TERRITORIALIZAÇÃO E GERENCIALISMO: CONFIGURAÇÕES DAS POLÍTICAS
SOCIAIS NO ESTADO NEOLIBERAL
Eje 1. Consecuencias de la Crisis Mundial
AUTORES:
Evandro Alves Barbosa Filho*1
Vitória Régia Fernandes Gehlen**
Maria Magaly Colares de Moura Alencar***
Cecile Soriano Rodrigues****
Maristela Pinto de Menezes*****
1
*Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/CCSA.
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RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar as configurações da
política social no Estado Neoliberal contemporâneo, por meio da
análise teórica da adoção do gerencialismo e da territorialização das
políticas sociais, característicos do Estado brasileiro pós-reformas
neoliberais. Para tanto, realizou-se análise bibliográfica e
documental. O corpus de pesquisa foi submetido à análise de
discurso crítica, fundamentada na linguística crítica inglesa e na
teoria materialista do Estado. O estudo identificou que tais
configurações das políticas sociais têm uma matriz políticoideológica conservadora, sendo promovidas no Brasil a partir da
década de 1990 e atualmente hegemônicas. Tal reorganização
ocorreu sob a contrarreforma do Estado, mercantilizando-as total ou
parcialmente; utilizando como recurso o espaço, em sua dimensão
territorial, e adotando paradigmas de gestão oriundos do mercado,
visando potencializar os processos de acumulação e reprodução
social capitalista.
PALAVRAS-CHAVE:
Estado
Neoliberal.
Territorialização
OBSERVACIONES:
*Nosotros autorizamos publicar la ponencia
**Se requiere suporte para la exposición con proyector de imágenes –PC
Gerencialismo.
1- INTRODUÇÃO
O neoliberalismo é uma teoria das práticas políticas e econômicas que propõe que o bemestar humano pode ser maximizado liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras dos
indivíduos no âmbito das estruturas institucionais caracterizada por sólidos direitos à propriedade
privada, sendo a principal função do Estado garantir melhores condições para que estas práticas
se desenvolvam (ANDERSON, 2002). Segundo Hirsch (2010), o Estado neoliberal não pode ser
reduzido à expressão “Estado mínimo”, pois esta indicaria uma ausência/retirada do Estado no
processo de reprodução social. Para o autor, o que ocorre é um redirecionamento das ações
estatais às necessidades de acumulação capitalista, em detrimento das necessidades sociais
coletivas. E esta é a perspectiva assumida nesse trabalho.
As tendências contemporâneas das políticas sociais são processos sócio-políticos de
escala mundial (DEACON, 2007), determinadas pela transição do “Estado de Segurança” fordista
para o “Estado competitivo” pós-fordista, denominado Estado Neoliberal ou Gerencial
(HARVEY, 2005, 2008) e ascensão do capitalismo financeiro (HIRSCH, 2010).
No Brasil, estas reorientações ocorrem em um contexto de profundas transformações na
direção social atribuída à formulação e gestão das políticas sociais públicas. Isto indica novas
funções e responsabilidades para o Estado, diferentes das características do modo de regulação
fordista (CORELLA, 2005; HIRSCH, 2010). Novos sujeitos da sociedade civil e mercado são
chamados para prover e/ou gerir políticas sociais, como as de saúde, educação e assistência social
(SALVADOR, 2010; TEIXEIRA, 2010). Do mesmo modo, são mobilizadas matrizes de
pensamento orientadas pela concepção individualista ou liberal (LEFEBVRE, 2011; TEIXEIRA,
2010) para o desenho e/ou implementação das políticas sociais públicas. A finalidade desses
esforços é formar capital humano e/ou infraestrutura que respondam às necessidades de
acumulação e reprodução social capitalista e resultem em coesão social (DEACON, 2007;
HARVEY, 2008; HIRSCH, 2010; SALVADOR, 2010; TEIXEIRA, 2010).
Diante disso, o objetivo deste artigo é analisar o conteúdo teórico-político dos processos
de territorialização e adoção do gerencialismo ou gestão pós-burocrática, característicos das
políticas sociais do Estado neoliberal ou gerencial, tendo como referência as práticas políticas
neoliberais desenvolvidas no Brasil pós-contrarreforma.
