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Nota técnica da Associação Juízes para a Democracia acerca do
PL 4.330/ 2004
1 9 /09 /2 01 3 - 09 h57
A Associação Juízes para a Dem ocracia, entidade não gov ernam ental e sem fins corporativ os, que tem dentre suas finalidades a
defesa dos direitos dos m enores, dos pobres e das m inorias, na perspectiv a de em ancipação social dos desfav orecidos, v em ,
perante Vossas Excelências, m anifestar sua firm e posição contrária à aprov ação do Projeto de Lei nº 4 .3 3 0/2 004 , pelos
m otiv os que passa a expor.
A terceirização ao longo de 20 (vinte) anos em que se instituiu no cenário das relações de trabalho no Brasil, desde
quando, à margem da lei, foi incentivada pela Súmula 331, do TST, em 1993, serviu para o aumento vertiginoso da
precarização das condições de trabalho, pois não eleva a oferta de ocupação, apenas transfere e precariza os postos
de trabalho que já existem.
Embora seja apresentado com a aparência de proteção dos trabalhadores, o PL 4.330/2004 se trai e revela, na
incoerência, a sua verdadeira intenção. Diz que a terceirização advém da “necessidade que a empresa moderna tem de
concentrar-se em seu negócio principal” (grifou-se). Ocorre que o objetivo principal do projeto é ampliar as
possibilidades de terceirização para qualquer tipo de serviço. Assim, a empresa moderna, nos termos do projeto, caso
aprovado, poderá ter apenas trabalhadores terceirizados, restando a pergunta de qual seria, então, o “negócio
principal” da empresa moderna? E mais: que ligação direta essa empresa moderna possuiria com o seu “produto”?
Nesse contexto, admitir-se-ia que a empresa moderna é meramente um ente de gestão voltado a organizar as formas
de exploração do trabalho, na busca desenfreada pelo lucro. O seu “negócio principal” seria, de fato, o comércio de
gente.
A terceirização, ainda, visa a dificultar que se atinja a necessária responsabilidade social do capital. Nesse modelo de
produção, a grande empresa não contrata empregados, contrata contratantes e estes, uma vez contratados, ou
contratam trabalhadores dentro de uma perspectiva temporária, não permitindo sequer a formação de um vínculo
jurídico que possa ter alguma evolução, ou contratam outros contratantes, instaurando-se uma rede de
subcontratações que provoca, na essência, uma desvinculação física e jurídica entre o capital e o trabalho. Esse
quadro complexo dificulta sobremaneira a efetivação dos direitos trabalhistas, pois o empregador aparente, aquele
que se apresenta de forma imediata na relação com o trabalho, é, quase sempre, desprovido de capacidade econômica
ou, ao menos, possui um capital bastante reduzido se comparado com aquele da empresa que o contratou.
Assim, além de passarem por um processo de segregação, de discriminação, de fragilização, quando não de
invisibilidade, os trabalhadores terceirizados ainda se veem obrigados a suportar anos de lide processual para receber
parte de seus direitos, visto que, em regra, as empresas tercerizadas não têm idoneidade econômica.
Saliente-se que a prática já revela que em várias situações o próprio sócio-empresário da empresa contratada,
dependendo do alcance da rede de subcontratações, não é mais que um empresário aparente, um pseudo capitalista.
Ele não possui de fato capital e sua atividade empresarial é restrita a dirigir a atividade de trabalhadores em benefício
do interesse produtivo de outra empresa.
O projeto de lei em questão reforça essa lógica e traz vários outros elementos concretos da perversidade:
responsabilidade subsidiária, com limitação ao período de execução dos serviços na tomadora; possibilidade de
quarteirização e subcontratação.
É falacioso o argumento de que os direitos dos trabalhadores estarão garantidos com a exigência de constituição de
um capital social compatível com o número de empregados. O projeto prevê, por exemplo, um capital social de
R$10.000,00 para que se tenha até 10 (dez) empregados, como garantia efetiva aos trabalhadores. Além de ser
meramente formal, esse valor mal daria para garantir as verbas rescisórias de um empregado que, por exemplo,
receba salário mínimo e trabalhe dois anos na empresa[1]. E isso sob a suposição de que o FGTS tenha sido
integralmente depositado, que não existam horas extras a serem pagas, que não tenha havido, como quase sempre há,
supressão do intervalo ou outros problemas decorrentes de acidente do trabalho e de condições insalubres ou
perigosas etc.
