Seminário Anual do Banco Central do Brasil Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2006 Sessão III Perspectivas para Estabilidade de Preços no Brasil Importância da Agenda Fiscal Rogério L. F. Werneck Depto. de Economia, PUC-Rio Sumário • Assimetria da melhora do quadro macroeconômico • Evolução ainda preocupante das contas públicas • Política monetária sobrecarregada pela persistência de um quadro fiscal problemático • Importância do avanço da agenda fiscal 2 R. L. F. Werneck [email protected] Melhora assimétrica • O regime de metas para a inflação foi introduzido no Brasil há sete anos • Ao longo deste período, o quadro macroeconômico do País sofreu mudança fundamental • Mas tal mudança tem sido marcada por forte assimetria • Embora tenha havido melhora importante na situação fiscal, do lado das contas externas a evolução tem sido incomparavelmente mais favorável. 3 R. L. F. Werneck [email protected] Contas Externas Fluxos Acumulados em 12 meses (US$ bilhões) Jun. 99 Dez. 02 Jun. 06 Exportações 47,6 60,3 125,5 Importações -53,0 -47,2 -80,9 -5,4 13,1 44,6 -32,6 -7,6 12,0 -4,9 -1,7 1,4 3,6 2,7 0,6 Balança comercial Transações correntes Transações correntes (% do PIB) Dívida externa líquida / exportações Fonte: Bacen 4 R. L. F. Werneck [email protected] Contas Fiscais Setor Público Consolidado Fluxos Acumulados em 12 Meses (% do PIB) Jun. 99 Dez. 02 Jun. 06 Superávit primário 1,59 4,25 4,51 Conta de juros nominais 8,81 9,33 7,90 48,57 55,50 50,30 Dívida líquida do setor público Fonte: Bacen 5 R. L. F. Werneck [email protected] Expansão prolongada de gastos primários • A evolução do quadro fiscal vem sendo marcada por um processo de expansão explosiva dos gastos primários dos três níveis de governo • Um processo que teve início em meados dos anos 90 e que não dá mostras de estar chegando ao fim 6 R. L. F. Werneck [email protected] 0 7 R. L. F. Werneck Brasil 1993 Coréia do Sul Irlanda EUA Brasil 2005 Suiça Austrália Canadá 01 Japão Espanha N. Zelândia 97 Reino Unido Grécia Itália Islândia Portugal Luxemburgo Bélgica Holanda Alemanha Noruega Eslováquia Áustria Finlândia Hungria França Dinamarca Rep. Checa Suécia Dispêndio Primário Agregado em Economias Desenvolvidas - 2002 (% do PIB) 60 55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 [email protected] Dispêndio Primário em Economias em Desenvolvimento Selecionadas (% do PIB) País Brasil Rússia Ucrânia África do Sul Índia México Chile China Indonésia Tailândia Paquistão Peru Estimativa mais recente Ano Nível de governo 33,0 32,4 32,0 22,7 21,3 20,8 19,2 17,7 16,4 16,0 15,1 14,6 2005 2004 2004 2004/05 2003/04 2004 2004 2004 2004 2003/04 2004/05 2003 Federal, estadual e municipal Governo Geral Governo Geral Governo nacional* Federal e estadual Setor público consolidado Governo central Federal, estadual e local Governo central Governo geral Federal e estadual Setor público combinado Fonte: FMI (Published Staff Reports) * Inclui governo central e gastos subnacionais financiados com transferências do governo central 8 R. L. F. Werneck [email protected] Ajuste fiscal à brasileira: aumento do superávit primário com forte expansão simultânea de gastos primários Resultado Primário e Dispêndio Primário dos Três Níveis de Governo Brasil,1993-2005 (% do PIB) 34 02 Dispêndio primário 32 04 01 03 00 97 30 05 95 99 98 96 28 26 94 93 24 -2 10 -1 * Exclui empresas estatais 0 1 2 Resultado primário* 3 R. L. F. Werneck 4 5 [email protected] Dispêndio Primário dos Três Níveis de Governo e PIB Brasil, 1993-2005 1993 = 100 190 Dispêndio primário 180 170 Taxa real média de cresc. de 5,3% ao ano 160 150 140 PIB 130 120 Taxa real média de cresc. de 2,7% ao ano 110 100 90 1993 11 1995 1997 1999 2001 R. L. F. Werneck 2003 2005 [email protected] Brasil, Carga Tributária Bruta 1968-2005 12 Período Receita Tributária dos Três Níveis de Governo (percentual do PIB – média do período) 1968-1980 25,1 1981-1989 24,8 1990 28,8 1991-1993 25,6 1994-1998 29,5 1999 32,2 2000 32,6 2001 2002 2003 2004 2005 34,0 35,6 34,9 35,9 37,0 R. L. F. Werneck O que este aumento de carga tributária possibilitou ? +11,4% do PIB [email protected] Brasil, Carga Tributária Bruta, Dispêndio Primário e Resultado Primário dos Três Níveis de Governo Variações Observadas entre 1991-93 e 2005 (% do PIB) 1991-1993 2005 Variação Carga tributária 25,6 37,0 11,4 Dispêndio primário 23,9 33,0 9,1 1,7 4,0 2,3 Resultado primário * 13 * Exclui empresas estatais R. L. F. Werneck [email protected] Agenda Fiscal Um novo esforço de ajuste fiscal • • • • • • • • • 15 Necessidade de aprofundamento do