.
20. A expressão foi cunhada pelo Min. José Pereira LIRA, O Direito Sumular, Rev.Serv.Pub.,
vol. 106, n. 2 (1971); e largamente utilizada pelo Prof. Roberto ROSAS, Direito Sumular,
(várias edições), Álvaro de MELO Fº, Direito Sumular Brasileiro, RF 289: 417-427; RePro
43: 243-259); Lincoln Magalhães da ROCHA, Direito Sumular; e outros.
21. A esta qualidade denominamos coisa julgada jurisprudencial, muito embora a expressão
possa soar como pleonasmo. Cf. Cap. IX - Direito Judicial, Jurisprudencial, Sumular.
22. Op. cit., p. 186.
A Segur ança Jur ídica na Const it uição Feder al
77
Como estrutura, o ordenamento funciona qual sistema planetário: o
sol, os planetas, os satélites, distribuídos numa ordem estável dentro do
universo.
Assim também no ordenamento jurídico, cada Código e suas leis giram em torno da Constituição, como os planetas em torno do Sol. Existem leis, regulamentos, legislações complementares, portarias, tudo fazendo parte do ordenamento, segundo uma hierarquia normativa. Esta
hierarquia supõe coerência e compatibilidade. Então, o "cosmos" jurídico
não pode se desequilibrar, deve se manter em um dinamismo coerente
(característico dos ordenamentos); ademais, é exigência da própria natureza que haja ordem, assim nas leis universais, como nas humanas. 23
Para o ordenamento jurídico, essa estabilidade chama-se segurança e faz parte de sua estrutura. O ordenamento é estruturado para
ser "seguro" e como tal ele cobra, dos cidadãos condutas certas, segundo o Direito, como se dissesse "não abale meu equilíbrio e não desequilibrarei sua segurança".
Ao mesmo tempo em que o ordenamento nos dá, objetivamente, segurança jurídica, ele exige o mesmo de todos cidadãos (é a
certeza do direito, a crença subjetiva na ordem jurídica).
Na Constituição, a segurança serve, ao fim de tudo, para ajudar a promover a igualdade real, ou Justiça social, começando por remover o obstáculo do desequilíbrio de poder numa sociedade democrática.
A legislação de proteção aos consumidores constitui exemplo significativo desta dimensão, em que a garantia jurídica aos usuários é apresentada com eficácia maior que em outros textos legais. O mesmo se
verifica com a lei de proteção ao meio ambiente (L. 7347/85) e à criança
e ao adolescente (L. 8069/90).
b. Aspectos Negativos:
Há uma tendência em situarmos no mesmo plano, sem ordem
sistemática ou de preferência, o todo (segurança jurídica como totalidade) com as partes (distintas manifestações da segurança: legalidade,
23. VALLET DE GOYTISOLO compara o ordenamento a uma galáxia, assim se expressando: “Toda galaxia incluye estrellas que son soles, cometas, planetas con su diferente
composición y climas, y con sus satélites, ... en constante movimiento y evolución, formando un conjunto abierto pero dinámicamente coordinado”. Cf. Metodología de las Leyes (1991), p. 252.
A Segur ança Jur ídica na Const it uição Feder al
78
hierarquia normativa, irretroatividade, publicidade, responsabilidade, proibição da arbitrariedade etc). 24
Sob a forma de princípios fundamentais as normas primárias
da Constituição expressam aquele “ponto de vista sobre a Justiça”, que
todo Direito deve ser, segundo ensinamento de Legaz y Lacambra. 25
A parte dogmática das Constituições é a expressão dos princípios de Justiça (“pontos ou princípios”); assim, “a justiça contida nas
normas derivadas é um desenvolvimento da Justiça aspirada e querida
pelas normas primárias”.
Por isso, as normas primárias contêm o fundamento de validez das restantes; é a tradução adequada daquela idéia de Justiça que
vive como um ideal ético na consciência da sociedade para a qual hão
de se aplicar.
Portanto, dentro de um mesmo sistema jurídico, é inaceitável
a discrepância de concepções de Justiça entre normas primárias e secundárias; a autonomia não deve degenerar em contradição.
A gradação das normas gerais (constituição, lei, regulamento),
corresponde a uma escala quanto à generalidade de seu conteúdo. Já
as normas individuais são ditadas para cada caso concreto: particulares
que se obrigam através de um contrato, a administração que resolve
questão singular, o juiz ou tribunal que dita uma sentença, são criadores de normas individuais.
Todas estas formas ou expressões do Direito estão intimamente vinculadas às normas constitucionais e se identificam ou se subordinam, dadas as circunstâncias e peculiaridades, aos princípios, valores e direitos fundamentais.
Bibliografia:
1. Luis LEGAZ Y LACAMBRA. Introducción a la Ciencia del Derecho, 1943.
2. Liborio L. HIERRO SÁNCHEZ-PESCADOR. Seguridad Jurídica y actuación administrativa. In: “Seguridad Jurídica”, pp. 235ss.
3. José Pereira LIRA (Min.). O Direito Sumular. RSP, v. 106, n. 2, 1971.
4. Lincoln Magalhães da ROCHA. Direito Sumular. Rio, Shogun Edit., 1983.
24. PÉREZ LUÑO (1989), p. 27.
25. Luis LEGAZ Y LACAMBRA. Introducción a la Ciencia del Derecho (1943), pp. 182ss.
A Segur ança Jur ídica na Const it uição Feder al
79
5. Álvaro de MELO Fº. Direito Sumular Brasileiro. RF 289: 417-427; RePro 43:243259.
6. José Luis MEZQUITA del CACHO. Seguridad Jurídica y Sistema Cautelar. 1989.
7 . Roberto ROSAS. Direito Sumular. Comentários às Súmulas do STF e do STJ. 6ª
ed. São Paulo, Edit. Rev.Tribs., 1991.
8. José Afonso da SILVA. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed. São Paulo, Malheiros, 1995.
9. Celso Antonio BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed.
São Paulo, Malheiros, 1994.
10. Miguel REALE. Filosofia do Direito. São Paulo, Saraiva, 1982.
11. Celso Ribeiro BASTOS. Curso de Direito Constitucional, 1988.
12 Joaquín ARCE Y FLOREZ-VALDÉS. Los principios generales del Derecho y su
formulación constitucional. Madrid, Civitas, 1990.
13. Raúl CANOSA USERA. Interpretación constitucional y fórmula política. Madrid,
Centro de Estudios Constitucionales, 1988.
14. Antonio Enrique PEREZ-LUÑO. La Seguridad Jurídica. Madrid, Ariel, 1991.
15. Juan B. VALLET DE GOYTISOLO. Metodologia de las leyes. Madrid, Edit. Revista de Derecho Privado, 1991.
Capítulo VI
Dogmática e Segurança Jurídica
SUMÁRIO: 1. Os cinco aspectos do Direito. 2. A importância da
Dogmática. 3. Justiça versus Segurança. 4. O Direito como valoração do
Justo. 5. A Segurança no Direito. 6. Dogmática e Segurança. 7. O valor
da Jurisprudência. 8. A dogmática doutrinária. 9. Conclusões.
1. Os cinco aspectos do Direito
O Direito pode ser encarado sob cinco aspectos: como Ciência,
objeto da Epistemologia; como Justiça, objeto da Axiologia jurídica;
como Norma, estudado pela Dogmática; como Faculdade, estudado
pela Teoria dos Direitos Subjetivos, e como Fato social, objeto da
Sociologia jurídica1.
Para a Dogmática (que vem a ser a Ciência do Direito como
Teoria da Norma),2 podemos encontrar uma classificação simples,
quando em primeiro lugar estudamos o que é a norma e suas espécies.
Em segundo, as espécies e as fontes da norma jurídica, que
são as fontes do Direito. Normalmente, quando estudadas as diversas
expressões do Direito, algumas são consideradas como fonte, outras
não; mas são objeto do estudo nesse momento, como espécies de
fontes, o costume, a jurisprudência, a doutrina e também as chamadas
fontes materiais que são a própria realidade social e que geram as Leis
e os valores jurídicos que embasam a norma até este ponto, já que
temos caracterizada a teoria tridimensional do Direito : o Fato social, a
Lei ou Norma em si mesma e a valoração.
Um terceiro aspecto é a interpretação da norma jurídica. Um
quarto é a aplicação das normas jurídicas no espaço e no tempo. E um
1 . André Franco MONTORO, em sua Introdução à Ciência do Direito, apresenta original plano de
trabalho, que desenvolve durante todo o livro, e que se consubstancia em cinco sentidos do termo
‘Direito’; e Victor CATHREIN encontra três acepções para o Direito: a primeira como ‘o seu’; a
segunda, seu sentido ‘objetivo’, e a terceira, o sentido ‘subjetivo’. Filosofia do Direito (1950), pp. 52,
53, 61.
2. Cf. Tércio Sampaio FERRAZ JR., Introdução ao estudo do direito (1995), cap.4.
Dogmática e Segurança Jurídica
81
quinto aspecto, a Dogmática, que estuda a divisão do Direito, por
exemplo, a classificação em Direito Público e Privado 3.
2. A importância da Dogmática
Vejamos alguns autores, para verificar qual a importância da
Dogmática, sobretudo da doutrina, para trazer mais Segurança jurídica
ao Direito.
Em linhas gerais poderíamos dizer que quanto mais se estuda
o Direito e se apresentam soluções diferentes, abre-se um leque de possibilidades de aplicação da Lei e mais insegurança advém.
Por outro lado, paradoxalmente, quanto mais soluções tiver a
aplicação da Lei, muito mais segura será porque não ficou nenhuma hipótese sem ser estudada. Não é jogo de palavras, mas um paradoxo:
quanto mais se estuda e se oferecem soluções, mais a decisão judicial
se torna difícil, porque as opções são maiores.
Por isso, quanto mais doutrinas houver sobre um tema, mais claro
este se torna. E segurança é clareza, é ver com evidência. Porque se
várias pessoas estudam um assunto sob óticas diversas, ele terá sido
exaustivamente estudado. Talvez nisto resida o valor das decisões colegiadas: na câmara simples de três Juízes ou num plenário de vinte e
cinco Juízes, ou mesmo no Supremo Tribunal com onze Magistrados,
possuem visão mais ampla dos pontos diferentes sobre um mesmo
tema. Então, a decisão que emana de um colegiado, quanto mais amplo
mais segura nos parece que será.
O ilustre jusnaturalista Vallet de Goytisolo, escrevendo sobre a
segurança da norma jurídica em relação aos direitos em geral, diz que a
esfera superior da Segurança Jurídica está no âmbito do Direito positivo.
Trata-se da segurança no conhecimento de qual há de ser a norma
jurídica aplicável em cada caso. Quer dizer, o Juiz deve determinar a
3 . Em sua Filosofia do Direito (1982), Miguel REALE nos adverte que “a Dogmática, em seus três
momentos lógicos de interpretação, construção e sistematização de normas jurídicas, não
representa todo o Direito, mas o momento culminante da Ciência do Direito”. N. 209, p. 578.
Dogmática e Segurança Jurídica
82
solução justa. Para Vallet, o termo segurança se aplica igualmente à
certeza jurídica, o aspecto subjetivo de aplicação do Direito. 4
3. Justiça versus Segurança
Como valores distintos que são, qual o mais importante? Esta
parece ser uma colocação incorreta, a não ser que, ao interesse pela
Justiça se interponha o interesse de saber de antemão, em cada caso, o
que o Juiz adotaria como solução.
Aristóteles 5 já havia exposto que toda a Lei é universal e não
cobre todos os fatos. E nas coisas singulares que acontecem o Juiz
recorre à eqüidade; ou quando interferem pressupostos de outras
normas aos princípios gerais, casos em que o fato típico da norma nem
sempre se subsume suficientemente com o fato do caso. Tal deficiência
se cobriria com o costume e com uma eqüidade mista; para Aristóteles é
a mais razoável, uma mescla da Lei com os costumes e com a intuição
do Juiz.
As mudanças legislativas contínuas e incessantes modificam
tão somente o texto; senão, desapareceria todo trabalho interpretativo e
doutrinário que se tenha formado até então. Surge também um acúmulo
transitório de questões de fato; o melhor exemplo é a legislação fiscal
continuamente modificada. É um problema que o Brasil hoje conhece
bem: o excesso de leis, principalmente nos campos administrativo,
previ-denciário, tributário, etc.
É uma seqüência variável de regras, normas e posturas que
ninguém consegue acompanhar. Daí a importância da informática como
solução para que se tenham as leis atualizadas, prontamente
acessíveis, inclusive identificando as antinomias entre várias delas.
4 . Juan B. VALLET de GOYTISOLO. La seguridad de la norma jurídica. Estudios de Deusto, v. 34/2
(jul/dic. 1986), p. 443.
5 . ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. L.V, n. 10.
Dogmática e Segurança Jurídica
83
Já se disse que basta a modificação de um simples artigo de lei para
derrubar uma biblioteca de doutrina. A proliferação de leis traz grande insegurança, porque a cada lei que surge é necessário que os
doutrinadores se debrucem sobre ela para reestudar aquele tema. A Lei
de Luvas, de 1934, nunca fora mudada; mudaram-na há pouco 6.
Funcionava bem, possuía uma lógica. Hoje, o que é preciso para uma renovatória? Há um esforço dos juristas, todo o trabalho de pesquisa se
reinicia e até que os primeiros casos relevantes cheguem aos tribunais e
fixem a Jurisprudência, haverá uma evidente incerteza e, portanto,
insegurança jurídica.
Então, com mudanças contínuas nas leis, a Segurança nada
ganha; a multiplicação e mutação das leis atenta contra a Segurança
jurídica. É que o Estado, em lugar de considerar-se sujeito de direito, se
auto-estima como seu criador, podendo fabricá-lo ou desfazê-lo a seu
talante. Na França, por respeito aos direitos privados, nem o Rei ousava
tocar no Direito civil; 7 muito mais na Inglaterra.
Quer dizer, são a doutrina e a jurisprudência que vão construindo uma teia em torno dos textos antigos, de forma a ilustrar,
completar e aperfeiçoar o Direito escrito.
4. O Direito como valoração do Justo
Helmut Coing 8 enfatiza que o Direito não é um produto da
dedução lógica, mas se baseia nas decisões valorativas. A aplicação do
Direito deve partir de pontos de vista valorativos e da utilidade
subjacente à ordem jurídica, e tem de julgar a relação jurídica segundo
os seus traços essenciais e não segundo sua estrutura formal.
O Direito deve operar com critérios valorativos; porém, essa
valoração não pode ser subjetiva nem depender de uma ideologia, pois
eliminaria toda Segurança jurídica, caindo na arbitrariedade do Direito
livre ou no particularismo radical do uso alternativo do Direito; se o
critério de julgar é determinado pela classe social, partido ou corporação
6 . Lei da Locação Urbana (Lei nº 8.245, de 18.10.1991).
7. VALLET, op. cit., p. 446, citando Georges RIPERT.
8. Helmut COING, Fundamentos de Filosofía del Derecho (1976), p. 269. VALLET, idem, p. 451.
Dogmática e Segurança Jurídica
84
a que pertencem os litigantes, o Direito ficaria sujeito à ideologia imperante ou a uma prática imposta pela autoridade. 9
Há um texto no Digesto: non ex regula ius summatur, o Direito
não surge da regra, a regra apenas positiva aquilo que já existia.
O mesmo autor, falando sobre Jurisprudência dogmáticosistemática, diz que a codificação moderna teve dois motores: o impulso
revolucionário pseudo-progressista de mudanças e o desejo de simplificação, conseqüência da perda do domínio do Direito antigo e da força
criadora do povo. 10
Todo trabalho de buscar a justiça do caso concreto, inclusive o
esforço da Jurisprudência, resulta inevitavelmente interrompida e
perturbada por toda mudança legislativa, se esta Jurisprudência não for
recolhida e consolidada.
Os sistemas de recursos, revisão, rescisória, recurso extraordinário, somente têm possibilidade de satisfazer à justiça do caso
concreto se conjugados com alguma infringência legal que permita
cassar a decisão considerada injusta e abrir caminho para ditar nova
sentença justa. Esta é sua opinião: que o recurso não pode se dar por si
mesmo, mas deve haver um fato novo para cassar a sentença anterior;
se não, haverá mera repetição da sentença.
5. A segurança no Direito
Ainda segundo Vallet, 11a questão da segurança no Direito é
um problema pedagógico, a ser visto sob cinco pontos: 1º) educar para
o sentido do justo, como do belo para o artista; é um trabalho que se faz
na escola ou que se deve fazer: transmitir o sentido do justo, a
importância do justo; o advogado não está para aplicar leis, nem o Juiz
ou Promotor, mas para buscar a justiça; 2º) as profissões jurídicas têm
9. Voltaremos ao tema do uso alternativo do Direito no Cap. XII, O acesso à Justiça.
10. Idem, p. 452.
11. Idem, p.454.
Dogmática e Segurança Jurídica
85
por objeto a arte do justo12; 3º) a Justiça concreta, contemplada pelos
primeiros princípios: devemos procurar a Justiça concreta nos casos
particulares, contemplando os princípios inerentes à natureza humana,
conhecendo a natureza das coisas, através de experiências históricas e
atuais. É o que se chama de sindérese, uma síntese elaborada pelo
intelecto. 13
Vico tinha este pensamento, que é também de Montesquieu, a respeito da tradição e dos costumes, como parte básica do Direito. O Direito
vive do novo, mas também do antigo; o novo se superpõe ao antigo, e
não é possível abrogar o Código Civil e trazer outro absolutamente
diferente, porque quem for legislar terá de ir aos Romanos, ao Código de
Justiniano e acabará copiando, porque os parâmetros são aqueles que já
existem tradicionalmente na sociedade; mudar as palavras não
significaria nada, mas sim os institutos; jamais se poderá fazer um novo
Código totalmente diferente, que não fale sobre família, contratos,
sucessão etc.
O 4º ponto: as normas jurídicas são pautas para realização do
Direito, partituras baseadas em princípios e na natureza das coisas;
pois, as normas não são o Direito, assim como as pautas não são a
música.
Na precisa lição de Tércio Sampaio FERRAZ JR., “a busca desta
natureza intrínseca das coisas é que é responsável pela permanente
presença do chamado direito natural, aquele direito que não é posto, mas
que emerge da própria essência das coisas”. 14
Um 5º aspecto: é preciso equilibrar as possíveis soluções
razoáveis, não aplicando o silogismo puro, mas a tópica, como é o
Direito razoável.
Ainda segundo Ferraz Jr., a natureza das coisas é aceita como lugar
comum (topoi), preenchido pelo pelos usos consagrados pela tradição;
12. Biondo BIONDI. Arte y Ciencia del Derecho (1953): tal como a arte da medicina, que é curar os
enfermos, a arte do justo é uma profissão prática, exige ciência e também arte.
13. É a idéia de Giambatista VICO, o verum ipsum factum ou o verum et factum convertuntur: a
verdade e o fato se convertem. Por essa idéia, VICO dá imenso valor à tradição e aos costumes,
que considera de importância para a interpretação do Direito. Cf. VALLET (1994), N. 195, p. 643.
14. Op. cit., p. 142.
Dogmática e Segurança Jurídica
86
ao fim, o objetivo é criar condições para a decidibilidade com certeza e
segurança. 15
6. Dogmática e Segurança
Façamos agora uma passagem por alguns autores, para
apreciarmos seus pensamentos sobre a Dogmática e a Segurança
jurídica.
O primeiro a merecer destaque como doutrinador, ainda atual,
é François Gény. Ele se rebelou contra o positivismo exacerbado e é,
desde o final do século XIX, um dos defensores do Direito natural. Suas
obras mais importantes: "Méthode d'interprétation” 16 e "Science et
Téchnique“.17Gény realmente foi um reformador, tratou da eqüidade, do
Direito natural e sobretudo da razoabilidade nos métodos de
interpretação. Suas obras são de referência obrigatória e atuais para
qualquer pesquisa, inclusive para o estudo da Segurança jurídica.
“Não cabe aqui analisar os processos cautelosos que Geny
aconselha para a delicada tarefa de preencher as lacunas legais com os
dados do “irredutível Direito Natural”. O que importa é notar o abandono
de um princípio que até então reinara soberano na Jurisprudência
conceitual: o da necessidade de esquemas ideais prévios, balizadores da
atividade do intérprete e asseguradores de certeza e segurança”.18
Outro autor, civilista espanhol, nos anos 40 e 50, estando seus
livros em uso até hoje, é Federico de Castro; 19no primeiro volume de
sua obra, que trata da Teoria Geral do Direito, apresenta conceitos
avançados, sobretudo sobre Segurança jurídica: diz que a vocação de
todo Jurista é a de atuar sobre a realidade presente, orientado para um
fim, segundo, portanto, um método teleológico.
7. O valor da Jurisprudência
15. Idem, p. 143.
16. Méthode d'Interprétation et Sources en Droit Privé Positif (1898 e 1932), 2 vls.
17. Science et Technique en Droit Privé Positif (1922-24), 4 vls.
18. Miguel REALE, op. cit., p. 427.
19. Federico de CASTRO Y BRAVO. Derecho Civil de España. Parte general, v. I (1984), p.
Dogmática e Segurança Jurídica
87
E de fato, o Jurista é um operador privilegiado na ordem social;
por mais que outros muitos profissionais pretendam “revolucionar” a
sociedade, um Juiz pode transformá-la não somente com sentenças
justas, decidindo muitos conflitos, mas, sobretudo, influindo na
renovação do Direito. Por isso achamos que também professores,
doutrinadores e operadores jurídicos podem aperfeiçoar muitos
comportamentos sociais através do Direito, colaborando de forma
essencial com a Justiça.
Os legisladores têm limites e devem se orientar conforme as
exigências da Justiça e da realidade social, ou seja, do bem comum. O
legislador que cria normas em demasia está provocando insegurança
jurídica e instabilidade no Direito. A propósito, Latorre refere que o
problema da insegurança, criado pela multiplicação de Leis obscuras, está
a exigir operadores dogmáticos, como fatores de recuperação da
segurança em favor do cidadão comum, capazes de controlar, por meio de
suas críticas, a arbitrariedade do legislador. 20
Na aplicação das normas é preciso observar o sentido de cada
uma dentro do ordenamento jurídico. Para tanto, os juristas devem ter
formação privilegiada, especializada. E a Jurisprudência vem a ser o
valor supremo das opiniões dogmáticas. Pois a doutrina dos tribunais
não é somente com relação ao Direito: quando um acórdão cita a obra
jurídica de renomado jurista, o que acontece? Está incorporando aquela
doutrina ao ordenamento jurídico, através da Jurisprudência; porque a
sentença ou acórdão está avalizando a obra; é um julgamento da obra
jurídica, porque se a doutrina não for correta, o Juiz não a cita ou o
Tribunal a rejeita. O fato de ser invocada na fundamentação, atesta que
a obra foi útil e influiu na decisão.
Quando o tribunal traz à colação vários autores, está demonstrando o leque das opções de julgamento oferecidas pelos doutrinadores
dogmáticos e que são incorporadas na decisão ou acórdão. Então, de
um lado se está julgando boa a doutrina daquele autor, aceitando-a, e
de outro, ao incorporá-la na decisão como motivação, se está
incorporando ao próprio ordenamento jurídico. Por que isto? Veremos à
frente que de uma maneira ou de outra, aceitando-se ou não seu valor
como fonte do Direito, a Jurisprudência está, de fato, modificando o
ordenamento jurídico.
20. A. LATORRE, Introducción al Derecho (1985), p. 38.
Dogmática e Segurança Jurídica
88
8. A Dogmática doutrinária
Outro jurista, Silva Melero,21fez um comentário sobre a
Jurisprudência da Escola Livre, que foi obra dos tribunais com vocação
de eqüidade, voltada principalmente para a casuística, revelando
influências ideológicas. Diz Melero que atualmente há um limite na sistematização racional que leva à certeza jurídica e que acaba se reduzindo
ao direito dado.
À medida em que se decide apenas com o que está escrito, o já
existente, a segurança é maior; mas, à medida em que se decide criar
alguma coisa, gera-se certa margem de insegurança.
Mas, se a missão dos Juristas se cumpre retamente, a
conseqüência é a maior segurança; se o Juiz perde de vista o Direito
positivo, elaborando um sistema apriorístico de verdades pessoais, à
sua maneira, vai obscurecer o sentimento de legalidade e afetar
gravemente a certeza e a segurança jurídica. Esta é uma das críticas ao
uso alternativo do Direito. O código de um juiz tal será um código
apriorístico, e julgar de acordo com ele obscurece o sentido de
legalidade, ou anterioridade da Lei, e afeta diretamente a certeza e a
segurança.
Este autor entende legítima a especulação dogmática criativa,
sobretudo doutrinária. O doutrinador é livre para criar soluções e
especular. Então, diz ele, "si el juez puede fracasar ante ciertos casos o
problemas humanamente insolubles, tampoco en muchos casos puede
el médico salvar vidas...”. 22
Em ambos os casos o profissional deve ter humildade e
consciência de ter feito tudo o que era possível. Por isso, as decisões
judiciais nunca são perfeitas e há litígios em que é absolutamente
impossível encontrar uma solução perfeita, como, por exemplo, uma
indenização justa.
21. Valentín SILVA MELERO. La certeza del Derecho, en relación con la misión de los juristas.
Rev.Gen. Leg. y Jurispr. (oct 1973), Nº 4, pp. 403ss.
22. Idem, p. 415.
Dogmática e Segurança Jurídica
89
Isso não significa que haja falhas, porque os médicos estão a fim de
salvar vidas, e no entanto, muitos morrem; e os juízes querem fazer
justiça, mas também falham.
Outro autor, Calsamiglia23, analisa a questão indagando se a
Dogmática, com suas críticas permanentes e constantes pressões para
revisão da ordem jurídica, contribui para a segurança ou, ao contrário,
essas críticas e pressões da doutrina provocam insegurança jurídica.
Em outras palavras, as mutações da doutrina causam segurança ou
insegurança? É outro paradoxo: há coisas que são imutáveis em sua
substância, ao passo que nos acidentes podem ser mudadas, como no
processo: os procedimentos são mutáveis, mas não os princípios gerais.
Assim no direito substantivo: podemos acrescentar leis aos
Códigos ou emendas à Constituição; deve-se mudar o que pode ser
mudado, mas os fundamentos e as instituições do Direito nem sempre,
como, por exemplo, as denominadas cláusulas pétreas.
Em outra passagem questiona este autor: "Como a Dogmática,
algo assim tão teórico, portanto, tão espacial, pode ter força criadora e
transformar o Direito, influindo na segurança e na concepção de
justiça?". Veremos que a resposta é positiva.
Atílio Alterini,24advogado argentino, coloca o problema da
insegurança jurídica provocada pela multiplicação de leis tecnicamente
obscuras, mal formuladas, quando, então, a existência de profissionais
do Direito é um fator importante na recuperação dessa Segurança,
esclarecendo, informando e controlando, pela crítica, a arbitrariedade do
legislador.
Lêem-se nos jornais críticas candentes contra tal lei ou medida legislativa, como, por exemplo, medidas provisórias revogadas porque mal
redigidas. O Executivo, com este sistema, é também Legislador, pois com
as medidas provisórias está preparando leis e governando através delas.25
23. Albert CALSAMIGLIA. Introducción a la ciencia jurídica, pp. 142ss.
24. La inseguridad jurídica (1993), N .4, p. 28.
25. Veja-se, v.g., a MP que mandou cobrar, no mesmo ano, o IPMF: um Ministro, com uma liminar
derrubou-a em todo o Brasil, mostrando o poder de controle constitucional dos atos adminis-trativos
e legislativos pelo Judiciário; a liminar funcionou como restauradora imediata dessa Segurança
jurídica: "Eu, cidadão, tenho o direito de não pagar o indevido". Aquele momento jurídico reafirmou
o caráter democrático especial do Judiciário, por demonstrar claramente que o Judiciário existe
como Poder jurídico, independente e atuante, mesmo em confronto com os demais Poderes
políticos. Esta independência, muitas vezes reafirmada, é a garantia de que “há juízes em Berlim!”,
sem temor de submissão ao Estado, em prejuízo da sociedade.
Dogmática e Segurança Jurídica
90
Luhmann26 afirma que a Dogmática não existe para si, mas
para a aplicação do Direito. O conhecimento jurídico é comparável a
uma informação do passado (input) para promover e orientar os
resultados sociais do futuro (output). Reproduz a idéia de Gény sobre a
função técnica do jurista; para ele, Dogmática é opinião pública e Segurança é um princípio-valor, dos mais reivindicados pela comunidade
Dogmática.
Com input e out put quer significar que: o Legislador recebe os
fatos sociais, os desequilíbrios, os erros que ocorrem na sociedade e
que precisam ser reordenados para que as pessoas se conduzam em
harmonia. Então, faz-se a lei e uma vez publicada esta deve atingir
objetivos de segurança para o futuro (out put).
Lembremos que a Lei, voltada para o passado, é estática27(é uma
foto); embora esteja inerte, na verdade seus efeitos são para o futuro. Ao
contrário, mais dinâmica que a Lei é a Jurisprudência (como uma fita de
cinema), tema que retomaremos adiante.
Sobre a Lei no tempo, adverte Carnelutti que “quando si trata di
diritto, conoscere il passato è un passagio obbligato per conoscere il
futuro”; “il passato non ha altro valore che quello di preparare il futuro”;
“...il problema del bene o del male se identifica col problema del futuro”;
e “... il diritto introduce il sovrano naturale nella natura...”. 28
Finalmente, segundo Esser,29se o Juiz pode assumir a responsabilidade da formação de regras de Direito, é graças ao conjunto de
doutrina dogmática, a communis opinio doctorum, que sua sentença
pode ser encaixada dentro de um Direito total: “no es una convención
arbitraria, sino una necesidad de racionalización lo que induce a la
Jurisprudencia de todas las épocas a agrupar cada vez más sus
soluciones en torno a conceptos dogmáticos,... estas formas
26. Niklas LUHMANN. Sistema Jurídico y Dogmática Jurídica (1983), ap. MEZQUITA DEL CACHO,
op. cit., p. 232, nota 196.
27. Recordando Zenão de Eléia, quando um arqueiro dispara uma flecha, ela não está em movimento,
mas parada. Se tomamos a flecha num ponto, ela, aí, está imóvel, no instante seguinte estará alí,
mas inerte, e assim por diante... A lei se move quando invocada ou aplicada.
28. Arte del Diritto (1949), p. 74. Também Arte del Derecho (Seis meditaciones sobre el Derecho)
(1956).
29. Josef ESSER. Principio y Norma en la elaboración jurisprudencial del Derecho Privado (1961), p.
383.
Dogmática e Segurança Jurídica
91
intelectuales donde vienen a moldearse los datos de la vida social que
constituyen la materia del derecho”.
Vê-se, pois, que o Juiz forma Direito quando incorpora aquilo
que a doutrina escreveu, às suas decisões, que depois se tornarão
Jurisprudência. Não sai na ementa ou enunciado, mas sabe-se que está
supeditada em tal ou qual opinião. Portanto, o Juiz forma regras de
Direito também graças ao conjunto dogmático da doutrina.
Para Ronald Dworkin,30a dogmática traz Segurança e pode
realizar a certeza do Direito; tem um especial valor para resolver casos
difíceis, mas sempre existirá nas discussões doutrinárias certa margem
residual de incerteza, quando as normas não trazem soluções e os
princípios não são percebidos claramente; surge o problema da lacuna,
que é a margem de incerteza para a qual a dogmática vai trazer
segurança.
Quantas vezes os advogados não se socorrem dos doutrinadores? Quanto mais cultos, mais Segurança podem trazer à Dogmática.
Santiago Nino 31 afirma que a Dogmática
“suministra a los jueces, sus principales destinatarios, sistemas de
soluciones jurídicas mucho más coherentes, completos, precisos y
adecuados axiológicamente que el material creado por los legisladores, sin
abdicar por ello de su adhesión a la legislación”.
Demonstra, a seguir, que resulta mais evidente a tensão que
sofre a Dogmática jurídica entre, de um lado,
“los ideales profesados explícitamente por sus cultores de proporcionar
una descripción objetiva e axiológicamente neutra del derecho vigente y,
por otro lado, la función, que la dogmática cumple en forma latente, de
reconstruir el sistema jurídico positivo de modo a eliminar sus
indeterminaciones”.
30. Los derechos en serio (1984), pp. 94ss.
31. Introducción al análisis del derecho (1987), pp. 338-39.
Dogmática e Segurança Jurídica
92
Foi Luhmann 32 quem tratou daquele paradoxo, já referido, de
que certas opções racionais levam à insegurança, mas que esta é
suportável por conduzir a uma maior Segurança, dada a superior
racionalidade alcançada pela solução individual. Quando existe lacuna
ou dúvida, quanto mais elevada for a idéia doutrinária mais segurança
vai trazer para resolver o litígio.
Desenvolveu-se mesmo o conceito de incertezas relevantes 33
já pensadas por Recaséns Siches 34, como incertezas ativas, que têm
efeito positivo para o progresso do Direito.
Descartes já falava da dúvida metódica, que leva a perguntar sempre
o "porquê" das coisas. É a dúvida, portanto a insegurança ou incerteza,
que obriga o Juiz à descoberta de uma solução para o caso concreto.
Desde os Jurisconsultos romanos a Dogmática auxilia a
Jurisprudência, opondo-se à insegurança, porque esta surge da
ambigüidade da linguagem legislativa. À medida que o doutrinador
racional, estudando a norma jurídica, se afasta do texto legal e encontra
novas maneiras de explicar o que está escrito, ele se aproxima melhor
dos resultados e extrai conseqüências mais justas.
Quem o explica bem é Vernengo 35, quando pergunta o que é
interpretar: é usar paráfrases, palavras diferentes para explicar a mesma
coisa. A paráfrase evolui no sentido da frase, da norma; ela sai da letra
fria e recria a mens legislatoris, e através dela, como se subíssemos a
um plano elevado, podemos ver o significado do texto com mais clareza.
Eis a imagem do leque de soluções: à medida que a Dogmática
se desenvolve, quanto mais doutrinadores houver, o leque se abre e
favorece a Segurança: se não, o critério de interpretação seria único e a
Lei não poderia ser corrigida. Portanto, as inseguranças que a doutrina
dissipa são muito mais do que as que ela introduz.
32. Cf. MEZQUITA DEL CACHO (1989), v. I, p. 234.
33. Idem, nota 199.
34. Tratado general de Filosofía del Derecho (1961), p. 226.
35. Roberto J. VERNENGO, La interpretación literal de la ley y sus problemas (1971), p. 65.
Dogmática e Segurança Jurídica
93
Calsamiglia, 36já referido, comenta a respeito:
“La dogmática se opone a la inseguridad que crea la ambigüedad del
lenguaje legal. ... La seguridad que ofrece la dogmática no es literal, sino
racional: las teorias dogmáticas permiten un distanciamiento (no
incontrolado) del texto legal y un mayor acercamiento a los resultados y
consecuencias. ... Si no existiera dogmática, el criterio de interpretación
literal sería el único, y la ley escrita no podería ser corregida, aunque
condujera al absurdo, por otros argumentos”.
Mezquita del Cacho37 aponta o debate contrastado, este
grande contraditório dogmático, como fonte da opinião pública; é através
da discussão de temas, hoje largamente propiciadas pelos meios de
comunicação, que se está formando a consciência popular, inclusive sobre o Direito.
Este autor refere-se ao uso alternativo do Direito, que já percorreu a
Europa, sobretudo a Itália; num primeiro momento, houve um temor pela
segurança jurídica; o Direito alternativo anula, com toda evidência, a
Segurança do Direito. Vai-se a um Juiz com a Lei na mão e ele decide fora
do ordenamento! Onde fica a certeza de quem busca "Direito certo"?
Num segundo momento a comunidade dogmática isolou o fenômeno e
operou uma reação lógica; surgiu então a doutrina explicando o que é,
desmistificando o uso alternativo do Direito, desmascarando as intenções
ideológicas que estão por traz e recolocando o problema da Segurança no
devido lugar. Num terceiro instante a doutrina da Segurança jurídica acabou
reforçada. Conclui esse autor que, para o princípio da Segurança, é maior
benefício a livre discussão dogmática do que o dano conjuntural
passageiro, em momentos críticos, de polêmicas e de decisões imaturas.
Sempre haverá casos de decisões jurídicas absurdas. Fica a discussão:
pode o Juiz ou não julgar fora do ordenamento? Até o momento em que os
tribunais superiores corrijam e firmem a certeza jurisprudencial...
As inseguranças que a dogmática dissipa são muito maiores do
que as que acarreta; estas incertezas, na verdade são inquietudes; e
toda verdadeira inquietude leva à Ciência, e a Ciência comporta nova
Segurança, pois ciência é a determinação do que é certo. 38
9. Conclusões
36. Op.cit., pp. 142ss.
37. Op.cit., v. I, p. 235, nota 201.
38. DINAMARCO, Instrumentalidade... (1987), N. 33, p. 336; ALTERINI (1993), p. 48.
Dogmática e Segurança Jurídica
94
Nossa intenção doutrinária é consolidar a Segurança no seu
próprio conceito, sabendo que é um dos valores primordiais do Direito,
especialmente quando este preside o Estado democrático. Por isso se
justifica o empenho, a tarefa de estruturar esquemas para sua garantia
em todos os campos jurídicos.
Um filósofo existencialista disse que "no começo era a
insegurança”: 39 tudo é insegurança, o homem quando nasce é
inseguro, se deixar sozinho morre. Psicologicamente, o homem está
sempre procurando a verdade, pois é próprio da natureza humana esta
incerteza, a inquietude; como é próprio do humano o risco na ação.
Se optamos, v.g., entre vender e comprar, temos um risco, que
diminui com a cautela e a prudência, mas o risco sempre vai existir; aí
estão as companhias de seguro para dar “segurança” nas incertezas
dos casos fortuitos.
Sobre o tema, o apreciado sociólogo do Direito Jean Carbonnier
relaciona a visão da insegurança como um suposto da “angústia existencial”
humana, imputando-a em parte à incerteza das fontes jurídicas, produto de
uma excessiva legislação ou excessiva jurisprudência; pensa que esta
sensação de inquietude vem alimentada por um conceito insolidário dos
direitos, e que um futuro de Segurança jurídica comunitária exige uma
transição em que a Segurança jurídica individual se vá fazendo sentir como
menos indispensável, justificada e prestigiosa, sendo subs-tituída por uma
versão mais social, coletiva ou ideal. 40
Também Jerome Frank, epígono do realismo jurídico norteamericano, recorreu à Psicologia para explicar a natureza do Direito:
afirmou que o valor atribuído pelos juristas à certeza do Direito é efeito
de que nos adultos imaturos perdura a tendência em buscar a
segurança na força e na sabedoria dos pais. Disto derivaria o mito da
utilidade da lógica formal no Direito. Para Frank, entretanto, a decisão
judicial não é o resultado de um raciocínio, senão de um impulso (que
chamaríamos de intuição ou conhecimento intuitivo do justo):
independente do que afirma, nas decisões o Juiz chega a elas antes
que trate de explicá-las.41
39. Peter WUST. Incertidumbre y riesgo (1955), pp. 9ss.
40. Flexible Droit (1976), pp. 120ss. E faz o elogio dos juízes: “Mais il faut des hommes, et notamment
des juges, pour le mettre (le droit) en oeuvre. Il est et ne vaut que par ces hommes. Qu’importe donc
que les règles soient mouvantes, incertaines, si l’on est assuré de toujours trouver des juges
équitables? la confiance que l’homme met en ses semblables, ou en ses supérieurs, vient ainsi
calmer, au fond de son coeur, l’inquiétude suscitée par le monde inconnu des règles”. P. 125.
41. Apud VALLET de GOYTISOLO, Metodología de la determinación del derecho, pp. 1253-4.
Dogmática e Segurança Jurídica
95
Mas a finalidade deste estudo é sob o aspecto da dogmática:
entendemos que a opinião dos juristas é salutar para restauração da
Segurança, porque, no fundo, a doutrina, não sendo alternativa, não
quer afrontar o ordenamento, mas explicá-lo, reorientando suas grandes
linhas estruturais.
Entendemos o ordenamento como instituição necessária à
convivência humana, pois o homem não apenas vive numa sociedade,
mas convive. Assim, esta convivência deve ser a mais segura possível,
e o ordenamento é a maneira jurídica de estabelecer a ordem na
sociedade. Por isso se chama ordenamento jurídico.
E a função da Jurisprudência é a reelaboração da doutrina, da
lei e da sentença; por isso é superior, em certo sentido, à doutrina, pois
se constitui em outro corpo doutrinário, o jurisprudencial; 42 é superior
(em sentido dogmático) à lei, pois lhe incumbe reescrever o teor da lei (a
interpretação hermenêutica é uma tradução da língua normativa à língua
da realidade;43e é superior à sentença pois pode a) confirmá-la integralmente “por seus próprios fundamentos”; b) ampliar as decisões citra
petita até satisfazer a integral pretensão das partes; e c) reduzir as
decisões ultra petita aos termos do objeto litigioso.
42. Como é admitida pacificamente pelas doutrinas européias.
43. Tércio Sampaio FERRAZ JR., Introdução ao Estudo do Direito (1988), pp. 252ss.
Capítulo VII
A Segurança como Fundamento e Garantia da
Justiça
SUMÁRIO: 1. Relação dialética entre Segurança e Justiça.
2. As opiniões de
Carnelutti e López de Oñate.
3. Legislação versus Jurisdição.
4. Sentenças
relevantes e irrelevantes.
5. Direito passado, futuro e presente (ou atual).
6.
Momento gerador e momento aplicativo da norma. 7. Segurança dos bens jurídicos.
8. Conclusões.
1. Relação dialética entre Segurança e Justiça
A doutrina nos apresenta esta oposição entre dois valores: a
Segurança e a Justiça; dispostas em situação dialética, significa que ora
prevalece a Segurança, ora a Justiça, como numa balança: quando a
Segurança está em alta, a Justiça está em baixa.
Para análise da questão adotamos como método de trabalho,
de pensamento e de Filosofia, que não deve existir uma dialética, que
chamaríamos de “morte”: para prevalecer uma idéia, deve ser eliminada
a outra, como acontece claramente nas dialéticas materialistas; mas,
contrariamente, o que permanece na história da Humanidade, e
portanto no Direito, é a dialética de complementaridade ou integração.
É preferível, então, que este confronto seja substituido nas
relações humanas por uma "dialética de vida", porque se trata de
encontrar caminhos democráticos de liberdade para a construção de
"homens novos" e uma "nova humanidade".
Temos na eletricidade dois pólos antagônicos: se ligarmos
diretamente o positivo ao negativo haverá um curto circuito (‘morte’),
mas se colocarmos entre eles uma lâmpada haverá luz; um motor,
teremos energia; um aquecedor, produzirá calor (‘vida’). Esta é a
finalidade da tensão, nome próprio destas polaridades existentes na
natureza.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
97
Também Segurança e Justiça, sob esse aspecto, estabelecem
uma polaridade dialética que se conclui pela integração entre os dois
valores e não a pura eliminação de um pelo outro.
Carnelutti 1afirmara, inicialmente, que “a Segurança estrita tem
o preço terrível do sacrifício da Justiça"; para haver absoluta Segurança
deve-se eliminar a Justiça.
Foi o caso do regime militar, de história recente, em que primava o
princípio da Segurança Nacional, que excluía certas liberdades políticas,
econômicas, sociais e culturais da nação, e a própria Justiça esteve
rigidamente contida.
Capograssi 2 questiona, nesta dialética, se, por acaso, a uma
Segurança menor haverá maior justiça; ou se a justiça fica mais
garantida com a liberdade de julgamento e de decisões; e ainda, se o
excesso de Segurança não traz injustiça, não propicia a arbitrariedade.
Nesse sentido, a relação Segurança e Justiça também poderia
ser entendida como Segurança e Bem Comum, como, por exemplo, a
confiança pública em situações estabilizadas pelo tempo, no caso de
usucapião, prescrição e outros institutos preclusivos.
O jusfilósofo alemão Radbruch,3 na sua fase pós-guerra, em
que praticamente se afastou do positivismo, após vivenciar as conseqüências do nazismo, afirmou que os verdadeiros conflitos são entre
justiça verdadeira e justiça aparente; nesse momento, passa do
positivismo estrito (espécie de materialismo científico) às concepções
estimativas do Direito, o valor, o conteúdo ético da norma jurídica.
Segue o raciocínio segundo o qual a lei não pode ser justa sem ser
certa. Ou seja, o próprio ordenamento jurídico é seguro ou deve sê-lo,
como um sistema de constelações, por exemplo, em que um julgador,
de hoje ou do futuro, pode navegar tranqüilamente de um código para
outro, de uma lei para outra, com absoluta Segurança de que, se aplicar
corretamente a norma, estará fazendo justiça.
Recaséns Siches 4 refere-se à Segurança como um valor fundante, inferior em relação à Justiça, mas indispensável condição para a
1. La certezza del Diritto. Riv. Dir. Proc. Civ. (1943), I:81-91; Nuove riflessioni intorno alla certezza del
Diritto. Riv. Dir. Proc. Civ. (1950), v. I, n. 2, p. 115ss. Cf. MEZQUITA DEL CACHO, Seguridad
Jurídica y Sistema Cautelar, I, p. 201.
2. Idem, ibid.
3. Idem, p. 199.
4. Idem, p. 200.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
98
mesma, já que nunca poderá se dar um pressuposto de Justiça sem
que exista como pressuposto a Segurança.
Outro jusfilósofo espanhol, Rodriguez Paniagua,5 pretende
distinguir os campos da Sociologia jurídica (finalidades concretas do
Direito), do Direito formal (Segurança) e da Justiça propriamente dita
(Filosofia do Direito); mas também, ter uma visão onicompreensiva ou
compreensão global do Direito; abarcar estes três aspectos, em uma
síntese, para que esses valores atuem harmonicamente: o Direito seria
uma ordenação da conduta humana voltada para proporcionar
Segurança e Certeza a toda a sociedade, mas também realizar a
Justiça.
É um certo tridimensionalismo, em que considera a Sociologia, que
são os fatos sociais; o Direito formal, a norma; e a Justiça, o valor.
Realmente, não é possível separar a norma, que seria
dogmática, ou só a Segurança; no fundo, é isso que o positivismo
objetiva, uma estrutura hierárquica das normas, que seja absolutamente
segura em si mesma, deixando de lado o fato social, que é a fonte
material da norma, pois é na sociedade, onde as coisas acontecem, que
o legislador vai buscar a compreensão para novas leis; Kelsen deixa de
lado também os valores, toda a ética, a moral, o conteúdo, que, no
entanto, o legislador deve dar à norma jurídica.
A oficialização do jogo, por exemplo, é imoral por natureza; pode-se
jogar, gostar de fazê-lo, mas o jogo é uma paixão, intrinsecamente mau,
porque leva a consequências más. Como exemplo gritante, o jogo do
"bicho", clandestino, por ser de azar, em que só ganha o banqueiro, leva
à acumulação de riquezas imensas, com poder de dominar até mesmo a
polícia, a política, as manifestações populares, como o carnaval, e até
entrar em atividades internacionais ilícitas, como o tráfico de drogas e
armas, todas entrelaçadas.
Ora, a oficialização não vai tornar “moral” o jogo. É uma solução
simplista do legislador para resolver um fato social. Mas esta lei, em si
mesma seria imoral, porque estaria permitindo uma atividade nociva à
dignidade natural da pessoa humana, que deve viver do trabalho
honesto.6
Se não analisarmos a metodologia das leis sob seu aspecto
moral, vamos também aceitar o aborto, contrariando um dos princípios
5. José Maria RODRIGUEZ PANIAGUA, Derecho y Ética (1977), p. 13.
6. Os últimos acontecimentos neste campo, mostram, à saciedade, a perversão da chamada “Lei
Zico”, que vem sendo deturpada, a pretexto de beneficiar atividades desportivas.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
99
fundamentais, presente em todas as Constituições, que é a defesa da
vida.
E o aborto, por mais que se justifique, por mais argumentos que se
apresentem, não sobrevive ao princípio ou valor maior, que é a garantia
da vida pelo Estado. Embora seja permitido em outros países, não significa que se torne moralmente aceitável e justo, não significa que a lei
torne justa a interrupção da gravidez, porque ela não pode ultrapassar
um preceito maior, de ordem constitucional ou mesmo natural, que é
assegurar o direito à vida. 7
2. As opiniões de Carnelutti e López de Oñate
Carnelutti,8retificando posição anterior, fala da insuficiência do
Direito como juízo de terceiros; se além de Justiça o Direito não fosse
Segurança, não ofereceria garantia para a ação judicial.
Quer dizer, o advogado só julga bem se deve ajuizar uma ação, se
tiver garantia para agir. É preciso julgar bem as situações; é questão de
previsibilidade do direito, a possibilidade de previsão do homem médio
comum, o quod plerumque accidit, o que acontece medianamente entre
os cidadãos.
Esta opinião de Carnelutti é oposta à de López de Oñate, que
escreveu na Itália obra clássica, nos anos quarentas,9 em que segue
uma linha positivista ou pelo menos defende a Segurança como um
aspecto proeminente da norma jurídica.
Oñate considera o conflito Segurança versus Justiça no plano
empírico da ação humana: no momento de estruturação do ordenamento, quando se fazem as leis; ao estabelecer as normas de
legalidade é que o legislador vai dar ênfase à Segurança no Direito.
Já Carnelutti refere-se ao plano do julgamento, à experiência
concreta do caso singular, momento da decisão judicial, em que cabe o
conflito direto ou autêntico entre Segurança e Justiça.
As duas posições assim se resumem: enquanto Oñate entende que
os elementos da Segurança entram na lei por ação do legislador,
7. Cf. Ives Gandra da Silva MARTINS. Fundamentos do Direito natural à vida. In Rev.Jurisprudência dos
Tribunais de Alçada Civil do Estado de São Paulo, vol. 127 (mai-jun-1991), pp. 105-111, e Caderno de Direito
Natural, N. 2, pp.15-23.
8. La Certezza del Diritto, na obra de mesmo título de Lopez de Oñate, 2ª ed., pp. 191-206.
9. F. LÓPEZ DE OÑATE, La Certezza del Diritto (1968), 2ª ed.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
100
Carnelutti sustenta que a Segurança surge na experiência concreta do
julgamento singular.
A posição de Carnelutti confirma nossa tese de que nas
decisões judiciais há mais Segurança (o que denominamos Certeza
subjetiva do Direito), do que na lei invocada; parafraseando o célebre
advogado e professor de Pádua, entendemos que na lei há mais
Segurança e menos Justiça, porque a Segurança está objetivada nas
garantias que a lei positiva oferece, por sua própria natureza, enquanto
a Justiça é ainda um prognóstico a se concretizar.
Doutra parte, nas decisões, a Justiça (Certeza subjetiva do
Direito justo), é mais evidente que a Segurança porque dirimiu o conflito
subjacente ao processo, procurando dar a cada um o mais justo
possível.
Esta idéia será desenvolvida adiante, quando procuraremos
demonstrar que nas decisões reiteradas, que se transformam em
Jurisprudência dominante, a Certeza deixa de ser um valor particular,
(coisa julgada material) para devir Segurança objetiva, pois retorna ao
Plano da Lei, como regra geral e abstrata.
Reencontramos, assim, aquela inicial posição conciliatória ou
integrativa: a Segurança está nos dois polos, como momentos
sucessivos e preordenados um ao outro, o da Lei e o da Sentença:
2º
Sentença = Restauraimediatamente a
Certeza subjetiva das partes
Plano da Certeza do Direito
(subjetiva)
CERTEZA
Plano da Segurança Jurídica
(objetiva)
1º
Lei =
Segurança
objetiva geral
(hipotética)
SEGURANÇA
3º
Jurisprudência = Restaura mediatamente
a Segurança objetiva
das Relações Privadas,
da Lei e de todo o
Ordenamento
A Jurisprudência é a Lei provada justa; só será aceita como justo legal
passando pela prova do caso individual, em que será contrastada com os
fatos, as circunstâncias de tempo, lugar, valores econômicos, sociais, em um
processo de adequação geral-particular, passado-futuro.
A decisão judicial é uma paráfrase da Lei, reformula o texto legal,
tornando-o mais persuasivo, mais conveniente ou mais adequado ao caso
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
101
particular, segundo a interpretação adotada, especificadora, restritiva ou
extensiva. 10
3. Legislação versus Jurisdição
Esta polêmica de Oñate e Carnelutti reproduz a antiga controvérsia entre Legislação e Jurisdição. 11
A Legislação corresponde ao plano da totalidade da norma, da
generalidade e da abstração, ao passo que o plano do julgador é o da
particularidade, ou seja, da individualidade e da multiplicidade.
O legislador é um homem da sociedade, que está em contato
permanente com o povo; depois de ouví-lo e sentir-lhe os problemas
sociais, leva-os para sua assembléia, onde deverá, em nível acadêmico,
doutrinário, dogmático, discutir e propor um consenso sobre a melhor lei
que deveria ser adotada. O legislador sai do povo, da realidade da
natureza humana, com esses fatos, e os transporta ao mundo das
idéias (no sentido platônico).
A visão do legislador é a da totalidade, toda ela abstração,
como uma lente grande angular; com isto a lei não consegue visualizar
as particularidades de cada fato individual. Aristóteles já advertira que “o
erro não está na lei, nem no legislador, senão que deriva da natureza da
própria ação”, 12 daí não se poder prever todas as hipóteses que
ocorrerão de futuro. Por isso que as leis possuem lacunas, apresentam
antinomias e conflitos no tempo e no espaço, e exigem integração por
outras normas ou princípios.
Ora, o lado oposto - a função do julgador - é como uma lente
de aproximação. Também ele é um homem do povo, freqüenta ambientes os mais diversos, não é homem isolado, assepticamente separado
da sociedade. Conhece as realidades sociais, econômicas e políticas do
momento, e as fraquezas e virtudes do homem concreto que está à sua
frente, através dos conflitos sociais que deve decidir.
Será oportuno recordar as palavras de Carnelutti, citadas por
Recaséns Siches, a respeito das duas funções em apreço:
10. Tércio Sampaio FERRAZ JR., Introdução ao Estudo do Direito (1995), p. 282; Roberto J.
VERNENGO, La interpretación literal de la ley y sus problemas (1971), p. 65.
11. Cf. Cap. X. Integração Legislação-Jurisdição.
12. Ética a Nicômaco. L.V, N. 10.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
102
“No os dejéis, ante todo, seducir por el mito del legislador. Más bien,
pensad en el juez, que es verdaderamente la figura central del Derecho.
Un ordenamiento jurídico se puede conseguir sin ley, pero no sin juez. El
hecho de que, en la escuela europea continental, la figura del legislador
haya sobrepujado en otro tiempo a la del juez, es uno de nuestros más
graves errores. Es bastante más preferible para un pueblo el tener
malas leyes con buenos jueces que no malos jueces con buenas leyes.
... Y, sobretodo, cuidad mucho de la dignidad, el prestigio, la libertad del
juez, y de no atarle demasiado en corto las manos. Es el juez, no el
legislador, quien tiene ante sí al hombre vivo, mientras que el hombre
del legislador es desgraciadamente una marioneta. Y sólo el contacto
con el hombre vivo y auténtico, con sus fuerzas y sus debilidades, con
sus alegrías y sus sufrimientos, con su bien y su mal, pueden inspirar
esa visión suprema que es la intuición de la justicia.” 13
Com isto, as duas pontas da sociedade se encontram: a dos
fatos sociais problemáticos equacionadas pelo legislador, e a do
julgador que conhece a norma, e vai lhe dar conteúdo segundo as
circunstâncias do caso concreto, o momento histórico, os fatos que se
lhe apresentam e que não são os mesmos do tempo do legislador.
O Código Civil, v.g., elaborado em 1916, continua sendo aplicado,
mas quantas normas os tribunais já não modificaram, porque foi se
desatualizando com o transcorrer do tempo e com o advento das
grandes transformações sociais. Há uma distância entre o tempo do
legislar e o tempo do julgar. O julgamento não é um fato coletivo, mas
individualizado.
Ora, é muito mais fácil ao Juiz dizer exatamente qual é a norma, como esta se aplica, com que extensidade, pois tem, às suas mãos,
todo um instrumental jurídico, como um médico.
A medicina estuda doenças em geral, mas cada pessoa é diferente
de outro doente do mesmo mal: para cada uma o médico possui uma
terapia, remédio ou dosagem particular. Este é também o papel do Juiz.
O papel do legislador é importante, a toda evidência, porque
deve normatizar a vida e a conduta dos homens em sociedade. E o
julgador? O papel do Juiz, para muitos autores,14 e para nós particularmente, sobretudo nestes novos tempos de redemocratização, é, sem
dúvida, mais relevante. Enquanto o legislador vê a sociedade como
entidade coletiva, sem face, o Juiz trata de pessoas particulares, que
têm nome e posição certa na sociedade, como o médico, que não trata
de doenças, genericamente, mas de doentes concretos.
13. El juez es más importante que el legislador, según Carnelutti, in “Experiencia jurídica...”, p. 488.
14. Autores que privilegiam o Juiz ao Legislador: Carnelutti, Sauer, Recaséns Siches, Pound, Couture,
Reale e outros.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
103
Esta é a especialidade do Juiz: resolver contendas particulares, em que a sentença acaba se tornando uma norma especial que
interage com as partes; é uma das funções do processo atuar como
instrumento de aproximação da Lei geral ao caso concreto. 15
4. Sentenças relevantes e irrelevantes
Reputamos a atuação do Juiz, por tudo isso, como mais
eminente que a do legislador, porque é mais atual, numa dinâmica da
evolução do Direito; entendemos, ademais, que a reiteração de
decisões judiciais sobre a mesma questão de Direito, por se acumular,
tende a uma predominância jurídico-doutrinária, donde emana o Direito
atualizado, presente, o Direito jurisprudencial ou sumular. 16
Consideramos a Lei como um Direito passado e a sentença
singular como um Direito futuro, a menos que se torne, precocemente,
coisa julgada; serão, entretanto, sentenças comuns, irrelevantes, que
não geram doutrinas, porque não foram contrastadas na apreciação
colegiada das instâncias superiores.
Há julgados, todavia, que são relevantes para o Direito (bem
por isso havia no sistema de recursos o instituto da argüição de
relevância). Relevante é o que pode contrariar a Constituição e ofender
o ordenamento. Relevantes são as sentenças quando seu conteúdo
pode transformar o Direito e, por isso, sempre interessam aos Tribunais,
aos quais compete o controle da legalidade e da constitucionalidade, e,
portanto, da motivação fundamentada das decisões.
Os temas relevantes, quando se repetem nos Tribunais,
tendem a formar uma convicção uniformizada sobre eles: é o que se
chama de Jurisprudência predominante. Sendo predominante torna-se
um Direito presente. Daí entendermos a sentença como um Direito futuro, porque não termina em si mesma, mas é meio, direcionada que está
para a formação da Jurisprudência. 17
5. Direito passado, futuro e presente (ou atual)
15. Cândido Rangel DINAMARCO, A instrumentalidade do processo (1987), N. 29, p. 294.
16. Veja-se, a propósito, a elucidativa obra de Giovanni ORRÙ, Richterrecht (1983). Cf. Cap. IX,
Direito Judicial, Jurisprudencial, Sumular.
17. VALLET trata das “sentenças concordantes”, indagando se têm auctoritas, potestas ou tão
somente força fática, temas que discutiremos. Cf. Metodología de las Leyes (1991), p. 573.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
104
A respeito do tempo, Mário Ferreira dos Santos,18 ensinava
que o presente é a síntese do passado e do futuro, síntese dialética,
portanto. Entendemos a Jurisprudência como Direito presente, no sentido de Direito vivo e atual; por isso mesmo podemos considerá-la fonte
material, porque os legisladores, assim como extraem da sociedade os
fatos e costumes para fundamentar suas leis, também se inspiram na
Jurisprudência para aperfeiçoá-las.
Correntemente, doutrinadores e legisladores rejeitam a Jurisprudência como fonte formal do Direito. Por isso, resta considerá-la
fonte material, porque é evidente e real, não podendo ser negada.
Alguns exemplos, como o da citada Lei da Correção Monetária:
depois que o Supremo Tribunal Federal dera a última palavra sobre a
questão, de que em todos os débitos judiciais incidia a atualização, o
Presidente da República apresentou Projeto de Lei incorporando toda a
doutrina até então construída pela Jurisprudência. Em todos os casos
anteriores vinha-se aplicando a correção monetária, não por força de lei,
mas da Jurisprudência dominante;19 quer dizer, o legislador se curvou
diante de uma evidência, originada nos Tribunais Superiores, para
elaborar uma lei definitiva sobre tema jurídico relevante.
Podemos citar, igualmente, o uso do cheque visado, que se
tornara costume, hoje incorporado à atual Lei do Cheque e intitulado
“cheque administrativo”.
O comércio, como sempre muito ágil e ponta avançada do Direito
Comercial, hoje em dia utiliza largamente o cheque pré-datado, tendo
gerado certa confusão quando entrou em vigor o Cruzeiro Real. O
Banco Central não admitiu aceitar tais cheques como forma de
pagamento futuro; o Presidente da República teve de intervir em
contrário, e agiu prudencialmente, pois o costume não se revoga com
portaria ministerial, que não tem força de lei, prejudicando a prática
comercial, pois entre comprador e vendedor há um contrato tácito,
fundado na mútua confiança, básica para o comércio.
Então, a oposição entre López de Oñate e Carnelutti reflete
velha disputa entre o legislador e o julgador. Enquanto aquele é como
Epimeteu, que se volta para o passado, este é Prometeu, de frente ao
futuro,20 sendo o presente a Jurisprudência.
18. Mário Ferreira dos SANTOS, Ontologia e Cosmologia (1954), p. 42: “O presente é a síntese do
epimetêico (passado) e do prometêico (futuro), por isso é hibridez de ato e potência (devir)”.
19. Cf. Arnoldo WALD, A correção monetária na jurisprudência do STF. Rev. Tribs., v. 524, pp. 26-35; Quatro
décadas de evolução da correção monetária (1954-1994), Rev. For., v. 327 (1994), pp. 13-17.
20. Junito de Souza BRANDÃO. Mitologia grega (1987),Vol. I, pp. 166-167. Prometeu (de pro-manthánein), “o que vê antes”, o previdente (pro-videns, o vir prudens dos romanos); e Epimeteu (de
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
105
O Juiz, de primeira instância ou de Tribunal inferior, no fundo,
quando profere sentença ou acórdão, o que deseja é ver confirmada a
solução jurídica por ele determinada, assim como o advogado pretende
o acolhimento da sua tese. Por isso, vence no debate o melhor
arrazoado, desde que os direitos invocados estejam conforme a lei.