Para tanto, realizou-se análise bibliográfica e documental. O corpus de pesquisa foi
submetido à análise de discurso crítica, fundamentada na linguística crítica inglesa e na teoria
materialista do Estado. O estudo tem uma abordagem qualitativa. As principais técnicas de coleta
de dados foram a análise bibliográfica e documental. O corpus da pesquisa foi submetido à
análise de discurso crítica, fundamentada na linguística crítica inglesa e na teoria materialista do
Estado. O desenvolvimento da análise bibliográfica se desdobrou: identificação; localização;
compilação e fichamento da bibliografia analisada.
Espera-se que este trabalho socialize e
subsidie novas análises críticas sobre as tendências contemporâneas das políticas sociais e seu
conteúdo teórico, ideológico e político, evidenciando a natureza neoconservadora que estas vêm
assumindo diante de um Estado Neoliberal comprometido com a restauração do poder de classe.
2- O ESTADO GERENCIAL OU NEOLIBERAL
A crise do capital, que eclodiu em 1974, pôs em cheque a forma de acumulação e de
regulação social keynesiana-fordista (HISRCH, 2010; SALVADOR, 2010). Neste contexto, os
países do capitalismo central sucumbiram em uma profunda recessão, vivenciando, depois de três
décadas de crescimento econômico, uma combinação entre recessão e uma insignificante taxa de
crescimento, a stagflation (ANDERSON, 2002; HARVEY, 2008; TEIXEIRA, 2010). Diante
desta nova conjuntura econômica, combinada ao surgimento e/ou expansão de uma nova direita e
do recrudescimento de discursos neoconservadores como força político-ideológica (HARVEY,
2006, 2008; LAURELL, 2008), estão postas as condições à visibilidade e legitimação do
neoliberalismo como prática política do Estado.
Para os bancos de ideias neoliberais, a crise capitalista de 1974 é resultado direto do
poder excessivo conquistado pelos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário
(ANDERSON, 2002; SALVADOR, 2010). Estas considerações representam bem o conteúdo
conservador dessa teoria econômica e política: para eles a ação política da classe trabalhadora
organizada colocava em risco as bases da acumulação privada, por meio de sua luta por
melhorias salariais e reinvindicações para que o Estado Social keynesiano desmercadorizasse
muitas de suas necessidades sociais, através de políticas públicas universalistas financiadas pelo
fundo público (ANDERSON, 2002; HARVEY, 2006, 2008; SALVADOR, 2010).
Segundo Hirsch (2010), o Estado neoliberal não pode ser reduzido à expressão “Estado
mínimo”, esta indicaria uma ausência/retirada do Estado no processo de reprodução social. Para o
autor, o que ocorre é um redirecionamento das ações estatais às necessidades de acumulação
capitalista, em detrimento das necessidades sociais da classe trabalhadora.
O estudo de Harvey (2008) corrobora com essa tese ao denominar o Estado Neoliberal
não como Estado mínimo, mas sim como um Estado comprometido com a restauração do poder
da classe dominante, perdido durante as décadas de “liberalismo embutido” do pacto fordista.
Harvey defende que o compromisso do Estado neoliberal contemporâneo, “empreendedor”, é
intervir permanentemente para criar as condições ideais à acumulação capitalista e ao livre
mercado. Em algumas áreas como infraestrutura urbana, serviços de saúde e educação, o Estado
empreendedor assume o papel de gestão ou provisão, mas o faz a partir de coalizões com agentes
do mercado e não-governamentais e de racionalidades distintas ao do universalismo integrador
(HARVEY, 2005).
Nesta perspectiva, o Estado Gerencial deve ser restritivo no seu investimento em
políticas sociais e generoso na abertura de novas esferas ao mercado por meio da terceirização e
da privatização dos “salários sociais” (HARVEY, 2008; HIRSCH, 2010; SALVADOR, 2010;
TEIXEIRA, 2010). Conforme esse receituário, a estabilidade monetária deve ser o objetivo
central de todos os governos (DEACON, 2007; HARVEY, 2010; SALVADOR, 2010;
TEIXEIRA, 2010). Sendo assim, uma disciplina orçamentária é fundamental e deve ser
acompanhada por restrições nas despesas sociais e por uma taxa permanente de desempregados,
naturalizando o exército de trabalhadores sobrantes (ANDERSON, 2002; HARVEY, 2008). A
finalidade dessas estratégias é enfraquecer os sindicatos e a função social do Estado Providência.