ajuste fiscal Redução decisiva do endividamento do setor público Manutenção de superávits primários ainda mais elevados Diminuição da absorção de recursos financeiros pelo setor público Criar condições para uma queda estrutural da taxa de juros e para rápida diminuição da despesa com juros sobre a dívida pública Restrigir a expansão do dispêndio primário Conter a folha de pagamentos do funcionalismo Controlar o crescimento dos gastos previdenciários Reduzir a carga tributária R. L. F. Werneck [email protected] Dificuldades de se levar adiante essa agenda, em meio a crescentes pressões políticas por aumento de gastos primários em áreas em que a atuação do governo tem sido deficiente Pressões por aumento de dispêndio primário • Programas mais ambiciosos de investimento público – Precariedade da infra-estrutura de transportes – Deficiências de infra-estrutura urbana • Investimento maciço em saneamento • Programas de investimento em transporte de massa • Aumento de dispêndio em educação e saúde • Ampliação de gastos com segurança pública • Programas mais ousados de apoio à pesquisa científica e tecnológica • Programas de combate à pobreza mais efetivos 17 R. L. F. Werneck [email protected] Melhorar a qualidade do dispêndio primário • Abrir espaço nos orçamentos dos três níveis de governo para gastos primários mais defensáveis • Recuperação do investimento público • Ampliar a margem para alocações discricionárias no orçamento • Desmontagem parcial dos mecanismos de vinculação • Diminuição da rigidez dos gastos com funcionalismo • Tornar sustentáveis os sistemas previdenciários dos três níveis de governo • Aumento de eficiência no gasto público: “choque de gestão” 18 R. L. F. Werneck [email protected] Necessidade de complementar os esforços de racionalização do dispêndio com a racionalização da extração fiscal A agenda de reforma tributária 19 R. L. F. Werneck [email protected] Brasil, Carga Tributária Bruta 1968-2005 20 Período Receita Tributária dos Três Níveis de Governo (percentual do PIB – média do período) 1968-1980 25,1 1981-1989 24,8 1990 28,8 1991-1993 25,6 1994-1998 29,5 1999 32,2 2000 32,6 2001 2002 2003 2004 2005 34,0 35,6 34,9 35,9 37,0 R. L. F. Werneck +11,4% do PIB [email protected] Como foi viabilizado tal aprofundamento da extração fiscal? • Aumento tão grande da carga tributária exigiu uma terceira passagem do fisco 1. Tributação do valor adicionado 2. Tributação da renda e da propriedade 3. Tributação adicional da renda e do valor adicionado, sobreposta sem organicidade às anteriores • Formas exóticas de tributação – Reação da União à perda de receita e aos aumentos de encargos impostos pela Constituição de 1988 – Busca sistemática de formas exóticas de tributação, que pudessem gerar receita não compartilhada com Estados e municípios 21 R. L. F. Werneck [email protected] O sistema tributário que emergiu da estabilização • Deterioração da qualidade da carga tributária federal – Involução deplorável • Colcha de retalhos em que se transformou o ICMS – Guerra fiscal e alíquotas abusivas • Carga tributária ainda em franca ascensão • Economia sufocada por um aprofundamento da extração fiscal que não parece ter fim • Que tem sido fator importante de ampliação da evasão e da informalidade • O leviatã tributário que emergiu da longa batalha da estabilização dá mostras de ser uma máquina arrecadadora extremamente poderosa 22 R. L. F. Werneck [email protected] Reconversão do sistema tributário • A mobilização tributária que acabou sendo requerida para enfrentar a batalha da estabilização tem de dar lugar agora a formas de tributação menos primitivas • Formas compatíveis com eficiência, competitividade, equidade e crescimento econômico • Desmontar os toscos mecanismos de extração fiscal a que se teve de recorrer às pressas, no calor da batalha • Da mesma forma que o sistema produtivo de uma economia de guerra tem de ser reconvertido ao fim de um longo conflito • Adequar o sistema tributário à tarefa maior de construção de uma economia mais dinâmica, mais eficiente e mais justa, além de mais estável 23 R. L. F. Werneck [email protected] Racionalizar a tributação • Tarefa imensa de tornar mais racionais as formas com que os três níveis de governo extraem 37% do PIB em tributos da economia • Redesenho em bases amplas da tributação do valor adicionado, dentro de um rearranjo bem articulado de federalismo fiscal • Eliminação da tributação em cascata e dos remendos recentes feitos em nome dessa eliminação • Reconcepção da tributação da renda que possibilite grande ampliação de base, redução de