O orgulho profissional do advogado é dizer: "Minha tese foi
vencedora!", e o do Juiz: "Minha sentença foi confirmada!". Quer dizer,
os operadores do Direito, todos, inclusive o legislador, estão de olhos
postos no futuro, que é a confirmação da lei pelos Tribunais, únicos a
dizer a última palavra sobre Direito. E esta é a visão do julgador.
6. Momento gerador e momento aplicativo da norma
No sentido desta discussão, Heinrich Henkel21 considera
distintos os campos da Segurança e da Justiça: o da Segurança é o
normativo, portanto o da Lei; e o da Justiça é o aplicativo, ou seja, do
julgador.
Afirma não ser possível uma síntese direta desses dois
momentos. Parece-nos uma afirmação discutível. É impossível sintetizar
a norma com a sentença? Não sabemos até que ponto aprofundar este
pensamento, salvo por uma abordagem hegeliana, em que a síntese
abrange o geral e as partes, conjuntamente.
Wilhelm Sauer,22 por sua vez, apresenta teoria interessante
sobre a justiça. Todo direito é material, como no exemplo do Código de
Trânsito, onde os sinais são direito material, aquilo que se vê; obedecer
regras é algo concreto (um agere ou um facere).
Mas, diz ele, a realização da justiça só se pode medir se
referida a um aspecto muito limitado (como uma norma concreta e
especial), ou a resoluções particulares das autoridades, em sua
aplicação.
Quanto à vantagem do Juiz sobre o legislador, esclarece: o
Juiz não tem de generalizar, o que lhe permite alcançar a justiça no
caso determinado muito mais eficaz e rapidamente. Assim, a norma, em
epi-manthánein), “o que vê depois”, porque Prometeu advertira seu irmão para não receber
presentes de Zeus, mas Epimeteu aceitou Pandora e todas as desgraças contidas na caixa
ofertada por Zeus.
21. MEZQUITA DEL CACHO, op. cit., I, p. 203.
22. Idem, ibid.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
106
sua generalidade, pode ser injusta, mas na sua particularidade, é difícil
ao Juiz ser injusto. Pode acontecer como erro humano.
Quer dizer, o legislador erra em tamanho macro, mas quando o Juiz
erra é em micro. O legislador atua macrometricamente, enquanto o Juiz
age micrometricamente. Ou seja, este tem muito mais chance de
acertar, porque cuida do particular; é mais fácil o médico curar um
doente que produzir um remédio para todos, indistintamente.
Sauer distingue o momento generativo, relativo aos costumes
ou às leis (mas não à Jurisprudência),23e outro momento, o aplicativo,
tanto administrativo como judicial.
Diz este autor que a entrada dos valores no mundo jurídico se
dá no momento gerador, pela legislação. Ele está, nesse sentido, de
acordo com o ensino de Henkel, ou seja, os valores ingressam no
Direito pelas leis e costumes e a estruturação do ordenamento deve
tender ao equilíbrio entre Segurança e Certeza, de um lado, e
finalidades sociais, econômicas e culturais, de outro, para não haver
uma tendência em prol da Segurança ou a favor dos fins sócio-econômico-culturais.
Capograssi24 também aponta o perigo dos regimes totalitários
de "superarem" a legalidade por outras Seguranças objetivas, dogmáticas, baseadas em interesses políticos como a raça, o partido, a classe,
a nação.
Se enfatizarmos estes aspectos, por exemplo, a pretexto de
melhorar a "raça", como fez o nazismo, ou o nacionalismo, também
nazi-fascista, será o fim da Segurança e da Justiça e o império do
arbítrio.
Não houve momento em que o Direito fosse tão arbitrário quanto no
Nazismo, e por isso mesmo este fenômeno político revolucionou o
Direito, fazendo retornar o interesse pelo Direito natural; já havia
começado desde o século passado, intensificando-se após a Primeira
Guerra Mundial, mas ao atingir 1945, ao fim da Segunda Guerra, esses
estudos rebrotaram com maior vigor, porque havia que colmatar o déficit
de Justiça e Democracia que os regimes autoritários deixaram, e o
Direito natural oferecia precipuamente os valores procurados.
23. Cremos, ao contrário, ser a Jurisprudência o único e privilegiado momento gerador de Direito
novo, vivo e presente.
24. Idem, p. 204.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
107
Faltava naqueles regimes políticos, sobretudo, o respeito pela
pessoa humana e o Direito natural retornou para preencher o vazio
produzido pelos ordenamentos jurídicos totalitários.
O Século XIX foi propício ao desenvolvimento do Positivismo
jurídico, mas desde o seu final ressurge o Direito natural, embora
influenciado pelas Filosofias modernas, como a Fenomenologia, a teoria
dos valores ou axiologia, o existencialismo e o marxismo. Entretanto, um
acontecimento histórico de suma importância para a irrupção dos
estudos jusnaturalistas foi a expansão do nazismo; a Legislação de
Nuremberg, de 1935, primou pelo abandono flagrante dos princípios de
Direito natural. Foi precisamente na Alemanha, após a Segunda Guerra,
necessitada de fundamentos jurídicos sólidos para superar a crise moral
e material em que se afundou, que mais refloresceram as idéias
jusnaturalistas. 25
Para Elias Diaz,26 à medida que a Segurança jurídica progride
vai incorporando ao Direito novos contributos de Justiça intrínseca.
Valores que estavam no campo da Ética, hoje podemos identificá-los
com os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais e estão sintetizados nas garantias constitucionais.
Diminui hoje a tensão Segurança versus Justiça, à medida que se
renovam os estudos sobre Direito natural, como uma metodologia
jurídica. Realiza-se uma "aspiração-inspiração" na evolução dogmática
do ordenamento, mas também por via de uma Jurisprudência integrativa.27 Nesta evolução, não só pela atividade legislativa como jurisprudencial, dá-se aquela síntese que se atualiza na Jurisprudência, pela
25. Todavia, muito antes, Rudolf STAMMLER já se firmara como o precursor das novas idéias
jusnaturalistas, como a de que o Direito positivo há de ser um "Direito Justo", pressupondo uma
idéia superior de Justiça, inspirada pelo Direito natural. Mas, como filósofo kantiano, bastava-lhe um
Direito natural meramente "formal", sem conteúdo material de validez permanente, mas adaptável
às diversas circunstâncias históricas, o que é conhecido como Direito natural de conteúdo variável.
Cf., a propósito, Karl LARENZ, Derecho justo (1985).
Outros autores destacados foram Heinrich ROMMEN, Erik WOLF, Helen SILVING, Johannes
MESSNER, Jacques LECLERCQ, Miguel SANCHO IZQUIERDO e Javier HERVADA, Rafael
GOMEZ PÉREZ, René CASSIN, Francisco PUY, J. B. VALLET de GOYTISOLO, Antonio TRUYOL
Y SERRA, M. RODRIGUEZ MOLINERO, J.M.RODRIGUEZ PANIAGUA, Antonio HERNANDEZ-GIL,
Leo STRAUSS, Guido FASSÒ, A. FERNANDEZ-GALIANO, Bogumil JASINOWSKI, Bernardino
MONTEJANO (h.), Giovanni AMBROSETI, German J. BIDART CAMPOS, etc.
Entre nós, modernamente, destacam-se Alexandre CORREIA, Leonardo VAN ACKER, José
Pedro GALVÃO DE SOUSA, Ives Gandra da Silva MARTINS, Vandyck Nóbrega de ARAÚJO,
Rubens Limongi FRANÇA, Walter MORAES, Ylves José de MIRANDA GUIMARÃES, Armando
CÂMARA, Maria Helena F. da CÂMARA, e muitos outros.
26. Idem, p. 205.
27. Veja-se a propósito, a análise profunda de Ives Gandra da Silva MARTINS, A Jurisprudência
integrativa e o ideal de Justiça, Coimbra, 1989.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
108
qual o ordenamento jurídico termina cada ciclo evolutivo muito mais
enriquecido. 28
Legaz y Lacambra,29por sua vez, afirma que Justiça e
Segurança são realidades distintas, mas evidentes; abstraindo-se a
Segurança, a Justiça torna-se mera idéia ou virtude individual; ou se
abstrairmos da Segurança o valor Justiça, aquela se torna força
dominadora, desprovida de qualquer condicionamento ético. 30
A Segurança é elemento intrínseco da Justiça; portanto, todos
os aspectos da Segurança jurídica, em conjunto, permitem valorar até
que ponto se realiza a Justiça em sua dupla faceta, individual e social:
individual, quando é o caso concreto e social quanto à norma legislada.
As democracias constitucionais modernas, como a nossa, para
instituírem a Segurança jurídica, partem, não da Ordem, mas da Igualdade, Liberdade e idéias de progresso, que levarão à Ordem e à Justiça.
Outros regimes partem da Segurança do ponto de vista coletivo, social
ou nacional, em detrimento do indivíduo.
A Justiça que passa pela idéia do coletivo também é diminuída; pois
o coletivo não tem nome, a massa não tem identidade; legisla-se para o
coletivo, mas na verdade, nem sempre deve prevalecer o coletivo, pois a
Justiça atua para o cidadão. Muito embora o indivíduo esteja inserido
em um corpo, este é um conjunto social ordenado e mesmo dividido em
setores econômicos, políticos, culturais, religiosos etc., constitui uma
única sociedade.
7. A Segurança dos bens jurídicos
Para o renomado professor Pérez Luño,31 a aproximação
Segurança e Justiça se dá a partir da concreção de ambos valores; o
primeiro deixa de se identificar com a simples noção de legalidade ou
positividade do Direito, passando a uma conexão imediata a bens
jurídicos básicos, garantidos necessariamente; a segunda perde sua
dimensão ideal e abstrata para incorporar as exigências igualitárias que
informam seu conteúdo no Estado democrático de Direito.
Partindo de doutrina que vê atualmente uma transição da
Segurança jurídica para a Segurança dos bens jurídicos, como Justiça
28. MEZQUITA DEL CACHO, op.cit., p. 206.
29. Idem, ibid.
30. Foi por isso que ilustre Ministro, durante o regime militar, quando predominava a doutrina da
Segurança nacional, podia dizer que o Estado é "amoral", no sentido de que o Estado poderia agir
até mesmo arbitrariamente, sem ofender a ordem jurídica e social.
31. PÉREZ LUÑO. La Seguridad Jurídica, p. 51.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
109
Social, o autor espanhol aponta uma tendência de se funcionalizar os
instrumentos de proteção jurídica até obter os bens ou valores jurídicos
que se estimam imprescindíveis à convivência social.32
Anota alguns aspectos positivos para revisão das funções da
Segurança jurídica: vincular empiricamente as garantias de Segurança à
obtenção de bens jurídicos concretos (vida, liberdade, saúde, qualidade
de vida, segurança no trânsito etc.); comprovar a eficácia da Segurança
frente às suas conseqüências, no plano dos bens jurídicos, a cuja tutela
se dirige; legitimar a função da Segurança no Estado democrático, como
base indispensável à consecução dos grandes objetivos constitucionais;
orientar o trabalho legislativo no estabelecimento de técnicas de
proteção claras e justas dos bens jurídicos.
Trata-se, todavia, de uma concepção problemática, de caráter
impreciso e equívoco; a noção "bens jurídicos" não traduz uma certeza:
"são bens que incumbem a todos", ou "bens que o Direito deve
proteger". Parece ser uma tautologia, pois na definição está incluído seu
próprio objeto.
A amplitude dos objetos ou bens merecedores de tutela jurídica
(meio ambiente, proteção a consumidores, proteção aos dados pessoais
etc.), pode tornar "inseguras" as relações de sujeitos de Direitos
coletivos ou difusos sobre esses bens. 33
Além disso, esta teoria dos bens jurídicos pode se confundir
com a concepção preventiva do Estado, onde se coloca a discussão, no
Direito penal, das medidas de segurança; analisando-se as penas no
Direito criminal, vemos que se dirigem ao passado, para reprimir, como
retribuição, ações típicas cometidas; enquanto as medidas de
segurança visam ao futuro, concebidos para prevenir perigos sociais.
Nos regimes ditatoriais é extremamente ameaçador, porque
assim mandaram para os campos de concentração milhões de pessoas,
bastando que o Estado, por seus Juízes, declarasse como insano
qualquer opositor político;34 ou o Partido denunciasse os adversários
como inimigos do Regime e os enviasse para os “gulags”.35
32. Idem, p. 52.
33. PÉREZ LUÑO, op. cit., p. 53.
34. Cf. O Julgamento de Nuremberg, filme referido no Cap. XII. Jurisprudência: fonte última da
Segurança jurídica.
35. Sigla do sistema carcerário do regime de Stalin, cf. Aleksandr SOLJENITSIN, O Arquipélago
Gulag (várias edições, em inúmeras línguas), de leitura obrigatória para uma Reconstrução dos
Direitos Humanos, na feliz expressão da obra de Celso LAFER (1988).
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
110
O problema da aplicação de medida de segurança ou pena é
de discussão antiga. Kant e Hegel, ilustres justificadores da tese da
retribuição da pena, já alertavam sobre o perigo dos chamados
procedimentos preventivos, para a liberdade e dignidade do homem:
arrestar pessoas para que não venham a cometer crimes.
Para Kant a pena é um imperativo categórico, não pode servir
de meio para se obterem outros bens do indivíduo ou da sociedade; o
homem não é meio para outros fins, nem é mero objeto, como no Direito
das coisas.
E Hegel afirmou que a pena é a "violação da violação", a violação dos direitos de quem violou o Direito; trata-se da retribuição a quem
lesou o Direito, destinada a restabelecê-lo. 36
Esta questão não é meramente teórica ou filosófica, mas a encontramos inserida na realidade legislativa brasileira, como se deduz da
recente Lei Antitruste, nº 8.884, de 11.6.1994, cujo art. 1º declama
insolitamente que “a coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei” (negritos nossos).
Aparece aqui a teoria que privilegia o interesse do Estado, em
detrimento dos interesses das pessoas, não mais consideradas individualmente, mas despersonalizadas no “coletivo”.
Equivoca-se a lei ao considerar titular de bens jurídicos entidade
desprovida de personalidade jurídica. Trata-se de uma utopia este
predomínio do coletivo sobre o individual, fonte de um holismo ou
totalitarismo que visa estatizar a economia, congelar preços e até dirigir
a liberdade contratual.
Ademais, é “falsa a crença no primado do coletivo sobre o individual,
com aberta ofensa ao valor primordial da pessoa humana”, cuja
liberdade plena reside na “livre iniciativa” (CF, art. 1º), “um dos
fundamentos da ordem econômica democrática”. 37
Referida lei agride os direitos individuais, quando estatui infrações à
ordem econômica “independente de culpa”, ao se praticarem certos
atos, “ainda que não sejam alcançados seus efeitos” (art. 20), “além de
outras” condutas abusivas (art. 21), numa autêntica inovação de
sanções penais em aberto; ou ao estabelecer policiamento econômico
sem precedentes (art. 54, § 3º), como a possibilidade de suspensão do
sigilo bancário e outros (art. 14, V), etc.
Serve esta Lei, cabalmente, como exemplo de Legislação capaz de
violentar a cidadania, trazendo à sociedade a insegurança jurídica, fonte
36. PÉREZ LUÑO, op. cit., p. 56.
37. Cf. Miguel REALE, Lei e violência, in O Estado de S.Paulo, 2.7.1994.
A Segur ança como Fundament o e Gar ant ia da Just iça
111
perene dos excessivos apelos ao Judiciário para que se determine a
certeza dos seus direitos.
Concluindo, bens jurídicos seriam os direitos fundamentais,
em cuja defesa se podem integrar simultaneamente as exigências
individuais e sociais. Atendem também aos princípios do pluralismo e
da participação democrática, como está na Constituição (seja no
Preâmbulo, seja no artigo 1º, inc. V); podemos, pois, defini-los como
bens ou direitos fundamentais que a Segurança jurídica deve preservar.
E neste sentido pode-se aceitar esta teoria.
Portanto, em uma sociedade democrática e pluralista, os valores,
bens ou direitos fundamentais não podem resultar da imposição
arbitrária de um grupo ideológico-partidário, mas do consenso entre as
pessoas, construído segundo pressupostos justos de imparcialidade, o
justo procedimento.
Evita-se, assim, que a Justiça social, que aqui se identifica com a
Segurança dos bens jurídicos, corra o risco de se transformar em um
absolutismo ético-jurídico, responsável por uma tirania de valores.
Enfim, arremata Perez Luño, nem toda política preventiva é
incompatível com o Estado de Direito. É preciso evidenciar a
necessidade de que qualquer medida preventiva, concretamente as de
Segurança, esteja conforme aos valores e aos direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados pelo Estado de Direito, e se aplique
com as garantias processuais e penais próprias de seu ordenamento
jurídico. 38
As medidas de segurança, portanto, não são incompatíveis
com o Estado de Direito, desde que haja proteção para que elas não venham a ser instrumentos de repressão do próprio Estado. O indivíduo,
nas democracias, é sempre superior ao Estado, daí os direitos fundamentais, o mandado de segurança, o habeas-corpus etc., como
medidas de segurança última do indivíduo.
8. Conclusões
Segurança e Justiça, como visto, não se contrapõem, mas
enquanto esta é um valor moral, desarmado, sua garantia de efetivação
no Direito repousa na materialidade objetiva da Segurança jurídica.
38. Idem, p. 57.
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112
Na célebre obra de López de Oñate, La certezza del diritto, a
Segurança está centrada na Lei, é idealizada pelo Legislador no
momento gerador da norma, está, em conseqüência, ínsita nos
comandos norma-tivos do Direito; Carnelutti, contudo, vê a Segurança
na decisão judicial, no momento aplicativo da regra jurídica.
Neste último sentido, tambem pensamos que a sentença é
superior à lei, pelo que acrescenta à mesma, dando-lhe vida e colorido;
mas somente as sentenças relevantes, caracterizadas pelas questões
de direito que suscitam discussão fundada, é que interessam ao
ordenamento jurídico, porque se transformarão, pela Jurisprudência, em
Direito atual.
Ademais disso, Justiça e Segurança se interagem diretamente
com o Bem comum, e segundo Radbruch, “el bien común, la justicia y
la seguridad ejercen un condominium sobre el derecho, no en una
perfecta armonía, sino en una antinomia viviente. La preeminencia de
uno u otro de estos valores frente a otros, no puede ser determinada por
una norma superior - tal norma no existe -, sino únicamente por la
decisión responsable de la época”. 39
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antropológica (1991); O Tributo - Análise ontológica à luz do Direito natural e
do Direito positivo. S. Paulo, Max Limonad, (1983 ).
Walter MORAES. Direito da personalidade: estado da matéria no Brasil. In:
Revista de Estudos de Direito Civil, S.Paulo, Rev. Tribs., 1979, p. 125;
Adoção e Verdade. S.Paulo, Edit. Rev. Tribs., 1974; Direito à própria
imagem, in Rev. Tribs., v. 444:ll, etc.
Capítulo VIII
Medidas Assecuratórias de Direitos
SUMÁRIO: 1. Segurança jurídica e direito líquido e certo. 2. O juiz e
a lei. 3. Decisão individual e decisões coletivas. 4. Quando são certas
as decisões dos Tribunais? 5. A eqüidade como resultado da aplicação
da lei. 6. O Bem Comum, Unidade na Multiplicidade
1. Segurança jurídica e direitos líquidos e certos
Direito líquido e certo é conceito jurídico-constitucional referido ao direito subjetivo de todo cidadão enquanto sujeito (ou agente) de
direito nas diversas experiências sociais que protagoniza (como pessoa,
membro de família, empregado ou servidor público, empresário, proprietário, eleitor etc).
É, portanto, direito inquestionável, prima facie, de certeza meridiana, apurável ictu oculi, de perecimento iminente, se não amparado,
cuja ocorrência acarretaria a insegurança, a instabilidade do ordenamento e o desprestígio da própria Justiça.
É todo direito que não precisa ser apurável de plano, por se
manifestar de maneira evidente, clara e translúcida, sem qualquer dúvida, de caráter incontestável, sobre o qual não pode existir nenhuma
contro-vérsia 1.
Nas ações mencionadas, a concessão da medida liminar, pelo Juiz, traduz o reconhecimento imediato e primário da certeza do Direito cuja garantia se reclama (fumus boni iuris), sob pena de decadência
e, pois, ineficácia do próprio Direito (periculum in mora).
As liminares vêm reconhecer e assegurar um direito que urge.
O direito líquido e certo está amparado na Constituição brasileira, art. 5º, inc. LXIX, sob a expressão: "Conceder-se-á mandado de
1 Cf. Verb. Direito Líquido e Certo. ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito, Vol. 27, p. 265.
Medidas Assecuratórias de Direitos
116
segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou
abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público" (grifamos).
Na verdade, a liminar é um pré-conhecimento do juiz, conhecimento antecipado de um direito-certo, portanto quase-certeza de um
direito; direito apreciado parcialmente, como verdade do autor, que, para se completar e tornar-se convicção certa, necessita das versões das
partes contrárias e de terceiros (como a do fiscal da lei).
Na liminar não ocorre, ainda, a certeza legal, somente obtida
através das provas e da convicção do Juiz, mas já é uma certeza quase-legal ou pré-decisional, porque proferida, geralmente, com motivação
suficiente para se sustentar durante a informação processual (nos casos
de mandados de segurança, injunção, habeas-corpus etc), ou mesmo
até a instrução completa (possessórias e cautelares em geral).
Tomemos um caso simples para mandado de segurança: servidor
público concursado, com prazo fatal de validez do concurso, preterido
na nomeação, por autoridade pública.
Os elementos de “certeza do direito subjetivo” do servidor estão presentes: de um lado, aprovação em concurso e direito à respectiva nomeação (fumus boni iuris); de outro, preterição na nomeação e prazo de
validade do concurso de extinção iminente (periculum in mora).
Ora, ao candidato aprovado, a lei assegura a nomeação para cargo
vago, dentro de determinado prazo. A segurança hipotética está nas
premissas: a) ser aprovado em concurso; b) existência de cargo vago;
c) nomeação dentro de prazo certo.
A segurança real, concretizada, só pode se dar - sem perecimento do direito líquido e certo - se for protegida coativamente por
outro Poder que não o da Autoridade impetrada.
Compete, portanto, ao Judiciário, diante de impetração correta, conhecer do pedido e mandar que se assegure, se ampare ou se
proteja, ao menos provisoriamente, neste exemplo, o direito à nomeação, independente do provimento do cargo por terceiro ou do exaurimento do prazo de validade do concurso.
Ou seja, a providência judicial, liminar ou cautelar, é uma proteção ex lege, porque a Lei, ou o agente que a aplica, não podem prejudicar o cidadão, sob pena de desordenar o ordenamento jurídico e desprestigiar a Justiça mesma.
Medidas Assecuratórias de Direitos
117
Daí discutir-se freqüentemente sobre a inafastabilidade das
liminares, em qualquer ação, desde que presentes os pressupostos mínimos que a Lei admite. Não há uma discricionariedade consentida ao
Juiz para conceder ou negar liminares. Evidenciada objetivamente a existência do bom direito e do perigo à sua satisfação, não é permitido ao
Juiz negar liquidez e certeza ao direito, na ante-face da ação, pois tal
juízo só é cabível após, à vista de todas as informações, provas e pareceres .
O juízo de admissibilidade dos remédios constitucionais, das
ações cautelares ou das que impliquem em concessão de liminares, deve-se restringir à mínima prova imediata, pré-constituída, sob pena de
negar-se acesso à justiça (contrário ao mandamento constitucional) e
segurança à ordem legal; equivale a negar certeza do direito ao cidadão
que busca a Justiça para resguardar o que considera objetivamente líquido e certo.
Sob pretexto de aliviar o Judiciário do excesso de demandas, não deveriam os Juízes minimizar seus julgamentos nos pedidos
de segurança, pois os pleitos cautelares fazem presumir, na grande
maioria, a existência de um direito líquido e certo, autêntico e genuíno, a
ser amparado de imediato.
A eleição das vias judiciais urgentes merece considerações
prudenciais privilegiadas, pois o advogado, como principal juiz do caso
concreto, primeiro a sopesar provas e direitos, e optar pela via correta
para proteger o que a Lei manda, o faz com responsabilidades éticas e
constitucionais bem definidas, como órgão indispensável à administração da Justiça, em cooperação, no mesmo nível, com Juízes e Promo-tores públicos (arts. 133 e 127 da Constituição Federal).
Se ao Advogado compete o dever de auxiliar a Justiça, evitando obstáculos, atuando com probidade e lealdade, tem o Juiz o dever funcional de realizar a mesma Justiça, 2 com a qual não se confunde.
O Juiz não é a Justiça, mas o responsável último por ela; não
o único nem o mais qualificado para dizer o justo, mas deve fazê-lo em
cooperação com os demais agentes, notadamente o Advogado; este é o
que leva o litígio ao átrio dos Foruns e à barra dos Tribunais, o que aparelha a controvérsia processual do caso litigioso.
2. Cf. nosso Poderes Éticos do Juiz (l987).
Medidas Assecuratórias de Direitos
118
De fato, o processo é sempre diálogo, nunca monólogo: o Juiz não dita sozinho a sentença, mas ouvindo a razão das partes e de
terceiros. A sentença é fruto de íntima correlação com a demanda, resposta do adversário e de intervenientes, obrigados ou interessados.
De sorte que a demanda de segurança - remédio urgente de
atendimento necessário - traz em seu bojo elementos precisos de evidência objetiva, de certeza; não cabe ao Juiz repelí-la in limine, mas, ao
revés, considerá-la gravemente, sob pena de negar a Justiça em sua
forma mais emergente.
Em que pese a liberdade do julgador, a concessão de liminares - símile ao tratamento médico de urgência em pronto-socorros - não
pode deixar de ser deferida, sic et simpliciter, por simples opção discricio-nária, mas ao contrário, in dubium, deve o Juiz conceder o pedido,
até mesmo para evitar recursos e novas ações, com o que, de fato, contri-buirá para que se abarrotem de processos os juízos e tribunais.
Vê-se, aqui, que a Segurança jurídica, implícita no valor Justiça, é sempre hipotética, seja quando a Lei deixa de ser amparo de direitos líquidos e certos, seja quando o próprio Poder encarregado de assegurar a aplicação da norma, pode muita vez deixar de fazê-lo, por
questões processuais, procedimentais ou mesmo judicantes.
Neste sentido, pode-se distinguir segurança legal, ou primária, de segurança judicial, secundária ou reflexa. Quando a segurança
legal é negada, por algum Poder do Estado, ao cidadão, a segurança
judicial restabelece ou garante o exercício dos seus direitos, através de
decisões com autoridade de coisa julgada; e quando esta se reitera uniformemente, sobre os mesmos temas jurídicos relevantes, surge um
novo tipo, não mais restrita ao caso particular concretizado, mas que,
por reiteração predominante, se generaliza como se norma fora, estendendo-se a futuros casos análogos; é o Direito Jurisprudencial, como já
vimos no seguinte esquema.
Medidas Assecuratórias de Direitos
2º
119
Sentença = Certeza subjetiva imediata
Certeza do Direito
(plano subjetivo)
CERTEZA
Segurança Jurídica
(plano objetivo)
SEGURANÇA
1º
Lei =
Segurança objetiva geral
3º
Jurisprudência =
Segurança objetiva mediata
O Direito Jurisprudencial
2. O Juiz e a Lei
A segurança é um a priori jurídico, enquanto valor integrante
da lei; é hipotética, enquanto a própria lei é uma norma abstrata; e é indeterminada, por ser genérica a lei.
Se a lei é garantia de estabilidade das relações jurídicas, a
segurança se destina a estas e às pessoas em relação; é um conceito
objetivo, a priori, conceito finalístico da lei; segurança não é, pois, o
mesmo que certeza (conceito subjetivo).
Sem embargo de estar o legislador mais próximo do povo,
enquanto coletividade (representando a vontade da maioria), na verdade, quando recebe o mandato se torna independente.
Assim, quando legisla, está mais vinculado ao Estado, em cuja direção costuma se orientar, através de vínculos partidários e de poder. Nas democracias contemporâneas, o Legislativo está fortemente
ligado (senão subordinado), ao Executivo.
O juiz, ao contrário, está mais próximo da sociedade, enquanto pessoas individuais que a ele recorrem para solucionar problemas
con-cretos e bem específicos.
O povo do legislador é múltiplo, sem pretensões pessoais,
apenas inclinado às idéias do ex-candidato ou do partido (o povo do
legislador é um antes, que procura, ou é procurado para votar em candidatos; males da partitocracia...).
Medidas Assecuratórias de Direitos
120
O povo do julgador é, ao revés, um depois: busca-o para sanar problemas concretos seus; são pessoas visíveis, individualizadas,
que não têm pretensões vagas, porém incertezas reais de direito subjetivo.
Portalis, em seu célebre Discurso Preliminar, advertia: “Hay una
ciencia para los legisladores, como hay otra para los magistrados; y la
una no se parece a la otra. La sabiduria del legislador consiste en encontrar, en cada materia, los principios más favorables al bien común; la
del magistrado es poner estos principios en acción, ramificarlos, extenderlos, mediante una aplicación sabia y razonada, a las hipótesis particulares; estudiar el espíritu de la ley cuando la letra mata, y no exponerse a ser una y otra vez esclavo y rebelde, desobede-ciéndola por su espíritu de servidumbre”. 3
A distância que medeia da lei abstrata à decisão concreta é
um espaço preenchido somente pelo juiz. Este se apresenta em atitude
constante de curiosidade, inquietude, reflexão: para ele, individualizar a
norma é humanizar o direito; olhar a pessoa que vive um litígio ou conflito é fazer com que o processo seja real e efetivo instrumento de Justiça.
Individualizar a pena, quantificar a indenização, aferir o justo
valor de uma propriedade, é fazer justiça concreta, individualizada, portanto, equitativa.
"Vamos ver o que diz o Tribunal" é busca de certeza, não de
segurança; se a certeza do direito mais segura é a ditada pelos Tribunais, se a justiça, para ser bem aplicada, exige juízes prudentes e sábios, cultos e equilibrados, não há que temer, por exemplo, pela invocação mais ampla da eqüidade por juízes singulares, pois as sentenças
são recorríveis e revisíveis, sujeitas a cassação, e serão os Tribunais os
que vão aferir da eqüidade aplicada.
Portanto, a segurança jurídica não advém completa da lei,
mas também de sua aplicação, pois o legislador nem sempre transmite
plena segurança à sociedade, para a qual o ordenamento jurídico se
destina.
O sentimento de insegurança jurídica que o cidadão de hoje experimenta com muita frequência, não nasce somente da acumulação de
textos legais, mas nasce também, em estoque normativo constante, da
3. Jean-Étienne-Marie PORTALIS. Discurso preliminar del Proyecto de Código Civil francés (1978), p.
45; e Discours, rapports et travaux inédits sur le Code Civil (1844), p. 14.
Medidas Assecuratórias de Direitos
121
frequência dos cambiamentos da lei, 4 e porque não dizer, da diversificação jurisprudencial.
Não assim o aplicador da lei; é que o juiz e os Tribunais se
salvam pela revisão das sentenças e pela longa maturação de suas reiteradas decisões; ademais, a jurisprudência equívoca se revoga ou não
se aplica, porque não tem auctoritas. 5
Se o legislador tende a se enganar com maior freqüência é
porque, olhando acima, vê o macrocosmo da lei e do ordenamento como um universal abstrato; mas o juiz, olhando acima e abaixo, vê não
só a regra geral como o caso concreto, o microcosmo do singular, e isto
lhe permite aplicar a lei com mais precisão ou justeza.
Por conseguinte, a certeza da jurisprudência é, por natureza,
melhor qualificada que a segurança advinda da lei; o justo, determinado
a posteriori, é mais "certo" que o justo pensado a priori, porque a lei é
um prius, ainda não provada pela interpretação judicial; ao contrário, a
jurisprudência, como expressão do justo, é um posterius, concretamente
determinada por reiteradas decisões.
Há, pois, tudo indica, um critério para se aferir a certeza jurisprudencial: que os julgados sejam o mais precisamente justos (qualitativamente superiores à lei), para serem acatados pelos juristas e tribunais, pois decisões eqüívocas, assim como as leis, não soem subsistir.
3. Decisão individual e decisões coletivas
A jurisprudência evolui, não através de algumas decisões escoteiras, mas coletivamente, com todas as semelhantes, formando um
entramado coerente com os princípios gerais do Direito, que são, a nosso ver, fundamentalmente, princípios uniformizantes.
Embora individuais, todas as decisões apresentam um holding, uma essência, uma ratio decidendi que as enfeixam. Esta essência comum é a questão de direito sobre o thema decidendum e sua motivação.
4. AA.VV. La sécurité juridique (1993), p. 169.
5. Neste sentido, jurisprudência isolada é jurisprudência ignorada. Assim como sentenças irrelevantes não ascendem aos Tribunais, também jurisprudência escoteira não realiza coisa julgada jurisprudencial. Cf. N. 41, p. 153.
Medidas Assecuratórias de Direitos
122
De fato, quando se analisa uma sentença ou acórdão, não se critica
apenas o decisum, mas também sua fundamentação (a parte decisória,
que se vê e faz coisa julgada, como a ponta do iceberg, que se assenta
em uma base oculta, a motivação). 6
As razões ou motivos são as raízes do decisum: se fincadas
firmemente sobre as questões de fato e de direito na demanda, se alicerçadas em boa doutrina e paradigmas adequados, adquirem veracidade e se projetam com auctoritas no mundo jurídico. 7
Porquê a justificação jurídica cobra hoje tanto interesse? Para
Aulus Aarnio trata-se do problema da decisão judicial racional, em que
as exigências de justificação são paralelas ao desenvolvimento da democracia; nesta, é fundamental o controle e a análise crítica das decisões, o que se torna impossível na ausência de motivação, inclusive em
relação a um sistema de recursos; em suma, através da fundamentação competente, coibe-se a arbitrariedade e controla-se a atividade
jurisdicional. 8
Para o professor da Universidade de Helsinki, a questão da certeza
jurídica apresenta dupla dimensão: procedimento e resultado; a
expectativa de certeza, através da argumentação e da racionalidade
jurídica, reconduzem ao debate em torno à conexão Direito-Moral.
Como ensina Castanheira Neves, a distinção para a solução
concreta de um problema
“terá de integrar-se, e portanto justificar-se, numa necessária unidade de procedimento metodológico - pois é para resolver o problema jurídico unitário de um caso (o caso decidendo), o problema da unitária
questão jurídica concreta, que tem sentido e se impõe distinguir uma
quaestio facti duma quaestio juris. Estas duas questões, e da mesma
forma os actos em que se resolvam, têm de cumprir em si a congruência
(a “razão de coerência”) que é necessariamente exigida pela sua integração num processo metodológico unitário, pela sua concorrência nes6. Oculta no sentido de não fazer coisa julgada (art. 469 do CPC: "Não fazem coisa julgada:
I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da
sentença"). A decisão semelha-se ao iceberg porque o fato, a lei, a doutrina são como
plataformas que sustentam a motivação mais o decisum; aqueles permanecem dentro da
vida social e do ordenamento, mas o que transparece, o que nos dá a notícia do direito
particular, concreto, são os julgamentos dos Tribunais; enfim, tudo colabora e se orienta
para a construção do Direito.
7. Afinal, o que é uma flor? onde começa e onde termina? em que se sustenta? nas hastes,
folhas, pedúnculos, raízes? Assim, também, a coisa julgada (a essência da decisão) é
produto da seiva toda que emana da sentença...
8. A Legal Theorical Point of View. II Jornadas de Filosofia del Derecho, 14-15/11/1991,
Universidade Insular Balear. Cf. ANUARIO de Filosofia del Derecho (1992), pp. 511-513.
Medidas Assecuratórias de Direitos
123
te como momentos diversos, mas conexos, de um mesmo problema e
de uma mesma decisão”. 9
4. Quando são certas as decisões dos Tribunais?
Por obterem o consenso da maioria julgadora? Ou por serem
acatadas como justas pela comunidade jurídica?
As sentenças de primeira instância são, em princípio, sempre
revisíveis, porque são projetos de decisões superiores, que interessam
ao ordenamento jurídico e à sociedade.
Então, a sentença não é a face de um direito "presente", mas
um projeto, hipótese ou embrião da coisa julgada (direito "futuro"); por
isso, decisão recorrível não é, ainda, definitiva, pois na sentença incomum o juiz tem em mira a coisa julgada.
Sentença revisível é a que não satisfez às partes; é como a
imagem tosca que o artífice não completou e passa a um mestre mais
experto, para que arranque do mármore a figura completa que nele se
oculta (como fez Miquelângelo com seu Davi!).
Para a teoria pura do Direito há uma norma fundamental determinante da unidade do sistema e da validez da Constituição e das
normas derivadas, até chegar à sentença, como uma flecha disparada,
que passa entre vários objetos, antes de atingir o alvo. 10
Em conclusão respondendo à indagação, a auctoritas dos julgados não advem, apenas, da maioria ou unanimidade de votos vencedores, 11 mera técnica ou prática democrática para os juízes alcançarem
o convencimento, mas é reflexo do acolhimento, pela comunidade jurí9. Questão-de-facto-questão-de-direito (1967), pp. 464-5 .
10. Do mesmo modo, o que é a flecha? é tão só a ponta, que fere o alvo? ou também a
haste, as aletas, que lhe dão sustentação e direção na trajetória? Enfim, a motivação pode ser matéria jurídica descartável? desprovida de efeito?
11. Há um problema de quorum para as grandes decisões judiciais que envolvem as bases
do Estado de Direito: uma liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade, concedida
por maioria simples, é tão perturbadora quanto concedê-la ao final do julgamento; há que
se elaborar uma súmula vinculante que resulte de uma votação expressiva nos Tribunais
Superiores, por maioria de 4/5 (8 Ministros no STF, 26 no STJ); evidentemente, os jurisdicionados, os Tribunais e o País respeitariam a boa certeza jurídica final, pelo maior
grau de auctoritas que representa a douta opinião de um quorum seguramente qualificado.
Medidas Assecuratórias de Direitos
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dica e pela sociedade, daquele "justo" determinado pelo colegiado, como certeza do direito, e que pela jurisprudência se transmuda em nova
segurança jurídica. 12
5. A eqüidade como resultado da aplicação da lei
Em alentado trabalho, afirma Luis Maria Dominguez Rodrigo
que
“seria preferible en vez de hablar de construcción judicial referirnos a
la equidad como resultado del proceso aplicativo, porque si bien hay que
admitir las críticas al silogismo judicial mecanicista, ello no aboca a rechazar la función de la jurisprudencia de aplicación del Derecho, sino sólo a conciliar el primado de la seguridad jurídica con el de la justicia, en
lo que cabalmente consiste la equidad”. 13
O resultado da aplicação da lei deve ser sempre eqüitativo.
Decisão eqüitativa é pleonasmo, pois toda decisão o deve ser.
O primado da Segurança jurídica é o primado da lei, em que
aquela entra como elemento integrante da norma jurídica: o princípio da
legalidade, segundo o qual ninguém está obrigado a fazer ou deixar de
fazer algo senão em virtude de lei anterior (CF, art. 5º, inc. II).
O primado da Justiça é um dever-ser além da lei, algo superior que não se contem na norma escrita e a que o juiz deve procurar se
aproximar; a eqüidade consiste, segundo Dominguez Rodrigo em conciliar o primado da Segurança com o primado da Justiça; Puig Brutau e
Boehmer apontam para critérios teleológicos ínsitos no ordenamento
positivo que o ultrapassam; Esser recorre à “jurisprudência de princípios”, pois sob toda norma há, latente, um princípio de direito que, uma
vez determinado, tem em si mesmo um impulso suficiente para exigir
um nível igual ao da própria lei; são rationes leges, princípios valorativos
e construtivos do sistema, mas também princípios éticos e jurídicos.
À jurisprudência, e sobretudo aos órgãos judicantes, compete extrair à luz os princípios que estão expressos na lei, e aplicá-los aos
casos que a lei não menciona, porém nos vêm dados pela vida e caem
sob eles. 14
12. Marcelino RODRIGUEZ MOLINERO. El desarrollo homogêneo del derecho, in “Introducción a la ciencia del derecho”, 2ª parte, pp. 252ss.
13. Cf. La jurisprudencia como equidad ante la aplicación del derecho, in “Significado
normativo de la jurisprudencia: ¿Ciencia o decisión judicial?” (1984), v. I, p. 201.
14. Idem, pp. 210-211.
Medidas Assecuratórias de Direitos
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A eqüidade preside à individualização da norma jurídica, conforme processo descrito por Kelsen e atuaria como lógica material para
obter a individualização da norma judicial. 15
6. O Bem Comum, Unidade na Multiplicidade
A sociedade que faz as leis (potestas política) é a mesma que
as aplica (auctoritas jurídica) 16. O poder político (legislação) e o poder
jurídico (administração e jurisdição) são forças sociais convergentes à
unidade do bem comum.
As leis contêm valores-fins destinados a assegurar (Segurança jurídica) a realização do bem da sociedade em geral e dos indivíduos em particular.
No pensamento do jusfilósofo gaúcho Armando Câmara, o bem comum pode ser compreendido como um aspecto do bem particular de
cada indivíduo, que não só é almejado por todos os seres humanos em
comum, mas que também pode ser obtido em comum por todos. E a idéia em torno da qual se estrutura o bem comum e que nele não se encontra explícita, é a idéia dos fins humanos. O bem comum vai encontrar o seu absoluto no fim. 17
Os ordenamentos jurídicos evoluíram visando sempre a realização do bem-estar social (qualquer que tenha sido o conteúdo e a interpretação que se lhes dêem: utilitarismo, pragmatismo, vontade pública ou social, ética social, moralidade pública etc); e o legislador (braço
político da sociedade) só pode criar novas leis congruentes com o sistema, como a exigência do princípio da constitucionalidade das leis,
(salvo nos regimes não democráticos, em que o bem visado pode ser a
nação, a raça, a economia, a vontade do ditador, de uma classe social,
de um partido etc).
Discorrendo sobre esta característica de atributividade do Direito, Reale 18 enfatiza que
“é próprio ... do Direito, proporcionar os bens, econômicos ou não,
em uma ordem de coexistência, segundo um sentido de totalidade, or15. Idem, pp. 222-223.
16. Dalmacio NEGRO PAVÓN. Natureza social do Poder Judiciário. Rev.Tribunais, v. 695
(set.
1993), pp. 16-29.
17. Cf. Maria Helena F. da CÂMARA. Bem comum. Rev. Forense, v. 327 (1994), pp. 298,
300.
18. Miguel REALE. Filosofia do Direito (1982), p. 703.
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dem essa que é bem social ou bem comum, isto é, objetivação da Justiça nos limites das circunstâncias histórico-sociais: o bem comum é, por
tal motivo, a medida histórica da Justiça, ou a Justiça em plena concreção histórico-social, assim como a eqüidade representa a Justiça em
concreção particular, o que reflete, mais uma vez, a polaridade entre o
coletivo e o individual, e a necessidade de superar a aporia dos esquemas genéricos e abstratos em conflito com a singularidade dos casos
não tipificáveis” (os itálicos são nossos).
Sendo as normas e a ordem jurídica obrigatórias para todos
os cidadãos (a sociedade, como uno ou todo), não obstante serem genéricas e abstratas, incapazes autonomamente de resolver conflitos entre parti-culares ou destes com o Estado (os cidadãos como pessoas
individuais ou múltiplos).
Diante de uma controvérsia, a particularização da Lei geral exige a intermediação de pessoas juridicamente especializadas; quais
pontífices (ponti-facere), lançam pontes de compreensão e adequação
entre a idéia abstrata das leis gerais e as razões das pessoas singulares (realidade individual e social). 19
O mediador, reconhecido e acatado pelas partes como intérprete da Lei ou árbitro da instância, ao decidir o litígio, tem sua razão
prudencial voltada a determinar o dever-ser presente à contro-vérsia,
aquilo que cabe a cada litigante, mas também lança um "olhar acima"
dos indivíduos, para o bem comum da sociedade.
Os homens querem viver em paz uns com os outros e a solução dos casos particulares não pode conflitar com o bem da sociedade, mas estar coerente com ela. 20
O trágico da ação, filosofa Paul Ricoeur, é quando se enfrentam
o respeito devido à norma universal com o respeito devido às pessoas
singulares, ao conflito da miséria humana. 21
19. Tratando do ato de julgar, o notável filósofo francês Paul RICOEUR distingue uma finali-
dade imediata (curta), a de liquidar um conflito, pôr fim à incerteza; e a mediata (longa),
que é contribuir para a paz social e à consolidação da sociedade como empreendimento
de cooperação. Cf. Le Juste (1995), p. 10.
20. Segundo Tércio Sampaio FERRAZ JR., há três critérios básicos para um quadro dos
métodos de interpretação: a correção ou coerência, o consenso e a justiça; a coerência
ou a busca do sentido correto exige um sistema hierárquico de normas e conteúdos
norma-tivos; o consenso ou a busca do sentido funcional exige respaldo social; e a justiça ou a busca do sentido justo exige que se atinjam os objetivos axiológicos do Direito;
em função deles pode-se falar em métodos lógico-sistemático, sociológico e histórico e
teleológico-axiológico. Introdução ao Estudo do Direito (1988), p. 260. Cf. Norberto
BOBBIO, A coerência do ordenamento juridico, in “Teoria do Ordenamento Jurídico”.
21. Idem, p. 220.
Medidas Assecuratórias de Direitos
127
A respeito, Cintra, Grinover & Dinamarco consignam que “a
pacificação é o escopo magno da jurisdição” e, por conseqüência, de
todo o sistema processual, afirmando que
“o objetivo-síntese do Estado contemporâneo é o bem comum e,
quando se passa ao estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeção particularizada do bem comum nessa área é a pacificação com justiça”. 22
Uma injustiça política, econômica ou social 23 não se liquida
com decisões extra-jurídicas, porque fora do ordenamento não há ordem, mas anarquia, jogo emocional (não prudencial) de interesses, modismos doutrinários passageiros (como passaram a Escola do Direito
Livre e a jurisprudência sentimental do "bom Juiz Magnaud", que, de
resto, era tendencioso e discriminatório quanto a pessoas). 24
Portanto, se do ofício de legislar se exige congruência ao orde-namento, em prol do bem comum (uno ou de todos), da função de
interpretar não está excluída a mesma compreensão e adequação.
Enquanto o Legislador vai colher no social material para suas
leis, aquilo que sucedeu (visão estática, porque os fatos já se passaram), ao elaborá-las, tem em mente, de um lado a Justiça ideal que se
configura no bem comum da sociedade que representa; de outro, como
aquelas normas poderão ser melhor aplicadas aos cidadãos pelo intérprete (visão dinâmica, como preocupação propedêutica, agindo na confecção das leis como se fosse, depois, aplicá-las concretamente).
Vallet de Goytisolo, 25 um dos mais renomados jusfilósofos
contemporâneos, lançando as bases para o retorno a uma metodologia
da ciência prudencial legislativa, ensina que se deve partir da perspectiva de que, como toda ciência do dever ser, a de legislar há de começar
pelo conhecimento do ser das coisas, da verdade destas, abarcando
todas as coisas divinas e humanas, segundo deixaram os jurisconsultos
romanos em sua definição de Jurisprudência:
22 . Teoria Geral do Processo, n. 4, p. 25.
23. RADBRUCH recomendou aos povos e aos juristas gravar na consciência que “pode
haver leis com um tal grau de injustiça e de nocividade para o bem comum, mas toda validade e caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes serem negados”. Filosofia
do Direito (1961), v. II, p. 213.
24. Cf. Carlos MAXIMILIANO. Hermenêutica... (1991), pp. 87-88. A propósito, cf. Henri
LEYRET, Las sentencias del buen juez Magnaud (1976).
25. Metodología de las leyes (1991), pp. 695-96.
Medidas Assecuratórias de Direitos
128
“Ese conocimiento ha de centrarse en el hombre; pero, en el
hombre completo y en todas sus relaciones: con Dios, su creador y ordenador; con sus semejantes, como animal social que es...; y con el
mundo, en el que vivimos y nos circunda. En suma, en el hombre entero
pero concreto, según su naturaleza, capacidades y circunstancias, en
todos sus aspectos, estáticos - con sus causas materiales y formales - y
dinámicos - con sus causas eficientes e finales - y, en especial, con el conocimiento experimental suministrado por la historia” (negritos nos-sos).
Ensina-nos, em profunda análise, que a ciência jurídica não
pode ser senão prudencial, pois necessita da previsão ou providência
que saiba captar o qualitativo nas concatenações de causas e efeitos,
no imensurável ou inquantificável e adotar os meios necessários para
lograr o fim previsto; o campo das leis humanas não é o do certo nem
do absolu-tamente verdadeiro, senão o âmbito do provável, do verossímil, matéria do sentido comum; e o da necessária previsão, regulada
pela prudência. 26
O texto da lei, para ele, há de ser pensado prevendo a reação
que provocará no corpo social, no momento de sua aplicação ao fato a
que se refere e às conseqüências que sua incidência produzirá; a pauta
deste labor prudencial é a ordenação ao bem comum, matéria da Justiça social e objeto da prudência; por fim, deve-se considerar a sociedade
como comunidade de homens concretos, em todas suas dimensões,
que se há de reger pelos princípios de participação e de solidariedade,
e este com o de subsidiariedade. 27
Da mesma forma, entendemos que o intérprete (administrador
ou julgador) tem um olhar posto na lei genérica, que deve interpretar e
aplicar a uns poucos, concretamente (visão estática do passado, porque
a lei já não muda), e outro olhar na elaboração de uma regra prática, de
dever-ser, válida e eficaz para as partes em conflito (visão dinâmica do
presente) porque, análogo ao legislador, deve contribuir e sabe que suas decisões influirão no ordenamento jurídico e, coerentemente, não
pode decidir contra legem (salvo as exceções de lei injusta etc). 28
Se é grato ao confeccionador de leis interpretar os sentimentos, vontades e necessidades do seu povo, não menos o é ao julgador
26. Idem, p. 699.
27. Idem, pp.701/703. Cf. El princípio de la subsidiariedad. Madrid, Speiro, 1982.
28. A visão do deus Janus, de dupla face, mirando o passado e o futuro... Cf. Vittorio
FROSINI, citando Adolf MERKEL, “a obra do intérprete e do legislador são como o rosto
bifronte de Janus, são ‘o duplo rosto do direito’”. La letra y el espíritu de la ley (1995), p.
59.
Medidas Assecuratórias de Direitos
129
determinar qual a ratio decidendi, a incidência normativa aplicável 29 e
como vesti-la no caso concreto, recortando tudo o que excede (interpretação restritiva) ou buscando em outras normas ou princípios (do Direito positivo ou do Direito natural) o que lhe falta (colmatação de lacunas, interpretação extensiva). 30
Mas o inverso também ocorre, quando o Legislador não alcança
interpretar corretamente os anseios populares, os reais e profundos
problemas da nação e se omite na feitura das leis (o Projeto do novo
Código Civil há anos tramita no Congresso Nacional; a Lei sobre transplantes de órgãos restou sem ser regulamentada por mais de uma década etc); ou quando as faz já estão anacrônicas, superadas por novas
realidades, ou são manifestamente injustas.
Ou, o que nos parece mais grave, quando o próprio Julgador
claudica, seja na procrastinação da prestação jurisdicional, seja na minimização do conteúdo decisório (errores in judicando ou in procedendo), seja, ainda mais gravemente, quando não "sente" a necessidade
latente do caso sub judice, o drama humano no processo, a dúvida, a
incerteza ou a controvérsia jurídica, que gritam por uma sentença justa,
que restaure a certeza subjetiva das partes e reafirme a segurança do
Direito.
Concluindo, portanto, Legislador e Julgador coincidem no
mesmo "olhar para cima" na procura e fixação do Direito justo, para a
sociedade em geral e para os cidadãos em particular, o bem comum;
este conceito mantém a coerência interna do sistema, enquanto valor
jurídico comum a ambos operadores do mesmo Direito, aquele que cria
o Direito abstrato e o que subsume a norma ao caso singular. 31
29. “Deve-se distinguir entre a incidência de normas de competência e normas de conduta.
Normas de competência conferem poder para estabelecer outras normas, qualificam certos atos sob certas condições como capazes de produzir certos efeitos... Já as normas
de conduta estabelecem linhas de ação, às quais imputam conseqüências. Conferem
sentido a atos que subsistem independentemente delas em outros contextos”. FERRAZ
JR., Introdução... (1988), p. 226.
30. Para Arthur UTZ resulta que a atividade judicial não se limita à estrita interpretação das
leis; colmatar lacunas é um caso particular de criação do Direito; encontrar soluções para casos particulares não explicitamente previstos em lei está nos limites da interpretação
jurídica, em que o raciocínio analógico exerce papel essencial; sobre o método de interpretação das leis, afirma o autor suiço que uma solução definitiva não seria jamais encontrada, e conclui: “assim, o Direito judicial tem por finalidade essencial a Segurança
Jurídica”. Éthique Sociale (1967), V. I, p. 111.
31. Logo após a Guerra, em 1945, dirigindo-se aos estudantes de Heidelberg, Radbruch
reconheceu a necessidade de um Direito supra-legal (expressão menos polêmica que Direito natural, ideal ou racional), afirmando, dentre outras considerações, que ao lado da
justiça, o bem comum é um dos fins do Direito; mesmo quando má, a lei conserva um
valor, o de garantir a Segurança do Direito perante situações duvidosas; por isso, todo di-
Medidas Assecuratórias de Direitos
130
reito serve a três valores, que devem se harmonizar nas leis: o bem comum, a segurança e a justiça. Filosofia do Direito (1961), v. II, p. 213.
Capítulo IX
Direito Judicial, Jurisprudencial, Sumular
SUMÁRIO: 1. A norma jurisprudencial. 2. Segurança da Lei e Certeza da
Jurisprudência. 3. A Jurisprudência como ordenamento aberto. 4. A relevância
constitucional do STF.
5. Jurisprudência: modelos jurídicos e modelos
dogmáticos. 6. Graus de auctoritas das decisões judiciais. 7. Esboço de uma
classificação das decisões judiciais. 8. Coisa julgada e certeza do Direito. 9.
O ordenamento jurídico, corpo aberto e em evolução. 10. Conclusões.
Giovanni Orrù, autor italiano de formação germânica,
escreveu apreciável trabalho em que estuda a autoridade e o alcance
do que se denomina Direito judicial; não é que os alemães adotem o
princípio de que os Juízes "criam Direito", mas esta forma de expressão
do Direito não é contestada em sua doutrina, antes reconhecida como
um valor jurídico proeminente. 16
É o que tentaremos examinar, a propósito da relação entre a
Lei e a Jurisprudência, e a Jurisprudência como fonte do Direito.
Segundo o positivismo jurídico, predominante nos sistemas
europeu-continental e latino-americano, desde a codificação
napoleônica, o Juiz deveria sempre decidir conforme a Lei; o mais seria
exceção. 17 Então, a Lei permanece como a fonte principal da
Segurança jurídica, por estar ínsita no próprio Direito legislado.
Esta Segurança a priori parece se conter na coercibilidade,
ou seja, a possibilidade de se invocar a força para fazer valer algum
direito; toda norma é de natureza imperativa, mas antes de se atingir o
final de um processo judicial existem vários instrumentos legais que
não exigem a coerção, como o acordo, a conciliação, o arbitramento.
16. Afirma, neste sentido, que a crítica dogmática vive na esperança de poder convencer o
Juiz, de modo que uma série de julgados torne possível as suas opiniões, integrando-as
no ordenamento jurídico; mas, se a expectativa é vã, significa que referidas opiniões
permanecem estranhas ao ordenamento positivo. Richterrecht (1983), p.103.
17. Os arts. 126 e 127 do CPC reproduzem, no ordenamento processual brasileiro, esta
forte influência dogmática.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
132
Aqui se trata de garantir a eficácia da Lei, embora genérica,
abstrata e hipotética; por outro lado, a Jurisprudência,18 ainda não
reconhecida como autêntica fonte do Direito pelo nosso sistema, na
prática, é fonte de certeza, porque gera uma Segurança a posteriori,
que emana da coisa julgada; entendendo-se esta como a própria norma
individual do caso concreto, torna-se, a nosso ver, norma
jurisprudencial, que se pode considerar verdadeiro Direito
jurisprudencial (o Richterrecht dos alemães). 19
1. A norma jurisprudencial
Como se dá a positividade de um Direito emanado da
Jurisprudência?
A gênese está no conhecimento jurisdicional do caso litigioso,
que se inicia pelo acesso do cidadão ao Judiciário, o sagrado Direito de
ação, pelo qual Juízes e Tribunais tomam conhecimento e assumem,
em nome do Estado, a tutela da controvérsia, e atuam visando à
harmonia social, segundo o ordenamento jurídico.
Retomemos, do processo civil, as teorias sobre a natureza da ação:
esta constitui um Direito autônomo e abstrato e o melhor argumento é a
sentença declaratória negativa, quando o Juiz declara que o autor não
tem ação; se pode haver uma ação, concretamente ajuizada, em que o
sujeito não tem nenhum Direito, é porque é autônoma, não subordinada
ao enunciado imanentista do art. 75 do CC . 20
Este conhecimento e controle dos litígios pelo Judiciário
culminam em uma decisão e esta, por meio de recursos sucessivos,
sofrerá um processo contínuo e crítico de reforçamento, que terminará
18. V., em apêndice, Anteprojeto da Lei de Aplicação das Normas Jurídicas, que em seu art.
3º inclui a doutrina e a jurisprudência como fontes subsidiárias do Direito.
19. Para o autor citado, “Nel nostro contesto, la locuzione Richterrecht va però riferita non
tanto alle norme individuali stabilite per i singoli casi dedotti in giudizio, quanto alle vere e
proprie norme generali, ossia ai constenuti logici comuni a tutta una serie di sentenze
uniformi, o comunque alle massime di decisione estraibili da singole sentenze e destinate
a diventare diritto effettivo”. P. 102. Compara o Direito judicial ao Direito doutrinário
(Juristenrecht) pois ambos apresentam funções de estabilidade, continuidade e
progresso do Direito; distin-guem-se, no entanto, porque o Juristenrecht só penetra no
Direito positivo através do Richterrecht, pois a opinião da doutrina só resultará norma
positiva de um certo ordenamento quando a Jurisprudência a segue. P.103.
20. Cf. CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. Teoria Geral do Processo. 1994, n. 156, p.,
252.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
133
em um modelo de "certificação", de tornar certo, de certeza jurídica e de
consolidação de julgados semelhantes. 21
Esta consolidação é sistemática, no caso da súmula e do
enunciado trabalhista; sendo esparsa, denomina-se simplesmente Jurisprudência. Súmula é todo conjunto de julgados que os Tribunais decidiram aceitar como definitivos, sit et in quantum; este é o caráter da
Jurisprudência que mais interessa: ser ela assentada, dominante ou
definitiva.22 A "Súmula dominante do STF", ou Súmula, é um
compêndio, como um "Código de Jurisprudência", formando autêntico
Direito, como veremos.
No caso do Tribunal Superior do Trabalho, a Lei 7.701, de
21.12.88, autorizou-o a "aprovar os precedentes da Jurisprudência
predominante em dissídios coletivos" (art. 4º, alínea "d"), com a evidente
finalidade de contribuir para a celeridade do julgamento daqueles
dissídios; são competentes para esta aprovação o Tribunal Pleno e a
Seção Normativa ou Seção Especializada em Dissídios Coletivos, da
mesma Corte (art. 2º, inc. II, alínea "c" da referida Lei).
Os Precedentes divulgados esparsamente foram, afinal,
compilados e aprovados pelo Egrégio Tribunal Pleno e convertidos na
Resolução Administrativa nº 37, de 25.06.92, que, pela primeira vez
aprovou, em caráter oficial, os Precedentes Normativos decorrentes da
Jurisprudência iterativa da Seção de Dissídios Coletivos.
Esclarece Teixeira da Costa que, nos processos coletivos do
trabalho, a Jurisdição que os Tribunais do Trabalho desempenham é a
de eqüidade, cujo princípio fundamental está no art. 766 da CLT:
"Nos dissídios sobre estipulação de salários serão estabelecidas
condições que, assegurando justo salário aos trabalhadores, permitam
também justa retribuição às empresas interessadas",
preceito reforçado pela Constituição de 1988, sobre o exercício do
poder normativo da Justiça do Trabalho, segundo o qual pode
21.“L’emploi de l’interprétation jurisprudentielle peut avoir une double signification. D’une
part, la cour peut accepter une interprétation qui probablement sera agréée par la cour
supérieure compétente pour décider le cas si le recours a lieu. Dans ce cas, ce sont les
chances de défendre la décision qui poussent la cour à prendre une interprétation que
probablement sera valide. D’autre part la court peut vouloir qu’elle soit d’accord avec
l’interprétation qui domine dan la jurisprudence, sans égard aux pronostics de
l’interprétation par une instance hiérarchiquement plus élevée. Ce ne sont pas des
choses qui s’excluent mutuellement.” Jerzy WRÓBLEWSKI, La règle de décision dans
l’application judiciaire du droit, in “La Règle de Droit” (1978), p.81-82.
22.O STF, no artigo 102 de seu Regimento Interno, refere-se a Jurisprudência assentada.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
134
"estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições
convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho" (art. 114, § 2º).
Enquanto o precedente decorre de uma jurisdição de
eqüidade, os enunciados da Súmula da Jurisprudência uniforme ou
reiterada resultam da jurisdição de Direito, dos julgados de dissídios
individuais, em que o julgador tem de dizer o Direito expresso na Lei
anterior e não instituir regras normativas futuras.
Trata-se, segundo o autor citado, de um instituto uniformizador da Jurisprudência:
"O enunciado expressa, conseqüentemente, a uniformização da
Jurispru-dência em dissídios individuais, enquanto os precedentes
indicam, tão somente, uma orientação reiterada, iterativa.
"É preciso não esquecer que, nas ações individuais, o julgador atua,
única e exclusivamente como Juiz, enquanto nos dissídios coletivos ele
age como se legislador fosse, criando o Direito e não apenas
interpretando o já existente".23
As súmulas se distinguem da Jurisprudência esparsa, mesmo
que a Jurisprudência comum seja constante, reiterada; mas, por que a
Súmula se destaca? porque resulta de um processo especial de
elaboração, previsto nos Regimentos Internos dos Tribunais; por um
critério de escolha dos Ministros, 24 os assuntos são submetidos a
discussões técnico-jurídicas e, ao final, aprovadas em plenário e
publicadas.
A maioria absoluta ou a votação unânime constituem princípios
democráticos de decisão colegiada; é a idéia de que o Plenário dos
Tribunais, Câmaras ou Seções, por decidirem majoritariamente, exercem
legitimamente um poder inerente ao próprio exercício da cidadania, a
Jurisdição.
Este poder é implícito, pois ninguém contesta a validade da
decisão, que é soberana.