No aspecto da representação sindical os riscos também são muito graves, pois no sistema jurídico brasileiro a
categoria é definida em conformidade com a atividade preponderante da empresa. Portanto, não existe um sindicato
“representante da categoria profissional correspondente à atividade exercida pelo trabalhador na empresa
contratante”, a não ser quando se refira à categoria diferenciada, que atinge, no entanto, apenas a alguns tipos
específicos de profissionais.
Em suma, a realidade futura que se extrai do PL 4330, caso venha a ser aprovado, é de empresas constituídas sem
empregados, com setores inteiros da linha de produção, da administração, do transporte e demais atividades geridos
por empresas interpostas cujo capital social é bastante reduzido se comparado com a contratante, gerando, por certo,
uma redução de ganhos, além de um grande feixe de relações jurídicas e comerciais, que se interligam
promiscuamente, mas que servem para evitar que os diversos trabalhadores, das variadas empresas, se identifiquem
como integrantes de uma classe única e se organizem.
De fato, ter-se-á a formação de uma espécie de shopping center fabril, onde o objeto principal de comércio é o
próprio ser humano.
A intenção da lei, assim votada, visando favorecer aos interesses econômicos de alguns segmentos empresariais e
políticos do governo não se amolda, obviamente, ao projeto constitucional de elevação da condição humana a partir
dos valores já mencionados. Lembre-se que as relações de trabalho são reguladas pelo direito do trabalho, cujo
princípio é o da elevação progressiva das condições sociais e econômicas dos trabalhadores, estando coibida a lógica
do retroceder.
Delineia-se assim um grave quadro de insegurança jurídica. Primeiro, pelos custos da invalidação da terceirização,
por aplicação, por exemplo, da teoria da subordinação estrutural, como determinante da relação de emprego,
incluindo, também, a teoria da subordinação em rede, que serve para reatar os vínculos jurídicos entre o verdadeiro
capital e o trabalho, com a consequente responsabilização social. Além desses, também emergem os custos
decorrentes de indenizações por dano moral individual e por dano social, na medida em que a prática agressiva à
condição humana constitui, por si, grave atentado à ordem jurídica individual e social.
O empregado que prestou seu serviço e não recebeu os valores correspondentes aos seus direitos de natureza
alimentar no momento oportuno, tem direito ao recebimento de uma indenização, o que não inibe a indenização
devida à sociedade pelo ferimento do projeto constitucional em torno da formação de um capitalismo socialmente
responsável.
Por fim, deve-se atentar para os custos decorrentes do atolamento do Poder Judiciário em conflitos sem fim, tanto no
que se refere às diversas discussões jurídicas geradas pelas múltiplas contratações, relações promíscuas e supressões
de direitos, assim como no que se referem àquelas que digam respeito a situações mais graves como a do trabalho em
condições análogas à escravidão e a dos acidentes do trabalho.
Nesse sentido, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, dentre os cem maiores devedores da Justiça do
Trabalho, vinte e dois são empresas de terceirização de mão de obra[2].
É cristalino que o PL 4.330 constitui uma das maiores ameaças ao Estado Social Democrático de Direito que nosso
país ainda busca construir, visto que atinge direitos elementares dos trabalhadores em prol da reprodução sem
obstáculos do capital.
Somente com o respeito aos direitos fundamentais, a começar pelos que se integram à esfera dos denominados
direitos sociais, é que haverá consolidação da democracia em nosso país, motivo pelo qual a Associação Juízes para a
Democracia se manifesta pela rejeição do PL 4.330/2004.
Brasília, DF, 16 de setembro de 2013.
[1]
No estado de São Paulo, o SM é de R$750,00. Com dois anos de relação de emprego, um empregado
dispensado sem justo motivo, que ainda não tenha gozado as férias do 1º. período, tem direito de receber, R$750,00
(aviso prévio indenizado); R$1.000,00 (férias com 1/3 - 1º. período, que seria em dobro caso ultrapassados os dois
anos do contrato de trabalho); R$1.000,00 (férias com 1/3 - 2º. período); R$750,00 (13º. salário); R$576,00 (40%
FGTS), sendo que sobre esses valores ainda incide a contribuição social.
[2]
Fonte: <http://www.csjt.jus.br/inicio/-/asset_publisher/ET0p/content/empresas-terceirizadas-sao-22das-100-maiores-devedoras-da-justica-do-trabalho?redirect=%2Finicio%2F%2Fasset_publisher%2Fh7PL%2Fcontent%2Fboas-praticas-pje-jt-1%3Fredirect%3D%252Finicio%252F%252Fasset_publisher%252FB4pa%252Fcontent%252Ftrt-ce-realiza-semana-de-mutirao-para-cobrar-dividastrabalhistas%253Fredirect%253D%25252Finicio>. Acesso em 15/09/2013 às 15h.
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