alíquotas e simplificação • Desoneração do investimento e da geração de emprego • Redução das incertezas que advêm de um sistema tributário sempre prestes a passar por grandes mutações 24 R. L. F. Werneck [email protected] Tensões do federalismo • As tensões do federalismo fiscal perpassam cada uma dessas agendas • O que aumenta ainda mais a complexidade do desafio de conciliá-las • Dilema entre centralização e descentralização • Autonomia fiscal dos governos subnacionais: LRF e controle do endividamento pelo governo central • Repartição de recursos fiscais dentro da Federação. • Racionalização da tributação de impostos cobrados por governos subnacionais • Distribuição dos encargos de dispêndio entre os três níveis de governo 25 R. L. F. Werneck [email protected] Quão errados estamos • Qual foi uma das principais conclusões de Peter Lindert, no seu monumental estudo sobre a expansão do gasto público nas economias desenvolvidas? • O que permitiu que a expansão do gasto público nessas economias não comprometesse seu dinamismo, foi o extremo cuidado no desenho da tributação e das transferências, para que o crescimento fosse prejudicado. • No Brasil, estamos na trilha da rápida da expansão do dispêndio público, mas cometendo erros sérios dos dois lados. • Conseguimos que tanto o sistema tributário como o gasto público se convertessem em grandes entraves ao crescimento. 26 R. L. F. Werneck [email protected] Recursos políticos escassos • Que mudanças na área fiscal devem ser consideradas prioritárias e viáveis? • Tendo em conta que os recursos políticos disponíveis para implementa-las poderão ser bastante limitados, a escolha terá de ser muito seletiva. • O quadro a ser enfrentado combina, de forma um tanto paradoxal, extração fiscal exacerbada, do lado da receita, e dura compressão dos dispêndios mais meritórios, do lado do gasto. • A implementação da maior parte das mudanças que fazem sentido está fadada a envolver desgaste político substancial. 27 R. L. F. Werneck [email protected] Urgências e pressões • De uma perspectiva macroeconômica, algumas das propostas, tomadas isoladamente, podem não ser defensáveis. • Por exemplo, simples expansão de gasto público em determinadas áreas, sem cortes de dispêndio em outras. • Mas nem por isso as urgências que inspiram tais propostas e as pressões políticas em seu favor vão desaparecer. • Uma questão importante é em que medida será possível canalizar tais pressões para a formação de uma coalizão que dê respaldo a mudanças mais conseqüentes, ainda que mais lentas e politicamente custosas, • que, aos poucos, permitam abrir espaço nos orçamentos dos três níveis de governo para gastos públicos mais defensáveis. 28 R. L. F. Werneck [email protected] Onde concentrar esforços? • O avanço de qualquer uma das agendas fiscais será menos problemático se a economia puder ser posta em rota de expansão relativamente rápida. • Que mudanças na área fiscal parecem mais eficazes para ampliar as possibilidades de crescimento da economia? – Redução do endividamento do setor público – Recuperação do investimento público – Reformas na área tributária 29 R. L. F. Werneck [email protected] Foco em três pontos • Ampliar as possibilidades de queda da taxa de juros, na esteira da distensão de política monetária que agora vem tendo lugar – Manutenção de superávits primários da ordem de 5% do PIB por alguns anos, para assegurar redução considerável do endividamento do setor público. • Recuperação do investimento do setor público – O que só será possível com medidas de flexibilização e racionalização do dispêndio público, nos três níveis de governo – Importância da escolha de estratégias que sejam parcimoniosas no uso de recursos públicos • Desentravar a agenda de reforma tributária – Tornar crível a perspectiva de evolução para um sistema tributário cada vez mais racional, que não conspire contra o crescimento e que implique redução paulatina, ainda que lenta, da carga tributária 30 R. L. F. Werneck [email protected] Desafio de ação coletiva • Reordenar e redimensionar a extração e o uso de recursos fiscais, que já representam cerca de 40% do PIB, é o principal desafio com que hoje se defronta a economia. • É tarefa imensa que, nos próximos anos, deve colocar à prova a capacidade de ação coletiva da sociedade brasileira. • As possibilidades de expansão da economia e da construção de uma sociedade mais justa estarão condicionadas, em boa parte, pelo grau de sucesso que o sistema político do País for capaz de mostrar na resposta a esse desafio. 31 R. L. F. Werneck [email protected]