23. Idem, pp. 17-18. Era a norma do art. 114 do CPC de 1939 e é a do art. 1º do Cód. Civil
Suíço. Apreciando as ações coletivas do trabalho, CINTRA, GRINOVER & DINAMARCO
advertem que a sentença normativa constitui ato formalmente jurisdicional mas materialmente legislativo, com “características exclusivamente jurísdicionais”, lembrando que a
Constituição de 1988, em seu art.144, não faz alusão à sua “normatividade”. Teoria Geral
do Processo, N.164, p.266.
24.Art. 103 do RISTF; art. 126 do RISTJ; art. 4º da Resolução nº 18/92, do TST.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
135
É uma democracia qualificada, primeiro porque o Tribunal ou
Câmaras Julgadoras detêm o poder legitimamente; segundo, porque o
exercem diretamente coram populum; terceiro, porque esse poder é
exercido de imediato; e quarto, no caso de tribunal inferior, a decisão é
sempre passível de revisão pelo superior.
Em síntese, o poder de julgar exercido pelos tribunais é legítimo,
direto, imediato e democrático.25
Enquanto a Segurança legislada é um dado, a Segurança
jurisprudencial é um construído, 26e uando a Jurisprudência assentada
se transforma em súmula, esta construção jurídica o legislador a
recolhe, depois, como novo dado, para elaborar outras leis; tem-se,
deste modo, um constante aperfeiçoamento ou dialética construtiva do
Direito, como se pode ver pelo seguinte esquema:
2
Certeza
Da Segurança à Certeza
1
Da Certeza à Segurança
Segurança
3
Da Segurança Judicial
à Segurança Legal do
Ordenamento Jurídico
Da Segurança jurídica (legal) à Certeza do Direito
Da Certeza (restaurada) do Direito à Segurança jurídica (restaurada)
Da Segurança jurídica (restaurada) à Segurança jurídica Legal
25.Avançamos aqui, para discussão à frente, a questão do quorum qualificado nas decisões
colegiadas, que confeririam maior grau de auctoritas às mesmas, o qual poderia ser
fixado em 4/5 dos votos, ou seja, 8 Ministros no STF e 26 no STJ; o poder persuasivo da
jurisprudência seria maior, “quase-obrigatória”; na Constituição Federal de 1934, ocorria
que três acórdãos coincidentes de um Tribunal tornavam-se súmula dominante.
26. Rubens Limongi FRANÇA, citando MAXIMILIANO, pondera que “a Jurisprudência é a
causa mais geral da formação de costumes jurídicos nos tempos modernos” e ademais
“contribui, como os precedentes legislativos, para o Direito Consuetudinário”. O Direito, a
Lei e a Jurisprudência (1974), p.172.
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136
2. Segurança da Lei e Certeza da Jurisprudência
O caso julgado reconstitui a Segurança incerta, pois quando
as partes vão à Justiça já não havia mais certeza, seu direito era
hipotético, pois uma será vencida na ação; sua certeza, portanto, não
era tão evidente, como subjetivava, quanto a da parte vencedora.
Quando se litiga, há uma Segurança "insegura", que já se
denominou de "insegurança da Segurança";11 podemos falar de
"incerteza da certeza"; a decisão judicial, que se transformará em caso
julgado, não é uma reconstrução da Segurança anterior, fundada na Lei,
mas o caso julgado é constitutivo da certeza do direito em discussão,
sob nova forma de Segurança.
A Lei nos dá uma Segurança, mas o caso individual decidido
dará outra; a norma geral, da Lei, não é a mesma norma particular, da
sentença; a Segurança subjetiva (Certeza) surge no interior da decisão,
e quando se transforma em caso julgado, se objetiva. 12
A Jurisprudência realiza, portanto, a construção de um novo
Direito, pela utilização da analogia, dos costumes, da própria
Jurisprudência assentada, da doutrina e dos princípios gerais de Direito,
13 além dos motivos e circunstâncias do caso concreto.
O julgador age, aqui, como o alfaiate que recorta da peça de tecido
(a lei) uma parte e reveste dela o homem que tem diante de si (no
processo), segundo suas exatas medidas e adequações (elaborando a
sentença ou norma particular). O tecido da vestimenta, assim como a
decisão, não sobeja nem falece, daí chamar-se justa, e justo o aplicador.
E esta construção é necessária e contingente, pois o
legislador, não podendo prever todas as experiências multifárias da
vida, por ser dinâmica e sofrer mutações constantes, deve contar com o
intérprete para subsumir o fato à norma.
11 . Peter WUST. Incertidumbre y riesgo (1955), p.9; RADBRUCH discorre sobre a
“felicidade da incerteza” e a certeza da felicidade, em seu El hombre en el Derecho
(1980), p.116.
12. CALAMANDREI, em contrário à coisa julgada como presunção de verdade, critica a
expressão de que aquela facit de albo nigrum et de quadrato rotundum. Estudios de
Proceso Civil (1945), p. 608; Rev.Dir.Proc.Civile (1938), v. I, pp.108-129.
13 . “A certeza do Direito vai até o ponto de exigir a constituição de um Poder do Estado, cuja
finalidade precípua é ditar, em concreto, o sentido exato das normas. Ligada, portanto, ao
princípio da certeza do Direito, temos a compreensão mesmo da função jurisdicional”. Miguel
REALE, Filosofia do Direito (1982), p. 705.
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137
3. A Jurisprudência como ordenamento aberto
Deve a Jurisprudência ser codificada, como um ordenamento
fechado, rígido, inflexível? ou deve se manter como um ordenamento
aberto, receptivo à construção permanente do Direito?
É da essência da Jurisprudência, em nosso sistema jurídico,
ser flexível, mutável, dinâmica portanto, como é da Lei ser imutável,
enquanto viger. Mas, entre a Lei e a Jurisprudência há pontos de
coincidência, pois a Jurisprudência é construída com base na Lei, mas
com olhos postos no caso concreto; portanto, a Jurisprudência é a
subsunção da Lei ao caso concreto; por ela, a Lei resta "humanizada"
ou amoldada ao caso singular, de forma a ter uma eficácia "verdadeira";
a decisão, pois, faz justiça no caso particular, amolda a Lei, genérica, à
particularidade do caso sub judice e esta autorização, para assim agir,
está dada ao Juiz pelo artigo 4o da LICC.
A Segurança a posteriori, que emana da Jurisprudência, dá
ao cidadão, sujeito de Direito, mais certeza do que a Segurança a priori,
dada pela Lei? Aquela Segurança que a Lei nos dá, ("Acredite na
sinalização das estradas, e não errará o caminho!"), é uma certeza, uma
garantia, embora as constantes alterações nas Leis causem surpresas
ou insegurança aos cidadãos. 14
Enfim, o que aporta maior Segurança ao destinatário do
Direito: a Jurisprudência ou a Lei?
14. A hipertrofia das Leis, com o excesso de regulamentações casuísticas, tem sido um dos
fatores mais influentes para a desorientação jurídica da sociedade, como já nos
referimos, sendo apontada pelos autores como causa da insegurança jurídica do
cidadão.
“O governo estima que o estoque de legislação em vigor já deve estar ultrapassando a
marca das 200 mil normas. “... impera a anarquia na legislação, em decorrência de um
vício burocrático ... nove em cada dez textos legais terminam com a revogação das
‘disposições em contrário’... e remete ao extremo da incerteza, tornando inviável localizar
e distinguir o revogado do ainda vigente. A consequência é a gradual expansão do nível
de conflito jurídico na sociedade, com o congestionamento dos tribunais. As sentenças
diárias demonstram que os juízes passaram a operar cada vez menos pela aplicação
direta das leis e mais por sua interpretação”. Para obviar este caos legislativo, tramita no
Congresso Nacional o Projeto de lei nª 149/95, complementar à Constituição, visando
fixar padrões para se elaborar, escrever, alterar e consolidar todas as leis, decretos,
resoluções e outros tipos de regulamentos editados pelo Executivo, Legislativo e
Judiciário. Cf. José CASADO, “Planalto tenta mapear labirinto jurídico”. O Estado de
S.Paulo, 18.06.1995, Cad.A, p. 12.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
138
É de antiga doutrina afirmar-se que o caráter mutável da
Jurisprudência implica em incerteza do Direito; de outra parte, as
Súmulas visam dar maior grau de certeza à Jurisprudência. Entretanto,
nenhuma legislação pode dar estabilidade a fenômenos existenciais que
são por essência dinâmicos; vistas as condições humanas de liberdade,
inteligência criativa, vontade realizadora, as tentativas de codificar as
condutas do homem em sociedade ficam sempre ultrapassadas pelo
tempo, exigindo contínuas adaptações, retificações, emendas, reformas,
diante da emergência crescente de novos fenômenos jurídicos e sociais.
Um dos escopos da positivação do Direito é dar Segurança
aos cidadãos, mas o envelhecimento e a hipertrofia das leis corrói,
progres-sivamente, esses ancoradouros de certeza no Direito.
A simples insegurança gera um direito subjetivo de ação, como
facultas agendi; é uma faculdade que se pode exercitar a qualquer
momento; quando temos incerteza quanto a um direito e queremos
Segurança, é um direito ir aos Tribunais e questionar se a lei que nos
obriga é justa; os litígios nada mais são do que pleitos de dúvida, de
desconfiança, implicando a faculdade de exigir do Estado um novo
pronunciamento sobre o objeto do litígio; o petitum judicial questiona a
própria norma legislada, tornando-a discutível, e obriga o Juiz a buscar o
Direito justo e não o legal.
Discutir uma norma jurídica é interpretá-la segundo regras
hermenêuticas, de forma a explicitar o sentido oculto da Lei (por
deficiência natural do legislador), revelando o conteúdo da norma,
aclarando-a para que se aplique com exatidão aos direitos subjetivos
inquinados de duvidosos; por isso é o Direito essencialmente dialético,
retórico ou argumentativo, as sentenças não são meros silogismos e as
decisões nunca alcançam o justo absoluto, mas o razoável. 15
15 . Luis RECASÉNS SICHES. Experiencia jurídica, naturaleza de la cosa y lógica
"razonable", p. 529.
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Lei
Por Dedução
a
Lei Geral
se
Individualiza
através de
Múltiplas
Decisões Judiciais
Plano
do Geral
Plano do Particular
N
A
Por Indução
a
Jurisprudência
Uniformizada
torna-se
Generalizada
através das
Súmulas
Decisões Judiciais
O Caminho que vem da Lei às Decisões Judiciais
é o mesmo que vai destas ao Plano Geral da Lei.
Todo caso julgado traz em si um conteúdo de Direito
substancialmente diverso daquele da regra escrita; a norma que
ingressou na demanda, invocada pelas partes, não é mais a mesma
que sai da decisão judicial, mas é norma transfigurada,
transcendentalizada, pois passou do plano geral e abstrato da
unidade da Lei para o plano concreto, particular e múltiplo dos casos
julgados.
Em síntese, vemos que a Segurança é um dado objetivo da
Lei, inerente a ela, que deve acompanhá-la enquanto viger; é uma
condição de eficácia, pois se a Lei não for eficaz não será segura; e a
certeza é o elemento subjetivo que acompanha o sujeito de direito, é
aquela face da Segurança que, por ser polêmica e dialética, questiona e
duvida do próprio Direito objetivo. Enquanto na Lei, originariamente, a
Segurança é hipotética, na coisa julgada é concreta; não obstante
particularizada, a Segurança emergente do caso individual reforça a
Segurança da Lei geral, revalorizando o próprio ordenamento jurídico.
Tocante a este aspecto, ao tratar da interpretação como ato
de conhecimento ou de vontade, Hans Kelsen 16 afirmou em sua
célebre teoria que
“la interpretación que efectúa el órgano de aplicación del derecho
es siempre auténtica. Crea derecho. Mediante una interpretación
auténtica semejante pude crearse derecho no sólo en el caso en que la
interpretación tenga carácter general, ... sino también en el caso en que
el órgano de aplicación de derecho produce una norma jurídica
individual; tan pronto el acto del órgano de aplicación de derecho no
16 . Teoria Pura del Derecho (1993), p. 354-5. Cf. ERRÁZURIZ (1987), pp. 82ss.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
140
puede ser dejado sin efecto, por haber adquirido fuerza de cosa juzgada.
... Que muchas veces se cree nuevo derecho por vía de semejante
interpretación auténtica - especialmente por tribunales de última
instancia - es un hecho bien conocido”.
.
4. A relevância constitucional do STF
O Supremo Tribunal, a partir da Constituição Federal de
1988, apresenta-se com caráter constitucional, embora assim não se
identifique; por isso tem ele a precípua finalidade de uniformizar as
interpretações sobre Constituição, assim como o STJ o tem em relação
às Leis federais. 17
De fato, qual a preocupação do Estado democrático constitucional no campo jurídico? é a integridade do ordenamento; e sua
tutela depende dos Tribunais, principalmente do Supremo. É relevante
para o Direito, segundo os Tribunais, o tema da integridade do
ordenamento jurídico.
Diz-se “jurisprudencial" o Direito que se manifesta através da
Jurisdição 18 : na acepção técnica, "é o conjunto de pronunciamentos do
Poder Judiciário, num determinado sentido, a respeito de certo objeto,
de modo constante, reiterado e pacífico";19 na lição do ilustre jurista
Limongi França, "a Jurisprudência atinge o caráter de forma de
expressão do Direito, isto é, de preceito normativo, integrante do
sistema jurídico, à medida que se reveste das características de
costume judiciário", como regra de Direito costumeiro, com aceitação
comum, pacífica e reiterada por parte dos tribunais. 20
Hans Faching, 21 discorrendo sobre o CPC da Áustria,
ressalta, como uma de suas características, a maior estabilidade do
Direito, atra-vés da ampliação das funções do Supremo Tribunal; neste
sentido, pres-tigiar o Tribunal implica fortalecer a Segurança Jurídica,
através da maior efetividade da função de liderança do Supremo.
17 . Cf. Ricardo Arnaldo Malheiros FIUZA. Superior Tribunal de Justiça: “Guardião do Direito
Federal comum”, In “Recursos no Superior Tribunal de Justiça” (1991), pp.313-324.
18 . ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito, Verbete Direito Jurisprudencial, v. 27, p.262.
19 . Rubens Limongi FRANÇA, Manual de Direito Civil, 1971.
20 .Idem. Verbete Fontes do Direito. ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito, Vol. 38. O autor
participou de Comissão do Ministério da Justiça para elaboração do Anteprojeto da Lei
de Aplicação das Normas Jurídicas, ora em trâmite no Congresso Nacional, em que se
alvitrou incluir a Jurisprudência como fonte do Direito. Cf. Cap. XIII, N. 5, p. 238.
21 . O desenvolvimento do CPC autríaco nos últimos anos. RePro, v. 5, p.122.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
141
Alude este autor á existência de órgãos colegiados reforçados,
chamados a decidir quando há uma questão jurídica de importância
fundamental, que chama de relevância jurídica, podendo implicar em
mudança da Jurisprudência constante do Tribunal; ali, têm esses órgãos
uma função orientadora, porque exercem um trabalho modelar, para
evitar qualquer dúvida a respeito da decisão do Juízo superior sobre
questões jurídicas litigiosas. A finalidade da revisão serve, antes do
mais, para conservação da unidade do Direito, como primazia do
interesse geral, portanto.
A argüição de relevância é inerente ao próprio Direito de
ação; o interesse jurídico é da parte, por primeiro, depois, dos Tribunais,
até a determinação da coisa julgada; após esta, é de interesse do
ordenamento jurídico, ou seja, do próprio Estado. 22
Em acórdão do STF, 23 discutiu-se recurso em que a parte
insistia em receber honorários, em tema de mandado de Segurança; o
douto Ministro Oscar Correa, como relator disse que as funções do
Tribunal eram,
"no cumprimento da própria missão constitucional de interpretação
definitiva da Lei federal e de uniformização da Jurisprudência, essenciais
à normalidade e estabilidade da ordem jurídica".
Prosseguindo em seu voto, afirmou:
"Não se infere daí a obrigatoriedade formal de obediência à Súmula
do Supremo, nem pretendeu a Corte dar poder normativo, cogente, à
sua orientação, que não é Lei. Mas, se se conhece a Súmula - e o Juiz
brasileiro não a pode desconhecer, - e se não aplica, autoriza-se a
interposição do remédio processual para repor a orientação da Corte
Maior; e se obriga, desnecessariamente, a iniciativa da parte, exigem-se
ônus injustificáveis e requer-se prestação jurisdicional que se poderia e
deveria evitar".
Do referido aresto se depreende que a Jurisprudência dominante, principalmente sumulada, tem autoridade bastante para o
controle dos recursos; ou seja, competiria aos Tribunais inferiores
serem rigorosos na aceitação destes; mas, de outra parte, quanto mais
rígida a denegação de recursos, maior número de agravos para
conhecer da relevância haveria, o que iria ocupar o mesmo julgamento
22 . Notável apreciação do tema foi magistralmente elaborada por ARRUDA ALVIM, em sua
obra A Argüição de Relevância no Recurso Extraordinário (1988), e que, por suas
dogmáticas apreciações, guarda bastante atualidade; cf. igualmente Nelson NERY Jr.,
A Argüição de Relevância da questão federal no recurso extraordinário, in “Princípios
fundamentais - Teoria Geral dos Recursos” (1990), p. 146 ss.
23 . R.E. nº 104.898-RS, 26 mar 85. RTJ, v.113, p.457.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
142
para aquele caso denegado; não se pode negar o acesso à Justiça,
mas deve ser obstado quando não for ele evidente, pois muitos recursos
são nitida-mente incabíveis; na prática ou indiretamente, a Súmula
contém um mínimo de obrigatoriedade; a orientação, portanto, seria
acatá-la decidi-damente, com maior freqüência do que se tem visto.
5. Jurisprudência: modelos jurídicos e modelos dogmáticos
Eduardo Domingos Bottalo propôs duas soluções para a
apreciação das Súmulas, que se apresentam como modelos jurídicos ou
como modelos dogmáticos:
"à luz da teoria pura as Súmulas representam modelos jurídicos em
relação à atuação judicante do próprio Supremo, e como modelos
dogmáticos em relação aos demais Juízes". 24
Modelos jurídicos constituem pontos de referibilidade para
atuação concreta do Direito, já os modelos dogmáticos constituem
elementos de compreensão do Direito; ou seja, dentro do Tribunal seria
um modelo jurídico para os próprios juízes ou desembargadores
uniformizarem a Jurisprudência, para não discreparem, não serem
centrífugos os julgamentos, pois, se cada Juiz julgasse de maneira
aleatória, a Jurisprudência seria centrífuga e não centrípeta e acabaria
em anarquia; de outro passo, em relação aos Tribunais inferiores, os
modelos dogmáticos são referências do Tribunal superior, como
doutrina jurisprudencial.
Lembra-se, aqui, a necessidade de assegurar o respeito à
Jurisprudência sumulada da Corte, que busca efetivar a unidade
processual; a própria Lei Processual Civil (art. 479), fala de
uniformização da Jurisprudência, porque deve servir de rumo e
orientação, pois
"a independência do julgamento se afirmará à medida que obedeça
à Lei e não na afronta que lhe faça. Não se diminui o Juiz quando atende
à linha da Jurisprudência, nem o obriga a desfazer-se de suas opiniões.
É comum, nos julgamentos das Cortes, a ressalva de pontos de vista
pessoais. Enquanto isso não se dê, cumpre resguardar a autoridade da
decisão da Corte. 25
As Súmulas deveriam, pois, ser obedecidas com mais
frequência pelos julgadores das primeiras instâncias, enquanto não
24 . Natureza normativa das Súmulas do STF, segundo as concepções de Direito e de
Norma de Kelsen, Ross, Hart e Miguel Reale. R.D.Público (1974), v. 29, pp. 17-25.
25 . R.E. 104.898-RS, RTJ, v.113, p.458
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143
alteradas. É oportuno trazer à colação o ensino de Limongi França26,
para quem
“o princípio básico definitivamente consagrado, ... no âmbito do
Civil Law, é o de que os julgados anteriores não vinculam necessariamente o magistrado, ainda que se trate de decisões suas ou de Tribu-nal
da mais alta instância”; “além de carecer de qualquer base
constitucional, a ereção indiscriminada dos julgados em norma geral
obrigatória seria excessivamente arriscada e perigosa para a própria
ordem reinante”.
“Não obstante, excepcionalmente, temos para nós que, preenchidos uns tantos requisitos, a Jurisprudência (não os julgados, mas a
repetição constante, racional e pacífica destes) pode adquirir verda-deiro
caráter de preceito geral. É, a nosso ver, quando, pela força da
reiteração e, sobretudo, da necessidade de bem regular, de modo
estável, uma situação não prevista, ou não resolvida expressamente
pela Lei, ela assume os caracteres de verdadeiro costume judiciário.”27
6. Graus de auctoritas das decisões judiciais
Apreciando-se objetivamente a produção jurisdicional como
um todo, podemos identificar julgados:
a) de 1ª instância (juízos singulares), que apresentam auctoritas
simples ou primária;
b) de 2ª instância (juízos colegiados), com auctoritas média ou
secundária;
c) de 3ª instância ou constitucional (tribunais superiores), com
auctoritas plena ou absoluta nas matérias de suas competências.
Para Arturo Salinas Martinez, no Direito positivo mexicano se
encontram três conceitos de jurisprudência:
1- geral: decisões sem condições de jurisprudência obrigatória (não
obrigatória);
2- específico: cinco decisões consecutivas e uniformes sobre um
ponto de Direito, aprovados por maioria ou unanimidade (jurisprudência
obrigatória);
26. A Lei, o Direito e a Jurisprudência (1974), pp.175,178.
27. Sobre a doutrina dos precedentes nos sistemas anglo-norte-americano, consultar: Carleton Kemp
ALLEN, Low in the making (1978);Leslie SCARMAN, O Direito inglês.A nova dimensão (1978);
Victoria ITURRALDE SESMA, El precedente nel Common Law (1995); Edgar BODENHEIMER,
Jurisprudence, The Philosophy and ethod of the Law (1974); Benjamin N. CARDOZO, A natureza
do Processo e a Evolução do Direito (1956); Renè DAVID, Os grandes sistemas do Direito
contemporâneo; Maria Luiza MARÍN CASTÁN, Consideraciones sobre el Derecho ingles como
protótipo de sistema de Common Law y sus diferencias respecto de los sistemas romanojermánicos (1984); Alessandro PIZZORUSSO, Curso de Derecho comparado (1987); Roscoe
POUND, El espíritu del “common law” (1954); Oscar RABASA, El Derecho angloamericano (1982);
Gregorio RUIZ Federalismo judicial ( El modelo americano) (1994); André e Suzanne TUNC, Le
Droit des États-Unis d’Amerique (1955).
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
144
3- restrito: jurisprudência unificadora (também obrigatória). 27
Consideramos julgados relevantes, aqui, todas as decisões
trânsitas em julgado sobre questões de Direito que interessam ou
implicam diretamente os seguintes e diversos destinatários:
a) à Justiça, quando, functus officio suum, a decisão não mais pode ser
reexaminada, pela imutabilidade dentro do processo; são julgados
formalmente relevantes;
b) às partes, pois o litígio não poderá ser reapreciado no mesmo
processo ou em qualquer outro; nem o Juiz voltar a julgar, nem as
partes a litigar, nem o legislador regular diferentemente a relação
jurídica (por força da irretroatividade da Lei); 28 são julgados
materialmente relevantes;
c) ao ordenamento jurídico; se a qualidade essencial das decisões e de
seus efeitos é a imutabilidade, ela é a própria coisa julgada (formal e
material); a nosso sentir, a auctoritas do caso julgado não se limita
subjetivamente às partes ou a terceiros prejudicados, mas se estende
erga omnes, ou seja, a todos que se “beneficiam” da autoridade
dessa decisão. 29
As decisões de 1ª instância são meramente instrumentais,
porque se destinam a uma nova apreciação da causa; se não
recorrida, por aceitação das partes, faz o caso julgado perfeito,
constitui-se em decisão certa ou com forte carga de Direito justo. 30
Já nos acórdãos de 2as instâncias, torna-se perfeito o caso
julgado, se houver confirmação total ou parcial da decisão de 1º grau;
quando há reforma ou inversão do resultado, pode ter havido solução
considerada errônea ou injusta.
Enfim, os acórdãos de 3ª instância ou de nível constitucional
se adequam à uniformização da jurisprudência e à sumulação oficial,
27. Ap. José de Moura ROCHA. Súmula - II. ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito, v. .71,
p.329.
28 . CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. Teoria Geral do Processo, p.305.
29 . Giovanni ORRÙ. Richterrecht, p. 102, cf. nota 3, p. 1, deste capítulo.
30. Para Carlos COSSIO, toda e qualquer decisão é importante para o Direito; para o autor
argentino, importante jusfilósofo da Teoria Egológica do Direito, não há decisões judiciais
irrelevantes. Cf. Karl LARENZ. Derecho Justo (1985), p. 52.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
145
de forma a alcançar o grau máximo de auctoritas, a ponto de se
constituir em autêntico "Direito sumular". 31
7. Esboço de uma classificação das decisões judiciais
Na verdade, de todos os casos julgados emana uma carga de
auctoritas; à medida em que vão sendo publicados em repertórios
fidedignos, assumem relevância jurisprudencial, em graus correspondentes ao nível das decisões.
Assim, as Súmulas, além da auctoritas de julgado superior,
contém uma sanção oficial, advinda dos poderes especiais conferidos
pela Constituição, notadamente aos Tribunais superiores.
De fato, o Judiciário tem poderes, não apenas jurisdicionais,
de determinar o direito para cada caso concreto, mas também políticos
(interna corporis) de definir o grau de auctoritas daquele direito determinado pelos Tribunais (hierarquia jurisprudencial). 32
A orientação do Judiciário, com relevância a ditada pelo
Supremo Tribunal, é jurídico-política, porque detem competência
constitucional exclusiva para fazê-lo; porque é instância recursal
derradeira; e porque, implicitamente, suas decisões guardam a
potencialidade de se transformar em Súmula dominante.
Ora, se nem todas as decisões de um Tribunal são
sumuladas, é porque não há interesse relevante para o ordenamento
jurídico; o critério seletivo de algumas questões de Direito, para
sumulação, reside na importância que apresentam para aperfeiçoar a
ordem jurídica.
Numa ordem crescente de relevância, quanto às questões de
Direito decididas, oferecemos a seguinte classificação:
1º) Direito Judicial é expressão abrangente, para todas as instâncias de julgamento,
dos Juízes singulares aos colegiados superiores; pode não conter, virtualmente,
31. Lincoln Magalhães da ROCHA. Direito sumular. Uma experiência vitoriosa do Poder
Judiciário (1983); Roberto ROSAS. Direito Sumular (1991), etc.
32 . LIMONGI FRANÇA lembra que “o princípio dominante na matéria é o da decisão
segundo o livre convencimento do magistrado, atendidos os ditames da Lei e, na sua
omissão, dos preceitos oriundos das outras formas de expressão do Direito, previstas,
expressa ou implicitamente, na Lei de Introdução ao Código Civil”. Op.cit.p.192.
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146
força de precedente, por sua pequena relevância jurídica, mas sempre possuirá
auctoritas (formal e material), em qualquer caso julgado. 33
2º) Direito Jurisprudencial consiste no conjunto ou acervo de decisões reiteradas dos
Tribunais sobre grupos de questões de Direito, julgadas sempre sob a mesma
determinação do ius, sem qualquer preocupação sistemática. 34
3º) Direito Sumular será, afinal, a Jurisprudência feita prevalecer de maneira oficial,
pelos respectivos Tribunais, sobre matéria de sua competência, através de sistema
político "quase legislativo", consistente na escolha dos temas juridicamente
relevantes, discussão e votação plenária das ementas e sanção oficial, que se
incorporam em conjuntos sistematizados. 35
8. Coisa julgada e Certeza do Direito
As sentenças de 1ª instância podem se tornar caso julgado
quando as partes não recorrem, por se conformarem à solução justa,
satisfeitos que foram seus direitos, mas não fazem jurisprudência, no
sentido jurídico da expressão; por se tratar de norma individualizadora
33. ORRÙ. Op. cit., p. 102. Carlos MAXIMILIANO: “Para evitar confusões, ... parece
preferível só chamar Jurisprudência ao uniforme e constante pronunciamento sobre
uma questão de Direito, da parte dos tribunais; e simples precedentes, às
deliberações das câmaras legislativas e às decisões isoladas dos magistrados”.
Hermenêutica e aplicação do Direito (1957), N. 204, p.235.
No mesmo sentido, Francisco MADRAZO: “... el derecho que utilizan los jueces en el
desempeño de su función es algo más extenso, y por tanto distinto, que el orden jurídico
que regula la vida de los individuos en sociedad. Si éste es asimilable a la idea de
conjunto de leyes, es decir, de normas sancionadas regularmente por los órganos
estatales competentes, lo que denominamos derecho judicial es una estructura compleja,
no homogénea y de alguna manera supralegal”. Orden Jurídico y Derecho social (1985),
p. 69.
34. Luigi LOMBARDI refere-se ao Direito Jurisprudencial como “momento jurisprudencial do
Direito” afirmando: “La giurisprudenza non si limita a offrire la conoscenza di un diritto
interamente formato, ma contribuisce alla stessa formazione del diritto, è sempre
creativa; visto del lato opposto: il diritto è sempre (anche) giurisprudenziale”. Saggio sul
Diritto Giurisprudenziale (1975), p. 371ss.
Frédéric ZENATI, tratando da Jurisprudência da Corte de Cassação francesa, enfatiza
que “... le mécanisme du pourvoi en cassation n’est qu’une implication procédurale de la
force des règles jurisprudentielles ... Ces règles s’imposent à tous en dehors du procès et
l’autorité de la chose jugée ... n’est qu’une technique visant à renforcer leur force
obligatoire.” Embora com certa ressalva, cita KERNALEGUEN, para quem “l’arrêt
d’assemblée plénière jouit d’une double force obligatoire, l’une résultant d’une règle
jurisprudentielle ayant force de loi, l’autre de l’autorité de la chose jugée”(Nota 2),
ressaltando a natureza legislativa daquela jurispru-dência, “en parlant d’autorité
‘semblable’ à la loi et, parfois de nature ‘quasi-législative’” (p. 184, Nota 4). La
Jurisprudence (1991), pp.183-184.
35. Cf. Roberto ROSAS, Lincoln Magalhães da ROCHA e outros, já citados. Neste sentido
podem se enquadrar as “Súmulas” do STF, do STJ, dos Tribunais de Justiça ou de
Alçada, etc.
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147
do caso concreto, sem potencialidade de unificação de julgados, através
de decisões múltiplas, apresentam menor grau de certeza jurídica. 36
Somente decisões múltiplas, sobre questões jurídicas semelhantes, levam à formação de Jurisprudência; e justamente por serem
colegiadas, as decisões de 2ª instância oferecem maior grau de certeza
jurídica.
Um máximo grau de certeza jurídica encontramos nas
decisões constitucionais de 3º grau (STF) porque, além do conteúdo
material do Direito, elas definem, apuram ou determinam a
constitucionalidade das leis mesmas.
Quando estes julgados terminativos (de 2ª ou 3ª instâncias)
passam por processo regimental de uniformização de jurisprudência
dominante, produzem-se as Súmulas, como forma especialíssima de
Jurisprudência.
De fato, as Súmulas contêm auctoritas de categoria superior à
da Jurisprudência esparsa porque: são sistematizadas; recebem
sanção, à maneira legislativa (portanto, quase-leis); são de nível
constitucional; e mais rígidas que as decisões assistemáticas, por sua
maior qualificação na hierarquia dos enunciados jurisprudenciais.
9. O ordenamento jurídico, corpo aberto e em evolução
A constante produção legislativa, os novos costumes criados
na sociedade, sobretudo pelo tráfico comercial, as regulamentações
administrativas, os contratos negociais, a doutrina e pareceres dos jurisconsultos, e também a produção jurisdicional, contribuem diuturnamente para a formação, conformação ou aperfeiçoamento do universo
jurídico, sob o qual os homens se movem e convivem na sociedade.
Chamem-se fontes, expressões jurídicas ou modelos
jurídicos, 37 na verdade são os mananciais do Direito, que fazem o
36. MAXIMILIANO indaga: “Sentenças de primeira instância formam Jurisprudência?
Certamente; e até não é raro que forneçam a melhor contribuição. Entretanto, o prestígio
cresce com a altura do tribunal, e é lógico, porque os arestos de pretório mais elevado
alcançam mais larga periferia e inutilizam os dos juízes inferiores. O Supremo Tribunal
Federal ocupa o primeiro lugar, como autoridade em Jurisprudência; vêm depois os
tribunais de segunda instância; por último, os de primeira. Não se olvide, entretanto, que
o julgado, para constituir precedente, vale sobretudo pela motivação respectiva; o
argumento científico tem mais peso do que o de autoridade”. Op. cit., N. 203, p.234.
Dir eit o j udicial , Jur ispr udencial , Sumul ar
148
ordenamento respirar, crescer e renovar-se, demonstrando que este
nem é estático nem fechado.
Realmente, ao admitir o legislador positivo que o Juiz pode,
na falta de Lei, aplicar os costumes, a analogia ou os princípios gerais
de Direito (arts. 4º LICC, 126 CPC, 8º CLT, etc), está reconhecendo a
existência de lacunas ou válvulas pelas quais o ordenamento se
comunica com os fatos emergentes, os assimila e se desenvolve.
Mas não exclui o entendimento de que o produto dos julgamentos - a Jurisprudência - seja igualmente uma forma ou expressão
jurídica que se incorpora ao patrimônio do Direito; se não, inúteis seriam
as normas sobre uniformização e sumulação da Jurisprudência, sobretudo dos Tribunais Superiores (arts. 476 a 479 do CPC, arts. 101 a 103
e 325-326 do RISTF, arts. 118 a 121, e 122 a 127 do RISTJ; art. 63 da
LOJF; art. 16, par. único, da LOM etc).
Portanto, todas as experiências no campo do Direito tendem a
um mesmo fim, a ordem jurídica, que significa segurança, harmonia e
paz social, em todas as atividades humanas, enfim, o bem comum,38
como último e superior interesse dos homens em sociedade; essa
tendência finalística obedece a uma Lei universal e dinâmica, a Lei do
crescimento constante da cultura, nela incluído, com proeminência, o
próprio ordenamento do Direito:
"Afirma-se
que
o
objetivo-síntese
do
Estado
contemporâneo é o bem comum e, quando se passa ao
estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeção
particularizada do bem comum nessa área é a pacificação
com justiça". 39
O centro da vida jurídica, e também social e política, é
evidentemente, o bem comum, para o qual tendem todas as expressões
culturais do Homem, das quais sobressai o Direito, por ser influente e
abrangente das demais categorias do pensar e do agir humano.
A Lei natural do crescimento constante obriga a que a produção
jurídica, em todos seus níveis e expressões, amplie a concreção do bem
37. LIMONGI FRANÇA, Verb. Formas de expressão do Direito. ENCICLOPÉDIA Saraiva do
Direito, v.38, p.203-217; Miguel REALE. Verb. Modelos jurídicos. ENCICLOPÉDIA
Saraiva do Direito, v. 53, p. 67-74; e seu recente Fontes e Modelos do Direito (1994).
38 . V. Cap. VIII, N. 6, O Bem comum, Unidade na Multiplicidade.
39 . CINTRA, GRINOVER & DINAMARCO. Teoria Geral do Processo (1994), p. 25.
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149
comum, em suas aplicações como Justiça social; os desníveis sociais,
injustiças legais, apartheids de toda espécie, segregações anti-humanas,
só se eliminam quando o bem é ampliado de modo a se tornar cada vez
"mais comum", ou seja, extensivo a todos os setores da sociedade, seja
em seus aspectos materiais (mais urgentes) ou espirituais (mais
importantes).
Ora, a produção jurídica dos Tribunais, através da Jurisprudência, não visa satisfazer apenas interesses materiais dos homens,
mas também, e sobretudo, valores espirituais como a liberdade, o bemestar, a igualdade, a justiça, anunciados, por isso mesmo, no
Preâmbulo e inscritos nos primeiros artigos da Constituição Federal.
10. Conclusões
Cabe ao Poder Judiciário a grave responsabilidade, nunca
demais enfatizada, de crescente conscientização dos órgãos judicantes
para superar o individualismo nos julgamentos, ao não reconhecer a
superioridade da Jurisprudência dominante e das Súmulas; ou a
superficialidade na abordagem de temas relevantes que interessam,
agora, não somente às partes, mas também ao próprio universo jurídico;
e a mediocridade de se admitir que o simples pronunciamento de um
Tribu-nal tenha auctoritas por si mesmo, quando, ao contrário, o que faz
a autoridade dos julgados é a competência, a cultura, o estudo, a
probidade, a idoneidade moral, o humanismo, enfim, de seus prolatores,
no sentido de entenderem a Jurisdição não como mero poder técnico de
aplicação de normas, mas como pesquisa profunda, que alcance as
raízes sociais da controvérsia, para fazer incidir um Direito justo.
Deve o Judiciário pugnar por Tribunais abertos, que não se
limitem ou se acomodem à sua Jurisprudência interna, organizada,
pacificada, mas fechada em si mesma, como numa pirâmide kelseniana.
Os Tribunais inferiores e Juízes não deveriam desconhecer que fazem
parte de um mesmo sistema jurisdicional, que opera com a mesma
matéria prima, o Direito objetivo, e que não há sistemas particulares,
fechados, infensos à produção jurisprudencial dos demais, sobretudo os
superiores.
Há que considerar a qualidade da cultura (a jurídica
sobretudo) e apreciar a produção intelectual dos demais, indo ao
encontro e sensibilizando-se com as idéias e soluções dos mais
prudentes.
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150
É característica do homem culto (em especial o julgador)
acolher as idéias alheias, lançar desafios construtivos, ressaltar e
valorizar o positivo e unir as soluções que realizam o bem da Justiça;
enfim, irmanar-se com os que oferecem idéias superiores de Direito.
Assim como há uma hierarquia nas Leis, há igualmente nas
Jurisprudências; não se trata de uma ordem rigidamente vinculante,
nem tão pouco aconselhamento moral, mas disciplina persuasiva; o
conselho dos prudentes sempre foi acatado na Roma antiga, e até
mesmo por ordem imperial, em certa época.
Desconhecer o labor jurisprudencial de decisões superiores, o
que representam de conteúdo normativo, apurado, aperfeiçoado,
refinado, através de elevados debates jurídicos, em sucessivos
julgamentos, e já incorporados ao universo doutrinário, especialmente
através do Direito sumular, é descartar, sic et simpliciter, regras
elementares de hermenêutica, que mandam acatar a jurisprudência
evidente, desde que não esparsa ou tergiversante.
Carlos Maximiliano nos instrui que “uma decisão isolada não
constitui Jurisprudência...; o precedente, para constituir Jurisprudência,
deve ser uniforme e constante”; “não deve o Juiz com facilidade
afastar-se da autoridade dos casos constantemente julgados de modo
semelhante”. 41
Bem orientativa é a norma do art. 94, § 5º, da Constituição
Geral da República Mexicana, quando prescreve que
"A Lei fixará os termos em que seja obrigatória a Jurisprudência
que estabeleçam os tribunais do Poder Judiciário da Federação sobre
interpretação da Constituição, Leis e regulamentos, federais ou locais, e
tratados internacionais celebrados pelo Estado Mexicano, assim como os
requisitos para sua interrupção e modificação." 42 (negritos nossos).
Para se alcançar os escopos do Direito processual contemporâneo, compete aos julgadores, no tocante à recepção de Juris41 . Op. cit., N.199-VI, p.232; N.202-VII, p.234. Cf. Exposição de Motivos encaminhando o
Anteprojeto da Lei de Aplicação das Normas Jurídicas, que poderá vir a substituir a atual
LICC, reza o Art. 3º: «Dever de decidir - O Juiz não se eximirá de julgar alegando
inexistência, lacuna ou obscuridade da Lei. Nessa hipótese, em não cabendo a analogia,
aplicará os costumes, a Jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais de Direito»
(negrito nosso).V. Nota 3, p. 122.
42. Cf. José de Moura ROCHA. Súmula - II, ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito, v.71, p.
329.
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prudência superior, desenvolver uma efetiva colaboração recíproca,
para que as diversas competências jurisdicionais possam ultrapassar
posições menores e barreiras ideológicas, levantadas por
personalismos que entorpecem o melhor acesso da cidadania à Justiça
e acabam por desprestigiar o Judiciário, perante a sociedade, como
Poder constitu-cional democrático, destinado à defesa social.
Não é de se olvidar, por fim, que cada Jurisprudência que se
firma em determinados campos do Direito, firma o ordenamento inteiro;
e firmar significa dar Segurança jurídica, não apenas aos destinatários,
mas aos aplicadores do Direito em geral, e aos julgadores em especial,
pois a eles está dirigido todo o Direito, 43 a fim de que façam Justiça !
43 . Afirmar que “as leis são para todos os cidadãos” é uma ficção jurídica, segundo Vittorio
FROSINI, para quem, em obra recente (La letra y el espíritu de la ley, 1995), “seus
verdadeiros destinatários são os magistrados e os funcionários públicos, aos quais
incumbe a obrigação de conhecer e aplicar as leis, os regulamentos, as portarias
ministeriais, as sentenças definitivas dos Tribunais”(p. 42); recorda que o cidadão tem
experiência do direito, não da lei (p. 43), e que a mensagem legislativa se dirige em
primeira instância a seus intérpretes e execu-tores, os quais devem fazer cumprir as leis,
e só em última instância, à generalidade dos cidadãos, os quais devem cumprir as leis
(p. 45); nisto consiste a certeza do direito como solidez prática, como fato e não como
norma (p. 46).
Capítulo X
Integração LegislaçãoJurisdição
SUMÁRIO: 1. Legislação mais Jurisdição. 2. Segurança legislativa e
Certeza judicial. 3. As causas mais comuns da insegurança jurídica. 4.
O excesso legislativo e a insegurança jurídica. 5. A Certeza do Direito
determinada pelos Tribunais. 6. A Verdade como Certeza. 7. A
Eqüidade como elemento determinante da Certeza do Direito. 8.
Jurisprudência e Eqüidade. 9. Diferença e semelhança entre Súmula e
Norma Jurídica. 10. Conclusões.
1. Legislação mais Jurisdição
Entre a Lei e a Jurisdição há uma correlação, um esquema
dialético, não contraditório, mas de contrariedade.
A
UNIVERSAL
NEGATIVO
POSITIVO
I
E
PARTICULAR
O
É sabido, pela lógica clássica, que as proposições podem ser
contrárias: o Universal versus Particular; também o Positivo versus
Negativo. Estas duas posições podem, no entanto, coexistir, pois quando
se diz mais, afirma-se o menos; se dizem claro, dizemos escuro. São
tensões dialéticas que não se destroem, não se negam; são contrárias,
mas não se anulam, o mais não nega o menos; contrário, o reafirma.
Podem, porém, ser contraditórias, quando se anulam e
tornam impossível qualquer conclusão; entre uma afirmação universal
positiva e outra particular negativa não pode haver conclusão, pois se
destroem.
Ora, a dialética a ser procurada e desenvolvida, porque
salutar ao raciocínio e ao próprio Direito, é a da complementariedade e
da integração, e não a dos contraditórios que se anulam e nada
constroem; esta dialética dos contrários que se complementam, nós a
chamamos dialética vital.
Int egr ação Legisl ação-Jur isdição
154
Miguel Reale, em sua última e lúcida obra, reafirma o que
escrevera anteriormente, dizendo:
“... penso ter demonstrado que somente a dialética de complementaridade,
com vigência crescente no pensamento contemporâneo, logra explicar a
correlação existente entre fenômenos que se sucedem no tempo, em função
de elementos e valores que ora contrapostamente se polarizam, ora
mutuamente se implicam, ora se ligam segundo certos esquemas ou
perspectivas conjunturais, em função de variáveis circunstâncias de lugar e de
tempo”. 1
No Direito, encontramos esta relação dialética complementar
precisamente entre Legislação e Jurisdição. Uma não anula a outra,
mas são feitas para se completarem, porque o Juiz não deve transgredir
a Lei para decidir. O Juiz profere decisão segundo a Lei e as
circunstâncias do caso; portanto, neste ele acrescenta algo que
complementa a Lei e, nesta complementação faz evoluir o ordenamento
e o próprio Direito; acrescendo algo novo, através da Jurisprudência,
permite ao Legislador retomá-la como fonte material de inspiração para
novas leis e novas decisões ou aperfeiçoamento das existentes.
Em matéria de locação, p. ex., em que não há leis duradouras, mas
sempre em modificação, o Legislador busca na Jurisprudência o que os
Tribunais estão decidindo, para transformar em Lei tais decisões; isto é de uma
evidência clara, e o melhor exemplo, repetimos, é o da correção monetária (Lei
6.899/81); é o princípio da inovação: a síntese entre Lei e Sentença é sempre
algo mais do que a Lei, pois traz em si um plus valorativo do ordenamento.
2. Segurança legislativa e Certeza judicial.
A segurança que advém da coisa julgada dá mais certeza que
a segurança do legislador. A segurança do legislador, ao elaborar lei
nova, é segurança hipotética, porque ele cria, a priori, uma obra
genérica e abstrata; como uma fábrica que produz peças de tecidos que
servem a todos; assim fabricada, dá a certeza de que, com alguns
1. Fontes e Modelos do Direito (1994), p.80. Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Jurisprudência
integrativa e o Ideal de Justiça. In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(1984), pp. 12ss.
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155
metros pode-se confeccionar uma roupa; é uma segurança dada pelo
mercado (que seria o ordenamento jurídico, a proteção, o amparo).
Na prática, a peça de tecido é uma hipótese de uso, porque não se
conhece o alfaiate nem o modelo e os figurinos variam ao infinito; essa
infinidade, que é a variedade, são os casos concretos que ocorrem na vida
jurídica.
Esta multiplicidade contrasta com a unicidade da Lei;
enquanto a Lei é única e, por isso universal, tem de servir para a
descoberta da verdade: qual o culpado, quem tem razão, quem pode
pleitear uma indenização, quem deve pagá-la. Esta é a grande incerteza
do Direito. Temos a segurança da Lei, mas não temos certeza do
Direito; na hipótese de uma indenização, temos certeza do an debeatur,
mas não do quantum a receber.
Somente com a decisão judicial haverá certeza “justa” do
Direito; como roupa que se adapta perfeitamente ao corpo da pessoa, a
decisão deve se adaptar de modo certo ao caso concreto, à ocorrência
jurídica de fato.
Esta é uma bela imagem do Juiz, pois ser alfaiate é uma das mais nobres
profissões, como a do Marceneiro de Nazaré. Quem veste alguém com tecido
é como o julgador, que reveste as pessoas com as roupagens da Justiça, valor
ideal que dá a cada qual aquilo que é seu (a roupa que serve a um não serve a
outro).
Os homens, temos dimensões diferentes, medidas diversas;
estas particularidades, que no crime se prestam à "individualização da
pena", é que fazem bela a Justiça, transformam o geral, abstrato,
hipotético, em concreto, real, particular; e o dar o que é seu, hoje, pelas
constituições democráticas, é respeitar a cidadania de cada um, no
sentido de cumprir os mandamentos constitucionais, as virtudes cívicas,
os direitos fundamentais.
É oportuno lembrar Celso Antonio Bandeira de Mello quando
ensina:
“Uma vez que a nota típica do Direito é a imposição de condutas,
compreende-se que o regramento constitucional é, acima de tudo, um conjunto
de dispositivos que estabelecem comportamentos obrigatórios para o Estado e
para os indivíduos. Assim, quando dispõe sobre a realização da Justiça Social
... está, na verdade, imperativamente, constituindo o Estado brasileiro no
indeclinável dever jurídico de realizá-la”. 2
2. Eficácia das normas constitucionais, RDP, v. 57-58, p. 236.
Int egr ação Legisl ação-Jur isdição
156
Tomemos nossa Constituição, que firmou em extremo os direitos
fundamentais, elevando normas de Direito penal e processual a princípios
constitucionais, tornando-se garantia do suum cuique tribuere. Hoje, a
discussão sobre processo e ação está em nível constitucional. O processo foi
constitucionalizado, em tal ordem que tudo gira em torno dos direitos
fundamentais. Então, o Direito processual, que deixou de ser adjetivo, para se
constituir em ciência autônoma, volta a ser tutelado, não mais pelo Direito
privado, mas pelo Direito Constitucional.
Quase tudo tende a ser resolvido no nível dos Tribunais Federais, com
base no Direito Constitucional. As medidas cautelares, eminentemente
processuais, têm maior eficácia constitucional. Tais medidas "tolhem", por
exemplo, um imposto como o IPMF, em meio à sua cobrança; uma cautelar
paralisa greves de funcionários públicos; Juiz nenhum alcançaria fazê-lo, mas
o Supremo Tribunal, com os poderes que lhe outorgou a atual Constituição o
vem logrando, muitas vezes com eficácia erga omnes.
É algo renovador no campo da eficácia das normas o que
está ocorrendo. As ações civis coletivas, representam uma
transformação do Direito processual; podem ser inominadas, propostas
em nome da coletividade ou da cidadania, simplesmente. Os
promotores de Justiça passam a ter legitimação para representar uma
coletividade ou multiplicidade de direitos individuais; a defesa ambiental,
v.g., é uma conquista democratizante, quando, por exemplo, impõe
multas que serão revertidas não em proveito dos autores da ação, mas
da coletividade.
A multiplicação das O.N.G. (Organizações Não Governamentais) em todo
mundo, atualiza a discussão sobre os chamados "corpos intermédios", entre o
cidadão isolado, desprotegido, sem segurança, e o Estado todo-poderoso. Os
corpos intermédios, entidades que se desenvolveram sobretudo na Idade
Média, são grupos de pessoas que se unem para dar força ao cidadão contra o
Estado. Os Sindicatos, a OAB, e até mesmo a família, são exemplos típicos de
órgãos ou corpos intermediários. Enquadram-se nos corpos intermédios,
absolutamente necessários a uma sociedade, como lubrificantes do bom
funcionamento do organismo social, sendo principalmente defensores do
direito dos pequenos grupos. 3
Se pensarmos no poder das Centrais de Trabalhadores, a nível
nacional, que poder! Mas, no fundo, representam grupos reduzidos de
pessoas. Sua força vem da unidade de todos os sindicalizados; se fossem
sindicatos isolados, independentes, sua luta seria mais dificil, serviriam,
como sempre serviram, a interesses menores. Na Idade Média, as
corporações de oficio, sociedades particulares, eram tipicamente "corpos
3. Entre as grandes empresas, um fenômeno a analisar, do ponto de vista da Teoria Geral do Direito e
do Estado, é o das multinacionais, porque não se enquadram em esquemas jurídicos; as
transnacionais não buscam os Tribunais, têm campos privados de atuação; preferem o arbitramento
judicial para suas pendências e seus contratos costumam conter compromisso de solução de litígios
por arbitramento, sobretudo a nível internacional.
Int egr ação Legisl ação-Jur isdição
157
intermédios" entre o cidadão e o Estado; estavam voltadas à defesa do
cidadão contra o Estado a ponto de exigirem, muita vez, participação nos
governos locais;4 por isso, os grupos intermédios se constituem em
elementos importantíssimos para a vida social, jurídica e política de uma
nação.
Buscamos demonstrar que o Legislador, ou a Lei, produz
segurança, mas a decisão judicial, pela Jurisprudência, traz certeza maior.
Diz-se que a segurança, como exigência objetiva da Justiça,
procede do conjunto estrutural e funcional de um sistema jurídico, através
de seus costumes, normas e instituições, como Direito objetivo, dada a
priori, ou como princípio de legalidade ou anterioridade da Lei; a
segurança é dada pelo Legislador ou pelo administrador, ao propor leis ou
regulamentos; como valor, deve vir implícita neles. A própria Lei deve
garantir o amparo dos direitos do cidadão, e também que será por ele
cumprida, e pelos demais.
A Lei, portanto, como norma abstrata, é um fato que não pode ser
alterado, existe tal como é, sem matizações, há uma fixidez objetiva na Lei que
não muda enquanto viger o ordenamento. Este se compara ao firmamento: as
leis, como os astros, convivem em harmonia, não devem se contrapor nem ser
contraditórias.
Na visão do positivismo jurídico, o ordenamento se afirma
como estrutura fechada, o que vamos admitir apenas para argumentar;
é, pois, uma atmosfera em que respiram vários destinatários ou
receptores do Direito, os cidadãos, os administradores, os Juízes,
Promotores, advogados, professores, Juristas em geral. É uma natureza
experimental, ou uma experiência natural do espírito, da cultura, ao
longo da história, sem entrar na distinção entre Direito natural e positivo.
É uma manifestação do espírito humano, segundo a vontade coletiva de
um povo ou de determinadas circunstâncias históricas e valores
acatados; as normas, como as instituições, são fundamentos, são os
pilares que sustentam uma construção, uma estrutura.
Discorrendo sobre a complexidade do ordenamento afirma
Reale que
“Há um ‘ordenamento jurídico’ em cada país, formado pelas diversas
fontes de direito, sob a égide do Estado, mas como sistema aberto e
polivalente, subordinados ao qual formam-se ‘ordenamentos menores’, com
menor grau de positividade”. 5
4., Henri PIRENNE. História económica y social de la Edad Media (1955), pp. 146-148.
5. Op.cit., p.99.
Int egr ação Legisl ação-Jur isdição
158
Hernandez-Gil, por sua vez, analisando o próprio conceito de
ordenamento jurídico afirma que
“La aportación fundamental en la materia se debe a Santi Romano, cuya
doctrina conserva actualmente renovada presencia, especialmente en el
campo del derecho público. Sus dos ideas claves son: la institución y la
pluralidad de los ordenamientos jurídicos. La institución no excluye al
ordenamiento; al contrario, le dota de existencia y le justifica; la institución
quiere decir ‘organización” y ésta encarna ... el ‘fin característico del derecho’.
La pluralidad de los ordenamientos descarta la exclusividad del ordenamiento
estatal; hay otros grupos sociales dotados de organización propia y, por tanto,
otros ordenamientos”. 6
A teoria estruturalista serve para explicar, em parte, esta idéia
ou conceito. A Teoria Pura do Direito é estruturalista, quando fala de
pirâmides; a própria concepção de sistema jurídico é estruturalista, o
poder de unificação da estrutura, qual o esqueleto de um edifício. Mas
devemos passar ao funcionalismo: para que serve este conjunto, este
ordenamento? Tem ele uma função, uma finalidade que é necessário
descobrir para valorizar todo o conjunto.
Bem por isso, na interpretação da Lei entra a teleologia
(teleos = finalidade). Qual o fim da lei de proteção ambiental? Até onde
vai o limite desta proteção? É um esquema de interpretação. Como
pilares do edifício jurídico, o ordenamento é uma construção humana,
estas pilastras têm de sustentar e garantir ao cidadão que não vai ruir,
dando-lhe segurança, pois ninguém aceitaria viver sob uma estrutura
insegura. O homem, em suma, desde o nascer, exige segurança para
viver.7
A segurança física, externa ao homem, é correlata à
segurança espiritual-jurídica que nele habita. Queremos viver em uma
sociedade que nos dê segurança, pois nenhum homem civilizado
aprecia conviver em uma nação com leis instáveis, variáveis a cada
transe político, fonte perene de toda insegurança jurídica.
3. As causas mais comuns da insegurança jurídica
6. La Constitución, el Derecho, el Ordenamiento y los Valores. In: “Obras Completas”, (Conceptos
Jurídicos Fundamentales), v.I (1987). pp. 409.
7. Peter WUST, considerado um dos existencialistas mais profundos, na linha agostiniana, em obra
célebre, Incertidumbre y Riesgo (1955), discute a questão da segurança humana. Inicia relatando as
vicissitudes dialéticas que parecem existir entre os momentos de segurança e insegurança: “Se
encontrará, portanto, natural que el hombre aspire a ella y quiera protegerse contra las
inseguridades de su misma existencia”. P. 12.
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159
Vários autores concordam num rol de fenômenos comuns a
todos os povos, geradores de insegurança do Direito, entre elas:
• Excesso de leis;
• O câmbio muito rápido das leis;
• A inflação monetária;
• Uma cultura da litigiosidade ou gosto de litigar, até mesmo
por emulação;
• Baixo nível cultural do povo;
• Sistemas econômicos opressivos;
• Corrupção administrativa, falta de confiança nos
funcionários da justiça, falta de ética nas empresas e
profissões;
• Descrença nos mecanismos judiciários e na própria justiça.
Destes fatores, alguns são culturais (o baixo nível
educacional, que gera conflitos sociais graves, percorrendo um estado
de ânimo disseminado por todas as classes, de um espírito de
litigiosidade ou gosto de “levar alguém” à barra dos Tribunais); outros
são econômicos (sistemas opressivos, possibilitando a exploração de
massas de trabalhadores, a existência de contratos leoninos - sobretudo
nos campos bancário, securitário, mobiliário etc -, cartéis e dumping; e a
cultura inflacionária, mais produto da especulação financeira que das
dificuldades econômicas nacionais); outros ainda são políticos (o
excesso e a mudança célere das leis, gerando imprevisibilidade
razoável das conseqüências jurídicas das condutas; e a corrupção
administrativa, com toda seqüela de imprevisibilidades, que provocam
profundo descrédito nas leis e nos governantes); finalmente, há as
causas jurídicas, propriamente (sobressai a descrença na Justiça, nos
funcionários e operadoradores judiciais; nos mecanismos judiciais e
processuais, especificamente a morosidade na solução dos processos,
a inércia dos órgãos incumbidos da iniciativa processual, a corrupção
dos funcionários, a insuficiência de recursos humanos e materiais etc).
Como se depreende, a maioria expressiva das causas de
insegurança não têm origem no âmbito da Justiça, mas seus efeitos
são a ela carreados; são problemas de ordem social, política e
econômica que geram insatisfações incontidas e não resolvidas, que
mais cedo ou mais tarde, de uma forma direta ou oblíqua, individual ou
coletivamente, desaguam nos Palácios de Justiça para que os Juízes os
dilucidem, satisfaçam e resolvam.
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160
Ao final, apura-se que os dilemas da insegurança são
gerados por fatores políticos; daí ser impensável resolver problemas de
segurança jurídica no âmbito exclusivo da auctoritas do Judiciário, sem
a correspondente, correlata e eqüitativa implicação da potestas
legislativa.
Volta-se, aqui, à antiga questão da lei preventiva e não
repressiva ou solucionadora: prevenir os problemas sociais pela
educação e pela economia é tarefa do poder político e não do poder
jurídico.
Discorrendo sobre estes dois poderes, que pertencem à
Sociedade e não ao Estado, o ilustre professor de Filosofia Política na
Universidade Complutense de Madri, Dalmacio Negro Pavón, ensina
que o poder jurídico, a que pertence o Poder Judiciário,
“está em luta permanente com o poder político, ao qual quer
controlar e submeter, sendo com frequência submetido por ele. ...Daí
que a resistência ao poder político constitua um direito imprescindível e
irrenunciável do jurídico, que reinvindica sua legítima supremacia, ao
exercitá-lo ainda que o poder jurídico esteja praticamente absorvido pelo
político, subsiste sempre, senão como soberano, como possibili-dade de
resistir”. 8
4. O excesso legislativo e a insegurança jurídica
Uma das causas da insegurança, paradoxalmente, é o
excesso de leis. Poder-se-ia argumentar que quanto mais leis, mais
segurança; na prática provoca insegurança, como, p. ex., no Direito
tributário.
Poderíamos lembrar, neste campo, quantas normas, posturas,
regulamentos, circulares, portarias que se emitem diariamente; mesmo com
tantos repertórios publicados, um boletim não consegue acompanhá-las. E o
advogado tributarista vive numa selva: um caçador de normas, de regulamentos, um técnico de memorização privilegiada para poder acompa-nhar
essas variações e orientar com segurança seus destinatários.
Esta multiplicidade de leis traz, paradoxalmente, mais
insegurança. Ninguém está certo, seguro, de seus direitos. A Lei não
deve sofrer câmbios bruscos e constantes, para não abalar a
confiabilidade dos cidadãos; ao contrário, deve ser objetivamente
8. Dalmacio Negro PAVÓN. Natureza Social do Poder Judiciário. Rev. Tribs., vol. 695 (Set. 1993),
pp. 16-29. Trad. de Carlos Aurélio M. de Souza.
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161
estável. E isolado, como indivíduo, o cidadão será impotente para
modificar situações de insegurança.
No agir individual, porém, o mesmo não ocorre. A experiência
jurídica é um fato pessoal, que só individualmente se pode sentir,
vivenciar, experimentar, somente a pessoa tem a possibilidade de agir
segundo regras jurídicas seguras.
Então, sob o ângulo individual, a pessoa reconhece
objetivamente a segurança das normas, pois nasce, vive e se move num
sistema jurídico regularmente instituído, e tem a faculdade de agir
livremente, segundo pautas razoáveis de previsibilidade; a pessoa pode
valorar eticamente suas ações, sua conduta, desde sua interioridade,
objetivamente, diante das normas que lhe foram postas pelo Direito
objetivo.
No mundo jurídico a pessoa não age só, pois está sempre em
relação de alteridade, fundamento da vida social e para a qual o Direito
existe. É nas controvérsias interpessoais que surge a incerteza do
Direito. Se não podem ser aclaradas privadamente, através de
composições amigáveis, arbitramentos extrajudiciais, tabeliães,
advogados etc., o litígio deve ser dirimido pelos tribunais.
5. A Certeza do Direito determinada pelos Tribunais
O Judiciário é a instância que clarifica o Direito, determina o
que é certo, declara e dá certeza; aclarar, declarar, determinar, soam
como certificar, atestar qual o Direito, qual o certum. A coisa julgada,
neste sentido, é a “certificação de um Direito justo. Corresponde aos
termos da palavra certeza no latim certitudo, certitudinis, no francês
certitude, no grego bebaiótes, no italiano certezza, no alemão gewissheit
9, etc.
Não é mais um atributo da verdade o caráter estável da
própria verdade, não sujeito a desmentido.10 Aqui é a verdade judicial,
aquela que se apurou segundo o devido processo legal, variável
9. Peter WUST identifica na língua de Göethe, quatro expressões equivalentes: segurança
(Gesichertheit); certeza (Gewissheit); “estar livre” de riscos “(Ungefährdetheit); tranqüilidade
(Harmlosigkeit). Op. cit, p. 29.
10. V. Cap. III, O que é a Verdade, p. 45.
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162
conforme os interesses sejam disponíveis ou indisponíveis, de Direito
Privado ou de Direito Público.
A verdade, em um processo de Direito público, como o Penal,
ou que envolva questões de família, menores etc, deve ser buscada
com muito mais profundidade do que num simples processo sobre
contrato de partes capazes, maiores etc. É um dever agir dos
operadores do Direito.
Neste, vigora o princípio de que o que não está no processo
não está no mundo. Naquele, o que se busca é uma verdade real; aqui,
a Justiça se contenta com a verdade formal, aquilo que for provado. É
um poder agir. Por isso, naquele, o Juiz tem poderes inquisitórios e
neste não os tem, salvadas as exceções.
6. A Verdade como Certeza
Cuida-se da verdade como certeza formal ou real, poder
inquisitório do Juiz ou poder de apreciação dos fatos, simplesmente.
A tarefa dos Juízes é colher as incertezas subjacentes nos
litígios; todo litígio, pelo próprio significado, é uma incerteza, algo fluido,
todos dizem ter razão e ninguém sabe qual, nem o Juiz. Este não sabe
quem tem razão, colhe a incerteza subjacente na lide, aprecia as razões
particulares, sopesa os fundamentos legais objetivados nas normas, e
através das provas evidencia as circunstâncias, motivos ou causas dos
fatos. Procura dar a cada um o direito justo, certo, transformando-o em
certeza do direito.
A metodologia do processo é esta: ingressa a petição inicial e
a contestação, com tudo incerto (certezas parciais, porque visões
parciais da realidade), e finda na sentença com uma certeza. O
processo deve terminar, portanto, com a certeza de um direito.
Devemos lembrar do non liquet, expressão latina que definia a
situação em que o Juiz "não podia julgar" por falta de Lei; não lhe era
possível decidir porque não havia uma regra ou precedente; o Juiz não
dava razão nem autor, nem ao réu, e proferia uma não decisão.
Isto mudou com o Código de Justiniano, com a doutrina
medieval e com a constitucionalização moderna; o Código de Napoleão
(1804) não só proibia o juiz de invocar o non liquet, como punia o que
não julgasse alegando lacuna ou falta de Lei.
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163
O Juiz hoje, pelo constitucionalismo democrático e em
decorrência da codificação, é obrigado a decidir. Este é o poder que
detém, o de dizer o que é certo, o que é justo, mesmo tendo que
encontrar solução não prevista nas leis positivas. É defeso o non liquet:
o artigo 126 do CPC obriga o Juiz a encontrar uma solução prudente e
razoável; esta é a expressão e significado de "certeza do juízo".
Ives Gandra da Silva Martins Filho, em tese fundamental para
a compreensão de uma nova função da Jurisprudência, refere-se
precisamente a que
“o juiz, chamado a se pronunciar sobre uma determinada controvérsia
jurídica, não pode se eximir de decidir (CPC, art. 126), devendo recorrer, no
caso de se encontrar diante de lacuna da lei, à analogia, aos costumes e aos
princípios gerais de direito, podendo, inclusive, decidir por eqüidade (CPC, art.
127).
“Assim, o non liquet que era dado aos magistrados, na época romana,
pronunciar, quando não havia certeza do Direito e, portanto, impossibilidade de
se resolver a controvérsia dentro dos parâmetros da lei, já não se admite na
sistemática processual contemporânea.
“Dada a necessidade de suprir a lacuna da lei, no momento de resolver
determinada controvérsia surgida no bojo da sociedade, o juiz deverá lançar
mão de instrumental que não se restringe à lei posta, mas a ultrapassa. É o
que dispõe o art. 1º, alínea 2, do Código Civil Suíço, que confere ao juiz o
poder de estatuir como o faria se legislador fosse, no caso de se encontrar
diante de controvérsia não prevista em lei.”
E conclui, com notável acerto, em abono da tese que vimos
expondo:
“Percebe-se, por aí, que a função do juiz não se restringe à de mero
aplicador da legislação existente. A jurisprudência, com não rara frequência,
acaba tendo papel criador de normas jurídicas, na complementação do
ordenamento existente.” 11
Corroborando este entendimento, Massimo Corsale, um dos
críticos e continuadores das teses de López de Oñate, tambem se
manifestou no sentido de que “a função criadora do direito não é a do
legislador, mas similar à obra do intérprete, consistente na contínua
adaptação da norma à realidade mutante e às exigências sociais,
mantendo salva a unidade e a coerência do sistema”. 12
11. A Legitimidade do Direito Positivo. Direito Natural, Democracia e Jurisprudência (1992),
p. 220.
12. Il problema della certezza del diritto in Italia dopo il 1950. In: Flavio Lopez de OÑATE, “La
certezza del diritto” (1968), p. 308.
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164
Trata-se ademais, podemos aduzir, de obrigação jurisdicional,
determinar o certo na questão controvertida. Trata-se de dever inerente à
Jurisdição, do qual o Juiz não pode se furtar ou se omitir, sob qualquer
pretexto. Decidir sempre é manifestação de Segurança Jurídica quanto ao
exercício correto da jurisdição.
O non liquet era permitido aos romanos porque não havia
certeza objetiva, ou seja, segurança, não havia leis. Portanto, a questão
das lacunas (ausência ou imperfeição da lei) refere-se à falta de segurança
na lei; o juiz deve preencher esse vazio dando-lhe certeza através de uma
decisão justa.
O livre acesso ao Judiciário, garantia constitucional, já é uma
segurança para o cidadão. Ajuizando uma ação, sabe que obterá uma
decisão sobre o seu caso, favorável ou não, mas terá o afastamento da
dúvida, a certeza da eficácia do processo e da jurisdição.
A certeza está para o particular como a segurança está para o
geral. A lei ostenta a Segurança como elemento inato, com caráter
indelével. Porém, as partes, incertas de seu próprio direito, buscam nos
tribunais a certeza. E o labor judicial consiste na determinação desse
Direito justo.
Assim, quando o Juiz profere uma sentença, a certeza da
decisão significa clareza, pois ele clarifica o direito nebuloso e lhe dá
firmeza; há uma afirmação de certeza quando diz (de forma categórica,
imperativa): “condeno”, “absolvo”, “mando”, “determino” etc.
São palavras sacramentais que não deixam dúvidas, são
comandos jurisdicionais às partes para que seja cumprida a determinação
da sentença.
Portanto, o Juiz transmuda a incerteza em nova segurança; o
que as sentenças buscam é o justo jurídico, a certeza do Direito, e esta
transparece, então, como um aperfeiçoamento da segurança inicial contida
na lei.
A certeza que surge da coisa julgada é garantia "mais segura",
pois é segurança passada em julgado. Destarte, a coisa julgada surge
também como expressão judicial da certeza do Direito; a lei é expressão
legislativa da segurança jurídica dos cidadãos, através de leis justas, mas
ao final são os Juízes que lhes dão a certeza definitiva de seus direitos.
7. A Eqüidade como elemento determinante da Certeza do Direito
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À medida em que a vestimenta for mais ajustada ao corpo da
pessoa, não deixando folgas, assim também, na Justiça, para cada
caso o Direito certo deverá ser o mais eqüitativo.
A fita métrica do alfaiate pode medir o corpo do indivíduo e
tirar suas medidas; um metro rígido não conseguiria alcançar as
reentrâncias, pois não é apto a esse mister. Aristóteles comparava a
eqüidade à régua de Lesbos porque esta, sendo de chumbo flexível,
podia medir a superfície de objetos curvos, por exemplo. 13
Há diferença entre o justo e o eqüitativo: o justo cede, o
equitativo corrige. Pode-se comprar um terno pronto, mas sempre
necessitará de correções: isto é o equitativo, o que aperfeiçoa o justo.
A eqüidade corrige as deficiências da lei, porque uma peça de
tecido não pode vestir todas as pessoas igualmente. Portanto, na
dialética entre o Legislador e o Julgador, entre a Lei e a Sentença, a
eqüidade pode se constituir em elemento determinante da certeza do
Direito.
A utilização da eqüidade serve para produzir uma norma
aberta, quanto à interpretação e aplicação das leis. A eqüidade corrige a
lei naquilo que tem de genérica, abstrata e, portanto, o que não se
adapta a certos casos particulares: enquanto a lei mede com metro
rígido, a eqüidade mede, com fita flexível, todas as diferenças
específicas do caso singular.
No momento gerador da norma particular, a eqüidade
representa a face humana da Justiça, entendida como a intuição
racional, uma virtù imanente, nascida com o homem, e que constitui,
para o Juiz, uma natureza própria e mais adequada à procura do que é
Justo.
Temos que este sentido ou virtude da eqüidade está latente
no espírito de todos os Legisladores e Administradores, que fazem ou
aplicam a lei; mas está igualmente presente, e até com maior agudeza,
no espírito dos Julgadores, pois o que se passa na mens legislatoris e o
leva a editar norma geral à sociedade também se revela na mens judicis
ao decretar uma norma ao particular.
13. Ética a Nicômaco. (1989). L.V, N. 10: “Com efeito, para tudo o que é indeterminado, a régua é
também indeterminada, como a régua de chumbo dos arquitetos lésbios que se adapta à pedra e
não é rígida. Do mesmo modo, as decisões se adaptam aos casos”. P. 139.
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Do aparente confronto entre Direito positivo e Direito natural
ressalta, com muita atualidade, a presença constante da eqüidade como
elemento integrador do ordenamento jurídico, notadamente a Jurisprudência.
8. Jurisprudência e Eqüidade
Em alentado trabalho doutrinário, afirma Luis Maria Dominguez Rodrigo que
“seria preferible en vez de hablar de construcción judicial referirnos a la
equidad como resultado del proceso aplicativo, porque si bien hay que admitir
las críticas al silogismo judicial mecanicista, ello no aboca a rechazar la función
de la jurisprudencia de aplicación del Derecho, sino sólo a conciliar el primado
de la seguridad jurídica con el de la justicia, en lo que cabalmente consiste la
equidad”.14
Na França, vigorou durante certo tempoo réfèré législatif, a)
para facultar aos juízes reenviar ao legislador a resolução de uma
questão jurídica que parecesse duvidosa à face dos textos legais; b) em
caso de contradições entre diferentes sentenças sobre o mesmo tema,
em que surgisse dúvida grave sobre questão jurídica. 15
Na Common Law, o Direito elaborado pelos juízes, judge
made law, não é Direito, porque este deve ser uniforme, geral, igual e
certo. E na livre investigação científica o juiz se orientava na escolha de
uma solução frente a decisões alternativas, para elaborar o “construído”
sobre o “dado”, conforme explanou Gény. 16
Mas o resultado da aplicação da lei deve ser sempre eqüitativo; decisão eqüitativa é expressão pleonástica, pois todo julgamento
deve ser eqüitativo.
O primado da segurança jurídica é o primado da Lei, em que
a Segurança entra como elemento integrante da norma jurídica, desde o
princípio da legalidade, segundo o qual ninguem está obrigado a fazer
ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei anterior.
14. “Significado normativo de la jurisprudencia: ¿Ciencia del Derecho o decisión judicial?” (1984),
Cap. La jurisprudencia como equidad ante la aplicación del derecho. v.I, p. 201.
15. VALLET de GOYTISOLO, em sua Metodología de la Determinación del Derecho (1994), p. 770,
citando Gény, explica que o réfèré podia ser facultativo (interpretação doutrinária) ou obrigatório
(interpretação legal ou autêntica).
16. DOMINGUEZ RODRIGO, op.cit., pp. 203-204.
Int egr ação Legisl ação-Jur isdição
167
O primado da Justiça é o dever ser ideal, além da lei; algo
superior que não se contem na norma escrita e a que o juiz deve
procurar aproximar-se; pois para Dominguez Rodrigo, a eqüidade
consiste em conciliar o primado da Segurança jurídica com o primado
da Justiça.
Puig Brutau e Boehmer apontam para critérios teleológicos
ínsitos no ordenamento positivo, mas que o ultrapassam. 17 E Esser
pretende superar o formalismo mediante o recurso a uma “jurisprudência de princípios”, pois sob toda norma há, latente, um princípio de
direito que, uma vez determinado, tem em si mesmo um impulso
suficiente para exigir um nível igual ao da própria lei; são as rationes
leges, os princípios valorativos e construtivos do sistema, mas tambem
os princípios éticos e jurídicos. 18
À Jurisprudência, e sobretudo aos órgãos judicantes, compete
trazer à luz os princípios que estão expressos na lei, e aplicá-los aos
casos que a lei não menciona expressamente, porém nos vêm dados
pela vida e caem sob aqueles princípios.
A eqüidade preside à individualização da norma jurídica,
conforme processo descrito por Kelsen 19e atua como lógica material
para obter a individualização da norma judicial. 20
Por que a Jurisprudência? Porque nela se manifesta mais
vivamente a Eqüidade, seja sob a forma Interpretativa, seja Integradora,
mas sobretudo a Normativa.
Nos casos especiais de lacunas da lei, chamado o Juiz a decidir
segundo a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito,
manifesta-se evidente a Eqüidade, na sua função Integradora; mais
evidente, ainda, quando, deliberadamente, o Legislador manda julgar por
Eqüidade: é a função Normativa, em que aplica uma regra que criaria se
Legislador fosse.21
17. La jurisprudencia como fuente del Derecho. Interpretación creadora y arbitrio judicial (1951),
p.6; e El Derecho a través de la Jurisprudencia. Su aplicación y su creación (1959).
18. Principio y Norma en la Elaboración Jurisprudencial del Derecho Privado (1956), pp. 19ss.
19. Teoria Pura del Derecho (1993): quando descreve a função judicial, mostra o caráter constitutivo
da sentença, em confronto às normas gerais; e que, à face das lacunas do direito, há uma produção
de normas pelos Tribunais, atuando o juiz como legislador, aí se defrontando os extremos da
flexibilidade do direito de um lado, e a exigência de segurança jurídica de outro. Nº45, p.246.
20. DOMINGUEZ RODRIGO, op.cit., pp.222-223.
21. SOUZA, Carlos Aurélio M. Eqüidade e Jurisprudência. Tese de Doutorado FADUSP (1989), p.4.
Int egr ação Legisl ação-Jur isdição
168
Nesta linha de pensamento a criatividade jurisprudencial é
elemento essencial para formulação de uma nova ordem jurídica.
Para Miguel Reale, importante é ressaltar a natureza da decisão
mediante a qual, verificada a omissão da lei, o juiz procede à integração do
ordenamento jurídico:
“É ela, fora de dúvida, um ato comparável ao do legislador, razão
pela qual, com muito acerto, o Art. 114 do revogado Código de Processo
Civil, de 18 de setembro de 1939, assim dispunha:
“Quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a a norma que
estabeleceria se fosse legislador”.
Infelizmente, esse corajoso preceito foi substituído pelo do Art. 127
do atual Código de Processo Civil, que, ambigüamente, declara:
“O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei”.
E prossegue o emérito jurista e filósofo paulista:
“Nada mais temeroso e fora da realidade do que esse mandamento,
pois, a todo instante, o juiz é chamado a decidir por eqüidade, sobretudo
quando - conforme vimos - as disposições legais se revelaram
antinômicas, ou omissas, e o julgador deve suprir tais defeitos mediante
a criação de modelos hermenêuticos que superem as antinomias, ou,
então, proceder a um balanceamento de bens ou valores, para
realização de justiça concreta”. 22
9. Diferença e semelhança entre Súmula e Norma Jurídica
Na ordem prática, como experiência concreta do Direito, a
Súmula adquire valor equivalente à norma legal; a norma jurisprudencial, sobretudo quando sumulada, tem a mesma equivalência para o
Direito.
Se a Jurisprudência é uma síntese, ela supera a tese e a
antítese. A tese sendo a Lei, a sentença de primeiro grau é a antítese,
porque a Lei é feita para o juiz; mas a sentença nem sempre é definitiva,
porque traz em si a expectativa recursal, por inconformidade da parte
vencida.
A Jurisprudência, no entanto, é síntese superior à Lei, porque
acrescenta elementos valorativos atuais, que o Legislador não previu
nem poderia fazê-lo. Estes acréscimos, que se fazem pela
Jurisprudência, são elementos valorativos da Lei. Cada caso julgado
22. Fontes e Modelos do Direito (1994), p.121.
Int egr ação Legisl ação-Jur isdição
169
produz uma norma particular, e cada conjunto de casos semelhantes,
da mesma natureza jurídica, gera a respectiva “jurisprudência”,
semelhante às ordenações abertas e não rígidas.
A Jurisprudência, como Direito que é, é finalista, indica o que
deve ser e não o que necessariamente é; por isso é, também,
imperativa; em consequência, se ela indica como deve ser interpretada
uma norma, a partir de um caso concreto julgado, segue-se que deve
ser igualmente normativa. 23
Cappelletti, em obra clássica sobre o tema, ao tratar das
fraquezas e virtudes do Direito jurisprudencial, diferencia criação
legislativa do Direito de criação judicial, afirmando que a Jurisdição sofre
limitações processuais que a Legislação não tem, apresentando-se
aquela como “virtude passiva” da Justiça. 24
Dentre as virtudes passivas podemos enunciar a de que a
Jurisprudência seria meramente persuasiva, conforme abordaremos em
outro capítulo; mas, entendemos haver também virtudes ativas, na
medida em que o precedente judicial possa se impor através de uma
“vinculação mínima”, seja no plano horizontal, dentro de um mesmo
Tribunal, seja no plano vertical, dos Tribunais superiores aos inferiores.
Ora, a Jurisprudência uniformizada e, mais precisamente, a
sumulada, em razão dos poderes constitucionais outorgados ao
Supremo Tribunal, apresenta-se com grau maior de normatividade,
alcançando o topo na hierarquia das “jurisprudências”, ao nível da
própria norma legislada. 25
10. Conclusões
O ponto de concordância entre Súmula e Norma jurídica está
na generalidade, enquanto a diferença está no grau de cogência, ou
seja, se são vinculantes ou não; enquanto ius cogens a Lei obriga e
vincula os operadores do Direito à sua aplicação porque se reveste de
potestas e auctoritas; a súmula, atualmente, possui apenas auctoritas,
restando aberta a discussão sobre a cogência da norma jurisprudencial:
desde a livre persuasão do juiz até a vinculação máxima, passando por
graus intermediários de vinculação necessária ou ad intra (a nível do
23. Cf. Louis LE FUR. El fin del Derecho: Bien Común, Justicia, Seguridad. In: “Los Fines del
Derecho” (1967), p.17.
24. Giudici Legislatori ? (1984), p.63.
25. Tema que desenvolvemos no Cap. IX, Direito Judicial, Jurisprudencial, Sumular.
Int egr ação Legisl ação-Jur isdição
170
mesmo Tribunal) ou vinculação mínima, ad extra, (entre Tribunais de
diferentes níveis). 26
26. Cf. Cap. XII, Jurisprudência: fonte última da Segurança Jurídica.
Capítulo XI
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
SUMÁRIO : 1. O Tribunal de Justiça cria direito?
2. O ordenamento
comunitário: estrutura aberta e em evolução. a. O que é ordenamento
jurídico.
b. Ordenamentos fechados e abertos.
c. Caráter aberto do
ordenamento comunitário. 3. A determinação de princípios gerais como
metodologia do Tribunal. a. "Criar" ou “determinar" princípios de Direito
como inventio juris. b. Do princípio ideal ao concreto, como fórmula de
determinação do direito. c. O método de dedução evolutiva e a aquisição
progressiva dos princípios. 4. Pode-se identificar um princípio fundamental na ordem jurídica comunitária? a. Os princípios gerais adotados pelo
Tribunal de Justiça . b. Há, dentre os princípios, um que lhes seja superior? 5. Adesão ao acquis: afirmação e aperfeiçoamento do sistema jurídico. a. O acervo comunitário como “direito adquirido”. b. O acquis justifica os precedentes vinculantes.
c. Importância da criação judicial. 6. Conclusões. 7. Bibliografia.
1. O Tribunal de Justiça Comunitário cria direito?
A criação do direito, por via judicial, é uma questão polêmica
em filosofia e metodologia jurídicas, seja porque a produção de normas
gerais compete aos órgãos legislativos, seja porque as decisões judiciais se limitam a casos particulares, sem alcance geral, como as leis. 1
Boa parte da doutrina européia rejeita a possibilidade do juiz
ou tribunal "criar" direito, e que a jurisprudência seja fonte do Direito. Todavia, não poucos doutrinadores o admitem enfaticamente. 2
Na União Européia o Parlamento não detém, ainda, poderes
legislativos explícitos, pois é órgão de controle político das Comunidades.
Constituem Fontes do Direito Comunitário: os Tratados constitutivos 3; os
1. “La controversia entre quienes creen que el derecho debe, esencialmente, seguir y no
guiar, y que debe hacerlo con lentitud, en respuesta a un sentimiento social claramente formulado, y quienes creen que debe ser un agente decidido en la creación de normas nuevas,
es un tema que se viene repitiendo en la historia del pensamiento jurídico.” W.
FRIEDMANN. El Derecho en una sociedad en transformación, (1966), p. 21.
2. RIPERT (1955); BELAID (1974); CASTÁN (1954); CAPPELLETTI (1984); FERNANDEZ
(1970); ORRÚ (1983); PUIG BRUTAU ( s/d); D'ORS (1953); BOEHMER (1959), etc.
3. CECA - Paris, 18.4.51; Roma - CEE, CEEA - 25.3.1957; Bruxelas, 8.4.1965. cf. MOLINA
DEL POZO (1987), p.83, 85, 87; João Mota de CAMPOS (1990), v. I, pp. 85, 109.
A For mação Judicial do Dir eit o Comunit ár io Eur opeu
172
atos emanados do Conselho e da Comissão 4, os princípios gerais do Direito 5 e a Jurisprudencia comunitária 6.
Tratados e normas regulamentares não bastam para resolver os inúmeros conflitos jurídicos da Comunidade, pela crescente
multiplicidade das situações jurídicas que se apresentam.
No ordenamento comunitário, entretanto, dada a inexistência de normas preceptivas específicas, o Tribunal de Justiça invoca princípios superiores que assegurem a eficácia na interpretação e aplicação dos Tratados.
É, pois, uma ordem jurídica essencialmente criadora
de direito, com um alto grau de produção de regras normativas, em que
o Tribunal se destaca por seu dinamismo em desenvolver uma jurisprudência voltada aos objetivos de integração da União Européia.
Parece, assim, que ao determinar princípios gerais o
Tribunal acaba criando normas de aplicação uniforme a outros casos,
constituindo a chamada Jurisprudência comunitária.
Entende-se, portanto, como Direito comunitário originário o que deriva dos Tratados institucionais; e por Direito derivado os atos das instituições e os Tratados com outros Estados; são distintos do
Direito jurisprudencial, considerado como terceira fonte do Direito
comunitário.
A jurisprudência tem função normativa porque a Corte
de Justiça é o órgão encarregado de garantir os fins da Comunidade; e
4. A União Européia é dirigida por instituições comunitárias com diversas atribuições, como
o Conselho e a Comissão (em Bruxelas e Luxemburgo); desempenham funções administrativas de planejamento e de execução, sendo que o Conselho é o órgão que representa
os interesses dos Estados membros, realizando reuniões de ministros dos setores correspondentes aos diversos interesses estatais; a Comissão representa os interesses comunitários; enquanto o Parlamento Europeu (com sedes em Luxemburgo e Estrasburgo)
tem função de coordenação política, mas não legislativa; ao Tribunal de Justiça, sediado
em Luxemburgo, compete interpretar as normas dos tratados, e seus acórdãos são vinculantes para os Estados membros e respectivos Tribunais.
5. Os mais conhecidos são o do efeito direto ou aplicabilidade direta e o da primazia, mas, outros também importantes são o dos poderes implícitos, o da retroatividade das interpretações, o dos direitos fundamentais, delegação de competências, solidariedade e cooperação
etc. Pode-se citar, igualmente, a teoria do ato claro, que se aplica quando a norma for suficientemente clara, não padece dúvida, não necessita ser interpretada. Cf. CAMPOS, op.
cit, pp. 171, 184.
6. BOULOUIS, pp. 127, 134, 150.
A For mação Judicial do Dir eit o Comunit ár io Eur opeu
173
porque os juízes comunitários são os únicos que podem realizar
interpretação autêntica e uniforme para todos os Estados.
Esta interpretação objetiva "se incorpora à norma interpretada, que deverá, desde então, ser lida, compreendida e aplicada
no sentido que lhe deu o intérprete", o que faz desta 'função normativa'
uma verdadeira 'legislação jurisprudencial'. 7
Doutra parte, os métodos finalistas ou teleológicos utilizados (ratio legis, efeito útil, efeito necessário), asseguram uma integração jurídica progressiva, salvaguardando o chamado acervo comunitário (Sentenças Fedechar, 29.ll.56; e Comissão-Conselho, 31.3.71). 8
Trata-se de um processo evidente de criação judicial,
pelo que se admite a expressão “legislação jurisprudencial”, justificada
em face de carências normativas ou insuficiência de controles jurídicos,
sem, no entanto, constituir um “governo de juízes”.
2. O ordenamento comunitário: estrutura aberta e em evolução
a. O que é ordenamento jurídico
A doutrina apresenta o ordenamento jurídico como:
a) conjunto de normas (catálogos), somadas, justapostas ou agrupadas,
o direito pertencente a um certo Estado (v.g., ordenamento civil, penal,
administrativo, trabalhista, etc); ou b) como estrutura que diz quando algo
é uma norma (assim, direito objetivo é o que se mostra em um ordenamento ou sistema jurídico); ou, ainda, c) como instituição, em que os preceitos são jurídicos enquanto institucionais; pode-se, admitir, assim, uma
pluralidade de ordenamentos . 9
Vallet de Goytisolo, em sua Metodología de las Leyes, citando Federico
de Castro, explica que o ordenamento jurídico tem sido observado sob três
perspectivas: como conjunto total de normas (ordenamento brasileiro);
como sistema jurídico (ou “construção teórica instrumental”) e como ordem
jurídica (ou “realidade da regulamentação organizadora”, “em sua multiplicidade de relações jurídicas e na hierarquia de poderes e deveres reguladores da vida social”). 10
7. Idem, p. 151.
8. Ibid, p. 152.
9. Em capítulo em que discorre magistralmente sobre a tensão entre a unidade e a pluralidade no Direito, o saudoso jurista HERNANDEZ-GIL afirma que vários ordenamentos podem coexistir, em conseqüencia desta contraposição entre o direito formulado e o efetivamente vivido. Conceptos Jurídicos Fundamentales, pp. 455ss.
10. P. 253.
A For mação Judicial do Dir eit o Comunit ár io Eur opeu
174
Pode-se chamar "ordenamento jurídico ao grupo ou
conjunto de normas caracterizado, frente a outros grupos de normas, por
seus específicos, peculiares e distintos modos de entendimento, interpretação e aplicação". 11
É possivel, assim, afirmar que o sistema jurídico comunitário apresenta características de um ordenamento, ou seja, de um
"conjunto organizado e estruturado de normas jurídicas que possui suas
próprias fontes, dotados de órgãos e procedimentos aptos a emití-las e
interpretá-las, ao mesmo tempo que confirmá-las e, se for o caso, sancionar as violações". 12
b) Ordenamentos fechados e abertos
Os conceitos de ordenamento jurídico, geralmente
positivistas (Kelsen, Hart, Bobbio, Hauriou), são considerados como sistemas fechados, porque lhes falta a visão para cima, a dimensão axiológica do direito, como também lhes falta, muita vez, a visão para baixo, por
não considerarem a sociedade subjacente, seus problemas e transformações . 13
Mas, na Grécia e em Roma, a ordinatio, deduzida da rerum
natura, constituia um conceito aberto de ordenamento jurídico, integrado
pela ordem natural (kosmos), pelo direito tradicional (nomos), e pela ordem construida pelo homem (taxis). 14 Em Roma, também podemos distinguir o lícito religioso (fas), o lícito civil (ius) e os bons costumes (boni
mores). 15
Na concepção medieval cristão a ordem jurídica se considerava aberta à lei divina e ao próprio direito natural, ajustados à realidade das diversas comunidades (ius commune). 16
Portanto, a característica dos ordenamentos abertos é sua
adaptação evolutiva segundo as realidades sociais em cada momento
histórico das nações. Por isso que as leis naturais continuam aflorando
nos ordenamentos, através dos princípios gerais, da história, dos costumes, da idéia de justiça, dos valores e da natureza das coisas.
11. FIGA FAURA, (1982), p. 39.
12. ISAAC, p. 111.
13. HERNANDEZ-GIL, op.cit., p. 465.
14. VALLET DE GOYTISOLO, op. cit., p. 278.
15. Idem, p. 279.
16. Ibidem, p. 282.
A For mação Judicial do Dir eit o Comunit ár io Eur opeu
175
Segundo o realismo jurídico de Karl Llewellyn, “um bom juiz deve julgar
um processo de tal maneira que resolva o litígio de um modo satisfatório,
não só para as partes, senão também para a sociedade. Fazer justiça é
uma tarefa que implica, por uma parte, mirar ao passado, aos precedentes,
às tradições; e por outra parte, considerar a realidade das situações presentes, assim como das que possam engendrar-se no futuro e proceder de
acordo com elas”. 17
A observação é válida não apenas para um sistema de julgamentos como o do Tribunal comunitário europeu, mas para todo sistema jurisdicional moderno e democratizante, como o nosso. O paralelismo que estamos tentando demonstrar é no sentido de que nenhum
ordenamento jurídico, quando emanado do poder jurídico da sociedade,
e não imposto pelo Estado, tem aptidão de evoluir através de outras
fontes jurídicas, como a doutrina e a jurisprudência.
c) Caráter aberto do ordenamento comunitário
A União Européia é uma confederação de Estados fundada no
princípio de obediência de normas por eles mesmos estabelecidas, através dos Tratados. Sua autoridade procede, portanto, da necessidade e
conveniência de respeitar as regras comuns, interpretadas segundo os interesses comunitários; sem isso "a ordem jurídica da Comunidade perderia seu caráter comunitário" (Sentença Costa-ENEL, 18.7.64); "o fundamento jurídico da comunidade se veria afetado" e "a noção de comunidade resultaria comprometida" (Sentença Van Gend en Loos, 5.2.63). 18
Mais que uma organização internacional, a União encarna
uma nova ordem jurídica constituida pelos Estados membros e por seus
Cidadãos, sob o amplo poder das instituições criadas pelos Tratados. Esta ordem jurídica também se dispõe a coordenar os direitos nacionais e o
comunitário; e por esta forma se interpenetram e se nutrem reciprocamente.
Neste sentido pode-se qualificar o ordenamento comunitário europeu
como uma instituição jurídica e política complexa, mas aberta, seja quanto
à formação progressiva de um novo Direito transnacional, seja quanto à
recepção de instituições jurídicas dos diversos ordenamentos nacionais,
com a conseqüente retransmissão dos mesmos aos demais países, como
num sistema de vasos comunicantes.
17. VALLET, ibid., p. 286; RECASÉNS, Experiencia jurídica..., cap. VI, n. 33, p. 278.
18. CAMPOS, op. cit., pp. 290 e 229; GAUTRON, pp. 175 e 171; BOULOUIS, op. cit, p. 187.
A For mação Judicial do Dir eit o Comunit ár io Eur opeu
176
As antigas Comunidades Européias foram criadas como um
projeto globalizante ou instituição, porém não fechada, pois os Estados
concordaram em aceitar regras supra-nacionais para viverem em comunidade, mas levaram para o acervo comunitário suas próprias instituições,
enquanto recebem influxos da ordem comunitária, que se incorporam aos
próprios ordenamentos.
Assim, a eficácia do Direito comunitário é garantida pelo
controle do Tribunal de Justiça sobre a atuação das instituições e o respeito ao pactuado pelos Estados, função que ultrapassa a simples solução judicial de conflitos.
Para formular esta nova ordem jurídica foram concedidos
ao Tribunal faculdades muito amplas e um papel transcendental, como o
de conhecer todos os assuntos que lhe forem submetidos e preencher as
lacunas deixadas pelos Tratados, de forma a superar qualquer vazio na
progressiva integração comunitária.
Sendo a União Européia uma idéia política, as decisões do
órgão jurisdicional também são orientadas no sentido de reforçarem continuamente e de forma coerente as relações jurídicas, de modo a garantir
o processo de integração das comunidades.
A jurisdição do Tribunal, com poderes exclusivos, obrigatórios e soberanos, invocável tanto pelos órgãos comunitários, pelos Estados membros ou pelos próprios cidadãos, confere à União o caráter de
organização internacional diferenciada, superior às organizações formais
e aos estados constitucionais.
3. A determinação de princípios gerais como metodologia do Tribunal
De fato, os contornos atuais do Direito comunitário resultam
de uma contribuição decisiva do Tribunal Europeu. Sua missão básica é
"garantir o respeito ao direito na interpretação e aplicação dos Tratados
(Trat. CECA, art. 31; Trat. CEE, art.164; Trat. CEEA, art. 136); e, em conjunto com as demais instituições comunitárias, "a realização das funções
atribuidas à Comunidade" (Trat. CEE, art. 4; Trat. CEEA, art. 3), disposições essas que nenhum outro Tribunal possui, porque ultrapassa as funções de interpretação e controle judicial do Direito.
Para cumprir essas atribuições o Tribunal de Luxemburgo
utiliza sobretudo o método teleológico ou finalista, dirigido a uma concepção integradora das comunidades, pondo ênfase em construções que assinalam o efeito direto das decisões comunitárias sobre os direitos dos
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
177
Estados membros e a primazia ou superioridade em relação a estes; de
outro lado, internamente, adotando soluções que outras instituições comunitárias não fizeram (o chamado ativismo judicial, ou Jurisprudência
pretoriana).
a) "Criar" ou “determinar" princípios de Direito como inventio iuris
Os Tratados constitutivos foram redigidos de forma geral,
com noções vagas e princípios muito amplos quanto a seus diversos conteúdos. Esta técnica legislativa constituiu-se num "convite do legislador
comunitário para um desenvolvimento do direito pelo juiz", 19 ao qual o
Tribunal respondeu através do seu trabalho de interpretação progressiva.
Os juízes comunitários recorrem, às vezes, a métodos de interpretação do Direito internacional, outros do Direito interno, porém procuram
seus próprios métodos específicos, trabalhando sempre em função dos
objetivos de integração dos Tratados constitutivos.
A princípio utilizavam o método da interpretação literal (Sentença Federação Carbonífera da Bélgica, 29.11.56), mas desde a Sentença Van Gend en Loos, de 5.2.63, o Tribunal retificou sua orientação
para recorrer ao "espírito, à economia e aos termos do Tratado". 20
Evoluindo em suas técnicas de decisão, na mesma Sentença Van Gend en Loos o Tribunal afirmava a regra da interpretação
contextual ao adotar em seus consideranda as grandes opções do Tratado, o preâmbulo e diversos de seus artigos, como sistema geral a que se
deve recorrer para extrair todo o significado e alcance de um dispositivo.
Porém, como dissemos, as interpretações que preponderam nas decisões do Tribunal Comunitário são a sistemática e a teleológica ou finalista, considerando o objeto e o fim dos Tratados, cuja redação e estrutura incentivam a procura dos objetivos por eles pretendidos.
Têm razão os autores ao afirmarem que "o 'princípio' ou
'pensamento' informativo de uma instituição só revela seu caráter universal se submetida a uma consideração teleológica". 21
Nesse sentido, os tratados constitutivos, por seu objeto,
seus objetivos e seu sistema constitucional, são Tratados essencialmente
evolutivos, que tendem à modificação das relações econômicas e sociais
19. REUTER, p. 57.
20. CAMPOS, op. cit, p. 229.
21. ESSER, p. 438.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
178
por uma integração progressiva dos Estados membros; por isso, requerem uma interpretação evolutiva e dinâmica na perspectiva da realização
dos objetivos da Comunidade . 22
Por este método a jurisprudência se desenvolve progressivamente, esclarecendo os pontos duvidosos e acrescendo, com suas decisões, o acervo jurídico comunitário ou acquis communautaire.
A evidência desta interpretação evolutiva foi observada na
discussão sobre direitos fundamentais. A princípio foram rechaçados pelo Tribunal, considerando-se o caráter econômico do Tratado CEE (Sentença Storck & Cia., 4.2.59); porém, frente a invocações diretas de direitos constitucionais internos (especialmente pela Alemanha e Itália), passou a interpretar teleologicamente certas expressões dos Tratados (tais
como a "constante melhora das condições de vida e de trabalho de seus
povos", do Preâmbulo do Tratado de Roma 23), para, assim, construir,
sentença após sentença, um sistema eficaz e satisfatório de garantia dos
direitos do homem, muito embora estes não estivessem previstos nos
Tratados.
b) Do princípio ideal ao concreto, como fórmula de determinação
dos direitos comunitários
Os Tratados comunitários estabeleceram objetivos (ideais)
a alcançar, criaram uma estrutura institucional e fixaram princípios para o
processo de integração; esses Tratados, contudo, contêm noções e expressões amplas e ambígüas, que apresentam graus de imprecisão e
certa indeterminação jurídica, as quais exigem interpretação teleológica
para lhes dar a certeza do direito.
Além da interpretação do Direito comunitário, ao Tribunal de
Justiça foram atribuidas competências cumulativas com os Tribunais nacionais, sem subordinação hierárquia, mas em amplo espírito de cooperação.
Assim é que "todo juiz nacional é também juiz comunitário" 24; ou que os
Tratados estabeleceram uma "fórmula de colaboração permanente entre
as jurisdições nacionais e o Tribunal de Justiça". 25
22. ACOSTA ESTÉVEZ, p. 139.
23. Não se confundem o Conselho de Europa com o Conselho da Comunidade Européia; o primeiro foi instituido anteriormente, pelo Tratado de Roma (1950), que criou órgãos
de proteção dos Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, entre os quais o Tribunal
de Justiça dos Direitos Humanos; é a chamada Europa dos 25, enquanto a Comunidade
Européia, hoje União Européia, constitui a “Europa dos 15”, cujos paises estão representados também naquele.
24. LECOURT, p. 9.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
179
Este espírito de cooperação judicial pode ser erigido em
princípio: o de "contribuir direta e reciprocamente à elaboração de uma
decisão, a fim de assegurar a aplicação uniforme do direito comunitário
no conjunto dos Estados membros" (Sentença Firma Schwarze,
10.12.65). 26
A determinação de princípios gerais, fruto do labor interpretativo do Tribunal, consiste em um ato de conhecimento de todas as soluções juridicamente possíveis e um ato de vontade de optar por uma delas; isto significa dar conteúdo jurídico ao que é político e dar forma ao
desenvolvimento político segundo os limites jurídicos comunitários.
Tal interpretação estabelece pontes entre o Direito e os fatos, entre as
normas e sua melhor adequação às novas realidades e exigências sociais;
confere dinamismo ao ordenamento jurídico, pois ao adaptá-lo às mudanças promove sua evolução.
Os ordenamentos fechados se caracterizam por ditar regras
mais precisas de interpretação, de tal sorte que esta se reduz em importância; quando, porém, inexiste regulamentação e as situações jurídicas
se multiplicam sem prévia legislação, o intérprete assume importância
maior, característica dos ordenamentos abertos.
Ademais, os ordenamentos jurídicos nacionais são marcados constitucionalmente por campos bem definidos de atuação legislativa, administrativa e judicial e a interpretação é delimitada por regras legislativas; nos ordenamentos internacionais, entretanto, a interpretação discricionária assume maior significado, dada a generalidade de suas normas, competência concorrente dos Estados, conflitos entre Direito escrito
e não escrito etc.
Procurando definir o tipo de interpretação do Tribunal Comunitário, verifica-se que esta "tem um papel que se situa entre o que
desempenha no ordenamento jurídico internacional e nos ordenamentos
jurídicos internos". 27
O Tribunal centraliza a interpretação dos textos comunitários, mas em cooperação recíproca com os Tribunais dos Estados, a fim
de alcançar a perfeita integração da Comunidade (como estabelecem os
25. MERTENS (1982).
26. CAMPOS, II, p. 392.
27. ACOSTA ESTÉVEZ, p. 134.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
180
arts. 177 do Tratado CEE e 150 do Tratado CEEA, que tratam da cooperação nacional e comunitária).
Assim, v.g., a apreciação do recurso prejudicial, provocada
por juízes nacionais, é de competência exclusiva do Tribunal Comunitário,
para poder manter a uniformidade de interpretação dos textos institucionais (autoridade da "coisa interpretada").
Afirma-se que a Corte de Justiça tem uma missão geral
(arts 31 CECA, 164 CEE, 136 CEEA) de manter o respeito ao Direito comunitário e a aplicação dos Tratados; e uma missão específica, pela interpretação prejudicial, que é a de precisar o sentido e determinar o conteúdo e/ou alcance das regras comunitárias.
Neste trabalho de concretizar os objetivos dos Tratados e
de precisar os princípios jurídicos, está, segundo entendemos, a progressiva construção do projeto da integração européia, desde o "olhar para
cima", em busca de um princípio ideal de unidade dos Estados, até o "olhar para baixo", a fim de concretizar realisticamente essa união.
c) O método de dedução evolutiva e aquisição progressiva dos
O método seguido pelo Tribunal comunitário para a descoberta de princípios é, pois, o da dedução evolutiva: cada sentença lança
uma base (ou degrau), como fundamento das seguintes; cada decisão
contem uma nova aportação jurídica, a partir dos Tratados ou dos Direitos
internos dos Estados; essas construções não se anulam por decisões
posteriores, pois cada sentença acrescenta algo mais à anterior. É, pois,
uma aquisição progressiva de "achados jurídicos", uma evolução funcional, poderíamos concluir.
É aqui, "na formação do direito funcional, onde mais saltam à vista
as coincidências dos princípios funcionais, pois o esprit de la loi não os
deixa modificar". 28 O melhor exemplo é a discussão sobre os direitos
fundamentais ao longo da evolução jurisprudencial do Tribunal de Luxemburgo, como veremos mais adiante.
4. Pode-se identificar um princípio fundamental na ordem jurídica
comunitária?
28. ESSER, p. 447.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
181
a) Os princípios gerais adotados pelo Tribunal de Justiça
Há que distinguir duas classes de princípios gerais: a) os
que derivam da natureza dos Tratados constitutivos, fundamentais para o
desenvolvimento do Direito comunitário (igualdade, liberdade, solidariedade, unidade etc); e b) os que se referem à legalidade do direito comunitário.
Os primeiros constituem princípios internos, objeto próprio
dos Tratados, tendo em vista seus objetivos materiais. Os últimos são
princípios externos, fora dos Tratados; são objeto formal do ordenamento
e consistem na própria Justiça da ordem jurídica comunitária.
Neste estudo queremos nos referir mais a este grupo de
princípios, aqueles que transcendem o ordenamento e que permitem à
ordem jurídica comunitária se desenvolver harmonicamente, porque não
constituem seus objetivos materiais . 29
Os primeiros princípios determinados pelo Tribunal Europeu
foram o do efeito direto e o da primazia do Direito comunitário, cujas premissas se encontram na Sentença Costa-ENEL, quando declara que
"a Comunidade constitui uma nova ordem jurídica de direito
internacional em benefício da qual os Estados limitaram, ainda que em
termos restritos, seus direitos soberanos e no qual os sujeitos não são apenas os Estados membros, senão também seus cidadãos" (15.7.64) (negritos nossos). 30
Por efeito direto se deve entender o caráter objetivo da
norma comunitária que confere aos cidadãos comunitários o direito subjetivo de exigir, perante seu juiz nacional, a aplicação dos Tratados, regulamentos, diretivas ou decisões comunitárias, competindo a este o dever
de aplicar referidos textos, independentemente da legislação de seu país.
O efeito direto vincula os juízes nacionais, que não poderão
aplicar leis internas que lhes sejam opostas, nem suspender uma decisão
na expectativa de sua derrogação ou declaração de inconstitucionalidade
por órgãos nacionais (Sentença Simmenthall 9.3.68).
29. LOUIS, p. 87; BOULOUIS, pp. 152, 155.
30. Diante desta famosa decisão, João Mota Campos comenta: “ Este acórdão é justamente
célebre: está nele contida toda uma, teoria geral das relações entre o direito comunitário
e o direito interno; e a justificação da superioridade da ordem jurídica comunitária sobre
as ordens jurídicas nacíonais é aí deduzida em termos que, embora esclarecidos e desenvolvidos em acordãos ulteriores, jamais foram modíficados”. Op. cit., p. 290.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
182
O acórdão Simmenthall viria a resumir ou “codificar” o conjunto da sua jurisprudência sobre a matéria, ao decidir que
“Aplicabilidade directa significa... que as regras do direito comunitário
devem manifestar a plenitude dos seus efeitos de uma maneira uniforme
em todos os Estados membros, a partir de sua entrada em vigor e durante
todo o período de vigência”.
“Esse efeito directo atinge igualmente qualquer juiz que no quadro da
sua competência tem por missão, enquanto órgão de um Estado membro,
salvaguardar os direitos conferidos aos particulares pelo direito comunitário... (sem que) tenha de solicitar ou aguardar a eliminação efectiva, pelos
órgãos nacionais a tal habiliitados, de eventuais medidas nacionais que se
oponham à aplicação directa e imediata das regras comunitárias.” 31
Este princípio muito contribuiu para a construção da "cidadania européia" com um novo aspecto: a faculdade de todo cidadão invocar diretamente o direito comunitário perante seus próprios Tribunais; em
outras palavras, acolher um direito supra-nacional dentro de sua própria
ordem jurídica; por este meio o direito comunitário penetra e informa os
ordenamentos nacionais, sem necessidade de pronunciamento dos Estados, com o que estabelece perfeita relação entre Direito comunitário e Direitos nacionais (Sentença Molkerei-Zentrale, 3.4.68). 32
Pelo princípio da primazia, consequência do efeito direto, o
juiz tem a obrigação de aplicar integralmente o Direito comunitário e assegurar o pleno efeito de suas normas, deixando inaplicada qualquer
disposição contrária à legislação nacional, pois isso "diminuiria a eficácia do Direito comunitário".
Para tanto o Tribunal foi taxativo ao afirmar que os Estados
membros não tinham competência, mesmo tratando-se de direito constitucional, "de fazer prevalecer contra uma ordem jurídica aceita por eles
na base da reciprocidade, uma medida unilateral ulterior, que não poderia, desta maneira, lhes ser oponível" (Sentença Costa-ENEL, cit.).
O minimum de primazia das normas comunitárias seria a
inaplicabilidade das normas internas contrárias, mesmo sem prévia declaração de inconstitucionalidade; e o maximum seria a declaração de nulidade das referidas normas internas pelo juiz nacional. 33
31. Idem, pp. 214-215.
32. Idem, p. 220.
33. BUENO ARÚS, p. 17.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
183
Esta jurisprudência revolucionária do Tribunal consolidou a
ordem jurídica comunitária, ao conter as jurisdições nacionais em seus
limites internos, quando estas ainda apreciavam regras externas e impediam a aplicação de tratados internacionais.
Referência especial a esta criação evolutiva da jurisprudência comunitária encontramos, repita-se, na apreciação dos direitos fundamentais que o Tribunal entende formar parte integrante dos princípios
gerais de direito, inspirando-se nas tradições constitucionais dos Estados
membros, direitos que devem ser protegidos no âmbito da estrutura e dos
objetivos da antiga Comunidade (Sentença Stauder, de 12.11.69; Sentenças Internationale Handelsgesselschaf e Köster, 17.12.70; Sentenças
Nold e Hauer, 14.5.74 e 13.12.79).
Tais princípios gerais de Direito o Tribunal das Comunidades Européias deduz dos direitos nacionais dos Estados-membros, destacando-se como os mais citados: princípio da igualdade de tratamento;
princípio da confiança legítima e da segurança jurídica; e em decorrência
deste, o princípio da não retroatividade dos atos comunitários; princípio
do respeito aos direitos adquiridos e da imutabilidade das situações juridicas subjetivas; princípio da proporcionalidade; princípio do enriquecimento sem causa; princípio dito stoppel (a declaração de vontade escrita
produz todos os seus efeitos legais desde que se tenha entrado regularmente na esfera do destinatário); princípio da hierarquia das regras jurídicas; princípio da continuidade das estruturas juridicas etc. 34
Exatamente neste campo se identifica a permeabilidade entre os dois níveis de ordens jurídicas: a recepcão pelo ordenamento comunitário dos princípios sobre garantias fundamentais existentes nos ordenamentos nacionais.
Entende-se, então, porque os juízes comunitários, para
preencher lacunas evidentes dos Tratados acerca dos direitos fundamentais, não hesitaram em "descer" até os ordenamentos dos Estados (nem
por isso "inferiores", porém solidários entre si), para dali retirarem normas
necessárias à proteção comunitária de tais direitos, que existem decantados nos ordenamentos internos e que não haviam sido previstos pelos
Tratados.
Os ordenamentos dos Estados membros são, assim, junto ao Direito
internacional, os mananciais jurídicos onde os juízes comunitários vão
descobrir os princípios e orientações para suas sentenças e, com isso,
consolidar progressivamente uma Jurisprudência comunitária.
34. CAMPOS, op. cit, pp. 144ss.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
184
Outra consequência que se pode extrair deste processo é a
integração universal dos ordenamentos estatais, através de regras existentes em alguns, porém não em todos, os quais, por força do efeito direto e da primazia, passam a ser invocados por qualquer membro da Comunidade, perante seus próprios tribunais.
É um novo efeito, a que poderíamos denominar indireto, reflexo ou parabólico, pois funciona à maneira de um satélite de comunicações, que
capta uma emissão e a retransmite aos que estão em sintonia. O ordenamento comunitário funcionaria como este "guarda-chuva eletrônico", que
recebe das realidades nacionais contribuições jurídicas diferenciadas, adota-as como próprias, as transforma através de suas decisões e as retransmite às nações e cidadãos, pelo princípio do efeito direto.
“Es, por tanto, la galaxia jurídica ... Toda galaxia incluye estrellas que
son soles, cometas, planetas con su diferente composición y climas, y con
sus satélites... Lo universal es inabarcable, está abierto y en movimiento
(pienso, siguiendo la imagen que acabo de recordar, en la fuga de las galaxias); nos trasciende. Lo total abarca todo lo que, por lo menos mentalmente, nos resulta inmanente y está cerrado, aislándose de lo inabarcado
... Sólo le permitimos una apertura hacia adelante, para que se vaya
asimilando lo que sucesivamente conquistemos...”. 35
É digno de atenção, pois, o apreciável trabalho daquele Tribunal, se compreendermos que "a missão de um juiz é necessariamente
criativa"; frente a novos fenômenos e realidades "as incorpora à norma
jurídica comunitária. Assim, torna possível a contínua evolução do ordenamento jurídico comunitário". 36
b) Há, dentre os princípios, um que lhes seja superior?
É o acervo comunitário um princípio de política jurídica que
consolida e dá eficácia aos demais princípios ou é uma conduta geral que
entrelaça todas as regras, administrativas e judiciais?
Parece-nos, por hipótese, que seria como a regra que aproveita todas
as peças de uma construção; um edifício no qual não há pedras rejeitadas;
é a galáxia jurídica comunitária, em que todos os astros descobertos são
atraidos e passam a gravitar no cosmo comunitário, sem rejeição.
Os princípios gerais seriam as leis da gravitação ou da atração dos
corpos celestes, das radiações solares e lunares etc, como disse Vallet;
porém, o instituto do acervo jurídico comunitário, admitido como princípio,
pode ser a pedra angular do edifício, a qual sustenta todas as demais, que
35. VALLET DE GOYTISOLO. Metodología (1991), p. 252.
36. ACOSTA ESTÉVEZ, p. 144.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
185
vão sendo administrativa ou judicialmente, colocadas em suas posições,
para comporem o edifício comunitário.
Neste estudo pretende-se demonstrar que as características do ordenamento comunitário constituem um dos elementos mais importantes do acquis . 37
O ordenamento comunitário constitui uma unidade funcional
pois todas as atividades de suas instituições estão orientadas, de maneira progressiva e dinâmica, para a realização dos fins dos Tratados constitutivos.
O núcleo básico dessa unidade é o Tratado CEE, em torno do
qual o Tribunal de Luxemburgo vem determinando princípios gerais que
caracterizam o Direito Comunitário como um verdadeiro sistema.
A idéia do acervo comunitário manifesta esta caráter unitário e aberto do ordenamento europeu, mas não se contem nele, pois vai
além de seus limites, ao abranger "o conjunto de realizações alcançadas
até o momento na construção da Comunidade “. 38
Este acquis communautaire garante a integração à Comunidade (atual União Européia) de um novo Estado membro, desde que
aceite, sem reservas, e dentro de certo prazo, todas as regras de direito
adotadas com anterioridade à adesão e que estejam vigorando para todos naquele momento.
5. Adesão ao acquis: afirmação e aperfeiçoamento do sistema jurídico
a) O acervo comunitário como "direito adquirido"
Ora, o acquis, traduzido como acervo comunitário,
"é o conjunto de normas e critérios que constituem o patrimônio espiritual
da Comunidade. Compreende todo o ordenamento comunitário, todo o
conjunto de normas e de princípios gerais, de princípios interpretativos e
também os compromissos políticos, a simples declaração, a tomada de
posição das instituições comunitárias, os programas aceitos, as orientações gerais, ou seja, tudo aquilo que já se dá como aceito, recebido e que
constitui as idéias e os critérios fixos que regem a atuação das instituições
comunitárias". 39
37. LOUIS, p. 9. Princípio de manutenção do acervo comunitário: Projeto do Tratado da União
Européia, Parlamento Europeu, 14.2.84.
38. MANGAS MARTIN, pp. 52-53.
39. BUENO ARÚS, p. 22.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
186
O acquis tem, pois, sentido dinâmico e progressivo: todos
estes princípios e critérios estão já aceitos, se consideram consolidados
por parte de todos os Estados que integram a Comunidade e a partir daí
se caminha progressivamente até o incremento do acquis comunitário,
sempre do ponto de vista da realização constante dos fins dos Tratados.
40
b) O acquis justifica os precedentes vinculantes
A exigência quanto ao acervo atende a um princípio de eficácia como uma espécie de princípio de preclusão de normas e regras: o
direito adquirido não pode ser rejeitado ou desconsiderado pelos Estados
membros, porque o princípio de eficácia não está na forma jurídica, porém no fim perseguido pelo ordenamento. 41
Atende a exigências de estabilidade jurídica, harmonizadas
com as de progresso das instituições européias 42; o acquis atende a
princípios 'supremos' de valor e de estrutura de 'todo direito', pois as normas e decisões incorporadas ao patrimônio jurídico comunitário 'valem',
têm valor jurídico para a construção estrutural da comunidade . 43
A obrigação aos Estados de aceitarem o acervo comunitário
foi constante determinação das instituições: a Comissão se manifesta nos
ditames finais que se emitem para cada Estado aderente; e o Parlamento
"insiste em que os tratados de adesão contenham um compromisso inequívoco do conjunto de Estados signatários de respeitar e desenvolver,
em sua totalidade, o acervo comunitário" (Resoluções de 18.1.79 e
17.11.82).
Assim se manifestou a Comissão das Comunidades no pedido de adesão de Portugal e Espanha:
“ A ordem jurídica estabelecida pelos Tratados que instituem as Comunidades se caracteriza essencíalmente pela aplicabilidade directa de
certas das suas disposições e de certos actos adoptados pelas Instituições
das Comunidades, pelo primado do direito comunitário sobre as disposições nacionais que lhe sejam contrárias e pela existência de procedimentos que permitem assegurar a interpretação uniforme do direito comunitário...”
40. Idem, ibid.
41. ESSER, p. 447.
42. Idem, p. 417
43. Ibid., p. 416.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
187
“ A adesão as Comunidades implica o reconhecimento da natureza
coerciva destas regras, cujo respeito é indispensável para garantir a eficácia e a unidade do direito comunitário”. (Parecer de 31-5-1985). 44
Sobre isto o Tribunal de Justiça também se pronunciou, afirmando que "os atos relativos à adesão de novos Estados membros têm
por objeto essencial estender a esses Estados o conjunto do Direito comunitário em vigor no momento da adesão" e que "resulta do sistema do
ato de adesão que o Estado aderente aceita o conjunto de atos institucionais adotado até o momento e que sua adesão é efetiva" (Sentenças
Hauptzollamt Bielefeld C. Köning, de 29.5.74 e Halyvourgik-Comissão, de
16.2.82). 45
c) A importância da criação judicial
Voltando ao princípio: o ordenamento comunitário é aberto
porque a estrutura jurídica da comunidade européia não está completa;
ao contrário, está a caminho de integração e consolidação; e a criação
de regras pelo Tribunal é garantia de desenvolvimento e eficácia do ordenamento jurídico.
As normas emanadas das instituições comunitárias são os
pilares que "constróem" o ordenamento comunitário, mas é o labor jurisprudência que confirma essas aquisições e lhes indica seu lugar e seu
nível dentro da construção da casa européia comum, valorizando as "aquisições", dizendo que são válidas, necessárias e que não podem ser
desconsideradas.
6. Conclusões
Poderá o Direito Comunitário Europeu se tornar um
ordenamento fechado? De momento parece que não, porque a tendência
comunitária é ampliar-se e, portanto, a Corte de Justiça e as instituições
estarão sempre enfrentando novos problemas jurídicos, que ainda não
podem ser previstos.
Deverão crescer conquistando espaços jurídicos novos, o
"ecúmeno jurídico" da Comunidade, espaço útil ou necessário à sua contínua e harmoniosa integração.
44. CAMPOS, op. cit, v. I, pp. 582-583; ZENATI, op.cit., pp.194-197.
45. MANGAS MARTIN, op.cit., pp. 53-54.
A Formação Judicial do Direito Comunitário Europeu
188
O Tribunal deverá, ainda mais, estabelecer constantemente
o quantum jurídico comunitário: enquanto atenda aos Tratados e aos cidadãos comunitários poder-se-á falar em crescimento, criação ou formulação judicial do direito.
Considerar-se-ão esgotadas as possibilidades do Direito
Comunitário quando as experiências jurídicas já não atendam aos objetivos dos Tratados e ultrapassem os marcos por eles traçados.
Nesse momento, sim, o ordenamento poderia estar fechado
a novas construções, com a cristalização de sua jurisprudência, que pode
acabar se tornando um novo Corpus Juris, passando do plano atual das
normas particulares para o plano geral das leis.
Não obstante o caráter evidentemente mutável de suas decisões, estas são vinculantes para todos os cidadãos comunitários, seus
Estados membros, e o que é mais relevante, para os Tribunais e para os
ordenamentos jurídicos nacionais, que passam a incorporar, como suas,
as normas judiciais emanadas do Tribunal Europeu.
Está se formando, progressivamente, como se vê, uma unidade jurídica européia que respeita a multiplicidade dos ordenamentos
locais. Mais uma vez se concretiza o ideal pitagórico-platônico do um e
do múltiplo, da unidade na diversidade, tormento e delícia dos filósofos.
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Capítulo XII
Jurisprudência: Fonte Última da Segurança Jurídica
1. Revisão dos temas 2. Da incerteza da Lei à certeza final
da Súmula a. Leis e negócios jurídicos como fontes de incertezas b. A primeira certeza: a das sentenças singulares c. As decisões recursais: certezas clarificantes 3. A uniformização da
Jurisprudência a. A coerência nas decisões relevantes b. O efeito vinculante das decisões c. O iussum e o iustum como critérios de vinculação d. A uniformidade simultânea 4. A Jurisprudência como fonte última da segurança jurídica a. Da segurança da norma jurídica à segurança da Jurisprudência b. A
ambigüidade da norma jurídica c. Das Súmulas de Jurisprudência 5. Potestas versus Auctoritas a. Poder Político e Poder
Jurídico b. Poder Jurídico e Jurisprudência 6. Conclusões.
1. Revisão dos temas
Discorremos anteriormente sobre as dimensões da
Segurança jurídica como valor, princípio e direito fundamental,
sobretudo diante da Constituição atual (Preâmbulo e arts.1º4º)1; de fato, inúmeros instrumentos processuais estão hoje
constitu-cionalizados; o processo, em suas variadas formas,
tornou-se um instrumento privilegiado de garantia dos direitos
consagrados pela Constituição Federal, individuais ou coletivos
e sociais. (CF. arts. 5º e 6º-11).
Tocante à Segurança jurídica como valor, princípio ou
como direito fundamental, na verdade não se pode ver aí a Se-
1. Cap. V. A Segurança Jurídica na Constituição Federal.
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
192
gurança em si mesma, mas essa tríade é importante para
explicar sua origem constitucional.
Em relação aos fundamentos e garantias da Justiça,
é aparente a contradição em que ora prevalece a Segurança em
prejuízo da Justiça, ora se privilegia a Justiça em detrimento da
Segurança, mas antes é salutar esta tensão dialética. 2
Depois, tratou-se da proteção jurídica da própria Segurança, através de medidas cautelares, para que não pereçam
direitos, ou por meio de medidas constitucionais, remédios
cons-titucionais ou writs. 3
A dicotomia Segurança-Justiça voltou a se apresentar
quando tratamos do papel do Juiz e dos Tribunais na elaboração do Direito judicial (Richterrecht). Para nosso ordenamento,
atualmente, eles não criam direito; outros dizem que sim, mas
que o direito assim criado não é o mesmo do Legislador. 4
Quanto à Legislação e Jurisdição, vimos que existe
uma relação também dialética entre Legislador e Julgador, de
forma tal que suas atuações não se anulam, antes se complementam e se integram. 5
Veremos, a seguir, o papel da Jurisdição, procurando
mostrar que a Jurisprudência tem por função restaurar a Segurança Jurídica perdida, reafirmando, através da coisa julgada, a
certeza dos direitos, sobretudo os subjetivos.
Finalmente, tentaremos mostrar que as decisões dos
Tribunais e do STF, através do instituto da uniformização da Jurisprudência, da antiga argüição de relevância e das Súmulas,
constituem o máximo grau de Segurança jurídica e que o Supremo Tribunal Federal acaba desempenhando, implici-tamente,
a missão de Tribunal Constitucional, como ocorre em vários países. 6
2. Cap. VII. Segurança como fundamento e garantia da Justiça.
3. Cap. VIII. Sistema cautelar e medidas cautelares.
4. Cap. IX. Direito judicial, Jurisprudencial, Sumular.
5. Cap. X. Integração Legislação-Jurisdição.
6. CF art. 102: "Compete ao STF, principalmente, a guarda da Constituição...".
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
193
2. Da incerteza da Lei à certeza final da Súmula
a. Leis e negócios jurídicos como fontes de incertezas
Assim como as leis são imperfeitas e necessitam do
Judiciário para a exata determinação do que é justo, muitos atos
administrativos exigem controle e correção judicial; os negócios
jurídicos, através de contratos nem sempre perfeitos, também
são fontes de incertezas, e obrigam os cidadãos, em boa parte,
a recorrer ao Judiciário para o reconhecimento da certeza dos
seus direitos.
A “crise da lei” - muiltiplicação veloz e incontrolável da
produção de normas legais e administrativas - deve ser superada com novos instrumentos jurisdicionais, como as decisões definitivas com efeito erga omnes, limitadas a matérias determinadas (de Direito público, como as tributárias, previdenciárias,
etc); com isto se poderia obviar, em boa parte, a própria “crise
da Justiça”, reduzindo-se a emergência de causas repetitivas,
causa de decisões conflitantes e, de consequência, de incertezas jurídicas.
b. A primeira certeza: a das sentenças singulares
Numa escala progressiva, a primeira certeza que surge, quando se questiona uma Lei, um ato administrativo ou um
negócio jurídico, é a da sentença de primeiro grau, em que o
Juiz deve resolver questões de fato e questões de direito;7 a decisão que profere pode ser comum ou incomum, relevante ou
irrelevante, porque há decisões corriqueiras, rotineiras, que não
geram conseqüências jurídicas, não chegam a "normas";8 mas
há aquelas que são relevantes pelas questões de direito que
ventilam; mesmo quando se debate sobre uma prova, por e-
7. Questão de direito não é apenas o fundamento legal, mas o fundamento jurídico que suscita a controvérsia sobre o objeto litigioso dos processos. Compete
ao juiz, na verdade, manifestar-se sobre a qualificação jurígena que surge dos
fatos narrados, segundo o aforisma iura novit curia.
8. Assim, v.g., nos recursos relativos a procedimentos sumários, de despejo e de
indeferimento da petição inicial, há dispensa de revisor (art. 551, § 3º, do CPC,
com a nova redação dada pela Lei 8.950, de 13.12.1994), por se tratarem de
sentenças de menor relevância jurídica.
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
194
xemplo, discute-se com fulcro na Lei, e, no fundo, o que resta
é sempre uma questão de Direito. 9
Então, a sentença restaura, de imediato, a certeza
subjetiva dos litigantes; se o vencido se dá por satisfeito e não
recorre, as partes terminam o litígio certas de seus direitos, por
obra da coisa julgada material.
c. As decisões recursais: certezas clarificantes
Quando há uma questão relevante para o Direito,10 a
sentença certamente percorrerá instâncias superiores e, através
de decisões colegiadas sucessivas, as certezas vão se clarificando; a cada julgado, a solução jurídica se torna mais precisa,
até se transformar em Súmula, nas últimas instâncias; a Súmula, ementa de poucas linhas, é uma questão jurídica resumida, é
uma semente de Direito; ela começou com a semente da Lei e
após dar frutos (as decisões sucessivas), acaba se transformando em outra semente, como idéia de modelo, de síntese;
eis porque a Jurisprudência contém todo o ordenamento.
De fato, uma sentença contém, virtualmente, todo o
ordenamento jurídico, pois nela foram debatidas todas as questões jurídicas pertinentes, todo o ordenamento foi invocado, es-
9. "Somente o erro de Direito quanto ao valor da prova, in abstracto, dá azo ao
conhecimento do recurso especial" (RSTJ, v.15, p.55); "A valorização da prova
diz respeito ao valor jurídico desta,... razão porque é questão estritamente de
Direito" (RTJ, v.132, p.1337); "O chamado erro na valoração ou valorização das
provas, ... somente pode ser erro de Direito, quanto ao valor da prova abstratamente considerado" (RSTJ, v.8, p.481).
10. "O critério da relevância, embora banido dos regimentos internos, é critério
que não pode ser relegado ao absoluto abandono. O Tribunal "Nacional" existe
para julgar as questões relevantes, não as irrelevantes. E é uma questão que
se apresenta como muito relevante, no sentido de que a sua decisão interessa
não apenas ao caso concreto, às partes, mas à sociedade, à comunidade em
geral. Se é caso que vai se repetir milhares ou dezenas de milhares de vezes,
então é conveniente até que o Superior Tribunal de Justiça apresente, de logo,
o seu posicionamento, que julgue tal lide e dê um sólido ponto de referência para os tribunais locais. Se houver uma manifesta e evidente relevância, entendo,
pois, que o recurso deve ser admitido pela letra ‘a’ ". (Min. Athos Carneiro, no
"Encontro de Presidentes de Tribunais", realizado em setembro de 1990 no
STJ, p. 79/80, apud DJU 05.08.91, p. 10.020). V., a propósito, p.143, Nota 22.
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
195
teve à disposição do julgador, direta ou indiretamente; desta
forma, com maior razão, a Súmula deve conter, em síntese, toda a potência genética para orientar, tanto outras decisões, como novas leis.
3. A uniformização da Jurisprudência
Em certos níveis dessa progressão recursal surge o
instituto da uniformização da Jurisprudência;11 é um dos mais
oportunos instrumentos processuais para evitar decisões conflitantes ou divergências pretorianas acerca da interpretação do
Direito.
Como no Direito inglês, as Súmulas são autênticos
precedentes, baseados, lá e aqui, no mesmo princípio de Direito, vigorante nos ordenamentos de todos países, de que casos
idênticos devem ser julgados igualmente.
Obedece ao princípio da isonomia ou igualdade (isos,
aequalitas = igual), de ordem constitucional: se todos são iguais
perante a Lei, um caso não pode ser julgado de uma maneira e
outro de forma diferente, se forem semelhantes.
O que qualifica o instituto da uniformização é poder
garantir a aplicação desse princípio, e aqui adentramos o problema crucial da Jurisprudência: o debate sobre as Súmulas
poderem ou não ser vinculantes, obrigatórias para Juízes e
Tribunais, no todo ou em parte; um ponto nos parece adequado:
ela deveria ser necessária para os próprios Tribunais, sobretudo
os Superiores, em matéria constitucional ou de ordem pública,
de acordo com seus Regimentos Internos. 12
O Legislador fixa a norma em primeira mão, por
competência constitucional originária, mas não exclusiva, pois
também Administradores e Juízes criam Direito, aqueles pelo
poder regulamentar, estes pelo poder jurisdicional.
11. CPC, arts. 476 a 479.
12. RISTF, art. 101; RISTJ, art. 125; LOJF, art. 63 § 2º; LOM, art. 16, par. un.
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196
Embora o Juiz, ao colmatar lacunas,
suplementar normas ou corrigir a dureza da lei genérica, formule
Direito não idêntico ao do Legislador, sua inspiração contém a
mesma força fecundante da eqüidade, fundado nos valores
culturais e sociais de seu povo, naquele tempo vivencial.
As duas regras assim criadas, a antecedente
legislativa e a superveniente judicial, embora experimentem a
mesma ratio legis, têm momentos diversos de revelação: a lei é
um scriptum e a decisão um profectum.
Se a lei é boa, porque regula uma generalidade de
situações incertas e imprevisíveis, dando segurança às
condutas sociais, a decisão judicial é melhor, porque dá certeza
e garantia ao ordenamento, provando a validade e eficácia da
lei e fazendo recair o comando judicial sobre cada situação
fática individuali-zada, sem excessos nem restrições.
Esta coincidência da norma geral legislada e da
norma particular judicial se verifica no plano dos critérios
axiológicos consagrados na ordem jurídica positiva e que se
apresentam igualmente tanto ao Legislador como ao Intérprete.
Na visão de Recasens Siches, "... la tarea del
legislador, cuando elabora y promulga una ley, no es una labor de
conoscimiento, sino que es un acto de voluntad, basado en las
valoraciones que adoptó;"... "por esto, el juez... tiene que ver cuál
entre las normas del orden juridico positivo... produciria en
concreto efectos análogos a los que el legislador se propuso en
términos generales..." 13
Supondo-se que o Legislador racional seja único,
finalista, omnisciente, justo, coerente, omnicompreensivo,
preciso, transmitindo essas propriedades ao ordenamento
jurídico 14, é conseqüência necessária que este não contenha
contradições.
13. RECASENS SICHES, Nueva Filosofia de la Interpretación del Derecho, p. 236.
14. Carlos SANTIAGO NINO, Introducción al análisis del derecho, p. 328. Tércio
Sampaio FERRAZ JR, Introdução ao estudo do direito, p. 254.
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
197
As regras da ainda vigente L.I.C.C. impedem essa
incoerência ao nível da norma legislada:
Art. 20. Não se destinando à vigência temporária,a lei terá
vigor até que outra a modifique ou a revogue.
§1º. A lei posterior revoga a anterior, quando expressamente o
declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
inteira-mente à matéria de que tratava a lei anterior.
Mas como resolver as contradições entre
interpretações diversas da mesma lei? Incidirá, no caso, o
processo de uniformização da jurisprudência, instituido pelo
vigente Código de Processo Civil (artigos 476 a 479) 15.
Se, portanto, no plano da generalidade das normas
há unidade, no plano da particularidade pode haver conflitâncias
que devem ser uniformizadas pelo processo de decisões
judiciais sucessivas ou superpostas, de tal modo que a decisão
seguinte depure a anterior de qualquer divergência.
A intenção do ordenamento é que não ocorram
conflitos entre os termos gerais das leis, nem entre as decisões
particulares, de sorte que haja congruência entre umas e
outras. Por isso são os Tribunais chamados a se pronunciarem
15. Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de
câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do
direito quando:
I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II - no julgamento recorrido a
interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de
câmaras ou câmaras cíveis reunidas.
Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa,
requerer, fundamentadamente, que o julgamente obedeça ao dispoto neste artigo.
Art. 477. Reconhecida a divergência, será lavrado o acórdão, indo os autos ao
presidente do tribunal para designar a sessão de julgamento. A secretaria distribuirá
a todos os juízes cópia do acórdão.
Art. 478. O tribunal, reconhecendo a divergência, dará a interpretação a ser
observada, cabendo a cada juiz emitir o seu voto em exposiçåo fundamentada.
Parágrafo único. Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público que
funciona perante o tribunal.
Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que
integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na
uniformização da jurisprudência.
Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão
oficial das súmulas de jurisprudência predominante.
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198
instantemente, até que se fixe a predominância uniformizada
do entendimento mais justo.
Ora, essa busca da uniformidade entre as normas
parti-culares divergentes assume extraordinária importância
diante da regra do art. 479: "O julgamento, tomado pelo voto da
maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será
objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da
jurisprudência", na qual encontramos duas regras inovadoras:
será objeto de súmula e constituirá precedente.
Pela
segunda
entende-se
que,
julgada
a
uniformização, as decisões antecedentes perdem seu valor,
ficando superadas. Em conse-quência, decisões contrárias não
mais terão validade na fundamentação de novas sentenças, ou
seja, a uniformização influirá diretamente no mérito dos futuros
julga-mentos.
Quanto à sumulação, dispõe o parágrafo único do
artigo 479 que os regimentos internos disporão sobre a
publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência
predominante; tal publici-dade faz presumir seu conhecimento
por todos os operadores do Direito e interessados, inclusive
para os juízes. Editada a súmula, há obrigato-riedade de
adoção das divergências (art. 476), pelas partes ou julga-dores.
Ou seja, a validade de decisão contrária passa a depender da
observância do art. 476, com julgamento per saltum, como no
incidente de inconstitucionali-dade 16.
Como ressaltado pelo prof. Botelho de Mesquita, o
instituto da uniformização de jurisprudência valoriza a
divergência, situando-se nos contornos da renovação do direito,
campo a nosso ver próprio da função corretiva da eqüidade,
pois não deixa "esvair-se pelas dobras do processo toda a força
inovadora contida no trabalho dos juízes, que é reflexo da
grande obra dos advogados: o aperfeiçoamento das instituições
jurídicas para melhor realização da justiça no caso concreto" 17.
16. José Inácio BOTELHO DE MESQUITA. Da uniformização da jurisprudência.
Rev. Tribs., v. 613:19, n. 6.
17. Idem, p. 20, n. 8.
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199
a. A Coerência nas Decisões Relevantes
No processo de uniformização da jurisprudência, pelo
menos duas decisões são discrepantes, mas uma deve ser acolhida, pela relevância jurídica de suas rationes decidendi.
O critério determinante da uniformização deve estar
fundado em razões de Direito, demonstrada a insuficiência daquelas que embasaram as decisões, pois ambas estavam corretas e serviram, em seus momentos, para o acertamento das
controvérsias.
A uniformização se impõe porque as divergências não
incidem sobre pontos acidentais, mas atingem questões essenciais do Direito; assim sendo, somente alçando a visão acima
do Direito objetivo se encontrará um princípio que ilumine ambas soluções e esclareça qual é, juridicamente, a mais relevante.
Esta será adotada como a decisão uniformizadora,
por apresentar um plus em relação à outra; uma delas, portanto,
se aproxima "algo mais" do Direito justo, sobressaindo-se por
sua ratio decidendi, superior à decisão confrontada. 18
Um acórdão é uniformizado por outro, uniformizador,
quando este lhe é juridicamente superior, pois o processo de
uniformização impele o intérprete a elevar-se aos princípios gerais do Direito.
Pode-se, então, com propriedade, falar em acórdão
fraco ou uniformizado e acórdão forte ou uniformizante, da
mesma forma como, no debate judicial, há voto vencido e voto
18. No Direito inglês, “o conceito de ratio decidendi é a chave da doutrina do pre-
cedente”, cf. Victoria ITURRALDE SESMA, El precedente en el Common Law
(1995), p. 81; ali, os juízes podem dar uma ou mais rationes decidendi como
fundamento de suas decisões (p. 94); a contrario sensu, as considerações não
necessárias são meros obiter dicta, ou mesmo um simples gratis dictum (p.
102).
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200
vencedor, em que este, por melhores razões jurídicas de decidir, persuade a maioria do colegiado.
As decisões colegiadas, coletivas ou plenárias têm
também como suposto ou finalidade, a valorização da economia
processual, de modo a obstar, dificultar e desacoroçoar a reiteração de recursos inúteis ou desnecessários.
Assim, cada jurisprudência que se firma, firma o ordenamento inteiro; e firmar para nós significa plena defesa do
princípio de segurança jurídica.
b. O efeito vinculante das decisões
Mas a indagação continua: por que as decisões uniformes, e depois as sumuladas, não são obrigatórias para os
demais órgãos julgadores? Aqui se pode discutir a questão dos
precedentes como um problema de auctoritas; precedentes têm
potestas enquanto decisões que valem por si mesmas; mas
também auctoritas, que se impõem pelo “saber” do órgão judicante. 19
Há duas vias de entendimento sobre sua aplicação
aos casos concretos: os precedentes valem, ou por persuasão
ou por vinculação; se os precedentes devem ter caráter mutável, só podem se impor persuadindo; desde o primeiro estudo
que o advogado realiza para ajuizar uma ação, até a última decisão judicial, constitui faculdade dos juristas e operadores do
Direito atender ao precedente, acórdão ou Jurisprudência dominante; de outro lado, se os precedentes forem considerados imutáveis, adquirem efeito vinculante erga omnes.
19. Autoridade significa competência como função social, conferida para a proteção de interesses comuns da comunidade. Cf. FERRAZ JR. Introdução...,
p.143.
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201
II - Fundamentação
(Valor)
Apreciação Valorativa das
uestões de Fato e de Direito
Interpretação e Aplicação da
Norma Particular Concreta
DECISÕES
JUDICIAIS
(Sentenças e Acórdãos)
Arts. 165 e 458 CPC
I - Relatório
(Fato-s)
III - Decisum
(Norma)
Sentença sem motivação é corpo sem alma
Serão fundamentadas todas as decisões dos órgãos do Poder Judiciário, sob pena de nulidade (CF, art. 93-IX), bem como as decisões
administrativas dos Tribunais (93-X).
A auctoritas da jurisprudência apresenta graus de persuasão; um excelente critério, para se distinguir essa gradação
de persuadibilidade, é saber quanto beneficia o jurisdicionado; o
critério para a Súmula ser mais persuasiva, ou menos, seria o
da analogia em Direito penal: in bonam ou in malam partem.
Sendo a jurisprudência sumulada favorável ao jurisdicionado, sua persuasão será mais forte, seja porque a decisão nova
sobre caso semelhante não deve contrariar a certeza de direitos
já assentados, seja porque não se justifica a “rebeldia” em nome
de uma aparente independência de julgar ou livre convicção a
outrance, seja porque, acompanhando a súmula, os julgamentos
subsequentes serão mais eqüitativos. 20
O juiz “rebelde” é salutar para a Justiça? O juiz que desatende à lei, oriunda de outro Poder, pratica uma “rebeldia” própria, inerente às suas funções, dentre as quais está a de repensar a norma que recebeu pronta, mas com a face sempre
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202
voltada para a sociedade. E quando não acata a Jurisprudência, pensada e construida pelo mesmo Poder a que pertence? Seria menos rebelde?
Dado o non liquet, pesa sobre o magistrado a responsabilidade de adotar uma solução a mais próxima do Direito justo,
que tanto captará na lei como na jurisprudência, vinculante ou
não; em ambas situações é mandamento legal (CPC, art. 458II, LPC, art. 38) e mesmo constitucional (CF, art. 93-IX), fundamentar a decisão, como garantia inerente ao Estado de Direito,
sob pena de nulidade, para não afrontar o princípio do devido
processo legal e não cair na arbitrariedade; pode o julgador, por
isso, em qualquer instância, rejeitar um julgado com efeito erga
omnes, se argumentos suficientes tiver para superar o convencimento superior.
O problema está na motivação. Os juízes sabem distinguir as questões de fato das questões de direito; sabem identificar a questão relevante de direito, das questões formais ou
irrelevantes; o efeito vinculante das súmulas, ao contrário de
simplificar a tarefa dos Juízes, vai exigir deles maior acuidade,
cultura jurídica apurada e saber prudencial para sentenciar segundo o Direito e a Eqüidade; não mais poderão decidir apenas
segundo a “letra” da lei ou da súmula vinculante, o que seria
mero e grave juridicismo.
A contrário senso, não sendo favorável a jurisprudência, ou não existindo julgados predominantes ou sumulados,
justifica-se a liberdade nas decisões; não é que o livre convencimento do Juiz sofra restrições, mas dá-se que a autoridade
dos julgados (anteriores), por suas fundadas motivações, a
"convencem” do acerto da orientação dominante, afastando da
mente dúvidas que poderiam levar a erro; por isso que, além da
necessária economia processual, a adesão aos precedentes é
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
203
também uma pedagogia a serviço dos diversos operadores e
usuários do Direito. 21
c. O iussum e o iustum como critérios de vinculação
Sob outro enfoque, na dicotomia do Direito o ius tanto
pode ser iussum como iustum; Direito é iussum porque é Lei,
poder, Direito objetivo; mas também é iustum porque é justo,
Direito subjetivo; são as duas faces do mesmo Direito, objetivo
e subjetivo.
A justiça é uma virtude interna ao homem; Direito justo é o vivido e praticado pelo homem justo; mas, uma vez escrito, será poder, força, comando.
Então, se a Súmula for considerada faculdade persua-siva, estaremos adotando uma postura de Direito justo;
mas, se for admitida como obrigatória, porque é poder, estaremos diante do Direito como força vinculante.
É entendimento corrente, entre nós, que o precedente
não vincula; tem força ou autoridade, mas somente persuasiva
(ou ela é julgado com força ou será mera opinião jurídica); por
isso, a auctoritas da Jurisprudência, nos ordenamentos de tipo
europeu continental e latino-americano vem sendo considerada
meramente persuasiva.
Entretanto, no caso brasileiro das Súmulas dos Tribunais Superiores, há uma forte tendência dogmática no sentido
de aceitá-las como vinculatórias, por sua semelhança intrínseca
com a Lei, pois ambas se situam no plano da norma geral e não
21. Nesse sentido, já existe no ordenamento brasileiro pelo menos uma norma
em que o legislador tornou as Súmulas quase vinculantes, ao valorizar aquelas
que atuam in bonam partem; é o art. 131 da Lei 8.213, de 24.07.91 (redação
dada pela L. 8.620, de 05.01.93), Lei de Planos de Benefícios da Previdência
Social: "O INSS poderá formalizar desistência ou abster-se de recorrer nos
processos judiciais sempre que a ação versar matéria sobre a qual o Tribunal
Federal houver expedido Súmula de Jurisprudência favorável aos beneficiários". (Grifamos)
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
204
mais no plano das normas particulares; e também pela missão do STF de autêntico Tribunal Constitucional.
A Súmula é expressão última da Jurisprudência; como princípio de isonomia é uma exigência da Segurança jurídica; o próprio ordenamento o estabelece, através da Lei, para
garantir a uniformidade dos julgados.
A uniformização, para tornar o Direito o mais certo
possível,é exigência de garantia, é um instrumento de Segurança:22
1º) da igualdade de todos perante a Lei, resultando
no "dar a cada um o que é seu"; 23
2º) da coerência interna da atividade jurisdicional: os
próprios juízes, num mesmo Tribunal, não devem julgar diferentemente casos iguais; daí emana o que chamamos de coisa julgada jurisprudencial, além da material e formal; seu efeito é para integração da Jurisprudência e não para o processo ou para
as partes; 24
3º) da própria ordem jurídica: quando se busca a uniformidade de julgamento está-se garantindo a unidade do ordenamento jurídico, de forma que a mesma norma não tenha dois
significados, dois parâmetros diversos de interpretação, mas um
só, na maior parte dos casos, se possível. 25
d. A uniformidade simultânea
Aqui defrontamos com o delicado problema da unidade do Direito judicial; o que se busca não é toda e qualquer uni-
22. Tomás PARÁ FILHO. A chamada "Uniformização da Jurisprudência". RePro,
v. 1, p. 74.
23. Cf. André OLLERO. Igualdad en la aplicación de la ley y precedente judicial
(1989), pp. 19ss.
24. Critério da “coerência jurisprudencial”, cf. Pablo RODRIGUEZ GREZ, Teoria
de la interpretación jurídica (1992), p. 188.
25. Para RODRIGUEZ GREZ, trata-se de um mecanismo de “auto-tutela da ordem jurídica”, cf. op. cit., p. 29.
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205
formidade jurisprudencial, mas a uniformidade simultânea; 26
as dúvidas sobre interpretação haverão de ser contemporâneas
ou coexistentes; não se pode recorrer à Jurisprudência remota,
colher um aresto e trazer para contraste atual, pois sendo as
circunstâncias presentes muito diversas, não servirá como paradigma de comparação.
A simultaneidade deve ser contemporânea, coexistir
num mesmo momento histórico; portanto, para ser uniformizada, a Jurisprudência deve ser recente, ou não remota.
Por isso, no instante da decisão judicial (o kairós do
Juiz),27 é razoável que a mesma regra jurídica não tenha mais
de uma interpretação, pois a busca da certeza do Direito é objeto inafastável da Jurisprudência; esta só se firma se houver certeza e, portanto, a duplicidade de interpretação cria dubiedade;
se há duas ou mais interpretações, o operador do Direito e o
cidadão não sabem como se conduzir, gerando novas incertezas.
Em socorro desta tese colhe-se esclarecedor aresto, relatado pelo eminente processualista Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, assim ementado:
"Respeitadas as ressalvas legais, mesmo reiterada e
diuturna, a Jurisprudência não tem força de vincular os
pronunciamentos jurisdicionais. Não se justifica, no entanto, que os órgãos julgadores se mantenham renitentes à
Jurisprudência sumulada, cujo escopo, dentro do sistema
jurídico, é alcançar exegese que dê certeza aos jurisdicionados em temas polêmicos".28
Ressaltam desta doutrina jurisprudencial os seguintes
aspectos relevantes, discutidos neste trabalho:
1º) mesmo predominante, a Jurisprudência não é vinculatória porque lhe falta potestas, ou a força de se impor como iussum;
26. Idem, pp. 74ss.
27. Em grego, kairós identifica o momento de uma escolha definitiva, como o da
decisão judicial.
28. STJ. 4ª T., REsp. 14.945-0-MG, j. 17.03.92, v.u., DJU 13.04.92, p.5.002,
1ªcol., em.
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206
2º) constitui, entretanto, teimosia ou renitência injustificá-vel, por amor a uma equivocada independência de alguns
poucos julgadores, o não se deixarem persuadir pelos julgados
dos Tribunais superiores, ou seja, não acatarem a auctoritas
dos precedentes;
3º) as Súmulas funcionam dentro do "sistema jurídico" com
a finalidade de transmitir certeza aos cidadãos sobre questões
controvertidas; por isso que, quanto a estas, pairava a incerteza
do Direito, justificadora do Direito de agir;
4º) sendo incerta a Jurisprudência (aspecto subjetivo) não
pode gerar Segurança (aspecto objetivo) aos jurisdicionados.
Este julgado corrobora, em suas grandes linhas, nossas afirmações de que a Segurança jurídica é mais atual e
concreta na Jurisprudência, sobretudo a sumulada, do que na
Lei, mesmo apresentando, aquela, certa aparência de
mutabilidade 29.
Em conclusão, a uniformização simultânea serve para
salvaguarda do Direito positivo, para garantia da igualdade
constitucional de todos perante a Lei e para coerência interna
da Jurisdição, pois julgados de casos iguais não devem se contradizer.
4. A Jurisprudência como fonte última da Segurança jurídica
A questão das fontes do Direito é problema doutrinário da maior relevância para o estudo da Segurança dentro da
Jurisprudência. Miguel Reale fala de modelos jurídicos30 e Li-
29. Ainda sobre obrigatoriedade das Súmulas: "Mas, se se conhece a Súmula - e
o Juiz brasileiro não a pode desconhecer - e se não aplica, autoriza-se a interposição do remédio processual para repor a orientação da Corte Maior; e se
obriga, desnecessariamente, a iniciativa da parte, exigem-se ônus injustificáveis e requere-se prestação jurisdicional que se poderia e deveria evitar" (RTJ,
v. 113, p. 458); "Que mantenha o Juiz sua convicção contrária à decisão da sua
Corte, ou mesmo da Corte Suprema, admite-se, nem importa rebeldia; mas, aplicando-a, enquanto se não muda. Que se recuse a aplicar a diretriz firmada
pela maioria, ou, como no caso, que insista em inaplicá-la - consubstanciada
em Súmula e aplicada, sem discrepância, pelo Supremo Tribunal Federal - não
se justifica" (RTJ, v. 113, p. 459).
30. Miguel REALE. Lições Preliminares de Direito (1973), Cap. XII a XV; Verb.
Modelos jurídicos, ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito, v. 53, pp.67-74.
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mongi França, de formas de expressão do Direito (Lei, costumes, jurisprudência),31pois o Direito não se apresenta com
uma só faceta, mas é pluridimensional.
Para Limongi, a categoria jurídica "jurisprudência" apresenta cinco funções:
• interpretar a Lei (interpretar é "ler" a Lei, para ser
aplicada); 32
• vivificar a Lei (torná-la vida, fazê-la atuante);
• humanizar a Lei (é a função própria da eqüidade: a
Lei dura, rígida, deve ser amenizada);
• suplementar a Lei (quando a Lei é omissa ou obscura, o Juiz colmata as lacunas);
• rejuvenescer a Lei (atualizar a Lei, à face dos casos novos, porque saímos da Lei hipotética para
chegar à Jurisprudência concreta).
O Direito da Lei é sempre o mesmo, imutável, mas
não é idêntico ao Direito da Jurisprudência, porque à Lei original
são agregadas, nos julgamentos, interpretações doutri-nárias,
filosóficas, jurídicas, circunstâncias de fato; quer dizer, se a Lei
não pode prever espécies particularíssimas, caberá à Jurisprudência determinar qual é o direito, o que é o Justo.
Portanto, vivificada ou rejuvenescida por julgados sucessivos, a Lei que emana das decisões já não é a mesma que
ingressou no processo.
Arruda Alvim afirma, com autoridade,
“ser inevitável o Juiz agregar algo à Lei, para afirmar
através da aplicação que ela incidiu, tal como crê que ela
31. Rubens LIMONGI FRANÇA. Lei, Doutrina, Jurisprudência, p. 169; Verb. Fontes do Direito, ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito, v. 38, pp.203-217.
32. “La ley se escribe para que sea leída, comunicada y cumplida”. Cf. Vittorio
FROSINI, La letra y el espíritu de la ley (1995), p. 59.
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deva ter incidido. ... A valoração jurídica é imanente ao
Direito, a qualquer de suas facetas concretas”. 33
Apreciando a contribuição de Emilio Betti34 aos estudos sobre interpretação e aplicação das leis, Frosini considera
que o núcleo temático de sua reflexão está na afirmação de que
“hay dos fuentes del derecho [las cuales] se manifiestan con
una fuerza desigual según el tiempo y el lugar: aunque son tanto la una, la legislación, como la otra, la integración y la interpretación oficial, obra de la jurisprudencia”.35
A legislação dá lugar a regras promulgadas, ou seja,
elaboradas sob forma normativa; em contraposição, a interpretação dá origem a regras não promulgadas ou regras de decisão e de comportamento, que podem estar, ou não, referidas
ao texto da lei.
Conclui Frosini que a posição assumida por Betti é
bem relevante como reação à “idolatria de la ley y el prejuicio
fetichista del positivismo legislativo”, ao qual ele contrapõe a atividade interpretativa como fonte de produção do direito.
Mesmo porque parece insustentável a redução do direito à dimensão legislativa, unicamente, porque “hay un proceso inagotable de circulación, que une la interpretación a la legislación, que realizan la doctrina y la jurisprudencia”, de tal forma
que a legislação vive em perpétua simbiose com a interpretação, enquanto que as regras de decisão podem fazer referência
à vida social, alimentando-se diretamente dela. 36
Sob este enfoque dinâmico, a Jurisprudência funciona
dialeticamente, como síntese entre a Lei (tese) e a Sentença
(antítese), como se pode melhor vislumbrar no diagrama abaixo:
33. J. M. ARRUDA ALVIM, Dogmática Jurídica e o novo Código de Processo Civil.
RePro, v.1 (jan/mar 1976), pp.100-101.
34. Cours de théorie général du droit, em apêndice ao Cours de droit civil comparé des obligations, curso ministrado na Universidade do Cairo, em 1957-58.
35. Vittorio FROSINI, op. cit., p. 69.
36. Idem, pp. 69-70.
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(FUTURO)
ANTÍTESE
SEN
TENÇA
Plano do Particular e do Concreto
DIREITO
Plano do Geral e Abstrato
LEI
TESE
(PASSADO)
JURISPRUDÊNCIA
SÍNTESE
(PRESENTE)
Pode-se ver que, na esfera judicial, a Lei é feita para a sentença; se uma sentença (irrelevante para o Direito) põe fim ao processo, interrompe a dinâmica, não produzindo efeitos jurisprudenciais; mas o que interessa ao ordenamento são os casos relevantes, pois a sentença é feita para os Tribunais; decidindo questões relevantes de Direito, fixadas através
da Jurisprudência dominante, tendem a modificar a ordem jurídica.
a. Da Segurança da norma à Segurança da Jurisprudência
Passa-se, assim, da Segurança da norma jurídica a
uma outra superior,que é a Segurança da Jurisprudência; nesta
dialética, o objeto está na tensão entre a Lei e a Jurisprudência;
porque a Jurisprudência é dinâmica e sempre se renova, sendo
uma de suas características a de rejuvenescer a Lei.
Josef Esser admite uma equivalência prática entre o
precedente e o direito estatuido, uma vez que a Lei não teria
outro conteúdo senão aquele que lhe é atribuido pelo juiz enquanto solucionador de casos. 37
Pelo esquema anterior vê-se que tanto a Lei como a
Jurisprudência estão no mesmo Plano do geral e do abstrato,
enquanto a Sentença situa-se no Plano do concreto, do particular.
A Jurisprudência, uma vez sumulada, seja persuasiva
ou vinculante, é válida para todos, exercendo sua eficácia tan-
37. Cf. José LAMEGO. Hermenêutica e Jurisprudência (1990), p. 214.
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210
to em relação a advogados, juízes, tribunais, como administradores; em sendo vinculante ou meramente persuasiva, mas
valendo para todos, coloca-se no Plano do geral, onde se dá a
Síntese, com possibilidade de retorno ao plano da Lei. 38
A Segurança da Lei, geral, hipotética, estática, está
na expectativa de alguém que a invoque, ao passo que a Segurança da Jurisprudência resulta concretamente de sucessivos
julga-mentos colegiados e, por isso é dinâmica, ainda que sumulada.
b. A ambigüidade da norma jurídica
Além de estáticas, sob certo ponto de vista, as regras
jurídicas são intrinsecamente ambíguas, conceito importante
para nosso estudo. Por que são ambíguas? Vejamos este outro
esquema:
NORMA
(TODO-UNO-UNIDADE)
A
B
C
D
E
F ... N
CASOS PARTICULARES
(MÚLTIPLO)
A norma situa-se no todo, no uno ou na unidade porque é geral: embora única, a norma deve ser aplicada a uma
multiplicidade de sujeitos; aplicada de A a N, se A-N são diferentes pessoas, então, a mesma norma que incide para A não é
igual à que se aplica a B-N, porque as pessoas são diferentes e
38. Muitas leis são elaboradas pelo Legislativo inspirando-se na Jurisprudência
pacificada, especialmente pelo STF. Além da Lei 6.899, de 08.04.81, antes referida, recentemente, pelas Leis 8.952 e 8.953, de 13.12.1994, que reformaram
o CPC, o art. 219, § 1° (A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação), consagrou a tese da Súmula 106 do STJ e 78 do TRF; e o art.
747, sobre julgamento de embargos na execução por carta precatória, acolheu
integral-mente o teor da Súmula 46 do STJ.
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211
diversos são os casos jurídicos a resolver. Logo, a norma aplica-se a casos diferentes, mas se mantém única; nisto consiste sua ambigüidade.
Em outros termos, a norma tem mais de uma interpretação e aplicação, porque as pessoas são múltiplas, e sendo
múltiplas não podem ser iguais, pois um caso não é igual a outro. Esta realidade vem da natureza das coisas e do homem; é,
por isso, de Direito natural.
Esta expressão - "ambigüidade da norma" - parece ilógica, mas é inerente à relação entre uma proposição geral e
uma proposição particular, quando o Juiz aplica uma regra ao
caso concreto.39 Ela é ao mesmo tempo una e múltipla; está em
seu caráter permanecer única; mas, aplicada diferentemente a
múltiplas pessoas, já não é a mesma e, portanto, é variável.
Quase toda particularidade cabe em mais de uma generalidade, porque as particularidades implicadas em cada generalidade nunca são exauríveis.
Esta ambigüidade essencial da norma jurídica não é
uma inconveniência, antes comporta vantagens: para poderem
ser aceitas por mais de uma pessoa, em mais de uma circunstância, não deve ser unívoca; permite à Lei permanecer estável
ao mesmo tempo em que se adapta a novas circunstâncias.
Tendo, ao mesmo tempo, caráter único e múltiplo, a
norma transita instantaneamente, do permanente para o mutável.
Canosa Usera, com reconhecida autoridade, confirma esta
teoria de que toda norma jurídica se reveste de ambigüidade e
generalidade, porque as normas legislativas contêm “expressões incompletas”; esta é a causa da necessidade permanente
de interpretar para aplicar a norma: completar o que o legislador, até propositalmente, deixou incompleto.
39. José Guilherme MERQUIOR. Direito e Justiça, in “O Estado de S. Paulo”,
S.Paulo, 24 out 1982.
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212
Citando Hart, afirma que esta textura aberta do Direito
caracteriza uma das definições de ordenamento jurídico. A ambigüidade vêm a ser, afinal, um preceito normativo a ser aplicado a uma multiplicidade. 40
Isto parece, também, caracterizar a Jurisprudência,
no sentido de ser a Súmula, ao mesmo tempo, permanente e
mutável. Relaciona-se ao caráter do precedente: se for mutável
não vincula, mas persuade, convence, por sua autoridade, como conselho prudencial; vem a ser para os operadores do Direito uma faculdade, pois podem seguir a Súmula ou não.
Sob outro aspecto, se a Súmula for rígida, como a
norma, sua autoridade deverá ser vinculante; e para vincular
deveria ser imutável, porque só a regra permanente obriga; neste caso, ela realmente assume caráter de um poder (potestas)
e, como tal, obrigatório.
Então, os precedentes ingleses e norte-americanos,
que são vinculantes, têm força de Lei e acabam sendo estáticos
(e quanto mais antigo o precedente, mais valor tem, pois o antigo prevalece sobre o novo); porém, em nosso sistema, não tem
a Súmula, ainda, efeito vinculatório.
40. Interpretación Constitucional y Fórmula Política (1988), p. 61. Sobre a ambi-
güidade do Direito, cf. também Jean CARBONNIER, Flexible Droit (1976), p.
122.
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213
c. Das Súmulas de Jurisprudência 41
Por que não podem ser normativas as Súmulas, mas,
ao contrário, continuam sendo meramente persuasivas? Desde
Victor Nunes Leal,42 que propôs sua criação no STF, entendem
os doutrinadores que não devem ser vinculantes, mas podem
ter um mínimo de imutabilidade, como um meio-termo.
Também por isso, as Súmulas não devem ser interpretadas, porque são frutos de reiteradas interpretações. Se vierem a sê-lo é porque não mais correspondem aos novos casos
in judicando.
A Lei 8.038, de 18/5/90, ao disciplinar os procedimentos no STF e no STJ, autorizou o relator, mediante despacho, a negar seguimento a recurso “que contrariar nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal”,; art. 38, 2ª parte; estaria, com isso, conferindo à Súmula
força de lei?
O parágrafo único do art. 34 do RISTJ igualmente
prevê poder o relator negar seguimento a recurso contrário à
Súmula do Tribunal; e o art. 136 capitula que “a declaração de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de lei ou ato,
afirmada pela Corte Especial, bem assim a jurisprudência
compendiada em Súmula, aplicar-se-ão aos feitos submetidos
às Turmas, Seções ou à Corte Especial...”.43
41. Cf. José de Moura ROCHA. A importância da Súmula. RF, v. 257, p.91; Eduardo Domingos BOTTALO. A natureza normativa das Súmulas do STF, segundo as concepções de Direito e de norma de Kelsen, Ross, Hart e Miguel Reale.
RDP, v. 29, p. 17; Álvaro MELLO FILHO. Direito sumular brasileiro. RF. v. 289,
p.417; RP. v. 43, p. 423; Tereza Celina de Arruda Alvim PINTO. A função das
Súmulas do STF diante da teoria geral do Direito. RP, v. 40, p. 224; Edmundo
LINZ NETO. Súmula. RP. v. 53, p. 222; Sálvio de Figueiredo TEIXEIRA. A Jurisprudência como fonte do Direito e o aprimoramento da magistratura. RT, v.
553, p. 18-26; Celso Barros COELHO. Jurisprudência como norma jurídica.
Controvérsias. RF, v. 281, p. 185; Rubens Limongi FRANÇA. Jurisprudência.
ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito. v. 47, p. 168; Roberto ROSAS. Do assento
e do prejulgado à Súmula do S.T.F. R.T. v. 404, p. 19.
42. Victor NUNES LEAL. Passado e futuro da Súmula do STF. RT, v. 553, p. 287;
RDA, v. 145, p. 1; AJURIS, v. 25, p.46.
43. Sistema que chamamos de vinculação horizontal, dentro do mesmo Tribunal,
em contraste com uma vinculação vertical, de um Tribunal Superior para as
demais instâncias, inclusive Juízes singulares.
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214
Pela ordem jurídica vigente é sabido que a Súmula da
Jurisprudência Predominante não assume características de ato
normativo; apenas estabiliza a jurisprudência, oferecendo maior
segurança aos julgamentos, porque propicia decisões uniformes
para casos semelhantes, além de acelerar o andamento dos
processos.44
Entretanto, esta jurisprudência predominante confere
um certo grau de normatividade às Súmulas, um sentido quasenormativo, não obstante destituidas de obrigatoriedade, e, por
isso, não se equiparam aos atos normativos puros, com características de lei, no sentido material: abstração, generalidade,
impessoalidade, obrigatoriedade. 45
Segundo pensamento de Kelsen, a decisão judicial
tem função normativa, como continuação do processo de criação jurídica, seja de normas individuais, seja de normas gerais,
quando o Tribunal de última instância é autorizado a produzí-las
com força de precedente, vinculadas à solução de casos iguais.
46
Atualmente, somente havendo delegação constitucional poderiam as Súmulas tornar-se obrigatórias; mas como existem tão só normas infraconstitucionais, estas expressam apenas sua prevalência, decorrente de constituirem mero resumo
da jurisprudência predominante.
Vale trazer à análise as discussões travadas no Supremo Tribunal Federal, quanto à normatividade da Súmula de
jurisprudência predominante, e estar sujeita ou não à jurisdi-ção
constitucional concentrada. 47
O ilustre Relator, Min. Carlos Velloso, afirmou que “a
Súmula, que não obriga, e que, por isso, não é ato normativo,
realiza o ideal do ‘meio-termo’, que seu criador imaginou”; o
44. Aliomar BALEEIRO, O Supremo Tribunal Federal, in Rev. Brasileira de Estu-
dos Políticos, v. 34 (jul 1972): 9-47; cf. p. 30.
.
45 Cf. José de Moura ROCHA, A importância da Súmula, in Rev. Forense, v.
257:91-98.
46. Cf. Hans KELSEN, Teoria Pura do Direito (1974), p. 330.
47. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 594, julgada em 19/2/1992, sendo Relator o eminente
Ministro Carlos Velloso. Rev. Trim. Jurisprudência, v. 151: 20-50.
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215
Min. Sepúlveda Pertence distinguiu o que é norma jurídica
(ato prescritivo emanado da autoridade competente), e regra
jurídica (descrição do conteúdo das normas positivas), e concluiu que a Súmula não veicula norma jurídica de criação judicial,
muito embora cada verbete se aproxime do conceito de regra
de direito; entende que o art. 38 da lei 8.038/90 não tem o alcance de determinar o conteúdo da decisão da causa, mas apenas delimitar a competência do relator, servindo de mecanismo de relativa estabilidade da jurisprudência e simplificação dos
trabalhos judiciários; a contribuição que a Súmula pode dar à
uniformidade e estabilidade da jurisprudência é contribuição de
fato, não de direito; por isso, julgou prejudicado o pedido.
O Min. Celso de Mello, por sua vez, analisou a questão sob o ponto de vista do controle concentrado de constitucionalidade, exclusivamente de leis e atos normativos, entendendo
que o conteúdo material da formação sumular não se identifica
com o conceito de norma jurídica, e que a regra do art. 38 da lei
8.038/90, não confere dimensão normativa à formulação sumular; a Súmula, assim, constitui mera proposição jurídica destituida de caráter prescritivo, daí porquê, a má aplicação de uma
Súmula não dá margem a recursos, pois não é norma jurídica; o
enunciado sumular constitui precedente de valor meramente relativo, despojado da força vinculante e da autoridade subordinante da lei; a Súmula encerra apenas um resultado paradigmático para as decisões futuras, e não é uma pauta vinculante de
julgamento.
Já o Min. Paulo Brossard, seguindo os votos anteriores, manifestou que a Súmula poderia vir a adquirir as características de um ato normativo, suscetível de ser objeto de ação
direta, mas tal ainda não ocorre.
Entendeu o Min. Sydney Sanches que Súmula não é
lei, tanto que o STF nunca admitiu ação rescisória por violação
literal de Súmula, e que o art. 38 da lei 8.038/90, não tem força
de converter enunciado de jurisprudência em ato normativo, e
se o tivesse feito, o art. 38 é que seria questionado perante a
Constituição.
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216
Entretanto o Min. Marco Aurélio, voto vencido, alinhou
argumentos em favor do reconhecimento de maior relevância
jurídica à Súmula, afirmando que pelo art. 479 do CPC o enunciado integrado à Súmula do Tribunal constitui precedente na
uniformização da jurisprudência; antes disso, a lei 5.010 de
30.05.66, já continha regra instituindo Súmulas da jurisprudência do antigo Tribunal Federal de Recursos; entende que o julgador, pelo art. 38 da lei 8.038/90, passou a estar vinculado aos
enunciados da Súmula de um mesmo Tribunal; por isso, essa
regra confere autêntica normatividade aos verbetes da Súmula;
na prática, havendo decisão contrária a verbete da Súmula, o
recurso que chegar à Corte, será denegado; ora, podendo os
órgãos judicantes ordenar o trancamento de recursos, por causa da Súmula, é inegável a existência da vinculação.
Indubitavelmente, essa era a posição dos Ministros
do Supremo Tribunal Federal, à época, demonstrando firme
convencimento de que a Súmula dos Tribunais não constitui
uma norma prescritiva, nem se equipara à lei.
Todavia, de iure condendo, há hoje marcante tendência de valorização dos precedentes, sobretudo em matéria constitucional, após a Introdução da Ação Direta de Constitucionalidade na Carta Magna, pois a Emenda Constitucional 3/93 atribui
definitividade e força vinculante aos demais órgãos do judiciário
e ao Poder Executivo às decisões nela proferidas; além disso,
há a definitividade decorrente da procedência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade, bem como ao precedente na ação que
declara constitucional ato normativo.
No entender do Juíz Edgard Silveira Bueno Filho, para obviar os recursos que se multiplicam pela Justiça com matérias já cristalizadas em inúmeras decisões, é necessário editar
norma jurídica impondo observância obrigatória dos precedentes pelas instâncias inferiores do Judiciário, mas também do Executivo; e de outra parte, a nível jurisdicional, mediante evolu-
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217
ção do pensamento jurídico brasileiro quanto à maior estabilidade do direito pela doutrina do stare decisis. 48
5. Potestas versus Auctoritas
A questão do stare decisis ser ou não aplicado às
Súmulas pode ser melhor entendida através dos conceitos de
potestas e auctoritas, que nos vem dos clássicos.
A análise desta dicotomia a devemos ao gênio jurídico de um dos mais notáveis jusfilósofos espanhóis contemporâneos, Álvaro D’Ors, das Universidades de Santiago e de Navarra. Desde 1959 passou a elaborar esta teoria, com fundamento
do Direito romano, e nos anos de 1968-69 ofereceu uma fórmula simples para compreensão destes conceitos:
“la autoridad es el saber socialmente reconocido y la
potestad es el poder socialmente reconocido”.49(grifamos)
Em outro escrito, ao aplicar a teoria da auctoritas ao
campo do ius e da lex, D’Ors definiu a autoridade da Jurisprudência como saber prudencial socialmente reconhecido. 50
Estas definições expressam a necessária complemen-taridade que deve existir entre ambos os conceitos, conforme pesquisas de Rafael Domingo sobre a obra dorsiana:
“La necesidad del reconocimiento social, sin el cual la potestad es pura fuerza y la autoridad pura ciencia, aproxima los
conceptos que, sin embargo, resultan esencialmente distintos
en función de la diferencia entre la voluntad, a la que se refiere
la potestad, y el entendimiento, al que se refiere la autoridad. ...
La autoridad no es entendimiento, sino saber, es decir, una expresión del entendimiento. A su vez, la potestad no es voluntad,
sino una expresión de la misma; y el saber y el poder sí pueden
ser reconocidos socialmente.”51
48. Os precedentes no direito brasileiro. Cadernos de Direito Tributário e Finanças
Públicas, Rev. Tribs. v. 11 (abr-jun 1995): 183ss.
49. Cf. Rafael DOMINGO, Teoria de la “auctoritas” (1987), pp. 49, 51.
50. Idem, ibid., p. 51.
51. Idem, pp. 49-50.
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218
Acompanhando este autor, vê-se que os romanos diferenciavam Iurisdictio, correspondente a potestas; e Iudicatio, como decorrência da auctoritas.
Ius dicere (iurisdictio) é dizer solenemente o Direito,
sob distintas formas de declarações públicas; é a determinação
de um objeto, trata-se de um ato de objetivação; em sentido
amplo, constitui o conjunto de declarações do Magistrado com
imperium (daí ius dicere, addicere, interdicere e dicere), soma
de declarações da potestas magistratus para boa marcha do
processo.
Ius dicare (iudicatio) é também proclamar solenemente o Direito, mas, sobretudo, consagrar ou dedicar algo a
uma divindade; é sempre uma declaração privada com efeitos
pessoais; é a sentença do juiz privado que declara o direito de
alguém em relação a outrem; portanto, iudicare corresponde à
autoridade de alguém que “sabe”, mas não “quer”.52
Ius dicere e Iudicare são atividades análogas, mas
que partem de pontos diferentes; o Magistrado, embora detentor
de potestas, por ser funcionário do Estado, declara sua opinião
como revelador de um saber prudencial concreto, mas como
auctoritas; potestas e auctoritas se combinam, assim, no mais
íntimo da vida jurídica, que é o processo.
Sobre a essência da Jurisdição, explica o autor que
há duas correntes em confronto: para a primeira, auctoritas é a
nota diferencial da Jurisdição, e que leva à idéia de iudicatio; a
segunda se baseia na potestas como fundamento da Jurisdição,
mas incluindo nela a iudicatio; mas isto constitui um equívoco,
pois esta se baseia na auctoritas. 53
E apresenta-nos a seguinte Imagem do Centauro:
52. Pergunta quem “pode”, responde quem “sabe”; o doente pergunta, o médico
responde; o aluno pode, o professor sabe; a Jurisdição pode, mas é o “juízo”
que sabe o Direito. Cf. Rafael DOMINGO, op. cit., pp. 223, 254.
53. Op.cit., pp. 147-148.
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219
Imagine-se um Cavaleiro montado num Cavalo: ali existe uma união acidental, com independência de ambos; o Cavaleiro “sabe” manejar o Cavalo: esta idéia serve para representar
o “Juízo”, como expressão de auctoritas; o Cavalo simboliza o
“poder”, a Jurisdição, como expressão de potestas. Entretanto,
tendo o Estado moderno confundido autoridade com poder, o
“Juízo” restou incluido na Jurisdição; portanto, o Cavaleiro a
Cavalo se tornou Centauro, e então cabe indagar se é um Homem com corpo de Cavalo (Jurisdição fundada na Autoridade),
ou se é um Cavalo com cabeça de Homem (Jurisdição fundada
no Poder).
Ora, o Centauro, como ser mitológico, não existe; é preciso, pois, volver à natureza real das coisas, o Cavaleiro montado no Cavalo, voltar-se à separação de Autoridade e Poder, para reencontrar a linha divisória entre iudicatio e iurisdictio, pois
Juiz é auctoritas, enquanto Jurisdição é potestas.
No Direito moderno os dois conceitos se confundiram
na Jurisdição: a Iudicatio (expressão de auctoritas) foi assimilada pelo conceito de Jurisdição (expressão de potestas); para se
entender, porém, a necessária separação, deve-se usar o conceito de “Juízo” (o mais semelhante a dicare, a iudicatio latina).
Destarte, em razão da autoridade prudencial de que é
revestido, o Juiz não pode se alçar super ou contra legem, como
pretende certo uso alternativo do Direito, pois, tanto na Justiça
constitucional, como na Justiça cível e pública, está submetido
ao poder jurídico da sociedade, da qual também emana o poder
político, e ambos ordenam as condutas jurídicas dos cidadãos e
dos próprios Magistrados.
A propósito do valor da Jurisdição, Dinamarco 54 distingue
poder e influência, ensinando que “a jurisdição é exercício de
influência, sem deixar de ser manifestação de poder, em que
cada processo gera decisões e atos materiais que constituem
autêntico exercício de poder”.
Mas, lembra que a influência da jurisdição “quando não dotada de imperatividade, poder não é. ... Trata-se da influência
dos precedentes jurisdicionais”, em que, pela via da apreciação
judiciária de casos concretos, é lícito esperar a evolução do
próprio Direito, segundo a dinâmica social e evolução das pers-
54. Cândido Rangel DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, pp. 150-155.
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220
pectivas axiológicas, alertando, contudo, que, mesmo assim,
“o Juiz não se torna Legislador”.
A respeito da auctoritas do Senado romano, diz adiante que
a força da Jurisprudência “é mais do que um conselho e menos
do que uma ordem”. (Conforme dissemos acima, a Jurisprudência ou tem força como julgado ou é mera opinião jurídica,
mas isto é bem pouco para um Poder da República...).
Para o nosso ilustre processualista, “a Jurisprudência não
constitui positivação do poder. ... Mas é inegável que na sentença o Direito se positiva. Não com o caráter de “universalidade”, pois nos sistemas jurídicos de Direito escrito, “a função jurisdicional não tem vocação à generalidade, que é reservada à
Lei”.
a. Poder Político e Poder Jurídico
Dalmacio Negro Pavón,55 em preciosa análise de teoria política, afirma que a Sociedade é a detentora de todos os
poderes, não o Estado; e os dois únicos poderes são o político
e o jurídico, que convivem na história em tensão dialética constante; nos regimes totalitários, o político absorve o jurídico;
Na Idade Média, o ius commune representou o máximo prestígio do poder jurídico; inclusive os Parlamentos franceses, côrtes privadas de justiça, detinham mais força que os reis;
o Judiciário, portanto, costumava ser mais fortalecido.
A alternância desses poderes pôde ser constatada recentemente com a Perestróika: durante anos o poder político impôs sua vontade sobre a sociedade soviética e aquela foi uma
revolução jurídica, nada mais que a aspiração de liberdade de
um povo, no sentido de assumir o comando de seus destinos;
tudo começou com uma rebelião contra as leis vigentes. 56
55. Natureza social do Poder Judiciário. Rev. Tribs. v. 695, p. 16-29. Trad. do Autor.
56. “A perestroika parece ser o começo do fim de tudo isso, enquanto expressa o
descon-tentamento dos ideais da contra revolução socialista (estatista) frente à
forma jurídica de democracia, cujo traço mais acentuado é o que se chamou
“governo dos Juízes”, próprio das Sociedades politicamente livres e juridicamente contratuais. Nelas, ao conservar o povo a propriedade e a posse do Direito, custodiado por Juízes, advogados e juristas, prevalece em geral, sem
discussão, o poder jurídico sobre o político, que só se manifesta como soberano em situações excepcionais, mas não na vida cotidiana”. Idem, p. 28.
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221
Ora, o poder político é detentor da potestas, que
aparece nítida no Executivo e no Legislativo, ao passo que o
poder jurídico é mais visível no Judiciário, através da auctoritas.
Deparamos, então, com dois tipos de Justiça: uma chamada
institucional, a "situação política", o stablishment, a ordem constituida, característica da potestas; 57 e a Justiça ideal (mas não
metafísica), que deve ser buscada e praticada diuturnamente
nos casos particulares, própria da auctoritas. 58
O poder político estabelece as regras do jogo político;
e o poder jurídico, as normas sobre a Justiça material, a que dá
o seu a cada um, no caso concreto; não mais uma Justiça ideal,
mas a do dia-a-dia, das instâncias inferiores e dos Tribunais;
esta Justiça necessita de uma ordem legal para se concretizar;
e para isso, suas decisões devem ter além da auctoritas, o saber julgar, também a potestas, o poder de administrar a Jurisdição e o de executar seus próprios julgados. 59
e. Poder Jurídico e Jurisprudência
Esta auctoritas é um valor característico, peculiar à
Jurisprudência, ou não? Há negativistas, que dizem não ter a
Jurisprudência qualquer valia;60 outros porém, autores jurisprudencialistas, exacerbam sua importância. 61
57. Nossa Constituição a denomina, coerentemente, Estado Democrático de Direito; em alguns países europeus, em declínio ultimamente, Estado Social de
Direito.
.
58 Paul RICOUER contrapõe a Filosofia Política à Filosofia do Direito, como duas
vertentes da sociedade, em que o tema da primeira é a guerra, e o da segunda, a paz. Cf. Le Juste, p. 10.
59. ZENATI, ao tratar da coisa julgada, mostra que o ato jurisdicional apresenta
duas dimensões: sua força probante e sua força obrigatória; esta permite às
partes se executarem, mas só a primeira guarda a autoridade da coisa julgada.
La Jurisprudence (1991), p.193.
60. Clóvis Bevilaqua, Spencer Vampré, Martinho Garcez, Tito Prates da Fonseca,
Franzen de Lima, Paulino Neto, Oscar Tenório, Orlando Gomes. Cf. LIMONGI
FRANÇA, op. cit. pp.170-171.
61. Como Barros Monteiro e Vicente Ráo, op. cit., p. 171.
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222
Numa terceira posição, os realistas62 afirmam que
a Jurisprudência tem autoridade e, ademais, é complementar à
Lei. 63
Entretanto, pela conceituação realista contemporânea
da Jurisprudência, o Juiz “cria” Direito, não como Legislador,
mas por agregar à Lei todas as circunstâncias valorativas do
fato, bem como doutrinas, costumes, precedentes judiciais; por
isso, a Jurisprudência tem valor relevante, por suplementar, na
sua aplicação, o que a Lei não pôde dizer, por sua absoluta gene-ralidade e abstração.
A Jurisprudência pouco vale porque consistiria, para
alguns, num simples conhecimento objetivo, neutro aos valores;
porque tem regras supérfluas e arbitrárias; porque (e isto corresponde a um conceito positivista do Direito) a Jurispru-dência
é restrita ao pensamento lógico (a velha tese de que a sentença
é um silogismo); assim, é negada à Jurisprudência capacidade
de elaborar enunciados (axiológicos) suficiente-mente fundamentados. 64
Para muitos, ao contrário, a Jurisprudência tem valor
como fonte do Direito porque trata da compreensão de conexões normativas de sentido e de pensamento orientado a valores; 65 de fato, vemos pelo tridimensionalismo de Reale, que
não só a norma importa, mas também o fato e o valor. Esta postura supera o conceito positivista de Ciência, porque busca
transfor-mar pautas de valores em decisões concretas.66
Se não tivesse valor jurídico, seria algo banalizado,
como mera doutrina passageira. Ora, tanto tem valor que dela
62. Carlos Maximiliano, Serpa Lopes e Limongi França. Idem, p. 172.
63. No sentido que lhe dá a legislação espanhola. Título Preliminar do Código
Civil, art. 1º, n. 6: a Jurisprudência "complementará el ordenamiento jurídico ...".
64. Cf. Karl LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª ed. (1989), pp. 2-3.
65.Cf. VALLET DE GOYTISOLO, Metodología de las Leyes, p. 309; FELIX M.
CALVO VIDAL, Importancia y trascendencia prática de la Jurisprudência, in “La
jurisprudencia ¿Fuente del Derecho?” (1992), p. 309.
66. “O Direito moderno já não admite a visão estreita do positivista, nem a redução do campo de abrangência de seu cientista à dicção perfeita e pura. Exige
um intérprete humanista, universal, com ampla visão dos fenômenos sociais e
de suas manifestações nas mais variadas ciências”. Cf. Ives Gandra da Silva
MARTINS, A cultura do Jurista, Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, Rev. Tribs, v. 2 (jan-mar 1993), p. 22.
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
223
não se pode retirar seu conteúdo ético, sem pôr em risco
qualquer sistema que pretenda ser jurídico. A Teoria Pura do
Direito serve bem para explicar a estrutura de um ordenamento,
mas, para um sistema inteiro é inaceitável, pois o melhor argumento que a contraria é justamente o das leis injustas.
Aqui é nítida a distinção entre poder político e poder jurídico. O nacional-socialismo alemão tinha poder político totalitário
e subjugou o poder jurídico: juízes e tribunais cumpriam o que
o regime ordenava; porque as Leis de Nuremberg (1935) eram
formalmente perfeitas, regularmente promulgadas, porém sem
qualquer conteúdo ético de respeito aos Direitos naturais da
pessoa humana.
De um lado, havendo um poder político com decisões
políticas, a ordem jurídica, no seu conjunto, era injusta; de outro, havia as decisões judiciais com base nas leis injustas; pode
haver uma lei injusta e o Juiz não aplicá-la, mas quando toda a
ordem legal é injusta, não há como emitir decisões justas... 67
Por trás da tensão entre Lei e Jurisprudência68 há um
confronto maior, entre Direito e Liberdade, entre Estado e Cidadania, que sempre se reproduz; neste campo, só a Jurisprudência, com a força de sua auctoritas, culminância do poder jurídico, pode equilibrar o poder político.
67. Na película O Julgamento de Nuremberg (filme-vídeo, direção de Stanley
Krammer, 1961, 150min., p&b, son. dubl., norte-americano) aflora eloqüentemente esta questão: Juízes que aplicaram as Leis nazistas sobre esterilização
de pessoas, julgadas em "processo regular" como débeis mentais, ou sobre
"poluição racial" (qualquer contacto de alemães com judeus, ciganos, ...), consideravam seu dever acatar e cumprir essas Leis; ressalta, ao final, o fecundo
debate sobre o Direito Positivo e o Direito Natural. Um dos Juízes então acusados, Hoffsteter, em suas declarações ao Tribunal afirmou: "Servi meu País, em
toda minha vida, seguindo o conceito que acreditava o melhor: sacrificar o senso de justiça à autoridade legal de ordem, perguntar o que é a Lei e não qual o
senso de Justiça"; aquela Legislação representou, portanto, a radicalização positivista do iussum sobre o humanismo natural do iustum.
68. Sobre este confronto Legislação-Jurisdição, cf. Artur KAUFMANN & Winfried
HASSEMER, El pensamiento jurídico contemporáneo (1992), p.199; e Andrés
OLLERO, Caps. ¿Es el precedente judicial fuente del derecho?; Ley o precedente: un dilema artificial; Una nueva dimensión de la tarea judicial, in “Igualdad
en la aplicación de la ley y precedente judicial” (1989), pp. 71, 89, 94.
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
224
Imagine-se um Tribunal Constitucional durante um regime autoritário. O Direito em si defende a Liberdade; à medida
em que dá Segurança jurídica à Liberdade, aos Direitos humanos, estará o poder jurídico confrontando-se com o político; hoje, em todas as Constituições democráticas se fala em Direitos
humanos, garantias fundamentais, garantias de acesso à justiça etc, enfim, estão todos constitucionalizados; muito do que
era discutido a nível legal, está posto nas Constituições; criouse a Defensoria Pública para a assistência judiciária, e os Juizados das Pequenas Causas, iniciativas de alguns Estados, se
nacionalizaram pela Constituição.
Quer dizer, essa concepção de equilíbrio dos Poderes
no Estado Democrático de Direito, tem em mira conduzir a interesses jurídicos defendidos politicamente. O poder político tem
seu momento fundante nas Constituições, ab initio, mas o poder
jurídico deve prosseguir, continuamente neste seu construtivismo, inclusive jurisprudencial, adequando a norma aos fatos, aos tempos, aos lugares e aos valores, não devendo ser
tolhido pelo poder político, mas respeitado.
6. Conclusões
A força do Estado Democrático, de Direito constitucional, é exatamente a Segurança jurídica obtida em permanente equilíbrio entre o poder político e o poder jurídico; esta
Segurança resulta, afinal, da atuação do Judiciário ao definir
valor, extensão, eficácia e exeqüibilidade das normas legais e
constitucionais, na expressão do jurista Ney Prado. 69
Para isso, o julgador deve partir do abstrato e chegar
ao concreto; do complexo ao simples; do ambíguo ao definido;
do ideal ao factível; do emocional ao racional; partir do metajurídico e chegar ao jurídico.
Juízes e Tribunais executam todas estas tarefas conco-mitantemente, sintetizando-as em sentenças ou em acórdãos; tudo isto vivifica os textos legais sob a luz da realidade,
pondo fim às controvérsias judiciais.
69. Ney PRADO. A Constituição de 88 e a vez do Judiciário, in “O Estado de
S.Paulo”, S.Paulo, 31 out 1988. Do mesmo autor, cf. Os notáveis Erros dos Notáveis (1987); Razões das virtudes e vícios da Constituição de 1988 (1994).
Jur ispr udência: f ont e úl t ima de Segur ança Jur ídica
225
O Julgador atua como individualizador da vontade
da Lei; passa do comando abstrato da norma ao comando aplicado em concreto; é simplificador da ordem jurídica, ao tornar
simples os textos complexos e difíceis de conciliar; é realista e
reabilitador do verdadeiro papel da norma legal, ao retirar da
utopia normativa um comando realizável;70 é causa eficiente da
certeza jurídica, ao fazer do ambíguo um comando determinado.
É garantidor último - e garantia é Segurança - da estabilidade das instituições, ao moderar o ousado e torná-lo prudente regra em sua aplicação. 71
É ainda Ney Prado quem afirma, enfaticamente: a
Carta de 1988 (extensa, analítica), mais que as outras, é problemática (complexa, utópica, ambígua, contraditória). Revela
uma postura do Constituinte mais psicológica do que lógica; por
isso, demanda redobrado esforço interpretativo dos Tribunais,
porque casou o utópico ao casuístico, o ideal ao rasteiro, o elevado ao ridículo, o nebuloso ao definido. Há necessidade de
uma interpretação conciliadora para se alcançar a eficácia do
realizável, do possível, do equilíbrio e da seriedade.
Ao Judiciário cabe zelar pela Segurança jurídica, não
apenas legal, mas de todas as categorias que informam o ordenamento jurídico. Nem a Constituição, nem toda a ordem jurídica positiva nos dão Segurança Jurídica, mas sim a aplicação
justa da Lei pelo Executivo e sobretudo pelo Judiciário, que detém a última palavra em matéria de interpretação e aplicação do
Direito. A missão do Judiciário será sempre a de transformar a
Constituição formal em Constituição real, a Constituição-texto
em Constituição-vida, ainda seguindo Ney Prado.
70. Para Theodor VIEHWEG, há uma recíproca aproximação entre os fatos e o
ordenamento jurídico, a "ida e volta do olhar". Tópica e Jurisprudência, p. 83;
Antonio HERNANDEZ-GIL afirmava que o Juiz deve ter “una mirada hacia arriba”, que o leva a considerar o transcendentalismo da Justiça; e uma “mirada
hacia abajo”, para que desça à consideração das condições sociais subjacentes. Cf. Op. cit. (1981), nº 4º, p. 26.
71. Cf. Carlos CERDA FERNÁNDEZ, Exigencias primordiales de la jurisdicción del
presente y del mañana, in “Iuris Dictio” (1992), em que analisa o juiz de hoje, o
juiz oposto e os fundamentos para uma mudança. Pp. 267, 269, 275.
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226
Terminamos, com o eminente juiz, lembrando eternas palavras de Rui Barbosa:72 "a esperança nos Juízes é a última esperança” da sociedade, fonte única e soberana de todos
os poderes. 73
72. Rui BARBOSA. Obras Seletas, [Campanhas Jornalísticas, República], tomo
VII, p. 204; apud Luiz Resende de ANDRADE RIBEIRO, Dicionário de Conceitos e Pensamentos de RUI BARBOSA (1967).
73. "Todo o poder emana do povo..." (art. 1º, par. único, da CF 88).
Capítulo XIII
O Acesso à Justiça
SUMÁRIO: 1. A exigência de uma "Jurisprudência mínima" ou "vinculação mínima à Jurisprudência". 2. A ordenação jurídica da Jurisprudência. 3. Evolução da Jurisprudência
para uma progressiva determinação do Direito. 4. O uso alternativo do Direito.
5. A
nova Lei de Aplicação das Normas Jurídicas. 6. As transformações constitucionais do
Direito. 7. O Poder Normativo de um Tribunal Constitucional. 8. Conclusões.
1. A exigência de uma "Jurisprudência mínima" ou "vinculação mínima à
Jurisprudência"
Não sendo vinculante a Jurisprudência, a persuasão se torna
mera recomendação de uso, como bula de remédio. Se é necessário ao
paciente tomar a medicina para se curar, assim para decidir a controvérsia do caso concreto, deve o Juiz encontrar os remédios jurídicos
prescritos pela Lei, ou, à sua falta, pela analogia, pelos costumes, pela
doutrina, e last but not least, pela Jurisprudência.
Ora, tais fórmulas elaboradas nos Tribunais, através de julgamentos colegiados, são sobretudo questões de Direito que, depois de
uniformizadas, tornam-se invariáveis, exatamente como se dá com a
Lei; onde a mutabilidade ocorre é nas questões de fato, inerentes à variabilidade da própria vida humana.
As Súmulas, ou a Jurisprudência dominante, parecem ser estáveis
sit et in quantum, durante a permanência de um mesmo entendimento
jurisprudencial sobre matérias jurídicas relevantes; é uma estabilidade
relativa, pois o Direito, pela natureza de sua destinação, deve ser estável mas não invariável (imutável); deve-se pensar que existe uma gradação da estabilidade por patamares: como as leis e os códigos, as
normas jurisprudenciais são revogáveis e reformáveis, mas guardam
sempre um mínimo de duração que, muitas vezes, atravessam décadas
sem alterações.
Há, assim, em todo julgado superior, uma essência, um ratio
decidendi, consistente numa nova regra de Direito - a jurisprudencial que não pode deixar de ser considerada desde os primeiros intérpretes,
para aplicação às causas que venham a julgar.
O conceito de ratio decidendi é a chave da doutrina do precedente”;
segundo nos esclarece Iturralde Sesma, neste conceito ficam excluídas
as questões de fato; dentro destas, tão pouco pertencem à ratio deci-
O acesso à Justiça
228
dendi as considerações da sentença não necessárias para decisão, pois
não são mais que obter dictum...(op. cit. p. 81)
Na verdade, há nas decisões uma associação complexa de
princípios que entram na composição do julgado; no direito penal, p.ex.,
uma sentença consiste na composição da norma principal, das normas
cumuladas, dos dispositivos agravantes e atenuantes, das penas corporais, pecuniárias, benefícios aplicáveis, restrições de direitos etc.
Destarte, as decisões originárias (sentenças ou acórdãos) semelham-se às antigas receitas, que estipulavam, doente a doente, as substâncias e as dosagens, e que deviam ser manipuladas por farmacêuticos competentes; enquanto as decisões finais, uniformizadas e sumuladas, seriam como remédios de laboratório, analisados, experimentados
e concentrados, já contendo, a priori, todos os elementos básicos para
os casos semelhantes.
Enquanto o trabalho artesanal dos Juízes, escrevinhando suas sentenças, aproxima-se da medicina antiga, a medicina moderna,
como os Tribunais, exige atendimento imediato a uma multidão de recorrentes, utilizando, para tanto, equipamentos, técnicas e conhecimentos avançados, para a mais perfeita sanação do caso.
Assim na Justiça: se a maior crítica da população aos órgãos
judiciários é a morosidade; se ao povo interessa não o preciosismo das
sentenças e acórdãos, mas ver seu direito subjetivo atendido de imediato não é razoável que todo direito deva ser reconstruído, caso a caso,
por todo julgador em cujas mãos o processo passa; se já existem decisões superiores, juridicamente firmadas com excelência, e a cujas conclusões as seguintes fatalmente chegariam, bastaria invocar adequadamente o stare decisis 1 já criado.
Não se trata de "puxar uma ficha", comodamente, e citar o
precedente; as súmulas são muito mais que simples ementa a transcrever; devem ser equacionadas aos fatos do processo e ao entendimento
do Juiz; serve à economia processual enquanto poupa os intérpretes de
reiteradas e dispensáveis pesquisas; nem os Juízes ingleses ou americanos se eximem de motivar suas decisões 2; a fundamentação é ne1. A doutrina do precedente obrigatório ou do stare decisis et non quieta movere foi elabo-
rada claramente pela primeira vez em 1861, pela House of Lords, o mais alto Tribunal da
Inglaterra: “cada tribunal estaba estrictamente obligado por las decisiones y los tribunales
superiores estaban obligados por sus propias decisiones”. Cf. Victoria Iturralde Sesma, El
precedente en el Common Law (1995). pp.24-25.
2. Segundo Iturralde Sesma, a prática dos Tribunais é expor detalhadamente a motivação
para suas decisões; pois o que vincula não são as decisões em si mesmas, mas a ratio
decidendi, e esta só pode ser obtida analisando o raciocínio do Tribunal. Op. cit., p. 100.
O acesso à Justiça
229
cessária para a análise dos fatos e adequação às normas jurídicas, mas
a essência da decisão já está firmada pelo holding do Direito sumulado.3
Em suma, toda decisão, desde sua origem, encontra-se
vinculada a uma Jurisprudência assentada, pois nihil novum sub ius,
salvo exceções extraordinárias, quando juristas e Juízes, com luzes
extraordinárias, propiciam a criação de novas teses jurídicas; esta
vinculação, portanto, torna mais ágil a Justiça, é mais prática aos
intérpretes e mais econômica ao povo que acode aos Tribunais
buscando Justiça e, sobretudo, ao desafogo do Judiciário.
Então, por que a nossa Jurisprudência não é vinculante? Por
que não vincula ou não se impõe? Alvaro D’Ors nos dá uma resposta:
“Los criterios jurisprudenciales, es decir, las normas jurídicas en general, no son en sí mismas dictados imperativos. No pueden serlo por la
razón evidente de que quien las formula no tiene, por su misma autoridad jurisprudencial, una potestas imperandi. Ya hemos dicho que la
prudencia es virtud intelectiva; el imperare, en cambio, supone expresión de voluntad. Lo que el prudente, formulador de la norma jurídica, puede decir no es más que “esto es justo” o “esto es injusto”; declara lo
que es jus (ju-dicat), pero no impone una regla de obediencia.”
“Si las normas jurídicas no son por sí mismas imperativas, ¿quiere
esto decir que no son vinculantes, que no obliga? Esta es la cuestión,
anexa a la de la imperatividad, de la obligatoriedade de las normas.”
...”Porque una cosa es la obligatoriedad moral y otra la vinculación material”. 4
O juiz ou Tribunal que não acata Jurisprudência superior reabre, a cada caso idêntico, discussões temáticas sobre a mesma questão
jurídica controvertida, e vai, passo a passo, se insurgindo contra o já
decidido reiterativamente.
A certeza que brota do caso julgado é certeza de Justiça, certeza de
que é decisão justa. E a decisão justa acarreta certeza definitiva para as partes,
para a Jurisdição e para o próprio ordenamento.
3. A ratio decidendi é uma regra necessária para a decisão; a contrario sensu, as demais
considerações, não necessárias para decidir, são meras obter dicta, pois os juízes costumam dar razões adicionais da sua sentença, sem que façam parte do ratio decidendi.
Idem, p. 102.
4. Álvaro D’ORS. Princípios para una teoria realista del derecho. Anuario de Filosofia del
Derecho (1953), p. 315.
O acesso à Justiça
230
É ainda a lição de Alvaro D’Ors que cabe acolher neste passo:
“... una sentencia judicial es norma en un triple sentido:... : 1º Es
norma particular para las partes afectadas por el fallo, para los litigantes; se entiende en la medida en que aquella sentencia tiene fuerza de
cosa juzgada.” ... “2º Es norma profesional por cuanto cada sentencia
constituye un precedente, que tendrá una influencia más o menos intensa sobre las futuras sentencias de aquel mismo juez o de otros jueces.
3º Es norma pública, ya que aquela muestra de conducta judicial será
tenida en cuenta por todos los que tengan que intervenir en un caso análogo, y los técnicos del derecho, en especial, no olvidarán aquella
muestra cuando se trate de dar un consejo al ‘público’ “ (grifamos).5
2. A ordenação jurídica da Jurisprudência
Se visualizarmos a atuação da Jurisprudência no âmbito de
um mesmo Tribunal (num plano horizontal, portanto), os comandos jurisprudenciais deveriam ser respeitados, numa ordem de coerência interna, pela competência das matérias e da própria organização jurisdicional. Há, inegavelmente, uma vinculação dos casos novos aos precedentes contemporâneos, com maior razão se presentes os mesmos julgadores, ocorrendo o que chamamos de “vinculação mínima”.
Já num plano vertical, na linha dos Tribunais superiores para
os Tribunais locais, Juízes de primeira instância e órgãos administrativos, os precedentes têm menor vinculação; estes aplicadores do Direito
parecem infensos a certa influência prudencial, não obstante os clamores da sociedade por uma Justiça mais eficiente, célere e imediata.
Mesmo com decisões firmes e reiteradas dos Tribunais, os
escalões inferiores nem sempre as aplicam, obrigando cada cidadão a
recomeçar sua via-sacra processual para obter o reconhecimento de um
direito muitas vezes já declarado objetivamente. Tal resistência ocorre
com frequência nas esferas administrativas, em que avultam poderes
materiais de execução das normas (polícias administrativas, judiciárias
e militares, ad exempla).
A questão deságua, assim, no campo maior do acesso ao Judiciário, como obrigação de recorrer à Justiça, quando a mesma situação jurídica, em sua essência, já foi determinada por inúmeros julgados.
5. Idem p. 313-14. Cf., Ives Gandra da Silva MARTINS FILHO. A legitimidade do Direito Po-
sitivo (1991), p. 220.
O acesso à Justiça
231
Esta forma de negar acesso à Jurisdição torna-se ativa,
quando o sujeito de um direito já assentado pela Jurisprudência se vê
obrigado, não obstante (sobretudo por posturas internas de órgãos administrativos), a recorrer às instâncias judiciais; passiva, quando o sujeito de um direito não alcança as portas dos tribunais por ausência de
meios materiais (assistência judiciária acessível) e outros obstáculos
invencíveis.
Acessar a Justiça não consiste, portanto, apenas em ajuizar
um pleito nos Pretórios, mas sobretudo ver o direito prontamente reconhecido; litigantes há que toleram os grandes atrasos judiciais, talvez
até lhes interesse protelar suas demandas. Mas ao cidadão comum a
demora na prestação jurisdicional ataca e ofende a vida, a saúde, e nega alimentos, emprego, moradia, educação para os filhos etc. 6
A atitude dogmática de recusar uma vinculação mínima aos
precedentes superiores, sem considerar as situações razoáveis de fazêlo para alcançar justiça prestadia, conflita com o compromisso dos Juízes para com a Lei e o Direito, para com a sociedade a que pertencem
e para com a própria Justiça.
Que as sentenças sejam expeditas: a nosso ver, a aplicação
imediata pelos Juízes de uma "jurisprudência mínima", vinculada pela
essência ao caso concreto, fará mais Justiça que a mais brilhante decisão.
A idéia dos Juizados Informais e os de Pequenas Causas visava atender a esta morosidade - a relevante questão do acesso à Justiça. Por
acaso a justiça que ali se distribui é inferior à dos altos Tribunais? Nesse
sentido se entende o movimento pelo uso alternativo do Direito - acesso
do povo aos seus Juízes naturais e resposta rápida e justa aos direitos
pessoais.
6. “O acesso à Justiça é, mais do que ingresso no processo e aos meios que ele oferece,
modo de buscar eficientemente, na medida dos direitos que se tem, situações e bens da
vida que por outro caminho não se poderiam obter”., Cândido Rangel DINAMARCO. A
Instrumentalidade do processo (1987), p. 404. Sendo o Acesso à Justiça uma Garantia
Constitucional, como ensinam Tucci & Tucci, para ser plena deve referir-se não só à acessibilidade econômica (ideal de gratuidade ou de custo mínimo do processo, a assistência judiciária), como à acessibilidade técnica, através de defensoria técnica e igualdade substancial no processo. Rogério Lauria TUCCI e José Rogério Cruz e TUCCI. Constituição de 1988 e Processo (1989), p. 19. Para nós, tal garantia será comprometida pela
tardança nos julgamentos, quando injustificada, seja em primeira como em segunda instância. Cf. também Ada Pellegrini GRINOVER, Assistência judiciária, in “Novas tendências do Direito Processual” (1990), pp. 243ss.
O acesso à Justiça
232
Enfim, os direitos subjetivos, hoje, por força da Constituição
de 88, estão subsumidos nos direitos de cidadania e a tardança judicial
é grave negação do acesso efetivo à Justiça, constituindo fonte iníqua
de insegurança jurídica e incerteza do direito.
3. Evolução da Jurisprudência para uma progressiva determinação do
Direito 7
O método da Exegese emerge com o Código de Napoleão:
como era vedado interpretar, o juiz deveria decidir de acordo com a letra
da lei, sem emitir opiniões pessoais.
Ao final do século XIX surge a reação a esse método, passando-se para o extremo oposto: o juiz, sendo autônomo e livre, poderia
julgar como quizesse. Houve um conflito entre Legislação e Jurisdição:
conforme o método utilizado, poderia haver maior ou menor segurança
na decisão e, portanto, maior ou menor certeza do direito. Este movimento do Direito livre causou certo tumulto, e por isso foi bastante criticado.
Cabe ainda lembrar a chamada Jurisprudência dos interesses, de Phillip Heck; a livre investigação cientifica, de Gény; a interpretação segundo princípios gerais de Direito, transcendente aos limites do
Direito positivo, dos espanhois Castán, Recasens, Puig Brutau; além da
Jurisprudência analítica de Austin e o realismo jurídico norte-americano
de Pound e Dworkin, na área do common law.
Não obstante a contínua evolução dos métodos jurisprudenciais em direção à determinação mais justa do Direito, como veremos, ainda se observa uma continuidade do Positivismo normativista legislado.
Assim, Zitelman, 8 em célebre alocução, sustentou que no Direito não há lacunas e por isso o juiz nunca estaria impossibilitado de
julgar por falta de disposição legislativa; portanto, nada teria que suprir.
Kelsen, em suas obras Teoria Pura do Direito e Teoria Geral
das Normas 9, apresenta uma concepção do ordenamento jurídico e a
identificação de Direito e norma coativa emanada dos escalões da or7. Seja-nos permitido apenas enunciar as principais metodologias jurisprudenciais, sem a-
preciá-las em detalhes, pois não caberia neste trabalho.
8. VALLET, op. cit. , p. 978
9. Idem, p. 981ss.
O acesso à Justiça
233
ganização estatal, inclusive a identificação do Estado com o Direito. Sobre esta teoria assim se pronunciou o jurista Hernandez-Gil:
“El logicismo que tantas veces se ha imputado a KELSEN descansa,
sobre todo, en la abstracción y el formalismo, y no en el desarrollo de un
discurso lógico. La verdad y la falsedad, valores esenciales en la lógica
clássica, están por completo ausentes de su pensamiento jurídico, que
considera como categorías fundamentales la validez y la invalidez”.10
Quanto a Norberto Bobbio, 11 verifica-se um retorno ao logicismo interpretativo das leis segundo a vontade do legislador, partindo
do pressuposto da plenitude do ordenamento positivo e de sua autointegração, concepção esta que é antes nominalista que positivista.
Apesar disso, confessa Bobbio que
“la interpretación del derecho hecha por el juez no consiste nunca en
la simple aplicación de la ley en base de un procedimiento puramente
lógico; aunque no se advierta, para alcanzar la decisión él deve introducir siempre valoraciones personales, efectuar elecciones que no se hallan vinculadas al esquema legislativo que deben aplicar”.12
Em reação ao Positivismo legalista e ao Conceptualismo surgiu o movimento do Direito livre, sob formas diversas, iniciado por Bülow, com a tese de que “a lei não produz por si mesma o Direito, senão
que somente o prepara, ao passo que a criadora do Direito é somente a
sentença do juiz”;13 e depois Ehrlich, com a Sociologia jurídica, falou pela primeira vez em uma “livre ciência do Direito”, em que não se pode
excluir a personalidade do juiz da decisão judicial, procurando encontrar
fora da lei critérios objetivos aos quais devia estar vinculada a atividade
do juiz; e também Kantorowicz (Gnaeus Flavius). 14
Convém aprofundar o pensamento de Ehrlich, sempre favorável à Jurisprudência aberta e influente; para ele esta é
“La única ciencia posible acerca del derecho, porque no se queda
en las “palabras” sino que fija su mirada en los hechos que sirven de
base al derecho, y porque, como toda auténtica ciencia trata de produndizar por medio del método indutivo - es decir, ‘observando los hechos y
reuniendo experiencias’, ‘nuestro conocimiento de la esencia de la cosas”. La misión de la sociologia del derecho‘ es buscar las fuerzas propulsoras de las instituciones jurídicas’. Sólo posteriormente la jurispru10.
11.
12.
13.
14.
Idem, p. 982.
Idem, Metodologia de las Leyes, N.262, p.262ss.
Idem, Metodología de la Determinación del Derecho, p. 987.
VALLET, op.cit., p. 989.
Idem, p. 993.
O acesso à Justiça
234
dencia ‘ forma la norma jurídica en base a la percepción de la vida jurídica y de la generalización de las vivencias de esa percepción”. 15
Maior relevo apresentou a Jurisprudência dos interesses (Escola de Tubingen), cujo ponto de partida foi a teoria de Ihering (0 fim do
direito, A luta pelo Direito), por uma Jurisprudência teleológica e pragmática, e que teve como principais mentores Phillip Heck e Max von
Hümelin.
Fundada no conceito de “interesse”, Heck apresenta uma função metodológica na decisão judicial, segundo a qual
“el juez está vinculado por los juicios de valor que resultan de la ley,
y eventualmente también por aquellos que dominan en la comunidade
de derecho, de tal modo que la valoración personal del juez no interviene sino de un modo totalmente subsidiario” .16
A Jurisprudência de interesses, no fundo, era uma derivação
do positivismo segundo o conceito de ciência em que o “interesse” já
tráz em si uma conotação econômica; de fato, Heck coloca no mesmo
plano os bens “ideais”, como a liberdade, a segurança, a justiça, a responsabilidade, e os materiais, levando a pensar no conceito de utilidade
de Bentham 17.
Num extraordinário esforço para superar o método exegético,
François Gény elaborou precisa doutrina sobre a livre investigação científica, voltada para a interpretação e aplicação do Direito, explicando
que o intérprete
“Debe investigar, por sí mismo, las exigencias de la naturaleza de
las cosas, y las condiciones de la vida, siempre que no sea detenido,
para ello, por un mandato imperioso (fuente de derecho formal) que limite su apreciaciõn, o la excuse por entero, porque dicte inexcusablemente a su juicio la solución. En suma, salvo estas reglas imperiosas que lo
dominen, y antes las que debe inclinarse toda voluntad individual, la interpretación jurídica nos parece indiscutiblemente soberana de sus decisiones, sin más cortapisas que el fin mismo de su misión, y recibiendo
sus inspiraciones en el gran fondo de justicia y de utilidad social que alimenta la vida orgánica del derecho”. 18
Sobre a livre investigação científica, propriamente, Gény afirma que
15.
16.
17.
18.
Idem, p. 998.
Idem, p. 1021.
Idem, ibid., pp. 1024-1025.
Idem, p. 1039.
O acesso à Justiça
235
“... el trabajo que incumbe al juez, me ha parecido poder calificarse:
libre investigación científica; investigación libre, toda vez que aquí se
subtrae a la acción propia de una autoridad positiva; investigación científica, al propio tiempo, porque no puede encontrar bases sólidas más que
en los elementos objetivos que sólo la ciencia puede revelar”.19
Recomenda ao intérprete penetrar até o último fundo da natureza das coisas, abrir a Jurisprudência para permitir-lhe plenificar completamente sua missão, uma ordem de investigações mais ampla e mais
livremente científica, buscando, para isso, não só os elementos positivos da organização social, a natureza social e individual da humanidade, para arrancar dela o segredo das regras que devem dirigí-la.20
Contemporaneamente, na Alemanha, vem predominando o
método da Wertungsjurisprudenz - Jurisprudência de valores ou estimativa.
Junto com ela volta a surgir a consideração da “natureza das
coisas” e também, em primeiro lugar, dos princípios judiciais supralegais.
“Si la jurisprudencia fue, sin duda, en su estruturación originaria una
manifestación del positivismo científico, su transformación en jurisprudencia de valoración, y, aún más, su nuevo giro hacia la “naturaleza de
las cosas” y a los principios jurídicos supralegales representa una renuncia al positivismo, corriente que, en la filosofia jurídica alemana actual, corresponde a la aspiración de descubrir estructuras intemporales
“lógico-objetivas” del derecho, y un sistema, inmanente al derecho, de
valores e ideas experimentados históricamente, en cierto modo de derecho natural relativo”. 21
Esta interpretação valorativa dos atos conforme circunstâncias, motivos, fatos, é a Jurisprudência de valoração ou estimativa, como vimos; ora, dentre estas teorias, temos no sistema anglo-americano
bem do judge made law, a lei feita pelo juiz, como se fosse legislador.
O sistema do precedente, na Inglaterra, nos Estados Unidos e
outros países como o Canadá, é uma realidade jurídica, tem primazia
sobre a lei. O juiz americano tem liberdade maior que o do Direito continental, parecendo derivar para uma espécie de direito livre. Tanto assim
19. Idem, p. 1044.
20. Idem, p. 1048.
21. VALLET, citando Larenz. Op.cit., p. 1207.
O acesso à Justiça
236
que, para os americanos, como disseram vários autores,22 "o direito é o
que o juiz diz que é"; e isto está de acordo com as escolas americanas.
O professor norte-americano Christopher Wolfe, em alentado
estudo informa que “... o surgimento do juiz legislador constitucional está sendo a característica mais surpreendente dos nossos tribunais federais desde o fim do século XIX”; indica ter havido três “eras” distintas na
formação deste costume judiciário: a tradicional (correspondente aos
primeiros debates constitucionais, desde Blackstone e o “Federalist”); a
de transição (época das discussões sobre privilégios e imunidades, o
‘due process’, liberdade de comércio, liberdade de expressão); e a moderna (sentimento de necessidade de mudanças, em que o juiz surge
como legislador do bem-estar social). 23
4. O uso alternativo do direito
No Brasil, o uso alternativo do Direito, introduzido em alguns
setores jurídicos há alguns anos, será um modismo que vai passar, como passou em países do Direito continental. É uma tendência de alguns
operadores do Direito ver, parcialmente, apenas o lado social das controvérsias; se quisermos, seguindo uma linha pela opção preferencial
aos pobres.24 É uma extravagância cultural e jurídica, o chamado "Direito achado na rua", até como movimento contestatário do Direito objetivo.
As consequências, desejadas ou não, levam à anarquia ou ao
niilismo jurídico, pois sua praxis encerra distorções filosóficas e ao próprio Direito. Na verdade, pretendem, sem advertí-lo, instituir o uso da
eqüidade e de um direito costumeiro atual, fora das tradições sociais.
No fundo, o que os defensores do uso alternativo do Direito
almejam, e de resto todos nós, e que constitui a própria destinação do
Direito, é a humanização da Justiça, que implica e se funda no livre e
efetivo acesso aos Tribunais.
22 Oliver Wendell HOLMES, Benjamin N. CARDOZO e outros.
23. The Rise of Modern Judicial Review (1986), pp. 3ss.
24. Cf. José Geraldo de SOUZA JR. Introdução crítica ao Direito. O Direito achado na rua
(1993); Horácio Wanderlei RODRIGUES. Ensino Jurídico e Direito Alternativo (1993); José Eduardo FARIA. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça (1994); Elício DE
CRESCI SOBRINHO. Justiça Alternativa (1991); Edmundo Lima de ARRUDA JR. (Org).
Lições de Direito Alternativo (1991), dentre outros.
O acesso à Justiça
237
Ulpiano já dizia que o Direito foi feito pelo homem e para o
homem, como Cristo também dissera que o sábado era para o homem e
não o homem para o sábado. Significa que a pessoa humana é superior
a todas as coisas, ao sábado e ao próprio Direito; portanto, esta humanização do Direito, interessa-nos a todos, juristas e aplicadores da lei,
mas seu uso indeterminado não deve ser causa de incerteza jurídica, à
qual leva o uso indiscriminado do Direito, por não conferir estabilidade e
segurança nas decisões dos juízes.
De fato, há dentro do ordenamento jurídico, institutos como a eqüidade e o direito costumeiro, que se podem interpretar e aplicar adequadamente aos fatos e às próprias leis. Assim, uma norma pode ser aplicada rigorosamente num caso e com eqüidade em outro semelhante,
porque depende das circunstâncias de cada fato típico. Mas não deve
ser uma interpretação exótica ou personalística, para não cair no individualismo judicial, em que o juiz se arroga o direito de pensar como ele
acha que é o Direito, e não como realmente o Direito é.
Ora, na tentativa de definir o que é "alternativo", o Direito ou a Justiça, encontraremos algumas trilhas para uma possível
compreensão do fenômeno, até mesmo como contribuição para a evolução dogmática do Direito: 1) Alternativo como substitutivo do Poder
Judiciário; 2) Alternativo como substitutivo do Ordenamento jurídico; 3)
Alternativo como rebeldia contra as instituições jurídicas; 4) Alternativo
como libertação da Justiça (uma Justiça mais além do Poder Judiciário); 5) Alternativo como Justicialismo; 6) Alternativo como revolução
interna à instituição judiciária, e outros.
Não cabe dúvida que muitas críticas se podem dirigir: a) contra o Judiciário burocrático na aplicação da Justiça;
b) contra os
conteúdos do Direito positivo vigente; c) contra o sistema ou ordenamento jurídico como um todo; d) contra os demais Poderes da República democrática, opressivos e inoperantes.
Quais as soluções "alternativas" para a crise da Justiça?
Parece-nos urgente: 1) reformar o ordenamento, sem destruir
o templo; 2) ampliar os espaços de atuação judicial, através de uma imensa rede de: a) juizados de pequenas causas; b) juizados de conciliação; c) conciliação das partes, exaustiva e obrigatóriamente (real e não
formal), em todas audiências; d) ampliação dos Códigos e Regimentos
Internos dos Tribunais, para maior amplitude e liberdade de atuação dos
juízes; e) aproveitamento da experiência de juízes aposentados (até a
idade limite) para funções judicantes de alçada limitada; f) escritórios de
conciliação nas Procuradorias de Justiça do Estado (com poderes à As-
O acesso à Justiça
238
sistência Judiciária para lavrar acordos e homologá-los em Juízo); g)
poderes às Secções e Subsecções da Ordem dos Advogados do Brasil
para celebrarem acordos e homologá-los em Juízo, etc.
Vemos, portanto, que o vocábulo “alternativo”, seja aplicado
ao Direito ou à Justiça, é uma expressão equívoca. A Justiça é uma só,
não podendo haver duas, donde não caber falar em alternatividade no
campo da Justiça.
A expressão surge em momentos de crises nas instituições
do Judiciário, em sua pesada burocracia, no aumento incontrolável da
liti- giosidade aparelhada, na inexistência de mecanismos ágeis para
enfrentar a massa de ações tanto em primeira como em segunda instância, e em muitas situações.
Momentos de crise política e econômica geram acentuações
de incerteza do direito, que necessitam ser atendidas para devolver a
paz social.
O fenômeno é, pois, de crise do Direito e da Justiça, como
conjunto de instituições e mecanismos para atender à demanda de interesses subjetivos desprotegidos.
Antes de encontrar caminhos alternativos para a Justiça cabe descobrir instrumentos alternativos para a aplicação do Direito, para
distribuir justiça aos dela necessitados. 25
Ora, o “exercício arbitrário das próprias razões” (art. 345 CP,
por particular); ou o “exercício arbitrário ou abuso de poder” (art. 350,
pelo Estado), como meios alternativos de pacificação social, são crimes.
Para novas soluções não-jurisdicionais dos conflitos, considerados como meios alternativos de pacificação social, encontramos como
características a ruptura com o formalismo processual, a gratuidade, e a
delegalização ou liberdade nas soluções não jurisdicionais (juízos de
eqüidade, não de direito).
Como meios alternativos de pacificação social podem ser utilizados o arbitramento e a conciliação (CLT, arts. 847 e 850; CPC, arts.
342 e 447-448, esta a qualquer tempo, como poder ético do juiz). 26
25. CINTRA-GRINOVER-DINAMARCO. Teoria Geral do Processo, N.5, p. 26.
26. Cf. nosso Poderes Éticos do Juiz (1987), p.116.
O acesso à Justiça
239
A conciliação aparece prestigiada na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, arts. 22-26; e a Constituição Federal instituiu a
Justiça de Paz (art. 98, II), com “atribuições conciliatórias, sem caráter
jurisdicional”; a arbitragem também tem guarida no CC, arts.1037-1038;
e no CPC, arts. 1072, 1102. 27
É evidente que o Direito, por gerar segurança, não pode ser
atingido na sua base, na sua essência, nos seus próprios fundamentos;
mas pode ser alterado naquilo que é temporal, cambiante , acidental,
variável e múltiplo, que implica na sua mais justa aplicação.
A alternatividade do Direito pode e deve ser exercitada dentro
da ordem jurídica, como, v.g., na aplicação das penas: para quem tem
patrimônio devem ser aplicadas multas, proporcionalmente às suas posses (requisição da declaração do Imposto de Renda para aferição do
quantum suportável e até para eventual indenização), e/ou prestação de
serviços à comunidade; para quem não tem posses, prestação de
serviços à comunidade, preferencialmente em locais relacionados com o
tipo de delitos praticados: hospitais, creches, asilos, centros sociais,
serviços com o próprio veículo, etc.
Com muita oportunidade o Ministro José Paulo Sepúlveda
Pertence, do Supremo Tribunal Federal, em entrevista aos jornais, defendeu a criação de mecanismos especiais junto ao STF e outras instâncias judiciárias, para que as decisões transitadas em julgado pela
inconstitucionalidade de matérias, sejam aplicadas a todos os processos semelhantes evitando “perda de tempo, de verbas e o desgaste da
máquina judiciária". 28 "Pode-se constatar que se perde muito tempo e
dinheiro questionando pequenas dúvidas, quando os juízes poderiam
estar ocupados com questões mais importantes". “O melhor instrumento
seria a adoção de ações coletivas no lugar das individuais, como é comum agora".29
27. Nesse sentido há Projeto de Lei do então Sen. Marco Maciel, regulamentando a arbitra-
gem extra-judicial.
28. Afirmou o Ministro que o STF julgara, em 1991, milhares de processos de argüição de
constitucionalidade, dos quais "um terço foi sobre imposto compulsório na compra de
carros, um por um, quando o mais prático seria um deles ser decidido e os demais se
tornarem definidos".
29. MINISTRO DO STF sugere adoção de mecanismos especiais. Jornal do Magistrado, S.
Paulo, Junho/92. Também o Min. José Carlos Moreira Alves manifestou preocupação
com a sobrecarga de ações; para desafogar o Supremo e também aliviar a carga de ações nas demais instâncias na Justiça, as providências seriam “a adoção da eficácia vinculante e do instituto do incidente de inconstitucionalidade nas ações diretas”; que as
questões mais se avolumam por conta da correção monetária e dos direitos adquiridos;
para isso, conclui, “o incidente de inconstitucionalidade impediria no nascedouro as peregrinações pela justiça”. Jornal do Conselho Federal da OAB, Nº 42 (1995), p. 9.
O acesso à Justiça
240
Não obstante, é crescente a influência das decisões alternativas em Tribunais, de forma a se poder falar em uma jurisprudência alternativa”, cuja influência no Direito vem sendo observado com agudo
interesse. 30
5. A nova Lei de Aplicação das Normas Jurídicas
Verifica-se, portanto, estar maduro o momento oportuno de se
promover urgente atualização da Lei de Introdução ao Código Civil;
após a reforma de 1942, houve a frustrada tentativa de modificá-la,
através do Projeto Haroldo Valladão. 31
A LICC foi objeto de atualização pelo saudoso jurista, sob o título de Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas, abrangendo toda
a legislação e não apenas o Código Civil; transformado no Projeto de
Lei n.º 264/84, sob o nome de “Código de Aplicação das Normas Jurídicas”, lamentavelmente foi arquivado pelo Congresso Nacional.
Por sua relevância na modernização do sistema, impunha-se
um novo Projeto, como manifestou tempestivamente o Prof. João Grandino Rodas,32 jurista que integrou Comissão do Ministério da Justiça, a
qual elaborou o anteprojeto da nova Lei de Aplicação das Normas Jurídicas, encaminhado ao Congresso Nacional.
Trata-se, pois, de um novo contributo doutrinário, com nítidas
referências à dimensão da Jurisprudência como fonte do Direito. 33 Ao
vigorarem as novas regras, poderão os Juízes e Tribunais adotar uma
vinculação mitigada ou mínima aos seus próprios precedentes, com a
consequente obrigação de fundamentarem suas mudanças de critério,
para que haja eficaz segurança de igualdade na aplicação da lei, como
indispensável garantia dos direitos fundamentais. 34
Pelo sistema processual brasileiro, o juiz deve decidir segundo a lei, e, não a havendo, por analogia, pelos costumes ou segundo os
30. Veja-se muito a propósito, a obra de Amilton Bueno de CARVALHO, Direito Alternativo
na Jurisprudência (1993). Contra o Direito Alternativo, em análise jusnaturalista, v. o trabalho de Gilberto Callado de OLIVEIRA, A verdadeira face do Direito Alternativo (1995).
31. Publicado pelos Decretos Nº 51.005/1961 e Nº 1490/1962. Rio, Imprensa Oficial, 1964.
32. “Substituenda est lex introductoria”, Revista dos Tribunais, v. 630, p.243.
33. O Anteprojeto traz em seu art. 3º a seguinte redação: “Dever de decidir - O juiz não se
eximirá de julgar alegando inexistência, lacuna ou obscuridade da lei. Nessa hipótese,
em não cabendo a analogia, aplicará os costumes, a Jurisprudência, a doutrina e os
princípios gerais de direito.”
34. OLLERO, op.cit., p.102.
O acesso à Justiça
241
princípios gerais do Direito (art. 126 do CPC); mas o art. 127 veda, expressamente a aplicação da eqüidade, salvo permissões legais, em números quase digitais.
Ora, o novo Anteprojeto da Lei de Aplicação das Normas Jurídicas 35, visando ampliar a extensão do atual art. 5º da LICC, deu-lhe
nova e moderna redação:
“Art. 4º. Aplicação do Direito - Na aplicação do direito, respeitados
os seus fundamentos, serão atendidos os fins sociais a que se dirige, as
exigências do bem comum e a eqüidade” (grifamos).
E na Exposição de Motivos que o acompanha, o Sr. Ministro
da Justiça justifica esta magnitude, enfatizando que, por este artigo
“pretende-se introduzir alteração significativa em face da lei atualmente em vigor - art. 5º da LICC -, seja pela referência expressa à utilização da eqüidade, enquanto ‘justiça amoldada à especificação de uma
situação real’ (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 295), seja pelo uso, deliberado, da palavra direito, a
sinalizar para a diferença entre lei e direito, cada vez mais encarecida
pelos juristas contemporâneos, comprometidos com a realização da idéia do justo e do legítimo, em contraposição ao ideário positivista, que
identificava o justo com o simplesmente jurídico”.
A seguir, refere-se especificamente à expressão do art. 4º citado, de respeitar os fundamentos do direito, advertindo:
“A referência, que se faz expressa, à necessidade de respeito aos
fundamentos do direito, sinaliza o dever, que a todos se impõe, de não
violar a própria ordem jurídica, a pretexto de encontrar soluções justas,
pois o sentimento de justiça do juiz, para encontrar receptividade e apoio, há de refletir a consciência jurídica geral, e não uma particular concepção axiológica” (Grifamos).
Concluimos, neste sentido, ser oportuno enfatizar o caráter
objetivo e político do Direito suíço, que permite ao magistrado atuar como Juiz de Direito e de Eqüidade, sem contraposições. 36
35. Apresentado pelo Ministério da Justiça ao Congresso Nacional, foi elaborado pelos Ju-
ristas Professores Rubens Limongi França, João Grandino Rodas (das Universidades de
São Paulo-USP e Estadual Paulista-UNESP), Inocêncio Mártires Coelho, da Universidade de Brasília-UNB, e Jacob Dollinger, da UERJ.
36. Cf. MANAÏ, Dominique. Le juge entre la loi et l’équité. Essai sur le pouvoir d’apprécia-tion
du juge en droit suisse (1985). O Código Civil Suiço, de 1907, em seu art. 4º dispõe magistralmente que “Le juge applique les règles du droit et de l’équité, lorsque la loi réserve
son pouvoir d’appréciation ou qu’elle le charge de prononcer en tenant compte soit des
circonstances soit des justes motifs”.
O acesso à Justiça
242
6. As transformações constitucionais do Direito
Parafraseando Ortega y Gasset ("eu sou eu e minhas circunstâncias"), podemos afirmar que o homo juridicus é ele e seus direitos,
subjetivos e objetivos, em perfeita integração dinâmica. Todo cidadão
convive inserido em seu ordenamento nacional e carrega um conjunto
de direitos próprios, particularmente seus (o patrimônio jurídico de ser
pessoa), reconhecidos e assegurados pela ordem jurídica, pois o universo jurídico existe para o homem e o homem para a ordem, a harmonia.
Estes direitos da pessoa são "conhecidos", primariamente,
pelo Direito natural e, secundariamente, vêm a ser "re-conhecidos" pela
ordem positiva, que lhes dá garantias de seu pleno exercício; de fato,
hodiernamente, com a crescente consolidação democrática dos povos,
tais direitos individuais e os coletivos, mais e mais se qualificam como
direitos humanos e sociais.
Haveria, com isso, um reducionismo do Direito positivo aos direitos do homem? Parece que não, mas sim uma inversão de sinais: tudo indica que o Direito Público não mais se serve do Privado, mas serve
a este; o todo (representado pelo Estado), volta-se a serviço da diversidade (os particulares, que somos todos os cidadãos).
Os direitos subjetivos, portanto, não apenas constituem uma
categoria reconhecível e válida dentro do ordenamento jurídico, como
passaram a se identificar ou se redenominar direitos humanos. Direitos
humanos ou do homem são direitos do sujeito; dito de outra forma, os
direitos subjetivos ou do sujeito integram-se nos chamados direitos do
homem.
Relacionando o Direito natural com os princípios da Justiça,
afirma Coing que:
“El núcleo del iusnaturalismo moderno son los derechos del hombre.
Éstos se basan en la exigencia moral de respetar la dignidad del hombre
como persona moral, exigencia contenida en la idea del derecho. El derecho al respeto que resulta para la comunidad jurídica y es el fundamento de la necesidad de reconocer derechos subjetivos en general.
Pues con el reconocimiento de derechos subjetivos la comunidad jurídica reconoce que existe una esfera de la vida y unos determinados bienes en los que el individuo es protegido y sobre los cuales [bienes] pueden disponer según sus propias finalidades sin ser dirigido por la comunidad jurídica. Esa esfera y esos bienes son expresión del hecho de que
el orden jurídico reconoce el derecho de autodeterminación del individuo. Al reconocer, pues, los derechos subjetivos y protegerlos, el orden ju-
O acesso à Justiça
243
rídico responde al mandamiento de la idea del derecho que exige se
respete al hombre como persona.” 37
As novas Constituições acabam por "envelhecer" as leis antigas, ampliando os "princípios de Justiça"; muitos direitos, contidos nas
leis positivas, sofrem mutações: ou a lei passa a dizer “menos" do que a
Constituição enunciou, ou simplesmente não expressam esses direitos;
são casos de ”contradições, ambiguidades e lacunas”, abertas com a
ampliação constitucional de direitos, próprias à atuação do Direito Alternativo, inclusive. 38
Ressalta como relevante, neste campo, o papel dos Tribunais
em determinar e colmatar essas lacunas (ou "minimização" dos direitos), interpretando extensivamente as normas deficientes, de forma a
compatibilizá-las com o novo patamar a que a Constituição elevou esses direitos. 39
7. O Poder Normativo de um Tribunal Constitucional
A missão de um Tribunal Constitucional, (como incumbe ao
nosso STF), é hodiernamente a de garantir os direitos fundamentais,
que constituem a moldura do ordenamento jurídico de todas as democracias.
A Jurisprudência constitucional exerce papel vivificador global: a) na garantia dos direitos humanos; b) na conservação das normas emanadas da soberania popular; c) no respeito ao âmbito de atuação do próprio Poder Judiciário.
O dilema de se considerar o juiz submetido à lei ou ao precedente, Andrés Ollero manifesta ser artificial, pois a “independência judicial” é somente ad intra, mas não ad extra, em relação a fatores de
pressão metajurídica; todavia, deve-se reconhecer que o precedente
provoca forte estaticidade do ordenamento, porque termina sendo
mais vinculante que a lei.
Parece, que o precedente supõe uma maior vinculação do juiz; entretanto, ao realizar sua tarefa interpretativa o juiz acaba, para37. Fundamentos de Filosofía del Derecho (1976), p. 180-81 Cf. Jacques MARITAIN. Os
Direitos do Homem (19..); Yves Gandra da Silva MARTINS, A jurisprudência integrativa e
o ideal de Justiça (1989); A cultura do jurista (1993).
38. Cf. Amilton Bueno de CARVALHO, Direito Alternativo na Jurisprudência, p. 11.
39. LEGAZ Y LACAMBRA, dissertando sobre a hierarquia das normas, que nos termos da
Escola kelseniana se poderia chamar de “construção escalonada da ordem jurídica”, lembra que "cada ato de concreção estabelece um plus de conteúdo sobre a norma mais
geral". Introducción (1943), p.187.
O acesso à Justiça
244
doxalmente, “desvinculado” da lei, e com esta liberdade poderia atentar contra o princípio da segurança jurídica. 40
Citando outro escritor, assevera Ollero que
“la vinculación al precedente (es) una relación dialéctica entre datos
jurídico-formales, por una parte, y ético-sociales por otra, que entroncaria con planteamentos éticos procedimentales o comunicativos, hasta
convertir el juego de los recursos en una relación dialéctica entre las decisiones de los órganos inferiores y del órgano superior, dentro de un
discurso garantizante de la verdad”. 41
Entende que a Jurisprudência constitucional cumprirá um papel vivificador global, atuando, sobretudo, na garantia dos os direitos
humanos, sem prejuízo de seu especial interesse em conservar as
normas emanadas da representação da soberania popular, e em respeitar o âmbito de jogo do Poder Judiciário, mediante prudentes mecanismos de auto-controle.
Enfocando uma nova dimensão da tarefa judicial, afirma que
“lo establecido de modo regular como razonable vincula, a no ser que
se razone la conveniencia de un cambio” 42; cita aresto do Tribunal
Constitucional espanhol segundo o qual precedentes relevantes são
“aquellos que constituyen una doctrina jurisprudencial ya consolidada”, e o órgão que se aparta, sem fundamento, da doutrina assentada, de modo reiterado e ininterrupto, lesionaria o direito à igualdade
na aplicação da lei. 43
Os precedentes, se não determinam o conteúdo das decisões
ulteriores, impõem, de fato, a exigência de uma reflexão ponderada,
através da devida motivação. 44
Considera haver atualmente um processo de maturação da
doutrina da igualdade na aplicação da lei, em que o problema do controle “concentrado” da constitucionalidade-garantia dos direitos fundamentais só pode ser resolvido por um Tribunal constitucional 45; observa-se, com isso, um decisivo influxo no ordenamento pela “eficácia
40. Andrés OLLERO TASSARA. Igualdad en la aplicación de la ley y precedente judicial
41.
42.
43.
44.
45.
(1989), p. 89.
Idem, p. 92, nota 163.
Idem, p. 95.
Idem, p. 95, nota 174.
Idem, p. 98.
Idem, p. 100-101.
O acesso à Justiça
245
persuasiva” da Jurisprudência constitucional, sobretudo no campo
das medidas assecuratórias. 46
8. Conclusões
A certeza jurídica que advém da decisão judicial será sempre
justa?
Todas as decisões, obviamente, devem ser certas, ou seja,
de acordo com o Direito, desde as sentenças de 1º grau até a Súmula
do Supremo. Nesse sentido as expressões do CPC quando, p.ex., fala
que “a sentença deve ser certa...”, decisão certa (art. 460, § único), etc.
Qual a garantia de que a certeza do Direito será justa?
Depende, em qualquer sistema jurisdicional, em qualquer ordenamento, da qualidade dos seus juízes, da sua cultura, sensibilidade
social, maior ou menor apego à legislação, enfim, da probidade e idoneidade dos julgadores, em todos os níveis. 47
Quanto à vinculação em si, facilita, simplifica a prestação jurisdicional? Não tornaria estático o Direito? Não interessa aos detentores do Poder? Seriam estes os autênticos representantes da Sociedade?
Parece-nos que, assim como as leis são políticas na sua origem e conteúdo, a jurisprudência vinculativa nunca estaria isenta de
uma carga política, pois dificilmente haverá decisões politicamente assépticas, simplesmente porque os poderes, embora autônomos e harmônicos, não são estanques, mas interdependentes.
Mas o resíduo político que as súmulas possam conter (e falamos desde já quanto às que existem), será sempre muito inferior ao
conteúdo político das leis, estas sim, feitas no interesse dos detentores
do poder, em certo momento da vida nacional (haja vista as reformas
constitucionais...). 48
46. Idem, p. 101.
47. Cf. Ives Gandra da Silva MARTINS, A Cultura do jurista, Cadernos de Direito Tributário
e Finanças Públicas da Rev. Tribs., v. 2 (jan-mar 1993), pp. 20-24. O que o ilustre professor alude no referente aos advogados, cabe inteiramente aos magistrados, igualmente bacharéis e operadores do Direito.
48. Bastante ilustrativa é toda a legislação elaborada de 1964 a 1985, no exclusivo interesse
da Segurança Nacional e do Desenvolvimento Econômico, ideologia política que então
prevaleceu no País.
O acesso à Justiça
246
Quanto à mobilidade ou mutabilidade do Direito, parece não
se confundir com flexibilidade ou adaptabilidade do mesmo.
O Direito (lei positiva) não é flexível (enquanto viger com aquela forma legal), mas é mutável (pela revogação, extinção, derrogação da lei); enquanto a jurisprudência (uniformizada ou sumulada) é flexível (variável de caso a caso) e é mutável (por nova uniformização ou
sumulação).
Ora, por maior que seja o número de súmulas com vinculação
obrigatória, não alcançarão o mesmo nível cogente das leis, que é geral. Para tanto, como já mostramos, o juiz detem a autoridade da motivação, e os advogados a cultura, o engenho e a arte para argumentarem em contrário às súmulas, oferecendo valiosos subsídios para o juiz
não aplicar, repita-se, fundamentadamente, precedentes vinculantes.
No tocante à uniformização e sumulação da jurisprudência,
a idéia fundamental é dar celeridade aos processos, primeiramente, e
atribuir eficácia erga omnes às decisões sobre questões jurídicas relevantes, em seguida, dentro de um sistema de controle judicial de constitu- cionalidade:
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
INCIDENTAL, CONCRETO OU DIFUSO
A
B
C
D
N
Lei X
A Lei X (Norma ou Ato Administrativo) é declarada inconstitucional em
alguns casos semelhantes e sucessivos. Esta reiteração exige uma declaração de
uniformização célere, por se tratar de questão jurídica relevante, que a segurança
jurídica.
É um processo de lacuna ao inverso: uma regra legal, atacada por vários cidadãos, torna-se vazia, e reclama declaração judicial
única e superior às demais decisões.
Todos os casos de constitucionalidade são questões jurídicas de suma relevância porque afetam diretamente as partes, no exercício de seus direitos subjetivos e da cidadania; tocam na eficácia da
aplicação do Direito pela Jurisdição, que deve ser uniforme, seja dentro
O acesso à Justiça
247
do mesmo âmbito de competência, seja em outro paralelo (Justiça Estadual, Federal, Trabalhista, etc); abalam a própria ordem jurídica, enquanto impugnam normas fundamentais, que são as Constituições Federal e Estaduais.
As sentenças que declaram inconstitucionalidade são, porisso, jurídicamente relevantes e interessam diretamente à ordem jurídica,
cuja tutela compete, em última instância, ao STF.
Não se discute, portanto, a autonomia, a livre convicção e a
auctoritas do juiz de 1ª instância para conhecer e declarar a inconstitucionalidade, mas, dada a relevância jurídica do thema decidendum, seria de conveniencia o recurso necessário,49 imediato à publicação da
sentença (ressalvados os facultativos), mormente nas ações plúrimas
sucessivas.
a. Eficácia das decisões dos Tribunais Superiores
Podemos, como síntese conclusiva, fixar alguns entendimentos pacíficos, que nos parecem sobre a questão:
“Não é qualquer decisão que produz eficácia erga omnes”;
“Toda decisão obriga, mas até certo ponto”;
“Vincular é preciso, mas nem toda questão jurídica é passível
de vinculação”.
A quem interessa o efeito vinculante das decisões superiores?
Aos Tribunais Superiores e mesmo intermédios; aos cidadãos
com interesses coletivos.
A quem não interessa?
Aos advogados (por entenderem que não lhes preserva o
mercado de trabalho); aos juízes inferiores (por acreditarem que perdem
sua autonomia de juiz natural, ou a livre convicção para julgar, etc).
Controle “interno” do juiz não pode haver, pois não pode haver ingerências sobre a atuação in judicando, pois esta diz respeito à
49. V. CPC 475; LAP 19 caput; LD 22 § 1º; LC 76/93, art. 1381º; LMS 12 § único; L.
4348/64, art. 7º; L. 6739/79, art 3º § único; L. 7853/89, art. 4º § 1º; L. 2770/56, 3º.
O acesso à Justiça
248
sua liberdade racional interior; apenas pode haver correição in procedendo!
Ademais, casos novos sempre haverá; jamais será excluída a
atuação do juiz em primeiro grau, sobretudo após o alto prestígio que a
Constituicão conferiu aos juízes de primeira instância, e ao crescente
número de novas ações em prol da cidadania.
Interessa aos Tres Poderes?
se
ins-
1. Ao Judiciário - sim, na medida que, atendendo ao interesgeral:
a) não constitua um controle interno,
b) venha desafogar as pautas de julgamento, em todas as
tâncias,
c) alivie as críticas da sociedade;
2. Ao Legislativo - relativamente; há prós e contras, pois
temem os legisladores eventual concorrência das decisões normativas;
3. Ao Executivo - sim, sempre que puder influir no Judiciário:
para obter garantias ou decisões favoráveis, especialmente nas grandes
questões coletivas, como as que afetam o Erário Público (aumento de
despesas, precatórios, etc).
Portanto, para que a eficácia erga omnes seja legítima, Espera-se um Judiciário independente, como a Suprema Corte Americana
(alí, solidamente o sistema do Common Law privilegia o Judiciário, enquanto no sistema brasileiro do Civil Law, a primazia das leis é do Executivo).
Para tanto, requerem-se juízes independentes, politicamente
desvinculados, verdadeiramente autônomos.
Qualidade das decisões: a questão do quorum qualificado
é de suma importância para aceitação das súmulas vinculantes: ao invés de maioria absoluta (50% + 1), maioria de dois terços (8 Ministros
no STF e 25 no STJ).
Questão relevante: todo juiz deveria ementar suas decisões e indicar na motivação a doutrina e jurisprudência em que se fundamentou; e deveria ressaltar qual a questão relevante para efeitos doutrinais.
O acesso à Justiça
249
Motivação: uma súmula pode ser revogada por uma motivação irrecusável, irrefutável, obra de jurista notável (desde a ação inicial),
de um magistrado ilustre ou de um colegiado brilhante. Nestes casos, o
julgador não aplica a súmula, mas, fundamentando com proficiência,
demonstrará que a mesma não se aplica ao caso vertente, ou que deve
ser alterada, em face de modificação das circunstâncias.
b. Vinculação a nível constitucional
Importa determinar quais as questões de direito relevantes,
bem como o interesse e competência dos Tribunais Superiores; estabelecer o que deve vincular obrigatoriamente, destacando-se, desde logo,
as decisões “pétreas” como intocáveis, ao nível dos direitos adquiridos
ou dos casos julgados; e o que pode vincular, como facultativas; e, finalmente, o que não pode (nem deve), por serem vedadas.
c. Vinculação a nível infra-constitucional
Da mesma forma, há que se definir o que deve ter eficácia
erga omnes: ações coletivas; ações civís públicas; o que pode e o que
não pode, como os interesses particulares indisponíveis, os interesses
públicos (administrativos, tributários, previdenciários, não constitucionais, etc).
d. Como pode/deve ser a eficácia:
- Horizontal: obrigatória internamente para cada Tribunal
(sistema de “jurisprudências regionais”), mais repertórios regionais; são
importantes mas ainda não relevantes (porque não constitucionais).
Há que se orientar por um Sistema de Uniformização da Jurisprudência, nos termos em que foi regulado pelo CPC, mas atualizado
diante das novas configurações constitucionais e leis posteriores visando os mesmos objetivos de reforma dos costumes jurisdicionais.
- Vertical: tratando-se de matéria constitucional, sim: direitos
e garantias fundamentais; as mesmas matérias do controle difuso de
inconstitucionalidade; as decisões das Ações Diretas de Inconstitucionalidade; matérias de Direito público; questões reiterativas.
e. Mecanismos vinculantes ora existentes
O acesso à Justiça
250
Não há negar que já funcionam em nosso ordenamento jurídico sistemas de vinculação, através do controle difuso, concreto ou incidental de constitucionalidade das normas, e também o controle abstrato; também, a Reclamação, pelo STF e pelo STJ; e o Controle direto (intervenção nos Estados ou Municípios).
Igualmente, há vinculações já implícitas no ordenamento; e
vinculações expontâneas, qual o cumprimento persuasivo, expontâneo
das Súmulas existentes (por acaso, as Súmulas não vinculam persuasivamente? Algum juiz descumpre súmula evidentemente ajustada ao Direito? Se não, desobedece em nome da liberdade de decidir?). Há também vinculações necessárias, bem como não-vinculações, vinculações
inoperantes ou não abran-gentes no referente a: novas questões jurídicas infra-constitucionais; questões de família; questões penais; direitos
indisponíveis, etc.
Capítulo XIV
Direito Alternativo e Eqüidade
SUMÁRIO: 1. O espectro de Newton - 2. Ideologia, o que é - 3.
Uso alternativo e ideologia no Direito - 4. Uso alternativo e eqüidade - 5. Os diversos tipos de eqüidade - 6. A eqüidade no CPC e na
LICC - 7. Conclusão.
1. O espectro de Newton
Se algumas pessoas tomassem para si cada uma das côres do arcoíris e dissessem: “Esta é a côr melhor e mais bela, a única com valor, e
deve predominar sobre as outras!”, e fizessem delas o seu ideário de vida,
a ponto de tudo colorir com aquele tom, teriam feito uma revolução na
natureza: transformar uma Parte do Todo (ou do Uno) em outro “Todo”,
fazer de uma visão ou pensamento parcial da realidade, outra “totalidade”.
Dessa idéia parcial totalizada decorreriam várias idéias contrapostas:
cada “dono” de uma côr a transformaria numa idéia superior, mais valiosa
que as demais, estabelecendo conflito odioso entre elas, e não a
harmonia do diálogo.
Pois quem vê a Parte não vê o Todo; mas quem vê o Todo (ou o
Uno) vê todas as partes dele. Quem faz de uma Parte um Todo, “totaliza”
aquela parte da realidade, tem uma visão parcial e, portanto, distorcida do
Universal. O mundo real, tanto o da natureza das coisas, como o
metafísico das idéias, é o ser completo, universal, em concreção e não o
parcial, em isolamento. O mundo é feito “de idéias” e não “de uma idéia”.
Bem por isso, quem raciocina somente com uma Parte do Todo cria
uma visão “totalitária”, que, não obstante, é uma visão apenas “parcial” da
realidade.
O médico cardiologista, se pensar que sua especialidade (visão ou
estudo parcial da medicina) é a mais importante, porquanto se o coração
pára cessa a vida humana, terá uma visão parcial de sua profissão, pois
todos sabemos que o coração só por si não basta para manter a vida, mas
também os pulmões, os rins, o sangue, etc. são necessários, pois todas
as coisas na natureza e no homem estão perenemente inter-relacionadas.
Quem não sobe ao cume da montanha não terá a visão do infinito,
que é o campo da mente humana: os céticos sempre se equivocaram,
Direito Alternativo e Eqüidade
253
pois a inteligência do homem foi criada com aptidão para captar todas as
realidades da natureza, do pensamento e dele próprio; se o homem ainda
desconhece muitas coisas é porque não foram descobertas, mas muitas
descobertas estão se realizando diuturnamente, bastando verificar a
“rapidação” do desenvolvimento cultural e científico da humanidade no
último século!
Mas quem adota uma visão ou postura parcial das coisas
permanece na planície, cujo horizonte será sempre limitado e finito,
afirmando a sabedoria popular que “não vê um palmo adiante do nariz”.
A visão da universalidade da natureza e do homem, como o conjunto
das côres, quando atuada no campo da cultura, das idéias políticas ou das
religiões, é expressão do pluralismo enfatizado na Constituição brasileira
(Preâmbulo e art. 1º); ao revés, a valorização exacerbada de uma idéia, de
um aspecto cultural, político, econômico ou religioso é exercício de um
monismo que se transforma em fundamentalismo, radicalismo ou, em
palavra-chave, numa ideologia.
Enquanto a visão pluralista é abrangente de todas as
manifestações dos homens, numa sociedade aberta,1e portanto amplia
livremente as possibilidades de desenvolvimento integral do ser humano,
pela inclusão de todas as demais expressões, a visão monista é um
reducionismo anti-humano porque a adoção de um só pensamento ou
práxis limita o mundo das idéias e da ação humana num só
direcionamento, com a exclusão de todas as demais.
O pluralismo, no entanto, que é centrífugo, mas não dispersivo,
promove a inclusão das diversas idéias (ou côres) para um amplo
diálogo,2 no inter-relacionamento de homens, grupos intermédios,3
partidos políticos, idéias culturais e pensamentos religiosos diversos, o
monismo, que é centrípeto e individualista, promove, por uma dinâmica
que lhe é intrínseca, a exclusão das idéias ou tendências diferentes, que
se tornam “inimigas”ou “adversárias” ou “reacionárias”, provocando a
polêmica ou conflito, que separa e mata, e não o diálogo que aglutina e
vivifica.
1
. Cf. Karl POPPER, A sociedade aberta e seus inimigos.
. Isto é, para o Ágape, símbolo da amizade humana total e plena. Cf. PLATÃO, O Banquete.
3
. Cf. Sílvio DOBROWOLSKY. O pluralismo jurídico na Constituição de 1988. In “Rev. Forense, v. 318
(1992): 138-142.
2
Direito Alternativo e Eqüidade
254
O equilíbrio entre as duas tendências ou tensões está em que o
pluralismo não pode excluir nada ou ninguém do diálogo (como no
confronto entre as maiorias e as minorias de qualquer espécie), mas não
deve incluir aquilo que não é objeto de discussão, como a natureza própria
das coisas ou dos homens, quanto às leis naturais que devem ser
respeitadas, como o direito natural à vida e à liberdade, à dignidade
integral da pessoa humana, e suas decorrências.
E o monismo “puro” não existe isolado da natureza e do homem,
porque estes são essencialmente multifários, variegados, multifacetados,
de sorte que, em relação ao homem, sobretudo, qualquer reducionismo é
fraudador da inteligência, coator da liberdade e castrador da vontade,
virtudes ou características naturais que constituem a integralidade do ser
humano digno.
Racismos, nacionalismos, bairrismos, trabalhismos, classismos
sociais, fundamentalismos religiosos são idéias parciais, monistas e
totalitárias, cujas sementes há quase dois séculos vêm sendo plantadas e
vêm gerando “frutos amargos” que já convulsionaram - pela violência da
guerra e das perseguições políticas - todos os povos da Terra, quase sem
exceção, sem que daí resultasse um efetivo avanço para a Humanidade.
2. Ideologia, o que é
Uma idéia forte, positiva, revolucionária, pode ser apreendida por
qualquer pessoa, letrada ou analfabeta, homens ou mulheres, jovens ou
adultos, estudantes ou operários, e apaixona radicalmente a pessoa toda,
porque lhe arrebata o coração, como nas religiões.
Mas uma ciência, como o Direito, só se conquista pela experiência,
que supõe continuidade no trabalho, prático ou teórico, pois depende da
inteligência; tanto é sábio o obreiro que se especializa em seu trabalho ao
longo dos anos, como o intelectual, pelo estudo renovado por toda a vida.
A ideologia não vê instâncias ou etapas para se alojar: é uma crença, espiritual, intelectual ou política, que arrebanha em qualquer tempo e
veda à razão outras experiências ou verdades; por não serem pluralistas,
mas monistas e totalizantes, as ideologias são preconceituosas,comprometendo, assim, a construção da sociedade fraterna enunciada solenemente no Preâmbulo e art. 1º da Constituição, como já referido.
Direito Alternativo e Eqüidade
255
Bem por isso, se de um lado é salutar a diversidade de opiniões para
a construção de uma sociedade solidária, na Justiça a opinião ideológica
(sempre política), compromete a construção de uma democracia sustentada no Direito Justo, ao criar decisões na ótica exclusiva de uma só tendência; 4 é um gosto, uma paixão ou uma religião, no sentido fundamentalista mais radical, e geralmente não admite contestação; em conseqüência, conduz fatalmente a totalitarismos, de qualquer tendência.
Se, no Brasil, p. ex., a política da “segurança nacional e do desenvolvimento” foi a ideologia do regime militar de 1964/85, que gerou conflitos e injustiças sociais até hoje não resgatados, quê dizer das idéias políticas que levaram ao nazismo5, ao fascismo e ao estalinismo ocidentais, 6
ou ao maoismo oriental, cuja práxis ainda continua a violentar a liberdade
e a dignidade de nações inteiras? 7
3. Uso alternativo e ideologia no Direito
O movimento denominado “uso alternativo do Direito” é uma autêntica Escola jurídica, que funda raízes em diversos sistemas filosóficos, como o maquiavelismo, o positivismo político, a teologia da libertação; é,
portanto, de forte conotação ideológica.
Como todo movimento, deve passar, mas poderá deixar uma contribuição crítica ao desenvolvimento do Direito justo, que deveria ser fecunda e construtiva; como toda fonte de energia, se canalizada para o bem do
Direito, dará frutos positivos, e não amaros!
Não é uma instituição criada para ficar, como um ramo ou instituto
do Direito (Direito público, do trabalho etc), mas é um método exegético
na aplicação das regras jurídicas, tal qual a Escola do Direito livre, ou a
doutrina da Livre Pesquisa do Direito.
4
. “... o autêntico horizonte de totalidade se adquire quando a gente se coloca ‘sob o ponto de vista da
integralidade’ e isto não pode coincidir com o ‘ponto de vista da práxis’, precisamente porque a práxis não
é o integral mas se coloca extamente dentro dele. Por isso é que toda ideologia acaba por ser uma visão
deformada da realidade em que o ‘parcial’ é elevado ao grau do ‘total’”. Cf. Evandro AGAZZI, Ideologia
cientista e tecnocrática, in “Pensamento parcial e total. Investigações Filosóficas de Atualidade” (1977),
p.28; também Sérgio COTTA, Ideologia, idem, pp. 17-26.
5
. Na película “O Julgamento de Nuremberg”, como já referido anteriormente, ressalta a questão de que
os juízes que aplicaram as leis nazistas contra os direitos humanos, consideraram, em sua defesa, que
era seu dever acatar e cumprir aquelas leis, como justas e necessárias para a nação alemã.
6
. Remember a queda do Muro de Berlim (9.11.1989), fim do socialismo real em todo o Leste europeu.
7
. Não esquecer a revolta da Praça da Paz Celestial (Tianamen, Pequim, 3.6.1989), o aplastamento da
Hungria (1956), os massacres na Checoslováquia (Bratislava, 1968), o regime de Pol Pot, do Vietnã do
Norte, as revoluções que arrazaram diversos paises da África, etc.
Direito Alternativo e Eqüidade
256
Guarda um ponto em comum com outras formas de pensamento utópico e práxis sociais: a opção preferencial pelos pobres, da teologia da
libertação;8 pugna, idealisticamente, pelo ajustamento ou erradicação das
diferenças sociais ou das situações sociais iníquas, pela simplificação da
burocracia processual, pela adoção de medidas urgentes mais consentâneas com as exigências sociais, etc.
Manifesta-se tanto na Magistratura quanto no Ministério Público;
neste, através da iniciativa de inquéritos e de ações civis públicas quanto
a escândalos administrativos, malversação de verbas, contratos de obras
onerosos etc, já de si funções próprias dessa instituição exemplar.
O quê dizer dessa visão parcial do Direito, surgida apenas há uma
década na doutrina jurídica brasileira, e inexistente nos ordenamentos latino-americanos?
A experiência pessoal de todo operador do Direito, sobretudo juízes
e promotores, é a criatividade, o bom senso, a prudência jurídica, o dever
ético de servir à cidadania sem abusar da autoridade, a qual é sempre delegada, e nunca pessoal.
Quando o funcionário público, qualquer que seja seu escalão e grau
de autoridade, assume a parcela de poder de que foi investido por um dos
Poderes estatais, e a transforma em algo próprio, de seu, olvidando que
deve exercê-la em função de alguns cidadãos ou de muitos, e somente
para eles; quando, portanto, não entende o poder como força instrumental
para atingir um fim, que é o bem particular de um cidadão (seus direitos
subjetivos legítimos) ou o bem comum de uma maioria (os direitos civis
de uma categoria) ou mesmo da totalidade dos brasileiros (nas declarações positivas ou negativas de constitucionalidade), o exercício do cargo
público não passa de arbitrariedade e abuso daquele poder, merecendo
desprezo ou censura, seja dos cidadãos prejudicados, seja das autoridades a que estão hierarquicamente vinculados.
O princípio da autonomia no exercício das funções públicas, sobretudo a judicante, não é absoluto, antes sofre limitações bem definidas,
contrárias a qualquer usurpação, para garantia da integração do ordenamento jurídico e, portanto, da ordem social.
Daí porque, não obstante a larga e fecunda contribuição que possam
carrear as decisões “alternativas” do Direito, não podem ser totalmente
livres e autônomas, a ponto de ensejarem um “novo ordenamento jurídi8
. Cf. Documentos do CELAM: Medellin (1969), Puebla (1979), Santo Domingo(1992).
Direito Alternativo e Eqüidade
257
co”, uma “jurisprudência alternativa” ou uma nova ordem social, pois estes
só se alcançam e se efetivam ou através do processo legislativo democrático, ou da revolução (seja de direita, seja de esquerda), que, agora, após
1985 no Brasil, e 1989 em Berlim, nunca mais deveria se repetir! 9
4. Uso alternativo e Eqüidade
O que nos parece ressaltar positivamente no uso alternativo do Direito é uma busca incessante da eqüidade na interpretação e aplicação das
normas jurídicas. Este ponto, comum ao Direito tradicional e ao alternativo, não é utópico, mas uma prática, experimentada por inúmeros povos e
em diversas épocas, sem nenhuma rejeição, e até mesmo institucionalizado, como a epieikeia aristotélica, a aequitas romana, a benignitas canônica e a equity inglesa.10
Foi somente a partir do Código Civil de Napoleão (1804) que se afastou o uso da eqüidade, ao proibir a interpretação das leis pelos juízes,
sob pena de punição; este atrelamento do juiz ao legalismo estatal, fulcro
da Escola da Exegese, provocou a reação contrária da Escola do Direito
Livre e, assim, de um extremo se passou a outro; mas o senso comum
ensina que a virtude está no meio e esta virtude, no campo da aplicação
das leis, se chama eqüidade, que agora os cultores alternativos do Direito
buscam aplicar sem a pressentir. 11
Pois bem, as principais formulações jurídicas da corrente alternativa
fundam-se, coerentemente, na interpretação lata, para não dizer extremada, do artigo 5º da vigente Lei de Introdução ao Código Civil, que manda o
juiz aplicar a lei atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Ora, fins sociais e bem comum enquadram-se dentro da categoria
dos conceitos jurídicos indeterminados, deixados intencionalmente pelo
Legislador para o Juiz aplicá-los aos casos concretos, de acordo com as
circunstâncias particulares, condições sociais, econômicas, políticas, culturais etc.12
9
. A teoria dos “frutos da árvore envenenada” também se aplica às tentativas de repristinar experiências
nefastas e mal sucedidas, que já provaram ser anti-democráticas e anti-jurídicas, por contrárias à dignidade, à liberdade e aos direitos do homem.
10
. Pier Giovanni CARON. “Aequitas” romana, “Misericordia” patristica ed “Epicheia” aristotelica nella
dotrina dell’”aequitas” canonica (1971); Francesco D’AGOSTINO. Dimensioni dell’equità (1977); La tradizione dell’epieikeia nel medioevo latino. Un contributo alla storia dell’idea di equità (1976).
11
. Vem a propósito parafrasear o discurso de São Paulo aos atenienses, no Areópago, após ver um altar
ao “Deus desconhecido”: “esse Deus que aqui adorais sem conhecer, esse precisamente é que eu vos
anuncio”... (Atos dos Apóstolos, 17, 23).
12
. Cf. José Carlos BARBOSA MOREIRA, Regras de experiência e conceitos jurídicamente indeterminados, in “Temas de direito processual”, (1980), pp. 66ss.
Direito Alternativo e Eqüidade
258
E este campo dos conceitos indeterminados, conceitos-válvulas ou
flexíveis, ou standards jurídicos, é o específico e próprio da eqüidade, que
se abre ao juiz precisamente quando este deve 1º determinar as várias
regras de Direito aplicáveis, 2º selecionar e avaliar as disposições mais
benéficas às partes, 3º interpretar as circunstâncias da controvérsia à luz
das normas mais favoráveis ou menos lesivas, e 4º aplicar a solução mais
justa, mais adequada ao caso, ou mais eqüitativa, seja amenizando o rigor
da lei, seja suprindo eventuais lacunas, seja estendendo o sentido mais
favorável da lei ao maior número de situações jurídicas ou que beneficiem
o maior número de partes em confronto.
Parece, pois, que o uso alternativo do Direito, excluindo-se sua carga ideológica, persegue o mesmo objetivo da corrente doutrinária que
prestigia o Juízo de Eqüidade ao lado do Juízo de Direito,13 que vê e
espera do juiz uma participação mais ativa, humanizadora do processo e
criativa, nunca exclusivamente secundum legem, preferencialmente praeter legem, mas rarissimamente contra legem.
De fato, o juiz não é la bouche de la loi,14(que julga segundo a lei),
mas também não deve ser usurpador (quando decide contrário à lei, salvo
declarando a inconstitucionalidade, especialmente quando injusta); ao revés, deve o juiz encarnar a Justiça, lançando um olhar abaixo (para as circunstâncias do fato) e outro acima (para o Direito justo, a eqüidade), servindo-se da lei apenas como guia ou farol, o que significa decidir sempre a
par da lei, mas buscando resultados além dela própria.
Para os juízes, o nó górdio nas decisões é quando deve enfrentar o
problema da lei injusta: a Justiça, em primeiro lugar, é virtude inata ao
homem, é a primeira experiência das crianças, v.g., ao sentirem que um
castigo é injusto ou que algo lhes é devido; depois é ciência, que se aprende teoricamente dentro de uma escala de valores; e a final é prudência, virtude prática que consiste em equilibrar os extremos, conciliar antagonismos, compor situações humanas dramáticas, enfim, dar a cada um o
que lhe é devido, não só legalmente, segundo o Direito positivo, mas sobretudo conforme a uma Justiça ideal.
13
. Cf. tradição no Direito suíço, art. 4º do Código Civil: O juiz aplica as regras de direito e de eqüidade
quando a lei lhe reserva seu poder de apreciação ou o encarrega de decidir levando em conta as circunstâncias ou os justos motivos.
14
. Como pretendia Montesquieu em seu L’esprit des lois, contrariamente à sua bela concepção da Justiça.
Direito Alternativo e Eqüidade
259
Assim o juiz, diante de uma lei que “sente” ser injusta, “sabe” que o
é, e em conseqüência, não a “pode” aplicar, e dado que não lhe é lícito o
non liquet, nem tão pouco julgar contra legem, somente lhe cabe enfrentar
o desafio utilizando métodos interpretativos de lógica razoável,15nada mais
que a aplicação das regras da eqüidade;16 ou declarar a inconstitucionalidade da lei e recusar sua aplicação sob este fundamento. 17
Vê-se, destarte, que o “uso alternativo” do Direito é o uso da própria
eqüidade, uma forma aperfeiçoada de Justiça, segundo Aristóteles,18ou
complementação da lei no que tem de lacunosa,19ou ainda uma interpretação benigna ou mais favorável, que atenua a rigidez da norma. 20
5. Os diversos tipos de eqüidade
Já escrevemos21que a Eqüidade representa, em sentido amplo, a
humanização da Justiça, através da interpretação, aplicação e integração
15
. Segundo os métodos de Luis RECASÉNS SICHES, cf. Nueva perspectiva de la equidad, in “Nueva
filosofía de la interpretación del Derecho” (1973), pp.260ss; Experiencia jurídica, naturaleza de la cosa y
lógica “razonable” (UNAM, 1971), pp. 282, 401, 482.
16
. Confiram-se as Tábuas ou Máximas da Eqüidade: a. Aquele que pretende ser tratado com
eqüidade deve começar por tratar equitativamente o adversário; b. Não pode contar com a
eqüidade quem agiu contrariamente a ela; c. A eqüidade impõe a distribuição igualitária ou
proporcional de ônus e vantagens; d. A eqüidade não tolera a inexistência de remédio para
qualquer mal; e. A eqüidade previne o dano e socorre contra acidentes; f. A eqüidade não
admite dupla reparação; g. Se (para a satisfação do dano) basta o ressarcimento, a eqüidade
não permite se tire vantagem de uma pena ou do confisco; h. A eqüidade toma em
consideração a substância, não a forma; i. A eqüidade leva mais em conta a intenção do que a
forma; j. Se um ato devia ter sido praticado e não o foi, a eqüidade o considera praticado (e tira
daí as conse-quências); k. A eqüidade presume tenha havido da parte do obrigado o propósito
de cumprir a obrigação; l. Quando, por eqüidade, as partes estão em igualdade de condições,
prevalece aquele que tem a seu favor o Direito estrito; m. A eqüidade adota as normas do
Direito estrito naquilo que ela não regula; n. A decisão de acordo com o Direito estrito preclui o
acesso à eqüidade, etc. Cf. Hélio TORNAGHI, Comentários ao CPC (1980), pp. 49/50, nota 29.
Cf. ainda Carlos Maria ENTRENA KLETT, La Equidad y el Arte de Juzgar (1979), p. 38; Oscar
RABASA, El Derecho angloamericano (1944), p.239; e Roberto MOLINA PASQUEL, Contempt
of Court (1954), p. 38.
17
. Concordamos com Luiz Flávio GOMES, quando afirma que a lei é injusta quando contraria
uma norma, um princípio ou um valor constitucional, daí poder o juiz afastá-la e aplicar diretamente o preceito prevalente da Constituição. Cf. Modelo do Direito Alternativo extremado (fases da “infância e adolescência”), in “Direito de Apelar em Liberdade” (1996), p. 122.
18
. "O eqüitativo e o justo são a mesma coisa e, sendo ambos bons, a única diferença existente
entre eles é que o eqüitativo é ainda melhor". Cf. Ética a Nicômacos, V, 10; Retórica I, 13.
19
. José de Oliveira ASCENSÃO. O Direito. Introdução e Teoria Geral. (1978), p. 394.
20
. Cf. Washington de BARROS MONTEIRO, Curso de Direito Civil, Parte Geral, v.I, (1985), p.
43.
21
. Cf. nossos Poderes éticos do juiz (1987), pp. 94ss; e Eqüidade e Jurisprudência(1989).
Direito Alternativo e Eqüidade
260
do Direito pelo juiz. E segundo suas funções podemos distinguir a Eqüidade Inspiradora, Interpretativa, Integradora e até mesmo Normativa. 22
O sentido ou “virtude” da eqüidade está latente na mente de todos
os Legisladores e Administradores que “fazem” ou “aplicam” a lei; mas essa virtude está igualmente presente (e até com maior agudeza) na mente
dos Julgadores. Ou seja, o que se passa na mens legislatoris, e o leva a
editar normas para a sociedade, também se repete na mens iudicis. É a
Eqüidade Inspiradora, imanente no homem.
Ocorre que, entre o momento subjetivo inspirador da norma (pressões sociais, necessidades econômicas, convulsões políticas, etc), e aquele objetivo de sua aplicação, as circunstâncias político-econômicosociais se transformaram, e a aplicação da norma deve se fazer através
da função interpretativa-corretiva da Eqüidade, entre a lei velha e o caso
novo. 23
É que, se o Legislador editou regra que lhe parecia justa no primeiro
momento, e vem ela a se revelar inadequada para resolver todos os conflitos humanos, mas deve necessariamente ser aplicada, funciona de início
o mecanismo de invocação e proposta de aplicação da norma (denúncia
criminal, p. ex.), mas a palavra final, o último juízo de valor, é a do iudex,
interpretando a lei e amoldando-a ao caso estudado, para evitar efeitos
odiosos.
O juiz será a última mens a operar com a norma, no extremo de um
processo que partiu de um Fato (a necessidade de editar a norma, em determinado momento histórico da sociedade), passou pela Norma (edição
ou positivação em lei da fattispecie) e chegou ao caso concreto de aplicação da Norma (o julgamento como Valor, no sentido de escolha da solução adequada): é a Eqüidade interpretativa-harmonizadora, que supera
contradições entre as normas e o caso sub iudice.
Quando o Legislador escolheu uma solução para fixá-la em Norma,
usou de um arbítrio, prudente, sábio, experiente, traduzido singelamente
por eqüidade, e que se funda em preceitos milenares, como o honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere ou o fazer o bem e evitar
o mal.
22
23
. Cf. Carlos Maria ENTRENA KLETT, op. cit., pp. 16ss.
. Cf. Vicente SABINO JR., A eqüidade no processo civil, RJTJSP, v. 46:17.
Direito Alternativo e Eqüidade
261
E o Julgador, no extremo oposto, ao escolher e valorar a Norma (todo juízo é uma valoração), faz atuar o mesmo arbítrio, a mesma prudência
(a dos iuris prudens romanos), as máximas de experiência (o quod plerumque accidit), que também traduzem a equivalente eqüidade.
Nos casos especiais de lacunas da lei, chamado o juiz a decidir segundo a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, manifestase evidente a eqüidade, na sua Função Integradora; mais evidente, ainda,
quando, deliberadamente, o Legislador manda julgar por Eqüidade: é a
Funcão Normativa, em que o juiz aplica uma regra que criaria, se Legislador fosse. 24
Na decisão por eqüidade, portanto, deve o juiz usar de um prudente
arbítrio, devendo distinguir a eqüidade com sentido de justiça no caso
concreto, como exigência que leva a temperar a norma genérica da lei, e a
eqüidade geral ou social, determinada por tendências e convicções, que
se formam na consciência coletiva e podem levar à reprovação de uma
norma geral. 25
Aliás, é justamente o equilíbrio da eqüidade que impõe limites ao arbítrio do juiz,26que se transmuda em arbitrariedade quando este pretende
desconhecer totalmente a lei e “julgar” segundo seu pensamento próprio
ou ideologia.
6. A eqüidade no CPC e na LICC
Merece ser relembrado o art. 114 do antigo Código de Processo Civil, de 1939, que outorgava poderes mais amplos ao juiz, ao dispor: Quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria, se fosse legislador. Esta Eqüidade Normativa foi excluída do art.
127 da Lei Processual atual, porém a regra está presente e atuante em
outros ordenamentos, como o da Suíça e o de Portugal, a provar que podem conviver num mesmo sistema jurídico o Juízo de Direito e o Juízo
de Eqüidade.
Esta é, mutatis mutandi, o fim perseguido pelos fautores do uso alternativo do Direito: a aplicação à lei rígida de uma flexibilidade tão larga,
24
. Cf. Piero CALAMANDREI, Estudios sobre el proceso civil (1945), p. 72.
. Cf. Alessandro RASELLI, Il potere discrizionale del giudice civile (1927), p. 208.
26
. Cf. Enrico Tulio LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile (1974), v. 1, nº 81, p. 140. Também
Vicente RÁO, O direito e a vida dos direitos (1976), v. I, t. I, pp. 55-56.
25
Direito Alternativo e Eqüidade
262
fecunda, humanizante e justa como o da eqüidade, como o vêm fazendo,
nas suas várias decisões, e proclamando em sua doutrina, sem lhe declinar o nome.
Parece-nos, pois, que a corrente alternativista do Direito, na fase
madura em que já se encontra, poderá contribuir construtivamente para a
evolução do ordenamento jurídico, ao pugnar pela ampliação do uso da
eqüidade pelos juízes, já prevista em várias Leis e no Código de Processo
Civil, e na futura “Lei de Aplicação das Normas Jurídicas”, art. 4º, assim
redigido:
Aplicação do Direito - Na aplicação do direito, respeitados
os seus fundamentos, serão atendidos os fins sociais a que se dirige,
27
as exigências do bem comum e a eqüidade (negritos nossos).
Como se vê, houve uma ampliação qualitativa da regra do art. 5º da
atual Lei de Introdução, alinhando a eqüidade ao bem comum e à finalidade social da lei, como reconhecimento doutrinário, nunca tardio, da relevância da eqüidade como critério, regra ou instrumento da Justiça, que existe desde sempre e está à disposição do juiz para uma ampliação mais
justa do Direito.
Na Exposição de Motivos do Anteprojeto, 28 o Sr. Ministro da Justiça
comentou:
“No art. 4º pretende-se introduzir alteração significativa em face da
lei atualmente em vigor - art. 5º da LICC -, seja pela referência expressa à
utilização da eqüidade, enquanto ‘justiça amoldada à especificidade de
uma situação real’ (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, São
Paulo, Saraiva, 1986, p. 295), seja pelo uso, deliberado, da palavra direito, a sinalizar para a diferença, entre lei e direito, cada vez mais encarecida pelos juristas contemporâneos, comprometidos com a realização da
idéia do justo e do legítimo, em contraposição ao ideário positivista, que
identificava o justo com o simplesmente jurídico.
“Lembremos, a propósito, a fecunda construção jurisprudencial levada a cabo pelo Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha, em torno do art. 20.3, da Lei Fundamental de Bonn - ‘o Poder Legislativo está submetido à ordem constitucional; os Poderes Executivo e Judiciário, à lei e ao direito’ - , assim analisada por Karl Larenz: ‘nesta fórmula se expressa que lei e Direito não são por certo coisas opostas, mas
27
. Projeto de Lei nº 4.905/95, ora em tramitação no Congresso Nacional.
. A Comissão foi constituida pelos profs. João Grandino RODAS (USP/UNESP), Rubens Limongi
FRANÇA (USP), Jacob DOLLINGER (UERJ) e Inocêncio Mártires COELHO (UNB).
28
Direito Alternativo e Eqüidade
263
ao Direito corresponde, em comparação com a lei, um conteúdo suplementar de sentido' (Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, Gulbenkian, 1989, p. 446).
“A referência, que se faz expressa, à necessidade de respeito aos
fundamentos do direito, sinaliza o dever, que a todos se impõe, de não
violar a própria ordem jurídica, a pretexto de encontrar soluções justas,
pois o sentimento de justiça do juiz, para encontrar receptividade e apoio,
há de refletir a consciência jurídica geral, e não uma particular concepção
axiológica.”
Ressalta-se, nesta análise, o acréscimo “respeitados os fundamentos” do Direito, que vincula o juiz ao exame de outras categorias jurídicas
para a correta aplicação da lei, tais como a analogia, os costumes e sobretudo os princípios gerais. Estes últimos, para muitos autores, são os
verdadeiros “fundamentos” do Direito, que estão aquém e por cima da
norma jurídica, por constituírem o conteúdo permanente, imutável e universal do Direito, de tal forma que a eles recorrendo o juiz não poderá se
enganar.
7. Conclusão
Tendo, portanto, o juiz, à sua disposição, um instrumental tão vasto
para a justa aplicação das normas jurídicas, inclusive a eqüidade, para resolver, à luz do art. 5º da LICC, conflitos doutrinários sobre os fins sociais
da lei ou sobre o bem comum, ao invocá-los e aplicá-los, estará o julgador
afirmando não um certo uso alternativo do Direito, mas um vero Juízo de
Eqüidade; não se torna, por este motivo, um contestador da ordem jurídica, um revolucionário ideológico da Justiça, mas um sadio opositor do positivismo dogmático-legalista, que o Direito contemporâneo já não admite.
Nesta linha de pensamento doutrinário se pode, portanto, aceitar e
encomiar a evolução de uma autêntica Escola Alternativa do Direito, porque firmada em sólidas raízes tradicionais e históricas do Direito, no que
ele tem de mais humanístico, desde Aristóteles e Tomás de Aquino, até os
doutrinadores modernos, especialmente depois das Grandes Guerras deste século que se finda.
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Conclusões
I - Quanto à Segurança Jurídica e Certeza do Direito:
1. Os enfoques mais usuais da Segurança jurídica são: ela é um valorcondição imanente a qualquer sistema de Direito positivo; mantem uma relação dialética de complementaridade com a Justiça que, por sua vez, é exigência transcendente: o justo tem amplitude maior que o legal e, nesse contexto
deve ser dada ênfase ao sentido axiológico do caso em relação aos seus
aspectos fáticos.
Não obstante, os sistemas jurídicos de origem continental costumam dar
ênfase aos fatos e menos aos valores, sem considerar que a Segurança não
está nos fatos, mas no valor da Justiça.
2. Segurança e Justiça, portanto, não se contrapõem, mas enquanto esta é
um poder moral, desarmado, sua garantia de efetivação no Direito repousa na
materialidade objetiva da Segurança jurídica.
3. Pensamos que a Sentença é superior à Lei, pelo novo conteúdo que
acrescenta à mesma, dando-lhe vida e colorido; mas somente as Sentenças
relevantes, caracterizadas pelas questões de Direito que suscitam, é que interessam ao ordenamento jurídico, porque se transformarão, pela Jurisprudência, em Direito atual.
4. Nosso objetivo é rever o conceito de Segurança como relevante ao Estado de Direito e sua significação no sistema constitucional, mas levando a reconsiderar sua relação intrínseca com outros valores, especialmente a Justiça,
em sua democrática função social, sem ofensa à ordem jurídica.
5. No tocante ao denominado uso alternativo do Direito, consideramos válida a discussão das questões sociais, que interessam à Justiça geral, legal ou
social, sobretudo dentro de um Estado democrático pluralista; mas a praxis
indeterminada de idéias políticas na aplicação do Direito transforma os operadores do Direito, de servidores em árbitros discricionários da Justiça, o que
constitui violência ao próprio ordenamento, levando ao niilismo jurídico.
6. Como soluções alternativas para a crise do Direito e da Justiça, parecenos urgente: 1) reformar o ordenamento, sem destruir o templo; 2) ampliar os
espaços de atuaçâo judicial, através de uma imensa rede de: a) juizados de
pequenas causas; b) juizados de conciliaçâo; c) conciliação das partes, exaustiva e obrigatóriamente (real e nâo formal), em todas audiências; d) ampliaçâo
dos Regimentos Internos dos Tribunais, para maior amplitude e liberdade de
atuação dos juízes; e) aproveitamento da experiência de juízes aposentados
(com menos da idade limite) para funçôes judicantes de alçada limitada; f) escritórios de conciliaçâo nas Procuradorias de Justiça do Estado (com poderes
à Assistência Judiciária para lavrar acordos e homologá-los em Juízo); g) po-
CONCLUSÕES
269
deres às Secçôes e Subsecçôes da Ordem dos Advogados do Brasil para celebrarem acordos e homologá-los em Juízo.
II. Quanto à Jurisprudência:
7. A uniformização da jurisprudência serve para salvaguarda (segurança
objetiva) do Direito positivo, para garantia (segurança) da igualdade constitucional de todos perante a lei e para coerência interna (unidade e certeza) da
Jurisdição, pois julgados de casos iguais não devem se contradizer.
8. Ressaltam da doutrina jurisprudencial os seguintes aspectos relevantes:
1º) mesmo predominante, a Jurisprudência não é vinculante; falta-lhe, por
isso, potestas, ou a força de se impor como iussum;
2º) constitui, entretanto, resistência injustificável de certos julgadores, por
amor à independência judicial, não se persuadirem prudencialmente pela certeza dos julgados e Tribunais superiores, não acatando a auctoritas dos precedentes.
Os precedentes, expressão do iussum, se não determinam o conteúdo
das decisões ulteriores, impõem, de fato, a exigência de uma reflexão ponderada, através da devida motivação.
3º) as Súmulas funcionam dentro do "sistema jurídico", com a finalidade de
transmitir certeza aos cidadãos sobre questões controvertidas, por isso que,
quanto a estas, pairava antes a incerteza justificadora do direito de agir;
4º) a Jurisprudência deve ser uniforme e contemporânea, pois sendo incerta (aspecto subjetivo), não pode gerar segurança (aspecto objetivo) aos jurisdicionados, daí ser necessário atender ao princípio básico de direito segundo
o qual casos idênticos devem ser julgados de forma idêntica.
9. Entendemos que as decisões judiciais sobre questões relevantes passam a constituir autênticas normas de direito, pois tudo o que é dito pelos órgãos judicantes tem valor jurídico e reforça o conteúdo das normas aplicadas.
10. A Jurisprudência constitucional exerce papel vivificador global: a) na garantia dos direitos humanos; b) na conservação das normas emanadas da soberania popular; c) no respeito ao âmbito de atuação do próprio Poder Judiciário.
III. Quanto à Segurança e Certeza na Jurisprudência
11. Podemos extrair do exposto as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
270
a primeira, que a Jurisprudência é fonte valorizadora da Segurança jurídica;
a segunda, que a autoridade da coisa julgada devolve às partes a
certeza do Direito, restaurando-se, em conseqüência, a Segurança jurídica
inicial;
a terceira, que o valor acrescido à Lei pela Jurisprudência dominante é
expressão de Direito justo, sobretudo nas questões jurídicas relevantes.
Em consequência, por derradeira, a coisa julgada, através da Jurisprudência, sobretudo sumulada, estende sua autoridade à própria ordem jurídica, para sua reafirmação e completude.
Sendo a Jurisprudência um conjunto de decisões finais irrecorríveis, identifica-se com a coisa julgada; e quando se trata de questões relevantes de
Direito, a auctoritas dos casos julgados se transfere à Jurisprudência, sob o
aspecto de coisa julgada com força ou efeito jurisprudencial.
12. Nega-se acesso à Jurisdição, de forma ativa, quando o sujeito de um direito assentado pela Jurisprudência se vê obrigado (sobretudo por posturas
internas de órgãos administrativos) a recorrer às instâncias judiciais; passiva,
quando o sujeito de um direito não alcança as portas dos tribunais por ausência de meios materiais (assistência judiciária acessível) e outros obstáculos
invencíveis.
13. Entende-se que a Jurisprudência constitucional cumprirá um papel vivificador global, atuando, sobretudo, para garantir os direitos humanos, sem
prejuízo de seu especial interesse em conservar as normas emanadas da representação da soberania popular, e por respeitar o âmbito de jogo do Poder
Judiciário, mediante prudentes mecanismos de auto-controle.
14. Recusar os precedentes superiores, sem considerar as situações razoáveis de fazê-lo para alcançar justiça prestadia, conflita com o compromisso
dos Juízes para com a Lei e o Direito, para com a sociedade a que pertencem
e para com a própria Justiça.
15. Compete à jurisprudência, e sobretudo aos órgãos judicantes, cuja função consiste em corroborar os ditados daquela, mediante uma direta intervenção nas situações práticas, dar à luz os princípios que estão expressos na lei,
e aplicá-los aos casos que a lei não menciona expressamente, porém nos vêm
dados pela vida e caem sob aqueles princípios.
16. A certeza da jurisprudência é, por natureza, melhor qualificada que a
segurança advinda da lei; o justo, determinado a posteriori, é mais "certo" que
o justo pensado a priori, porque a lei é um prius, ainda não provada pela interpretação judicial; ao contrário, a jurisprudência, como expressão do justo, é
um posterius, concretamente determinada por reiteradas decisões.
CONCLUSÕES
271
17. Legislador e Julgador coincidem no mesmo "olhar para cima" na procura
e fixação do Direito justo, para a sociedade em geral e para os cidadãos em
particular, o bem comum; este conceito mantém a coerência interna do sistema, enquanto valor jurídico comum a ambos operadores do mesmo Direito,
aquele que cria o Direito abstrato e o que subsume a norma ao caso singular.
PROJETO DE LEI Nº 4.905, DE 1995
Lei de Aplicação das Normas Jurídicas
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Capítulo I - Da Norma Jurídica em Geral
Art. 1º Vigência da Lei - A lei entra em vigor na data
da publicação, salvo se dispuser em contrário; e perdura até que outra a
revogue, total ou parcialmente.
§ 1º Revogação - A lei posterior revoga a anterior
quando expressamente o declare ou quando com ela seja incompatível.
§ 2º Repristinação - A vigência da lei revogada só se
restaura por disposição expressa.
§ 3º Republicação - O texto de lei republicada,
inclusive de lei interpretativa, considera-se lei nova.
§ 4º Regulamentação - A lei só dependerá de
regulamentação quando assim o declare expressamente e estabeleça
prazo para sua edição; escoado o prazo sem essa providência, a lei
será diretamente aplicável.
Art. 2º Ignorância da lei - Ninguém se escusa de
cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Art. 3º Dever de decidir - O juiz não se eximirá de
julgar alegando inexistência, lacuna ou obscuridade da lei. Nessa
hipótese, em não cabendo a analogia, aplicará os costumes, a
jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do direito.
APÊNDICE
273
Art. 4º Aplicação do Direito - Na aplicação do direito,
respeitados os seus fundamentos, serão atendidos os fins sociais a que
se dirige, as exigências do bem comum e a eqüidade.
Capítulo II - Do Direito intertemporal
Art. 5º Irretroatividade - A lei não terá efeito retroativo.
Ela não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada.
§ 1º Direito adquirido - Direito adquirido é o que
resulta da lei, diretamente ou por intermédio de fato idôneo, e passa a
integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, mesmo que seus
efeitos não se tenham produzidos antes da lei nova.
§ 2º Direito a termo ou condição - Constituem
igualmente direito adquirido as conseqüências da lei ou de fato idôneo,
ainda quando dependentes de termo ou condição.
§ 3º Ato jurídico perfeito - Ato jurídico perfeito é o
consumado de acordo com a lei do tempo em que se efetuou.
§ 4º Coisa julgada - Coisa julgada é a que resulta de
decisão judicial da qual não caiba recurso.
Art. 6º Efeito imediato - O efeito imediato da lei não
prejudicará os segmentos anteriores, autônomos e já consumados, de
fatos dependentes.
Art. 7º Alteração de prazo - Quando a aquisição de
um direito depender de decurso de prazo e este for alterado por lei
nova, considerar-se-á válido o tempo já decorrido e se computará o
restante por meio de proporção entre o prazo anterior e o novo.
O Acesso à Justiça
17ACESSO.POS (12.12.94) 11/02/95 14:43
SUMÁRIO: 1. A exigência de uma "jurisprudência mínima" ou "vinculação mínima à
Jurisprudência". 2. A ordenação jurídica da Jurisprudência.
3. Evolução da Jurisprudência para uma progressiva determinação do Direito. 4. O uso alternativo do Direito.
5. O que é "alternativo": o Direito ou a Justiça. 6. Soluções "alternativas" para a crise
da Justiça. 7. Conclusões.
1. A exigência de uma "Jurisprudência mínima" ou "vinculação
mínima à Jurisprudência"
Não sendo vinculante à Jurisprudência, a persuasiva torna se mera recomendação de uso, como bula de remédio. Se é necessário
ao paciente tomar a medicina para se curar, assim, para decidir a controvérsia do caso concreto, deve o Juiz encontrar
os remédios jurídicos prescritos pela Lei, ou, à sua falta, pela
analogia, pelos costumes, pela doutrina, e last but not least,
pela Jurisprudência.
Ora, tais fórmulas elaboradas nos Tribunais, através de julgamentos colegiados, são sobretudo questões de Direito que, depois de
uniformizadas, tornam-se invariáveis, sit et in quantum, exatamente como se dá com a Lei; onde a mutabilidade ocorre é
nas questões de fato, inerentes à variabilidade da própria vida humana.
As Súmulas, ou Jurisprudência dominante, parecem ser estáveis sit
et in quantum, durante a permanência de um mesmo entendimento jurisprudencial sobre matérias jurídicas relevantes; é uma estabilidade relativa, pois o Direito deve ser estável mas não invariável (imutável); deve-se pensar numa gradação da estabilidade por patamares: como as
leis e os Códigos, as normas jurisprudenciais são revogáveis e reformáveis, mas guardam sempre um mínimo de duração que, muitas vezes,
atravessam décadas sem alterações.
Há, assim, em todo julgado superior, uma essência, um holding, consistente numa nova regra de Direito - a jurisprudencial - que
não pode deixar de ser considerada pelos primeiros intérpretes, para aplicação às causas que julgam.
Trata-se de um componente básico, um elemento ativo, como nas
prescrições médicas, cujo efeito principal é curar a moléstia, tanto quanto no Direito é deslindar a demanda.
O acesso à Justiça
275
Na verdade, há nas decisões uma associação complexa de princípios
que entram na composição do julgado; no direito penal,
p.ex., uma sentença consiste na composição da norma principal, das normas cumuladas, dos dispositivos agravantes e
atenuantes, das penas corporais, pecuniárias, benefícios aplicáveis, restrições de direitos etc.
Destarte, as decisões originárias (sentenças ou acórdãos) semelham-se às antigas receitas, que estipulavam, doente a doente, as substâncias e as dosagens, e que deviam ser manipuladas por farmacêuticos competentes; enquanto as decisões finais, uniformizadas e sumuladas, seriam como remédios de laboratório, analisados, experimentados
e concentrados, já contendo, a priori, todos os elementos básicos para
os casos semelhantes.
Enquanto o trabalho artesanal dos Juízes, escrevinhando suas sentenças, aproxima-se da medicina antiga, a medicina moderna,
como os Tribunais, exige atendimento imediato a uma multidão de recorrentes, utilizando, para tanto, equipamentos,
técnicas e conhecimentos avançados, para a mais perfeita
sanação do caso.
Assim na Justiça: se a maior crítica da população aos órgãos judiciários
é a morosidade; se ao povo interessa entender não o preciosismo das sentenças e acórdãos, mas ver seu direito subjetivo atendido de imediato; não é razoável que todo Direito
deva ser reconstruído, caso a caso, por todos os julgadores
em cujas mãos o processo passa; se já existem decisões
superiores, juridicamente firmadas com excelência, e a cujas
conclusões fatalmente chegariam, bastaria invocar o precedente adequado.
Não se trata de "puxar uma ficha", comodamente, e citar o precedente;
as súmulas são muito mais que simples ementa a transcrever; devem ser equacionadas aos fatos do processo e ao entendimento do Juiz; serve à economia processual enquanto
poupa os intérpretes de profundas e dispensáveis pesquisas; nem os Juízes ingleses ou americanos se eximem de
motivar suas decisões; a fundamentação é necessária para
a análise dos fatos e adequação às normas jurídicas, mas a
essência da decisão já está firmada pelo holding do Direito
sumulado.
Em suma, toda decisão, desde sua origem, encontra-se vinculada a
uma Jurisprudência assentada, pois nihil novum sub ius, sal-
O acesso à Justiça
276
vo exceções extraordinárias, com juristas e Juízes, cujas luzes extraordinárias, propiciam a criação de novas teses jurídicas; esta vinculação, portanto, torna mais ágil a Justiça, é
mais prática aos intérpretes e mais econômica ao povo que
acode aos Tribunais buscando Justiça.
Então, por que a Jurisprudência não é vinculante? Por que não vincula
ou não se impõe? Alvaro D’Ors nos responde:
“Los criterios jurisprudenciales, es decir, las normas jurídicas en general, no son en sí mismas dictados imperativos. No pueden serlo por la
razón evidente de que quien las formula no tiene, por su misma autoridad jurisprudencial, una potestas imperandi. Ya hemos dicho que la
prudencia es virtud intelectiva; el imperare, em cambio, supone expresión de voluntad. Lo que el prudente, formulador de la norma jurídica,
puede decir no es más que “esto es justo”o “esto es injusto”; declara lo
que es jus (ju-dicat), pero no impone una regla de obediencia.”
“Si las normas jurídicas no son por sí mismas imperativas, ¿ quiere
esto decir que no son vinculantes, que no obliga? Esta es la cuestión,
anexa a la de la imperatividad, de la obligatoriedade de las normas.”
...”Porque una cosa es la obligatoriedad moral y otra la vinculación material”. 1
O juiz ou tribunal que não acata a Jurisprudência superior reabre discussões temáticas sobre a mesma questão jurídica controvertida e se insurge contra o já decidido reiteradamente.
A certeza que brota do caso julgado é certeza de Justiça, certeza de
que é decisão justa. E a decisão justa acarreta certeza definitiva para as partes, para a Jurisdição e para o próprio ordenamento.
É ainda a lição de Alvaro D’Ors que cabe ser acolhida neste passo:
“... una sentencia judicial es norma en un triple sentido:... : 1º Es
norma particular para las partes afectadas por el fallo, para los litigantes;
se entiende en la medida en que aquella sentencia tiene fuerza de cosa
juzgada.” ... “2º Es norma profesional por cuanto cada sentencia constituye un precedente, que tendrá una influencia más o menos intensa sobre las futuras sentencias de aquell mismo juez o de otros jueces. 3º Es
norma pública, ya que aquela muestra de conducta judicial será tenida
en cuenta por todos los que tengan que intervenir en un caso análogo, y
1. D’ORS, Álvaro. Princípios para una teoria realista del derecho. Anuario de Filosofia del Derecho
(1953), p.315.
O acesso à Justiça
277
los técnicos del derecho, en especial, no olvidarán aquella muestra cuando se trate de dar un consejo al ‘público’ “ (grifamos).2
2. A ordenação jurídica da Jurisprudência
Se visualizarmos a atuação da Jurisprudência no âmbito de um mesmo
Tribunal (num plano horizontal, diríamos), os comandos jurisprudenciais deveriam ser respeitados, numa ordem de coerência interna, pela competência das matérias e da própria
organização jurisdicional. Há, inegavelmente, uma vinculação dos casos novos aos precedentes contemporâneos,
com maior razão se presentes os mesmos julgadores, ocorrendo o que chamamos de “vinculação mínima”.
Já num plano vertical, na linha dos Tribunais superiores para os Tribunais locais, Juízes de primeira instância e órgãos administrativos, os precedentes parecem ter menor vinculação; estes
aplicadores do Direito são infensos a certa influência prudencial, não obstante os clamores da sociedade por uma
Justiça eficiente, célere e imediata.
Mesmo com decisões firmes e reiteradas dos Tribunais, os escalões
inferiores nem sempre as aplicam, obrigando cada cidadão a
recomeçar sua via-sacra processual para obter o reconhecimento de um direito muitas vezes já declarado objetivamente. Tal resistência ocorre com frequência nas esferas
administrativas, em que avultam poderes materiais de execução das normas (polícias administrativas, judiciárias e militares, ad exempla).
A questão deságua, assim, no campo do acesso ao Judiciário, como
obrigação de recorrer à Justiça, quando a mesma situação
jurídica, em sua essência, já foi declarada justa por inúmeros julgados.
Esta forma de negar acesso à Jurisdição torna-se ativa, quando o sujeito de um direito assentado pela Jurisprudência se vê obrigado (sobretudo por posturas internas de órgãos administrativos) a recorrer às instâncias judiciais; passiva, quando o sujeito de um direito não alcança as portas dos tribunais por
2. Idem p. 313-14. Cf. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. A legitimidade do Direito Positivo
(1991), p.220.
O acesso à Justiça
278
ausência de meios materiais (assistência judiciária acessível) e outros obstáculos invencíveis.
Acessar a Justiça não consiste, portanto, apenas em ajuizar um pleito
nos Pretórios, mas sobretudo ver o direito prontamente reconhecido; litigantes há que toleram os grandes atrasos
judiciais. Talvez até lhes interesse protelar seus processos.
Mas ao cidadão comum a demora na prestação jurisdicional
ataca e ofende a vida, a saúde, e nega alimentos, emprego,
moradia, educação para os filhos etc. 3
A atitude dogmática de recusar uma vinculação mínima aos precedentes superiores, sem considerar as situações razoáveis de fazê-lo para alcançar justiça prestadia, conflita com o compromisso dos Juízes para com a Lei e o Direito, para com a
sociedade a que pertencem e para com a própria Justiça.
Que as sentenças sejam expeditas: a nosso ver, a aplicação imediata
pelos Juízes de uma "jurisprudência mínima", vinculada pela
essência ao caso concreto, fará mais Justiça que a mais brilhante decisão.
A idéia dos Juizados Informais e os de Pequenas Causas visava atender a esta morosidade - a relevante questão do acesso à Justiça. Por
acaso a justiça que ali se distribui é inferior à dos altos Tribunais? Nesse sentido se entende o movimento pelo uso alternativo do Direito - acesso do povo aos seus Juízes naturais e resposta rápida e justa aos direitos pessoais.
Enfim, os direitos subjetivos, hoje, por força da Constituição de 88, estão subsumidos nos direitos do cidadão e a tardança judicial
é grave negação do acesso efetivo à Justiça e constitui fonte
iníqua de insegurança jurídica e incerteza do direito.
3. “O acesso à Justiça é, mais do que ingresso no processo e aos meios que ele oferece, modo de bus-
car eficientemente, na medida dos direitos que se tem, situações e bens da vida que por outro caminho não se poderiam obter”. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade... (1987),
p.404. Sendo o Acesso à Justiça uma Garantia Constitucional, como ensinam Tucci & Tucci, para
ser plena deve referir-se não só à acessibilidade econômica (ideal de gratuidade ou de custo mínimo do processo, a assistência judiciária), como à acessibilidade técnica, através de defensoria técnica e igualdade substancial no processo. TUCCI, Rogério Lauria; José Rogério Cruz e . Constituição de 1988 e Processo (1989), p.19. Para nós, tal garantia será comprometida pela tardança,
quando injustificada, nos julgamentos seja em primeira como em segunda instância.
O acesso à Justiça
279
3. Evolução da Jurisprudência para uma progressiva determinação do Direito
O método da Exegese surgiu com o Código de Napoleão: como era vedado interpretar, o juiz deveria decidir de acordo com a letra
da lei, sem emitir opiniões pessoais.
Ao final do século XIX surge a reação a esse método, passando-se para
o extremo oposto: o juiz, sendo autônomo e livre, poderia
julgar como quizesse. Houve um conflito entre Legislação e
Jurisdição: conforme o método utilizado, poderia haver maior
ou menor segurança na decisão e, portanto, maior ou menor
certeza do direito. Este movimento do Direito livre causou
certo tumulto, e por isso foi bastante criticado.
Cabe ainda lembrar a chamada Jurisprudência dos interesses, de Phillip
Heck; a livre investigação cientifica, de Gény; a interpretação
segundo princípios gerais de Direito, transcendente aos limites do Direito positivo dos espanhois Castán, Recasens,
Puig Brutau; além da jurisprudência analítica de Austin e o
realismo jurídico norte-americano de Pound e Dworkin, na
área do common law. 1
Não obstante a contínua evolução dos métodos jurisprudenciais em direção à determinação mais justa do Direito, como veremos,
ainda se observa uma continuidade do Positivismo normativista legislado.
Assim, Zitelman,5 em célebre alocução, sustentou que no Direito não há
lacunas e por isso o juiz nunca estaria impossibilitado de julgar por falta de disposição legislativa; portanto, nada teria
que suprir.
Kelsen, em suas obras Teoria Pura do Direito e Teoria Geral das Normas6, apresenta uma concepção do ordenamento jurídico e
a identificação de Direito e norma coativa emanada dos escalões da organização estatal, inclusive a identificação do
Estado com o Direito. Sobre esta teoria assim se pronunciou
o jurista Hernandez-Gil:
4. Seja-nos permitido apenas enunciar as principais metodologias jurisprudenciais, sem apreciá-las em
detalhes, pois não caberia neste trabalho.
5. VALLET, op. cit., p.978.
6. Idem, p.981ss.
O acesso à Justiça
280
“El logicismo que tantas veces se ha imputado a KELSEN descansa,
sobre todo, en la abstracción y el formalismo, y no en el desarrollo de un
discurso lógico. La verdad y la falsedad, valores esenciales en la lógica
clássica, están por completo ausentes de su pensamiento jurídico, que
considera como categorías fundamentales la validez y la invalidez”.7
Quanto a Norberto Bobbio,8 verifica-se um retorno ao logicismo interpretativo das leis segundo a vontade do legislador, partindo
do pressuposto da plenitude do ordenamento positivo e de
sua auto-integração, concepção esta que é antes nominalista que positivista.
Não obstante, confessa Bobbio que
“la interpretación del derecho hecha por el juez no consiste nunca en
la simple aplicación de la ley en base de un procedimiento puramente
lógico; aunque no se advierta, para alcanzar la decisión él deve introducir siempre valoraciones personales, efectuar elecciones que no se hallan vinculadas al esquema legislativo que deben aplicar”.9
Em reação ao Positivismo legalista e ao Conceptualismo surgiu o movimento do Direito livre, sob formas diversas, iniciado por Bülow, com a tese de que “a lei não produz por si mesma o Direito, senão que somente o prepara, ao passo que a criadora
do Direito é somente a sentença do juiz”;10 e depois Ehrlich,
com a Sociologia jurídica, falou pela primeira vez em uma “livre ciência do Direito”, em que não se pode excluir a personalidade do juiz da decisão judicial, procurando encontrar fora da lei critérios objetivos aos quais devia estar vinculada a
atividade do juiz; e também Kantorowicz (Gnaeus Flavius). 11
Convém aprofundar o pensamento de Ehrlich, sempre favorável à jurisprudência aberta e influente; para ele esta é
“La única ciencia posible acerca del derecho, porque no se queda
en las “palabras” sino que fija su mirada en los hechos que sirven de
base al derecho, y porque, como toda auténtica ciencia trata de produndizar por medio del método indutivo - es decir, ‘observando los hechos y
7. Idem, p.982.
8. Idem, Metodologia de las Leyes, N.262, p.262ss.
9. Idem, Metodología por extenso de la Determinación del Derecho, p.987.
10. VALLET, op.cit., p.989
11. Idem, p.993.
O acesso à Justiça
281
reuniendo experiencias’, ‘nuestro conocimiento de la esencia de la cosas”. La misión de la sociologia del derecho‘ es buscar las fuerzas propulsoras de las instituciones jurídicas’. Sólo posteriormente la jurisprudencia ‘ forma la norma jurídica en base a la percepción de la vida jurídica y de la generalización de las vivencias de esa percepción”. 12
Maior relevo apresentou a Jurisprudência dos interesses (Escola de Tubingen), cujo ponto de partida foi a teoria de Ihering (0 fim do
direito, A luta pelo Direito), por uma jurisprudência teleológica e pragmática, e que teve como principais mentores Phillip
Heck e Max von Hümelin.
Fundada no conceito de “interesse”, Heck apresenta uma função
metodológica na decisão judicial, segundo a qual
“el juez está vinculado por los juicios de valor que resultan de la ley,
y eventualmente también por aquellos que dominan en la comunidade
de derecho, de tal modo que la valoración personal del juez no interviene sino de un modo totalmente subsidiario” .13
A Jurisprudência de interesses, no fundo, era uma derivação do positivismo segundo o conceito de ciência em que o “interesse” já
tráz em si uma conotação econômica; de fato, Heck coloca
no mesmo plano os bens “ideais”, como a liberdade, a segurança, a justiça, a responsabilidade, e os materiais, levando
a pensar no conceito de utilidade de Bentham 14.
Num extraordinário esforço para superar o método exegético, François
Gény elaborou precisa doutrina sobre a livre investigação científica, voltada para a interpretação e aplicação do Direito,
explicando que o intérprete
“Debe investigar, por sí mismo, las exigencias de la naturaleza de
las cosas, y las condiciones de la vida, siempre que no sea detenido,
para ello, por un mandato imperioso (fuente de derecho formal) que limite su apreciaciõn, o la excuse por entero, porque dicte inexcusablemente a su juicio la solución. En suma, salvo estas reglas imperiosas que lo
dominen, y antes las que debe inclinarse toda voluntad individual, la interpretación jurídica nos parece indiscutiblemente soberana de sus decisiones, sin más cortapisas que el fin mismo de su misión, y recibiendo
sus inspiraciones en el gran fondo de justicia y de utilidad social que alimenta la vida orgánica del derecho”. 15
12. Idem, p.998.
13. Idem, p.1021.
14. Idem, op.cit., p.1024-1025.
15. Idem, p.1039.
O acesso à Justiça
282
Sobre a livre investigação científica, propriamente, Gény afirma que
“... el trabajo que incumbe al juez, me ha parecido poder calificarse:
libre investigación científica; investigación libre, toda vez que aquí se
subtrae a la acción propia de una autoridad positiva; investigación científica, al propio tiempo, porque no puede encontrar bases sólidas más que
en los elementos objetivos que sólo la ciencia puede revelar” . 16
Recomenda ao intérprete penetrar até o último fundo da natureza das
coisas, abrir a jurisprudência para permitir-lhe plenificar
completamente sua missão, uma ordem de investigações
mais ampla e mais livremente científica, buscando, para isso, não só os elementos positivos da organização social, a
natureza social e individual da humanidade, para arrancar
dela o segredo das regras que devem dirigí-la.17
Contemporaneamente, na Alemanha, vem predominando o método da
Wertungsjurisprudenz, jurisprudência de valores ou estimativa. Junto com ela volta a surgir a consideração da “natureza das coisas” e também, em primeiro lugar, os princípios
judiciais supralegais.
São palavras de Larenz, citado por Vallet:
“Si la jurisprudencia fue, sin duda, en su estruturación originaria una
manifestación del positivismo científico, su transformación en jurisprudencia de valoración, y, aún más, su nuevo giro hacia la “naturaleza de
las cosas” y a los principios jurídicos supralegales representa una renuncia al positivismo, corriente que, en la filosofia jurídica alemana actual, corresponde a la aspiración de descubrir estructuras intemporales
“lógico-objetivas” del derecho, y un sistema, inmanente al derecho, de
valores e ideas experimentados históricamente, en cierto modo de derecho natural relativo”. 18
Esta interpretação valorativa dos atos, conforme circunstâncias, motivos
e fatos, é a jurisprudência de valoração ou estimativa, como
vimos; ora, de modo semelhante, temos no sistema angloamericano uma escola que também fez carreira, e é atual, a
do judge made law.
O que é o judge made law? A lei feita pelo juiz, o juiz como se fosse
legislador.
16. Idem, p.1044.
17. Idem, p.1048.
18. VALLET. Op.cit., p.1207.
O acesso à Justiça
283
O sistema do precedente, na Inglaterra e nos Estados Unidos, é uma
realidade jurídica, tem primazia sobre a lei. O juiz americano
tem liberdade maior que o do Direito continental, parecendo
derivar para uma espécie de direito livre. Tanto assim que,
para os americanos, como disseram vários autores, 19 "o direito é o que o juiz diz que é"; e isto está de acordo com as
escolas americanas.
O professor norte-americano Christopher Wolfe, em alentado estudo informa que “...o surgimento do juiz legislador constitucional
está sendo a característica mais surpreendente dos nossos
tribunais federais desde o fim do século XIX”; indica ter havido três “eras” distintas na formação deste costume judiciário:
a tradicional (correspondente aos primeiros debates constitucionais, desde Blackstone e o “Federalist” ); a de transição
(época das discussões sobre privilégios e imunidades, o ‘due
process’, liberdade de comércio, liberdade de expressão); e
a moderna (sentimento de necessidade de mudanças, em
que o juiz surge como legislador do bem-estar social). 20
Este sistema, contudo, não se adapta aos nossos costumes
judiciários, pois enquanto na common law o juiz segue os
precedentes, podendo criar o Direito, e o Judiciário é, efetivamente, um Poder superior aos demais, entre nós, do civil
law, o juiz está adstrito à lei e o Judiciário é um Poder desarmado, sem potestas.
Não obstante, as orientações dessa Jurisprudência podem servir para
alumiar os caminhos do nosso sistema judicial.
4. O uso alternativo do direito
Vem evoluindo nos setores jurídicos, há alguns anos, o modismo do uso
alternativo do Direito. É tendência atual de alguns aplicadores do Direito ver parcialmente o lado social das controvérsias; se quisermos, sua teoria segue a linha da opção preferencial pelos pobres.21
19. Cf. Oliver Wendell HOLMES, Benjamin N. CARDOZO, e outros.
20. The Rise of Modern Judicial Review (1986), p. 3ss.
21. Autores: ...
O acesso à Justiça
284
As conseqüências, desejadas ou não, levam à anarquia ou ao niilismo
jurídico, pois sua praxis encerra distorções filosóficas e no
próprio Direito. Pretendem, sem adverti-lo, instituir o uso da
eqüidade e de um direito costumeiro atual, fora das tradições
sociais.
É uma extravagância cultural e jurídica o chamado "Direito achado na
rua", movimento contestatário do Direito objetivo.
É freqüentemente citada pelos autores decisão de um Tribunal do
Sul: um grupo de "sem-casa" invadiu um edifício recém-construído e a
decisão garantiu sua manutenção no local, alegando o mau uso da propriedade, porque lá estaria instalado um motel... 22
O juiz que decidiu e o Tribunal que confirmou a sentença, ousaram
burlar todas as regras de Direito constitucional, como o direito de propriedade, o direito adquirido, a liberdade de ir e vir, a segurança do homem
na sociedade, a pretexto de sanar um mal social.
No fundo, o que os defensores do uso alternativo do Direito pretendem,
o que, de resto, todos almejamos, e constitui a própria destinação de todo Direito, é a humanização da Justiça.
Ulpiano já dissera que o Direito foi feito pelo homem e para o homem,23
como Cristo também dissera que o sábado era para o homem e não o homem para o sábado.24 Significa que a pessoa humana é superior a todas as coisas, ao sábado e ao
próprio Direito; portanto, esta humanização do Direito, interessa-nos a todos, juristas e aplicadores, mas seu uso indeterminado não deve ser causa de incerteza jurídica, a que
leva o uso alternativo do Direito, por não conferir estabilidade
e segurança nas decisões livres.
De fato, há dentro do ordenamento jurídico, institutos como a eqüidade e o direito costumeiro, que se podem interpretar e aplicar adequadamente aos fatos e às próprias leis. Assim, uma lei pode ser aplicada
rigorosamente num caso e com humanidade em outro semelhante, porque depende das circunstâncias de cada fato típico. Mas não deve ser
uma interpretação exótica ou personalística, para não cair no individualismo judicial, em que o juiz se arroga o direito de pensar como ele acha
que é o Direito, e não como realmente o Direito é.
22. Ver acórdão
23. Digesto, v. Montoro
24. Evangelho de ...
O acesso à Justiça
285
O sistema jurídico brasileiro diz que o juiz deve decidir segundo a lei, e,
não a havendo, por analogia, pelos costumes ou segundo os
princípios gerais do Direito (art. 126 do CPC); e o art. 127
veda, expressamente a aplicação da eqüidade, salvo permissões legais, em números quase digitais.
Ora, o novo Anteprojeto da Lei de Aplicação das Normas Jurídicas 25
ampliou a extensão do atual art. 5º da LICC, dando-lhe a nova redação:
“Art. 4º. Aplicação do Direito - Na aplicação do direito, respeitados
os seus fundamentos, serão atendidos os fins sociais a que se dirige, as
exigências do bem comum e a eqüidade” (grifamos).
E na Exposição de Motivos que o acompanha, justifica esta magnitude
enfatizando que por este artigo
“pretende-se introduzir alteração significativa em face da lei atualmente em vigor - art. 5º da LICC -, seja pela referência expressa à utilização da eqüidade, enquanto ‘justiça amoldada à especificação de uma
situação real’ (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 295), seja pelo uso, deliberado, da palavra direito, a
sinalizar para a diferença entre lei e direito, cada vez mais encarecida
pelos juristas contemporâneos, comprometidos com a realização da idéia do justo e do legítimo, em contraposição ao ideário positivista, que
identificava o justo com o simplesmente jurídico”.
A seguir, refere-se especificamente à expressão do art. 4º citado, de
respeitar os fundamentos do direito, advertindo:
“A referência, que se faz expressa, à necessidade de respeito aos
fundamentos do direito, sinaliza o dever, que a todos se impõe, de não
violar a própria ordem jurídica, a pretexto de encontrar soluções justas,
pois o sentimento de justiça do juiz, para encontrar receptividade e apoio, há de refletir a consciência jurídica geral, e não uma particular concepção axiológica” (grifos nossos).
5. Definindo a "alternatividade" do Direito
A Justiça é uma só, nâo pode haver duas, donde nâo caber falar em
alternatividade no campo da Justiça.
25. Apresentado pelo Ministério da Justiça ao Congresso Nacional, foi elaborado pelos Juristas Pro-
fessores Rubens Limongi França, João Grandino Rodas (das Universidades de São Paulo-USP e
Estadual Paulista-UNESP), Inocêncio Mártires Coelho, da Universidade de Brasília-UNB, e Jacob
Dollinger.
O acesso à Justiça
286
A expressâo surge em momento de grave crise nas instituiçôes do
Judiciário, em sua pesada burocracia, no aumento
incontrolável da litigiosidade aparelhada, na inexistência de
mecanismos ágeis para enfrentar a massa de açôes tanto
em Primeira como em Segunda instância.
Momentos de crise política e econômica geram acentuada
incidência de incerteza do direito, que necessitam ser atendidas para devolver a paz social.
O fenômeno é, pois, de crise do Direito e da Justiça, como
conjunto de instituiçôes e mecanismos para atender à demanda de interesses subjetivos desprotegidos.
Antes de encontrar caminhos alternativos para a justiça cabe
descobrir instrumentos alternativos para a aplicaçâo do direito, para se distribuir justiça aos dela necessitados.
Cintra-Grinover-Dinamarco advertem com muita lucidez:
“Abrem-se os olhos agora, todavia, para todas essas modalidades
de soluções não-jurisdicionais dos conflitos, tratadas como meios alternativos de pacificação social. Vai ganhando corpo a consciência de que,
se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios -, desde que eficientes. Por
outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado
muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou
trabalhista”. 26
Ora, sendo vedado aos particulares o “exercício arbitrário
das próprias razões” (art. 345 CP), e ao Estado o “exercício arbitrário ou
abuso de poder” (art. 350), urge encontrar outros meios, novas soluções
não-jurisdicionais para os conflitos, tratados como meios alternativos de
pacificação social.
Ainda segundo os autores citados, a primeira característica
das vertentes alternativas é a “ruptura com o formalismo processual”,
uma desformalização que leve a uma maior celeridade na solução dos
litígios; uma segunda característica é a gratuidade, com função pacificadora , e a terceira é a delegalização ou ampla margem de liberdade
nas soluções não jurisdicionais (juízos de eqüidade, não de direito). 27
26. Teoria Geral do Processo (1994), N..5, p.26.
27. Idem, p. 27.
O acesso à Justiça
287
Como meios alternativos de pacificação social podemos encontrar o arbitramento (CC, arts. 1037, 1048; CPC 1072, 1102), e as
conciliações; estas são bem conhecidas nas diversas jurisdições, devendo ser lembrada a conciliação trabalhista (CLT, arts. 847 e 850), a
processual civil (CPC, arts. 447-448, tratando-se de direitos disponíveis); a dos Juizados Informais e os de Pequenas Causas que a Constituição de l988 tornou obrigatórios (art.98,I), onde existe conciliação extra e endoprocessual (Lei das Pequenas Causas, arts. 22-28), e criou a
“Justiça de Paz”, com “atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional” (art. 98, II).
Importante ressaltarmos, mais uma vez, a extraordinária importância da exaustiva aplicação do art. 448 do CPC, que prevê a tentativa de conciliação, como ato judicial obrigatório em todas as audiências
iniciais do processo, o que constitui poder ético do juiz na pacificação
do litígio. 28
- arbitragem -MORON ALCAIN, Eduardo. Filosofia del Deber
Moral y Jurídico. Bs. Aires, Abeledo Perrot, 1992. p. 121 Desobediência à lei injusta
Como se depreende, o ordenamento jurídico apresenta inúmeras possibilidades e aberturas extra e intra-judiciais para a solução
de controvérsias, notadamente as de caráter individual; as questões coletivas, sobretudo, vêm recebendo larga proteção constitucional, através
das ações coletivas, que se aproximam das class-actions, ou das ações
declaratórias de inconstitucionalidade, sem contarmos os próprios remédios constitucionais de pronta atuação, as medidas assecuratórias,
etc.
Frente a tantas possibilidades de satisfação material dos direitos individuais, o problema do uso alternativo do direito acaba resvalando para a desobediência da lei considerada injusta? o direito é o que
o juiz “pensa” que é?
O Direito não pode ser atingido na sua base, na sua essência,
no seu próprio fundamento; mas pode ser alterado naquilo que é acidental, que é a aplicação. Ex: as penas: para quem tem patrimônio devem ser aplicadas multas, proporcionalmente às suas posses (requisição da declaração do Imposto de Renda para aferição do quantum su28. Cf. nosso Poderes Éticos do Juiz (1987), p. 116.
O acesso à Justiça
288
portável e até para eventual indenização), e/ou prestação de serviços à
comunidade; para quem não tem posses, prestação de serviços à comunidade, preferencialmente em locais relacionados com o tipo de delitos praticados: hospitais, creches, asilos, centros sociais, serviços com
o próprio veículo, etc.
Bem ilustrativo foi o egrégio Ministro do STF ao sugerir adoçâo de mecanismos especiais para amenizar a crise da Justiça, assim
se pronunciando:
“O Min. José Paulo Sepúlveda Pertence (STF) defendeu a criação de mecanismos especiais junto ao STF e outras instâncias judiciárias, para que as decisôes transitadas em julgado pela inconstitucionalidade de matérias, sejam aplicadas a todos os proces29sos semelhantes
de argüição de constitucionalidade. Essa medida "evitaria perda de tempo, de verbas e o desgaste da máquina judiciária".
O STF julgou no ano passado 17 mil processos de argüição de
constitucionalidade, dos quais "um terço foi sobre imposto compulsório
na compra de carros, um por um, quando o mais prático seria um deles
ser decidido e os demais se tornarem definidos".
"Pode-se constatar que se perde muito tempo e dinheiro questionando pequenas dúvidas, quando os juizes poderiam estar ocupados
com questôes mais importantes".
O melhor instrumento seria a adoçâo de açôes coletivas no lugar
das individuais, "como é comum agora".30
1) Alternativo como substitutivo do Poder Judiciário
2) Alternativo como substitutivo do Ordenam. Jurídico
3) Alternativo como rebeldia contra as instituiçôes jurídicas
4) Alternativo como libertaçâo da Justiça > "uma Justiça
mais além do Poder Judiciário"
5) Alternativo como Justicialismo
6) Alternativo como revolução interna à instituiçâo judiciária.
- o Filho pródigo e seu irmâo
- a coragem de sair da casa e a covardia de reclamar
dentro dela
2. Fixar os pontos de crítica/ataque desses movimentos:
a) contra o Judiciário burocrático na aplicaçâo da Just.
b) contra os conteúdos do Direito positivo vigente
29
30. Jornal do Magistrado, S. Paulo, Junho/92
O acesso à Justiça
289
c) contra o sistema ou ordenamento jurídico como um todo
d) contra os demais Poderes da República democrática,
opressivos e inoperantes
6. Soluçôes "alternativas" para a crise da Justiça:
1. reformar sem destruir o templo
2. ampliar os espaços de atuaçâo judicial:
a. juizados de pequenas causas
b. juizados de conciliaçâo
c. conciliação exaustiva e obrigatória (real e nâo formal)
d. ampliaçâo dos Regimentos Internos
e. aproveitamento da experiência de juízes aposentados
(com menos da idade limite) para funçôes judicantes
de alçada limitada
f. escritórios de conciliaçâo nas Procuradorias de
Justiça
do Estado (poderes à Assistência Judiciária para lavrar
acordos
e homologá-los em Juízo)
g. poderes às Secçôes e Subsecçôes da Ordem dos
Advogados
do Brasil para celebrarem acordos e homologá-los em
Juízo
3. ampliar os poderes
292
Índice de Esquemas
Esquema Nº 1 - Teoria da Justiça
O Todo e a Parte
Plano do Universal, Plano do Particular....................pg.
60
Esquema Nº 2 - Segurança e Certeza
Lei, Sentença, Jurisprudência .....................................pg.
100
Esquema Nº 3 - Lei, Sentença, Jurisprudência
Sentença restaura a Certeza imediatamente
Jurisprudência restaura mediatamente .....................pg.
119
Esquema Nº 4 - Certeza e Segurança
Da Segurança à Certeza
Da Certeza à Segurança
Da Segurança Judicial à Segurança Legal.................pg.
136
Esquema Nº 5 - Lei - Decisões judiciais
Plano do Geral - Plano do Particular
Dedução da Lei às Decisões
Indução da Jurisprudência às Normas gerais ..........pg.
139
Esquema Nº 6 - Silogismo
Universal/Particular
Positivo/Negativo ......................................................pg.
153
Esquema Nº 7 - Motivação das Decisões
Relatório/Fundamentação/Decisum
Apreciação valorativa das Questões de Fato e de
Direito/Interpretação e Aplicação da Norma
Particular Concreta
CPC, arts. 165 e 458/Const.Federal, art.98, IX e X....pg.
201
Esquema Nº 8 - Dialética do Direito
Lei/Tese/Passado
Sentença/Antítese/Futuro
Jurisprudência/Síntese/Presente
Plano do Geral-Abstrato/Pl. Particular-Concreto....pg.
210
Esquema Nº 9 - Ambigüidade da Norma
293
Norma (Todo-Uno-Unidade)
Casos Particulares (Múltiplo) ....................................pg.
211 Esquema Nº 10 - Controle de Constitucionalidade Incidental,
Concreto ou Difuso
Norma ou Ato Administrativo declarados inconstitucionais em casos semelhante s e sucessivos..........pg.
247
Índice de Autores
AARNIO, Aulus - 121
ABBAGNANO, Nicola - 7,12,15,17,42,47,48
ACOSTA ESTEVEZ - 177,179,191,187
AGAZZI, Evandro - 255
AGOSTINHO, Santo - 7,16,44,48,49,50
AKEL, Hamilton Elliot - 266
ALEJANDRO, José Maria de - 41
ALLEN, Carleton Kemp - 22,142, 264
ALTERINI, Atílio Aníbal - 6,64,66,88,92
AMBROSETI, Giovanni - 106
ANDRADE, Lédio Rosa de - 266
ANDRADE RIBEIRO, L.R. - 223
ANSELMO, Santo - 51
ARAÚJO, Vandyck Nóbrega de - 107
ARCE Y FLORES-VALDÉS, Joaquín - 71,78
ARISTÓTELES - 7,14,16,17,31,44,46,59,60,61,
65,82,101, 164,260,264
ARRUDA JR., Edmundo Lima de - 234,266
ARRUDA ALVIM, José Manuel - 7,140,206
ARRUDA ALVIM PINTO, Tereza Celina - 211
ASCENSÃO, José de Oliveira - 260,264
BACHOF, Otto - 5
BALEEIRO, Aliomar - 212
BALLOT-BEAUPRÉ - 22
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio - 70,78,155
BARBOSA, Rui - 223
BARBOSA MOREIR, José Carlos - 258,264
BARROS MONTEIRO, Washington - 218,260
BASTOS, Celso Ribeiro - 71,78
BAUMGARTEN, Alexander Gotlieb - 49
BELAID, Sadok - 171,187
BENTHAM, Jeremias - 237
BETTI, Emilio - 206,207
BEVILAQUA, Clovis - 218
BIDART CAMPOS, German J. - 107
BIGOT-PRÉAMENEU - 21
BINDER, Julius - 126
BIONDI, Biondo - 86
BLACKSTONE - 234
BOBBIO, Norberto - 125,173,236,234
BODENHEIMER, Edgar - 142
BOEHMER, Gustav - 6,123,171,171,187
BONFANTE, Piero - 264
BOSANQUET, B. - 52
BOTELHO DE MESQUITA, José Inácio - 198
BOTTALO, Eduardo Domingos - 141,211
BOULOUIS, Jean - 172,175,181,187
BRADLEY, F.H. - 52
BRANDÃO, Junito de Souza - 104
BROSSARD, Paulo - 213
295
BUENO FILHO, Edgard Silveira - 214
BUENO ARÚS, Francisco - 184,186,187
CALAMANDREI, Piero - 136,261,264
CALSAMIGLIA, Albert - 88,91
CALVO VIDAL, Felix M. - 7,27,220
CÂMARA, Armando - 107,111,124
CÂMARA, Maria Helena F. da Câmara - 107,124
CAMPOS, João Mota de 172,175,176,178,181,184,193,187
CANOTILHO, Gomes - 71
CANOSA USERA, Raúl - 72,78,210
CAPITANT, Henri - 6
CAPOGRASSI, Giuseppe - 97,106,
CAPPELLETTI, Mauro - 5,6,27,167,171,187
CARBONNIER, Jean - 93,210
CARDOZO, Benjamin N. - 142,236
CARNEIRO, Athos Gusmão - 194
CARNELUTTI, Francesco - 89,97,99,101,102,103, 102,
104,111
CARON, Giovanni - 257
CARVALHO, Amilton Bueno de - 240,244,266
CASADO, José - 137
CASSIN, René - 106,
CASTÁN TOBEÑAS, José - 6,171,187,236,264
CASTANHEIRA NEVES, Antonio - 56,62,121
CASTRO Y BRAVO, Federico - 86, 173
CATHREIN, Victor - 80
CAVALCANTI FILHO, Theóphilo - 5,19
CERDA FERNÁNDEZ, Carlos - 223
CÍCERO, Marco Túlio - 54,63
CINTRA, A.C.A.; GRINOVER, A.P.; DINAMARCO, C.R. 126,134,135,142,151,237
COELHO, Celso Barros - 211
COELHO, Inocêncio Mártires - 140, 242,263
COING, Helmut - 6,65,83,241
CORRÊA, Oscar Dias - 0141
CORREIA, Alexandre - 107
CORSALE, Massimo - 6,19,163
COSSIO, Carlos - 62,143,206
COSTA, Orlando Teixeira da - 135
COSTA, Mozar Alves - 41
COTTA, Sergio - 255,265
COUTURE, Eduardo J. - 102
CRESCI SOBRINHO, Elício de - 41,234,266
CRUSOE, Robinson - 62
CZERNA, Renato Cirell - 6,19
D’AGOSTINO, Francesco - 7,257,265
DAVID, René - 142
DOMINGO, Rafael - 215
D’ORS, Álvaro 20,42,41,171,187,215,226,229,230
DELOS, José T. - 66
DE PAGE, Henri - 265
296
DESCARTES, René - 15,16,31,48,91
DEWEY, John - 53
DIAZ, Elias - 107
DINAMARCO, Cândido Rangel - 7,92,102,217,231
DINIZ, Maria Helena - 64
DOBROWOLSKY, Sílvio - 253,266
DOLLINGER, Jacob - 140,242,263
DOMINGUEZ RODRIGO, Luis Maria 7,122,123,165
DUNS SCOTT - 48
DWORKIN, Ronald - 90,236
EMERY, F.E. - 94
EHRLICH, Eugen - 234
ENTRENA KLETT, Carlos Maria - 259,260,265
ERRÁZURIZ M., Carlos José - 61,139
ESSER, Josef 6,62,89,123,171,177,186,193,187,208
FACHING, Hans - 140
FARIA, José Eduardo - 234,266
FASSÒ, Guido - 107,112
FAZZALARI, Mauro - 6
FERNANDEZ, Alberto Vicente - 171,187
FERNANDEZ-GALIANO, Antonio - 106,111
FERRAZ JR., Tércio Sampaio - 80,85,94,100,103,127,
128, 196,199
FERREIRA, Renato Gomes - 265
FIGA FAURA, Luis - 173,187
FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros - 139
FONSECA, Tito Prates da - 218
FRANK, Jerome - 93
FRANZEN DE LIMA, João - 218
FRIEDMANN, W. - 171,187
FROSINI, Vittorio - 127,149,206,207
FUERTES-PLANAS ALEIX, Cristina - 7
GALVÃO DE SOUSA, José Pedro - 7, 107
GARCEZ NETO, Martinho - 218
GARCIA, Maria - 266
GARCIA AMADO, J.A. - 5
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo - 71
GARCIA MÁYNEZ, Eduardo - 59,60,264
GAUTRON, Jean-Claude - 175,187
GÉNY, François - 6,21,22,85,86,89,165,236,237
GIANFORMAGGIO, Letizia - 19
GOLDSCHMIDT, Werner - 41
GOMES, Luiz Flávio - 259,265
GÓMES PÉREZ, Rafael - 106,
GRINOVER, Ada Pellegrini - 231
GUIMARÃES, Ylves José Miranda - 41,107,112
GUTIERREZ ESPADA, Cesareo - 187
HART, H. L. H. - 173,210
HAURIOU, G. - 173
HECK, Phillip - 236,234,237
HEGEL, Georg W.F. - 18,49,109
297
HEIDEGGER, Martin - 18,49,50
HENKEL, Heinrich - 104,105
HERNÁNDEZ-GIL, Antonio -106,157,173,174,187,203,
222,236
HERVADA, Javier - 106,
HIERRO SANCHES-PESCADOR, Liborio - 73,78
HOBBES, Thomas - 45
HOLMES, Oliver Wendell - 20,236
HUMELIN, Max von - 234
HUSSERL, Edmund - 18,49
IGARTUA, J. - 5
IHERING, Rudolf von - 234
ISAAC, G. - 173,187
ISIDORO DE SEVILHA - 9
ITURRALDE SESMA, Victoria - 142,198,227
JAMES, William - 52
JASINOWSKI, Bogumil - 106,
JOUVENEL, Bertrand de - 53
JUSTINIANO - 64,84,162
KANT, Imanuel - 17,46,50,51,54,109
KANTOROWICZ, Hermann - 234
KAUFMANN, Arthur - 126
KAUFMANN, A.; HASSEMER, W. - 221
KELSEN, Hans 41,61,62,64,123,139,171,173,212,236
LADUSÃNS, Stanislaus - 7,30,41
LAFER, Celso - 109
LAGRASTA NETO, Caetano - 266
LALAGUNA, Enrique - 7
LAMEGO, José - 7,208
LARENZ, Karl - 6,63,64,106,142,220,236
LATORRE, A. -86
LECLERCQ, Jacques - 106,
LECOURT, R. - 178,187
LE FUR, Louis - 64,66,67,167
LEGAZ Y LACAMBRA, Luis - 7,78,107,244
LEIBNIZ, Gottfried W. - 16,45,65
LEYRET, Henri - 126
LIEBMAN, Enrico Tulio - 261,265
LIMONGI FRANÇA, Rubens 7,64,136,139,142,144,150,205, 206,21,219,242,263,265
LINZ NETO, Edmundo - 211
LLEWELLYN, Karl N. - 174
LIRA, José Pereira - 75,78
LOCKE, John - 16,45
LOMBARDI, Luigi - 6,27,145
LOPES, Mônica Sette - 265
LOPES, José Reinaldo Lima - 266
LÓPEZ DE OÑATE, Flávio 6,11,12,19,99,101,102,103,104, 111,163
LOUIS, Jean-Victor - 181,191,187
LUHMANN, Niklas - 89,91
MACEDO, Sílvio de - 41
298
MADRAZO, Francisco - 144
MAITLAND, Frederic William - 265
MALEVILLE - 21
MANAÏ, Dominique - 242,265
MANGAS MARTIN, Araceli - 186,194,187
MARÍAS, Julián - 7
MARIN CASTÁN, Maria Luiza - 142
MARINI, Carlo Maria de - 265
MARITAIN, Jacques - 244
MARTINEZ, Pedro Soares - 64,65
MARTINS, Ives Gandra da Silva 61,99,107,154,220,244,246
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva - 27,162,227,230
MARX, Karl - 52
MATOS, Carlos Lopes de - 41,45
MATTA, Emanuel - 61,62
MAXIMILIANO, Carlos 7,64,126,136,145,149,153,218
MELO FILHO, Álvaro - 75,78,211
MELLO FILHO, José Celso de - 213
MELLO, Marco Aurélio de - 214
MENDONÇA, Jacy de Souza - 41,107
MERKEL, Adolf - 127
MERQUIOR, José Guilherme - 209
MERTENS DE WILMARS, J. - 178,187
MESSNER, Johannes - 7,106,
MEZQUITA DEL CACHO, J.L. 6,19,64,78,89,91,95,97,105,107
MILLER, Fernando Faria - 266
MOLINA DEL POZO, Carlos F. - 172,187
MOLINA PASQUEL, Roberto - 259,265
MONTEJANO (h.), Bernardino - 106,
MONTESQUIEU, Barão de - 16,84,258
MONTORO, André Franco - 80
MORAES, Walter - 112
MOREIRA, Vital - 71
MOREIRA ALVES, José Carlos - 240
NEDEL, José - 266
NEGRO PAVÓN, Dalmacio - 123,159,218
NERY JR., Nelson - 7,140
NEWMAN, Ralph A. - 265
NIETZCHE, Friedrich - 52
NUNES LEAL, Victor - 211
O’HIGGINS, Bernardo - 21
OCKHAM, Guilherme de - 48, 51
OGÁYAR Y AYLLÓN, Tomás - 26
OLIVEIRA, Gilberto Callado de - 240,266
OLLERO, Andrés - 5,64,203,221,241,243,245
OPOCHER, Enrico - 6,265
ORRÙ, Giovanni - 5,6,27,103,131,143,145,171,187
ORTEGA Y GASSET, José - 63,244
PARÁ FILHO, Tomáz - 203
PASTOR RIDRUEJO, Luis - 265
299
PAULINO NETO - 218
PAULO, São - 257
PECES-BARBA Martínez, Gregorio - 6
PERELMAN, Chaim - 132
PÉREZ-LUÑO, A.E. 6,19,23,63,64,65,74,77,78,108,109,114
PERGOLESI, Ferrucio - 73
PINTO, João Batista Moreira - 266
PIRENNE, Henri - 156
PIZZORUSSO, Alessandro - 142
PLATÃO - 13,16,44,50,65,253
PLOTINO - 51
PONTES DE MIRANDA, Francisco C. - 7,41,47
POPPER, Karl - 54,253
PORTALIS, Jean-Étienne-Marie - 21,54,119
POUND, Roscoe - 102,142,236
PRADO, Ney - 222,223
PRIETO SANCHÍS, Luis - 5
PUIG BRUTAU, José - 123,171,171,197,236
PUY, Francisco - 106,
QUILES, Ismael - 50
RABASA, Oscar - 142,259,265
RADBRUCH, Gustav - 64,97,111,126,131,135
RÁO, Vicente - 218,261,265
RASELLI, Alessandro - 261,265
RAWLS, John - 65,265
REALE, Miguel 7,12,24,41,53,54,62,64,70,78,80,86,102,110,
124,136,150,154,157,166,205,244
RECASÉNS SICHES, Luis - 7,14,63,91,97,
101,102,105,138, 174,196,236,259,265
REUTER, Paul - 176,197
RICKERT, Heinrich - 51,59
RICOEUR, Paul - 126,219
RIPERT, Georges - 83,171,197
ROCHA, José de Moura - 142,153,211
ROCHA, Lincoln Magalhães da - 75,78,143,145
RODAS, João Grandino 142,153,211,241,242,263
RODRIGUES, Horácio Wanderlei - 234,266
RODRIGUEZ GREZ, Pablo - 203
RODRIGUEZ MOLINERO, Manuel - 106,123
RODRIGUEZ PANIAGUA, José Maria - 98,106
ROMITA, Arion Sayão - 265
ROMMEN, Henrich - 106
ROSAS, Roberto - 7,75,78,145,211
RUIZ, Gregorio - 142
SAAVEDRA, M. - 5
SABINO JR., Vicente - 260,265
SALINAS MARTINEZ, Arturo - 142
SANCHES, Sydney - 213
SANCHO IZQUIERDO, Miguel - 106
SANTIAGO NINO, Carlos - 90,196
300
SANTOS, Mário Ferreira dos - 7,41,45,46,52,103
SARTRE, Jean Paul - 49
SAUER, Wilhelm - 6,9,102,109
SCARMAN, Leslie - 142
SCHILLER, F.C.S. (Professor de Oxford) - 52
SCIACCA, Michele Federico - 7,50
SEPÚLVEDA PERTENCE, José Paulo - 213,244
SERPA LOPES, Miguel Maria de - 218
SHAKESPEARE, William - 55
SILVA, José Afonso da - 71,72,73,74,76,78
SILVA MELERO, Valentín - 87
SILVING, Helen - 106
SÓCRATES - 50
SOLJENITSEN, Aleksandr - 109
SOUZA, Carlos Aurélio M. - 22,117,166,211,237,260,265
SOUZA JR., José Geraldo de - 234,266
SOUZA, José Guilherme de - 266
SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes de - 266
SPENCER VAMPRÉ - 218
SPINOZA, Baruch - 16,52
STAMMLER, Rudolf - 63,106
STRAUSS, Leo - 106
TARSKI, Alfred - 50
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo - 7,204,211
TELLES JR., Goffredo da Silva - 204
THORSTENSEN, Vera - 187
TOMÁS DE AQUINO - 7,14,16,31,44,51,59,65,264
TORNAGHI, Hélio - 259
TRONCHET - 21
TRUYOL Y SERRA, Antonio - 106,
TUCCI, Rogério Lauria; José Rogério Cruz e - 231
TUNC, André e Suzanne - 142
ULPIANO - 237
UTZ, Arthur - 7,128
VALLADÃO, Haroldo - 241
VALLET DE GOYTISOLO, J.B. 7,9,20,51,76,81,83,84,86,93,103,
106,126,165,173,174,185,187,220,236
VAN ACKER, Leonardo - 112
VELA SANCHEZ, Luis - 7,39,50
VELLANI, Mario - 65
VELLOSO, Carlos - 213
VERNENGO, Roberto José - 91 103
VICO, Giambatista - 16,17,50,84
VIEHWEG, Theodor - 222
WALD, Arnold - 104
WARAT, Luis Alberto - 41
WINDELBAND, Wilhelm - 51
WOLF, Erik - 106
WOLFE, Christopher - 234
WOLFF, Christian - 48
WOLKMER, Antonio Carlos - 266
WRÓBLEWSKI, Jerzi - 133
301
WUST, Peter - 7,93,135,158,161
ZACCARIA, Giuseppe - 6
ZENÃO DE ELÉIA - 89
ZENATI, Frédéric - 6,27,145,193,187,219
ZITELMAN, Ernst - 236.
INDICE DE ASSUNTOS
(Segurança Jurídica e Jurisprudência)
AÇÃO DECLARATÓRIA - 76
AÇÃO RESCISÓRIA - 76
ACESSO À JUSTIÇA - 224
ADVOGADOS - 41
ALETHÉIA - 52
ALTERIDADE - 63
AMBIGÜIDADE
- da norma jurídica - 212
AN DEBEATUR - 67
ANALOGIA - 34
APLICAÇÃO DAS LEIS - 40
AREÓPAGO (de Atenas) - 257
ARGUMENTAÇÃO - 50
ÁRVORE ENVENENADA (Teoria dos
frutos da) - 257
ATO JURÍDICO PERFEITO - 3, 65, 75,
76,
AUCTORITAS - 26, 70
- graus de ___das decisões judiciais 147
- poder jurídico - 216
BEM - 34
BEM COMUM - 62, 70,
- segurança, justiça e - 66, 67, 68
- unidade na multiplicidade - 126
BOA FÉ - 43
BOM SENSO - 36
CAUSA:
- eficiente - 31
- noética - 31
CENTAURO, Imagem do - 216
CERNERE - 30
CERTAINTY - 12, 23
CERTEZA
- científica - 36
- como valor - 9
- conhecimento da - 16, 18 - pela causa
- 14
- pelo objeto
- 14, 15
- da verdade - 14, 16, 18, 165
- empírica - 17
- física - 38
- garantia de - 73
- judicial - 19, 157
- livre - 35
- metafísica - 37
- moral - 38
- natural - 35
- necessária - 34
- objetiva - 18, 22
- o que é - 28
- originária - 18
- racional - 17, 18
- significado do termo - 30
- subjetiva - 11, 14, 18, 22
- tipos de - 34
CERTEZA DO DIREITO - 11, 13, 14, 59,
69, 74,
- clarificante (das decisões recursais) 201
- determinada pelos Tribunais - 164
- e coisa julgada - 149
- eqüidade como determinante da - 168
- e súmula - 200
- jurídica - 40
- jurisprudencial - 19, 21
- nas sentenças singulares - 200
- praeter legem - 21
- e segurança - 22
CERTEZZA - 12, 22
CERTIDÃO - 12, 14
CERTITUDE - 12, 23
CERTITUDO - 12
CERTITUMBRE - 12
CERTUM - 16, 17,
CIDADÃO - 41,
CIÊNCIA - 50,
CÓDIGO CIVIL
- Lei de Introdução - Artigos:
- 4º - 25
- do Brasil - Artigos:
- 159 - 42
- da Espanha - 25
- de Napoleão - 5, 21
CÓDIGO SUÍÇO - 258
COERÊNCIA
- das decisões relevantes - 203
COGITO - 51,
COISA - 46, 47,
COISA JULGADA - 65M 75, 76,
- autoridade da - 23
- e certeza do direito - 26, 149
- e ordem jurídica - 26
- e jurisprudência - 20,22
- formal - 20, 26
2
- jurisprudencial - 20, 26, 77,
- material - 20, 26
- na Constituição Federal de 1988 - art.
5º - 3
CONJETURA
- verdade e - 56
- imaginação e - 56
CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988 - 1, 58,
71, 72, 77,
- Preâmbulo - 2, 71
- Artigos:
- 1º, 2º, 3º, 4º - 73
- 5º - 1, 2, 75
CPC 1939 - Artigos:
CPC 1973 - Artigos:
- 126 - 25
- 127 - 22
CIDADÃO - 41
COMMON LAW - 23
CONCEITO
- metajurídico - 40
CONHECIMENTO
- intuitivo - 51,
- da realidade jurídica - 43
- processo do - 42
CONVICÇÃO DO JUIZ - 28, 42, 59,
COSTUMES - 34
- como direito - 9
- como lei não escrita - 10
CRIAÇÃO JUDICIAL
- como inventio iuris - 182
- no Direito Comunitário Europeu - 194
- pelo Tribunal de Justiça Europeu - 175
DANTE ALIGHIERI - 65
DAR A CADA UM O QUE É SEU - 67
DÉBITO - 63, 67,
DECISÃO JUDICIAL
- certeza clarificante (decisões recursais)
- 201
- como verdade - 20
- dos Tribunais (quando são certas) - 124
- esboço de uma classificação - 147
- graus de auctoritas da - 145
- individual e coletiva - 123
- relevantes (coerência) - 203
DEFESA DO CONSUMIDOR - 77,
DEFESA DO MEIO - 77,
DETERMINAÇÃO DO DIREITO
- evolucão da Jurisprudência - 229
DEVER-SER - 40
DEUS - 51, 55,
DIÁLOGOS DE PLATÃO
- Filebo - 13
- Timeu - 13
DIKAIOSINE - 66
DIREITO
- alternativo (uso ___do) - 234
- cinco aspectos - 81
- como valoração do justo - 84
- do consumidor - 4
- fundamental - 75
- judicial, jurisprudencial, sumular - 27,
132
- líquido e certo - 116
- passado, futuro e presente - 107
- segurança no - 86
- teoria pura do - 62
- transformações constitucionais - 74,
240
DIREITO ADQUIRIDO - 65, 75, 76
- Direito público - 3
DIREITO ALTERNATIVO
- uso do - 3, 22, 234
DIREITO CIVIL E ECONÔMICO - 77
DIREITO COMUNITÁRIO EUROPEU
- acquis comunitário
- como direito adquirido - 192
- justifica os precedentes vinculantes 193
- determinação de princípios gerais - 181,
182, 183, 186
- formação judicial - 175
DIREITO JUSTO - 26, 64, 65,
DIREITOS HUMANOS - 5
DIREITO NATURAL - 5, 40, 41, 53, 54,
64,
DIREITO OBJETIVO - 11, 12
DIREITO POSITIVO - 64,
DIREITO SUBJETIVO - 12
DIREITO SUMULAR - 77,
DOGMÁTICA
- doutrinária - 89
- e jurisprudência - 25
- e segurança jurídica - 81, 87
- importância - 82
ENUNCIADO - 58,
EPIMETEU - 104
EQÜIDADE - 34, 57, 60, 64,
- aplicação pelo juiz - 22
- determinante da certeza do direito - 168
3
- e aplicação da lei - 125
- e jurisprudência - 170
EQUITY 22
ESCOLA DO DIREITO LIVRE - 62,
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 1, 4, 66, 71, 73,
ÉTICA - 39
EVIDÊNCIA
- como algo verdadeiro - 17, 51, 52,
- ex videre - 29,30
- objetiva - 29, 30, 31, 32, 47,
- originária - 51
EXISTENCIALISMO - 52
FACTUM - 64,
FACULTAS AGENDI - 11
FATO, VALOR E NORMA - 41
FAZENDA PÚBLICA - 76
FAZER O BEM, EVITAR O MAL - 10, 38
FÉ - 14, 15
FIAT IUSTITIA - 65
FIDÚCIA - 43
FONTES DO DIREITO
- Jurisprudência - 25
FUNCIONÁRIOS DA JUSTIÇA 41
FUNDAMENTAÇÃO - 29
GEZETSESRECHT - 5
GNOTI SEAUTÓN - 52
HABEAS CORPUS - 75
HABEAS DATA - 77
HONESTIDADE - 43
IDÉIA - 51,
IGNORÂNCIA - do direito - 65
IGUALDADE - 61, 62, 63,
IMAGINAÇÃO - 56
IN BONAM PARTEM - 65
INCERTEZA - 32, 42, 43
- subjetiva - 23
INJUSTIÇA - 57,
INSEGURANÇA JURÍDICA
- causas mais comuns - 24, 161
- crise da Justiça e do Direito - 1, 24
- o excesso legislativo e a - 163
INTELIGÊNCIA - 31, 32, 33, 34, 35
INTENÇÃO - 38
INTERPRETAÇÃO
- teleológica - 66
INTUIÇÃO - 36
INTUS LEGERE - 33
IPMF (1993) - 24
IRRETROATIVIDADE DAS LEIS - 65,75
IUS - 57
JANUS -127
JESUS CRISTO - 237
JETOS - teoria dos - 50
JUÍZES - 34, 35, 41, 58
- e a lei - 120
JURIDICIDADE - 40
JURIDICISMO - 57, 65
JURISDIÇÃO
- funcão - 3, 73
- legislação mais - 155
- legislação versus - 103
JURISPRUDÊNCIA
- as súmulas de - 215
- como fonte do Direito - 21
- como ordenamento aberto - 138
- determinação do justo - 20
- e coisa julgada - 20, 22
- e eqüidade - 170
- e legislação - 20
- e determinação do direito - 229
- lei e - 48
- e segurança - 26
- estudos sobre - 6
- fonte última da segurança - 198, 209
- mínima - 224
- modelos jurídicos e dogmáticos - 144
- ordenação jurídica - 227
- poder jurídico e - 218
- segurança da - 211
- uniformização da - 202
- valor da - 88
JUSTIÇA - 34, 60
- como valor - 59, 64, 69,
- comutativa - 60, 62, 66
- distributiva - 11, 61, 62, 66
- elementos da - 63
- legal ou geral - 62
- penal - 61
- segurança como fundamento da - 98
- segurança e - 98
- segurança e bem comum - 66
- segurança e valor - 60
- social - 22
- teoria da - 60
- versus segurança - 83
JUSTO (O) - 61,
LACUNAS - 34
LEALDADE - 43
LEGAL SECURITY - 23
LEGISLAÇÃO
- mais jurisdição - 155
4
- versus jurisdição - 103
LEI
- Aplicação de Normas Jurídicas (projeto
de) - 76, 238, 251
- certeza a priori - 19
- e jurisprudência - 48,
- o juiz e a - 120
- segurança da - 137
LEI 7.347, de 24/07/1985
(Proteção ao Meio Ambiente) - 4
LEI 8.069, de 13/07/1990
(Proteção à Criança e ao Adolescente...)
-4
LEI 8.078, de 11/09/1990
(Código de Defesa do Consumidor ) - 4
“LEI ZICO” - 98
LEIS DE NUREMBERG - 106,220
LESBOS, A Régua de - 164,196
LIBERDADE - 35
LINGUAGEM JURÍDICA - 41
LÓGICA - 34, 49,
LÓGICA DO RAZOÁVEL - 14, 53,
LOGOS - 46
MAGNAUD, O bom juiz - 126
MAL - 34
MÁXIMAS DE EQÜIDADE - 259
MEDIDAS ASSECURATÓRIAS
- medidas cautelares - 3
- sistema cautelar - 116
MEDO - 31
MIQUELÂNGELO - 122
MORAL E DIREITO - 38, 39
MOTIVAÇÃO - 33
MÚLTIPLO - e uno - 48, 61,
NADA - 34
NAPOLEÃO (Código de) 5,21,54,162,237,257
NATUREZA:
- física - 38
- das coisas - 29, 40, 53
- do homem - 29, 40, 53
NAZISMO
- idéias - 29, 65,
NECESSIDADE:
- absoluta - 37
- jurídica - 40
- moral - 38
NOMINALISMO - 16
NORMA AGENDI - 11
NORMA(S) JURÍDICA(S)
- a futura Lei de Aplicação das - 76, 238,
251
- ambigüidade da - 212
- e súmula - 173
- jurisprudencial - 133
- momento gerador e aplicativo - 108
- segurança da - 211
NOUS - 31
NULLUM CRIMEN NULLA POENA - 75
NUREMBERG, As Leis de - 106,113,220
- “O Julgamento de...” - 109, 221,255
OBJETO - 31
ORDEM JURÍDICA - 59
- e coisa julgada - 26
ORDENAMENTO
- judicial - 27
- jurídico - 40
- legislativo - 27
ORDENAMENTO JURÍDICO 65,72,74,77,78,
- caráter aberto - 180
- Comunitário Europeu - 177
- corpo aberto e em evolução - 150
- fechados e abertos - 178
- o que é - 177
- princípio geral - 74
ORIENTIERUNGSGEWISSEHEIT - 23
PACTA SERVANDA - 43
PARTE - 61
PAZ SOCIAL - 59, 67
PEREAT MUNDUS - 65
PERESTROIKA -216
PODER JURÍDICO
- auctoritas - 216
- e jurisprudência - 218
PODER POLÍTICO
- potestas - 216
POLIS - 61
POSITIVISMO JURÍDICO - 57, 64, 65
POTESTAS - 70
- poder político - 216
PRECEDENTE JUDICIAL - como norma
- 20
PREVISIBILIDADE - 10, 69, 74
PRINCÍPIO(S) - 73
- constitucionais - 4, 73, 74
- da irretroatividade - 75, 77
- da legalidade - 75, 78
- de justiça - 79
- de não contradição - 51
- fundamentais - 79
5
- gerais de direito - 34, 40, 74
PROBABILIDADE - 17, 38, 39, 40
PROCESSO CIVIL - 49
PROCESSO PENAL - 49
PROCURADORES DA JUSTIÇA - 41
PROJETOS DE LEI
- Marco Maciel - 239
- Nº 4.905 PROMETEU - 104
PROMOTORES PÚBLICOS - 41
PROTEÇÃO
- à infância e juventude - 77
PRUDÊNCIA - 42, 59, 60, 66
PUBLIC SAFETY - 23
QUANTUM DEBEATUR - 67
QUESTÃO DE DIREITO - 59
QUESTÃO DE FATO - 59
QUOD PLERUMQUE ACCIDIT - 36, 69
RACIONALISMO - 16
RAZÃO - 15, 31,
RECHTSSICHERHEIT - 23
RES INTELECTA - 47
RICHTERRECHT - 5
SEGURANÇA JURÍDICA
- direito fundamental - 71, 75
- fato - 9
- fundamento e garantia da justiça - 98
- garantia, tutela, proteção - 75
- garantia hipotética - 58
- princípio - 71, 73
- valor - 60, 71
- da cidadania - 4
- da jurisprudência - 211
- da norma - 211
- dimensões - 9
- dogmática e - 81, 87
- dos bens jurídicos - 112
- e certeza - 19, 22, 78
- e direito - 53, 58
- e direito líquido e certo - 116
- e justiça - 60, 67, 98
- jurisprudência, fonte última da - 209
- justiça e bem comum - 66
- Justiça versus - 67, 83
- legislativa - 157
- na Constituição - 71, 74
- natureza - 3
- necessidade de - 66
- objetiva - 11, 23
- requisitos - 69
- valor meio, necessário, adjetivo - 71
SEGURIDAD - 23
SENSO COMUM - 36
SENTENÇA(S)
- determinação do justo - 20
- e jurisprudência - 20
- injusta - 33
- relevantes e irrelevantes - 106
SER-AÍ - 52
SILOGISMO - 59
SISTEMA CAUTELAR
- medidas assecuratórias - 116
SOCIEDADE - 41
SOLIDARIEDADE - 55
SUBSUNÇÃO - 59
SUJEITO - 31
SÚMULA(S)
- certeza final - 200
- e norma jurídica - 173
- da jurisprudência - 215
SUMMUM IUS SUMMA INIURIA - 57,65
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
- relevância constitucional - 141
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TABELIÃO - 57
TEORIA DO CONHECIMENTO - 33, 59
TEORIA EGOLÓGICA - 63
TEORIA E FILOSOFIA DO DIREITO
- estudos - 4, 5
TEORIA PURA DO DIREITO - 62, 63
TEORIA TRIDIMENSIONAL - 41, 63, 64
TODO - 61
TRIBUNAIS - 41, 58
- criam direito? - 175
- determinam a certeza do direito - 164
- valorização das leis - 24
- metodologia para determinação do
direito - minimizar erros, aumentar acertos - 14
- poder normativo - 242
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
TUBINGEN, Escola de - 231
UNIFORMIZAÇÃO DA
JURISPRUDÊNCIA - 202
UNO - e o múltiplo - 48, 61
- supremo - 51
VALORES FUNDAMENTAIS
- constitucionais - 2, 4
VERBO - 46, 51
VERDADE - 14,15
- certeza - 165
6
- coerência - 54, 55
- conformidade - 53, 54, 57, 59
- correspondência - 46, 59
- critério formal - 49, 54
- das coisas - 47
- do processo - 59
- e conjetura - 56
- e o juiz - 57
- empírica - 50
- eterna(s) - 51
- formal - 49, 57
- manifestação - 50
- metafísica - 50
- prática - 57
- real - 49, 57
- relação - 46
- revelação - 50
- utilidade - 56, 59
- na causa (o verum) - 17
- no certo (o certum) - 17
- no Direito - 57
- o que é - 45
- processual - 49
VERDADEIRO - 46, 51, 58, 59
VERUM - 16, 17
VINCULAÇÃO MÍNIMA
- à jurisprudência - 224
VOLUNTARISMO - 16
VONTADE - 12, 31, 33, 35, 39
WERTUNGSJURISPRUDENZ - 235
ACESSO À JUSTIÇA
É de se louvar a proeminência de trabalhos de
aprimoramento das leis processuais, desenvolvido
por notáveis juristas brasileiro, tendo à frente o
Ministra Sálvio de Figueiredo Teixeira, que visa
precipuamente assegurar o pleno acesso à Justiça;
compreende-se este não somente como o direito do
cidadão ou grupo social levarem suas pretensões ào
Judiciário, mas igualmente a garantia do devido
processo legal, que implica outras garantias
constitucionais, como o amplo contraditório, a
paridade de armas, a plena produção de provas,
direito aos recursos legais, jurisdição prestadia,
etc.
JUSTIÇA DO TRABALHO
competência
para
“estabelecer
normas
e
condições” no julgamento dos dissídios coletivos
(o chamado “poder normativo”); instância legal por
excelência para resolver greves.
- art. 114 CF: JT é para “conciliar e julgar os
dissídios (...) coletivos entre trabalhadores e
empregadores...? e exercer a função de arbitragem
(§ 2º), ocasião em que exercerá seu poder
normativo, respeitando “as disposições constitucionais
e
legais
mínimas
de
proteção
ao
trabalho”.
- discute-se aqui se estas normas constitucionais
são qualitativa e doutrinariamente diversas e,
portanto, superiores ao disposto na LICC: “na
aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais
a que ela se dirige e às exigências do bem comum”
- o poder normativo não encontra justificativa; a
Justiça do Trabalho não pode ter o poder de baixar
normas (que são leis entre as partes envolvidas) e
de certa forma ter poderes de ordenamento social
superiores ao da Justiça comum.
A
PASTA MARRON - "JURISPRUDÊNCIA" - ARTIGOS 12/6/94 - JURISPRD.IND
1. REGO, Hermenegildo de Souza. Os motivos da sentença e a coisa
julgada (em especial, os arts. 810 e 817 do CPC). RP 35/9-23
I. Coisa julgada material - art. 467 CPC = "a eficácia, que
torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário"
- texto do anteprojeto Buzaid era melhor: "a qualidade que
torna imutável e indiscutível o efeito da sentença, não
mais sujeita a rec.ord. ou extraord."(Tese Thereza Alvim
- para Liebman: "a coisa julgada não é efeito da sentença,
mas a qualidade da sentença e de seus efeitos"
- correta a definição do CPC: atende à crítica de Allorio
a Liebman: imutáveis não são os efeitos, mas a própria
sentença; João de Castro Mendes: "Toda sentença vale ape
nas 'rebus sic stantibus'.
- imutável é apenas a decisão, o pronunciamento estatal so
bre a 'res in iudicium deducta'; nesta imutabilidde consiste a particular eficácia da sentença, a que se dá o no
me de coisa julgada.
- polêmica Carnelutti X Liebman
- Botelho de Mesquita: imprecisão dos conceitos = distinção
entre eficácia e imutabilidade da sentença
- Carnelutti: eficácia e autoridade são coisas diferentes
- autoridade e imutabilidade são a mesma coisa
- autoridade consiste num modo de ser da eficácia e
consiste na sua imutabilidade; só isto deveria se
chamar de coisa julgada
- c.j. é algo distinto da sentença, sua autoridade; a
autoridade emana da sentença, e é sua eficácia; cha
ma-se c.j. não a sentença, mas sua eficácia
- a c.j., em lugar do sujeito (sentença) passa a ser
o predicado (autoridade da sentença)
- então, c.j. (autoridade da sentença) não é outra coi
sa que o modo de ser que a lei lhe atribui, isto é,
seu valor 'pro veritate', ou melhor, s/valor c% lei
- mas o valor da sentença como lei, 'pro veritate',
não é senão sua imutabilidade
- discordância com Liebman,pto, é mera questão de
nomes = c.j. vem a ser a imutabilidade da sentença;
distinção eficácia e imutabilidade: 1ª= gênero, 2ª=
espécie = sent.tem eficácia (c.j.formal) antes de se
tornar imutável (c.j.material)
- pto, defin.467 é correta:
- c.j. é a 'res'= realidade sobre a qual opera o
processo, i.e., a lide; 'judicata'= resolvida pela jurisdição
2. Distinções
B
2.1 - preclusão e coisa julgada (esta é a preclusão máxima)
- Chiovenda: preclusão "é a perda, ou extinção, ou consumação de uma faculdade processual..."
- real finalidade da preclusão: arts. 183, 245, 473,
516,601
- Barbosa Moreira: c.j. é uma das várias situações
jurídicas dotada de eficácia preclusiva
- art. 474: idéia de "julgado implícito",criticado
p/Allorio
- Machado Guimarães: "o âmbito de incidência do efeito pre
clusivo ultrapassa os limites objetivos da c.j. porque
atinge questões (deduzidas e deduzíveis) que se não
incluem no 'decisum')
2.2 - Cognição = c.j. limita-se ao processo de conhecimento
- discussões problemáticas: a. autoridade da c.j.
cobre somente o elemento declaratório da sentença(C.Neves)
b. nega à execução o caráter de ativid.jurisdicional
= o proc.conheci/é que enseja formação de c.j.
- art. 463: ao publicar a sentença de mérito o juiz
cumpre e acaba o ofício jurisdicional"(officio functus est)
diferença
entre
conhecimento
e
execução:
a
substitutividade (substituição da vontade das partes p/ do Estado)
no conhecimento se exerce no plano do juízo, e na execução, no plano da vontade
2.3 - Mérito = 'res judicata' só em relação ao mérito
- retorno às fontes romanas: llimitação da coisa julgada
- D.brasileiro: sentença c/autoridade de c.j. é unica/ a
que "julgar total ou parcialmente a lide" (art. 468)
- lide é mérito = cf. Exposição de Motivos
2.4 - Contenciosidade - formação da c.j. supõe litigiosidade
- imutabilidade da decisão = razões de conveni~ social
= situação de insegurança dos direitos, instabilidade
das relações jurídicas, eternização dos conflitos
- se não há julgamento de "lide" não há 'res judicata'
- Carnelutti, Instituciones: há c.j. tanto em sede con
tenciosa como voluntária, definitiva ou cautelar...
Frederico
Marques,
citando
Couture
e
Jorge
Americano:
jurisd.volunt.não produz c.j.,nem ação rescisória
= nat. administrataiva do pronunc.judicial - tem
eficácia como todo ato estatal; sendo adm.é revogável
= qdo.muito, decisão (mas administrativa), pois sentença é ato jurisdicional, pressupõe situação litigiosa, c/ julgamento da pretensão
2.5 - Definitividade - pto, sent.cautelar ñ produz c.j.
- Theodoro Jr: a.caut. é pura/instrumental, ñ cuida da
C
lide, nunca é de mérito, pto, ñ faz c.j.
- Barbosa Moreira: a.cautelar ñ é 'tertium genus'
entre cognição e execução; ela se contrapõe a ambos em cjto
pois têm nat.satisfativa, enqto.proc.cautelar é
tutela mediata, de 2º grau
- art. 807: meds.cauts podem ser revogadas ou
modificdas
art.
8l0:
med.caut.indeferida
ñ
influi
no
jgto.princ.
II - Motivos da sentença e coisa julgada
3. O problema. Castro Mendes. Limites Objectivos do Caso
julgado em Processo Civil. Lisboa, Edit.Ática, 1968.
extensão
ou
não
da
autoridade
da
c.j.aos
motivos,funda/s
Ex: A reclama x em contrato com B; este alega contrato nulo;
juiz repele e condena a entregar x: a questão "o contrato
não
é nulo (motivo da decisão) fica ou não coberta pela c.j.
- em outro processo, se A reclamar y pelo
m/contrato,
o juiz pode entender nulo o contrato? e julgar impr?
- alargamento ou não do caso julgado aos fundamentos da
decis é problema de política legislativa, opção entre um processo
liberal (sist.restritivo seg- princ.dispositivo) e um proc.
paternalista (sist.amplexivo evitando desarmonia de julgs)
3.1. Fatores favoráveis a um Sistema "amplexivo"
1ª) necessidade de certeza e paz social: aumentando o
domínio da indiscutibilidade, diminui-se o da litigiosidade
= conveniência de estender aos motivos a autor.da
sent.
2ª) princípio da economia processual:evitar que as
questões
discutidas num processo evitaria novos processos
3ª) necessidade de harmonia dos julgados, argumento +
forte
- desarmonia alta/indesejável, até em função da
credibilidade social (o povo não entende...)
Ex: A invoca violação de patente, pede condenação do
violador e abstenção de continuar a prática e ganha.
B fica obrigado a um 'non facere'
Em outro processo, A reclama indenização por perdas
e danos; o juiz entende que não houve violação de patente, dando pela improcedência da ação
Ex: A propõe despejo contra B e perde, porque não havia relação locatícia mas possessória; propõe possessória e perde, porque se entende que há rel.locatícia
D
Explicação: é a opção pelo princípio dispositivo...
4ª) distinção impossivel entre fundamentos e decisão
- essência da teoria de Savigny: motivos formam o conteúdo da decisão (sem eles será uma abstração) - ex.da
decisão de improcedência: sem os motivos, a sentença ñ
tem conteúdo material
- o problema está em distinguir os conceitos:
a. de decisão meramente formal e
b. de decisão em sentido material
- os fundamentos existem:
a. em sentido formal (pte.sentença, após relatório)
b. em sentido material (soluçs.às questões da dec.)
- ñ cabe estender a autor.c.j.aos fundms.sent.material
5ª) dificuldade e arbítrio entre os fundams/ou a
pr.decisão
Ex: A reivindica e obtem X; em nova ação pleiteia
frutos
- se nesta se baseia no dir.propried. (funda/da 1a), o
direito pode ser rediscutido
- se baseada no dever de entregar (acessório segue
pr.)
nada se discute, pq obrigação de entregar X é c.j.
- ora, ambas situações são sustentáveis,daí a conveni
de adoção do sistema "amplexivo"
3.2. Fatores favoráveis a um sistema "restritivo"
1ª) a própria idéia de Justiça: c.j.,prescrição, como
insts
em que a necessid.de segurança segue à neces.de
justiça
- qr.restrição de s/âmbito é favorável à Justiça
c.j.:risco
decisão
inj.é
menos
nocivo
que
insegur~nos
negócios e nas sits.jurídicas.
menos
decis.injustas
X
maior
inseg.negs.e
sits.jurids
2ª)
princípio
dispositivo:ptes.têm
meios
p/evitar
contrads:
cumulação pedidos, reconvenção, declar.incidental etc
- Dir. só intervem se diminuir a liberdade...
Ex: A vende x a B por metade do valor;contrato
injusto,
mas Direito o tutela, se houve vontade livre de A e B.
- o mesmo ocorre nas ações: as partes podem evitar as
contradições de julgados
3ª) tendencialidade: c.j. só a questão central do
processo,
para a qual convergiram todos os esforços, sobretudo
do
E
réu; Ex: contratou entrega de X,Y,Z, mas apenas exigiram X, que não deve; pode invocar apenas isso; não estará impedido de se defender, depois, de Y e Z.
4ª) proporcionalidade: esforços processuais hão de poder
ser proporcionais ao resultado possível
Ex:tendo celebrado contrato de 1.000, A é acionado por
10;con
vencido da nulidade do contrato, não tem interesse em se defender; mas não pode ser surpreendido pelo trânsito em
julgado da validade do contrato, fundamento da eventual
concessão
de 10.
- graduação de valores: rito sumaríssimo
- consequências secundárias: problema das custas e despesas
processuais: pede-se uma parte, para obter resultado global
por
via da extensão da autor. da c.j. aos motivos da sent
3.3. Soluções
- um sist.amplexivo puro: todos os fundamentos da sentença
transitem em julgado
- um sist.restritivo puro: nenhum fundamento trans.em julg
- um sist.misto: conciliar as qualidades dos anteriores
- Castro Mendes: evidente necessidade de conciliação =
- sist.amplex.puro: cada processo um poço s/fundo
- sist.restr.puro: direito certo pela c.j. sem raízes
materiais que ñ possam ser negadas em proc.posterior
- sist.misto: fundams/têm ou não força de c.j - 3
caminhos:
1º) diferenciar tipos de fundamentos:
a) fundamentos objetivos e subjetivos
b) funds. imediatos e mediatos
c) funds. controvertidos e não controvertidos
d) funds. necessários e não necessários
- determinar quais os que ficam ou não abrangidos p/cj
2º) Zeuner: necessidade de harmonia dos julgados =
estudo das relações entre o 1º e o 2º processos
- vinculação do 2ºjuiz ao decidido no 1º: depende da
conexão material entre um e outro
- "complexos unitários de pretensões interdependentes"
- crítica: falta definição dos critérios pelos quais os
fun
damentos hão de ser considerados vinculativos
- proposta de Castro Mendes: dinstição entre "caso julgado
absoluto" e "caso julgado relativo"
Ex: A e B contratam que B deve x e y; A vence ação em
que
pede x: o contrato é válido nessa medida, i.e. para
lhe
entregar x; em outro processo A pede y, a validade do
F
contrato
pode
ser
contestada,
mas
não
a
nulidade
absolu
ta, porque foi válido na obrigação x; a afirmação B
deve x é caso julgado absoluto; a afirmação "o contrato é válido
enquanto obriga B a entregar x é c.j.relativo
- pto, "os pressupostos da decisão transitada em julgado são
indiscutíveis como pressupostos dessa decisão e só nessa medida"
3.4. Crítica a Castro Mendes
- não chegou a nenhuma solução original: c.j.absoluto e
relativo não é original
- conclui que os motivos não se revestem da autoridade da
c.j.,
podendo
ser
livremente
rediscutidos
e
apreciados, desde que não altere materialmente o resultado do
primeiro processo (bem da vida garantido)
- isto spr se disse - Aureliano de Gusmão: os motivos,c%
puro motivos, não têm autor.de c.j. e esta só pode estar onde se acha a decisão do juiz; a c.j. está em qr.
parte da sent. que resolve a controv, e pois nos motivos, qdo. nestes estiver expressa como causa imediata
do dispositivo da sentença
- Machado Guimarães: só a pretensão formulada no 'petitum
(= "bem da vida"pleiteado na ação ou reconvenção) pode
ser objeto do 'decisum': coincidem c/os deste objeto
os "limites objetivos" da c.j.substancial
- Chiovenda: sent. é ato de vontade do Estado, conforme a
vontade abstrata já declarada; autor.c.j. = nenhum
juiz poderá tirar ou diminuir de outros um bem da vida obtido em
precedente ato de tutela jurídica
4. Conclusão sobre o problema: autor.c.j. deve cobrir
unica/a atribuição ou negação do "bem da vida" do objeto do ped
questões
prejudiciais
e
ação
declar.
incid.resolveram
- aos motivos da sent. se deve chegar se necessário,
p/ estabelecer qual é o bem da vida reconhec.ou negado.
III - Os arts. 810 e 817 do CPC: exceções à definitividade da c.j.
- 810: faz c.j.sent.proferida em ação cautelar qdo. juiz
acolher alegação de decadência ou prescrição
- 817: em arresto, sent.proferida não faz c.j.na ação
princ.,
salvo o art. 810
- 810: indeferimento da med.caut. por acolhimento da
argüição
de decadência ou prescrição condiciona o julgamento da
ação
principal
- sendo inviável a ação principal, não há porque cercá-la de
segurança
G
- o que há é o deslocamento da cognição, do proc.principal
p/
o processo dependente e jgto.antecipado e influente do
mer.
- exceção do 817 é aparente
- não se discute que prescrição é mérito; prescrição é
necessidade social de fazer cessar a incerteza dos direitos: reconhece caráter jurídico a um estado de fato inicialmente
contrário ao direito
IV – Conclusões
1. satisfatória a definição de c.j.material do art. 467 CPC:
apenas
mérito,processo
de
conhecimento
e
decisões
defint.s
2. sistema restritivo puro: nenhum fundamento da decisão
fica
revestido da autoridade da c.j.; nem há julgado implícito
no Dir.brasil: art. 474 refere-se unicamente ao efeito
preclusivo da c.j.
- a rediscussão dos fundamentos (em outro processo) e a
adoção de conclusões divergentes, não pode atingir a c.j
- só o dispositivo da sentença transita em julgado =
= dispositivo em sentido substancial
- importância dos motivos como elemento de interpretação
do dispositivo, para determinar a 'res' atrib.ou negada
3. arts.810 e 817 não são exceção: o conhecimento do mérito
da lide, anomalamente se desloca para o momento da
aprecia
ção do pedido cautelar
poderes
do
legislador,
justificável
p/prescr.e
decadênc.
-.-.JURISPRD.IND
2. VALLET DE GOYTISOLO, Juan B. Joaquín Costa y el tema de la
jurisprudencia. Anuario de Derecho Civil,1988 (oct-dic):969-1032
1
Carlos Aurélio Mota de Souza
SEGURANÇA JURÍDICA E JURISPRUDÊNCIA.
Um enfoque filosófico-jurídico.
São Paulo, Editora LTr, 1996.
Segundo parecer do prof. Ives Gandra Martins, prefaciador desta obra,
“com seu livro sobre a Segurança Jurídica e Jurisprudência, (o Autor) preenche
vácuo da literatura brasileira sobre a importância da certeza do direito, apenas
possível à luz da relação conflitual exposta ao Judiciário e sua manifestação
definitiva”.
O trabalho segue uma linha de pensamento e de pesquisas que o Autor
iniciou com seu Mestrado em Teoria Geral do Processo (FADUSP), sob
orientação do Prof. Cândido Rangel Dinamarco, resultando na obra “Poderes
Éticos do Juiz” (Porto Alegre, Sérgio A. Fabris, 1987), em que tratou da
“Igualdade das Partes e a Repressão ao Abuso no Processo”. Ali emergiu a
discussão sobre o Poder Discricionário ou Arbítrio do Juiz para criação de
Direito, e que o levou a aprofundar o estudo da Eqüidade como instrumento,
método ou critério para melhor aplicação da lei pelo Juiz.
Em “Eqüidade e Jurisprudência”, (tese de doutoramento, FADUSP, 1989,
orientação do Prof. Alexandre Correa), buscou atualizar e resgatar os conceitos
sobre a epiquéia, procurando afastar preconceitos de vinculação positivista, e
oferecendo linhas para uma maior utilização da eqüidade, pelos Juízes, na
determinação do Direito justo.
Segurança Jurídica e Jurisprudência é fruto de estudos em pósdoutorado em Filosofia do Direito na Universidad Pontificia Comillas, em Madrid,
e na Itália e França, entre 1989-91, e resultou em sua tese de livre-docência
(1995), defendida na Faculdade de História, Direito e Serviço Social da UNESP Franca (SP).
Nela ressalta o Autor a valorização do Juiz como órgão privilegiado do
Poder Jurídico (em oposição ao Poder Político), único apto a resgatar o Direito
das mãos do Estado, ao conferir às Normas uma va- loração contextual no
momento da decisão.
Mais ainda, entende que os Juízes contribuem, através da coisa julgada,
para a criação de um Direito Jurisprudencial, de corte normativo.
Enquanto órgão de decisão isolada (sentença ou acórdão), o Julgador
não possui mais do que auctoritas, emanação de prudência e saber jurídico; no
entanto, a coisa julgada superior, sobretudo consolidada como Súmula
predominante, além de auctoritas adquire também potestas, e como tal deveria
ser acatada quod iussum est, por situar-se no mesmo plano geral das leis.
2
Neste campo o Autor discute a questão das súmulas vinculantes, se podem e devem ser adotadas no Brasil, e assume posição intermédia: somente
algumas súmulas poderão ter eficácia erga omnes, extensiva à Administração;
apenas as referentes a questões relevantes de direito público, reiteradas em
múltiplas e sucessivas ações sobre os mesmos temas (tributários,
previdenciários, salariais, etc); uma vez julgadas e sumuladas, tais questões não
mais seriam objeto de ações novas, mas caberia a execução direta dos pedidos,
ou seu atendimento imediato pela Administração.
Outra questão tratada nesta obra é sobre o denominado uso alternativo
do Direito. Entende o Autor que está se formando uma autêntica Escola de
Direito, a ser melhor analisada pela crítica dogmática; embora não aprovada,
nem seguida por muitos segmentos jurídicos, trouxe, entretanto, para a doutrina,
uma rica discussão sobre a liberdade do juiz para julgar segundo uma real
consciência social.
Para o Autor, os critérios utilizados pelos alternativistas passam pela
eqüidade, que é prevista nas leis e na doutrina, sendo, pois, legítima a
ampliação dos poderes do juiz pelo uso adequado desse instituto jurídico.
Segurança Jurídica e Jurisprudência enfrenta, assim, temas polêmicos,
como a supremacia da Jurisprudência em relação à Lei; a adoção, ainda que
mitigada, do efeito vinculante para as Súmulas; e o uso alternativo do Direito,
cuja prática vem acarretando insegurança aos cidadãos e certa perplexidade na
ordem jurídica.
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SEGURANÇA JURÍDICA e JURISPRUDÊNCIA