Além disso, reformas fiscais devem ser realizadas com o objetivo de incentivar os
agentes econômicos a poupar e investir, por meio de redução de impostos sobre as rendas mais
elevadas e sobre os lucros das grandes empresas (ANDERSON, 2002; HARVEY, 2008;
SALVADOR, 2010; TEIXEIRA, 2010). O resultado dessas “reformas para o grande capital”
deve ser uma desigualdade benéfica, para o livre mercado, que dinamizaria as economias
capitalistas centrais, em risco por causa das políticas inspiradas nas proposições de Keynes e
Beveridge, ou seja, a intervenção estatal anticíclica e a redistribuição de bens e serviços sociais
(HARVEY, 2008; OLIVEIRA, 1988).
A expectativa dos defensores do Estado neoliberal é de que o desenvolvimento social
vem naturalmente, quando for alcançada a estabilidade monetária e reativados os incentivos ao
livre funcionamento do mercado: desfiscalização, limitação dos investimentos e cobertura das
políticas sociais, desregulamentação da economia entre outros (ANDERSON, 2002; BEHRING,
2003; HARVEY, 2008; MATIAS-PEREIRA, 2009; PEREIRA, 2008; SALVADOR, 2010;
TEIXEIRA, 2010).
3. O Processo de Territorialização/Descentralização
A discussão sobre o processo de territorialização das políticas sociais no contexto do
Estado Gerencialista, perpassa o debate acerca da relação produção capitalista versus espaço.
Para Harvey (2005) a dinâmica da acumulação capitalista tenta superar a espacialidade através da
diminuição do tempo por meio da tecnologia. Sendo assim, a dimensão geográfica possui um
papel relevante no processo de acumulação capitalista. No entanto, isto não é possível por que há
uma necessidade constante de superação, frente às crises, para a garantia da reprodução do
sistema econômico-político, sendo, para isso, necessários “ajustes espaciais” que possibilitem a
continuidade do processo de acumulação.
Segundo Massey (2009), não há como aniquilar o espaço pelo tempo, isto porque no
desenvolvimento da técnica e da ciência, o que ocorre é diminuição do tempo (em virtude da
tecnologia: “o aumento na velocidade dos transportes e comunicações”), enquanto o espaço se
expande (espaços virtuais e reais de “relações/interações sociais, inclusive as de transportes e
comunicação”). Esta realidade, dentro de Estado neoliberal, exige uma reorganização interna e
novos arranjos institucionais (HARVEY, 2005) que possibilitem a fluidez do capital dentro dessa
dinâmica. E isto ocorre na implementação das políticas sociais.
Para Lefebvre (1976), o espaço constitui-se enquanto uma abstração concreta. Como tal
é, simultaneamente, produto das ações sociais e estruturante das mesmas. É, ao mesmo tempo,
uma realização material do trabalho humano e produto das relações sociais de produção. Em suas
análises, o autor afirma ser o espaço uma mercadoria que encerra a realidade de todas as outras,
bem como suas relações sociais. Assim, enquanto mercadoria representa um objeto material.
Mas, diferente das demais, ele recria relações sociais ou ajuda a reproduzi-las.
A produção do espaço é marcada por uma materialização através de um processo social
específico com o qual reage, reagindo a si mesmo. Assim, faz-se, ao mesmo tempo, produto e
produtor, meio de relações sociais e reprodutor de relações sociais. Essa relação é dialética e
ontológica, o que origina a natureza multifacetada da produção do espaço na sociedade capitalista
(LEFEBVRE, 1974).
Para o autor, o capitalismo sobrevive em virtude de sua capacidade de recriar relações
sociais imprescindíveis ao modo de produção em uma base contínua. Isto foi alcançado no
decurso do seu processo histórico com a produção de um espaço distinto para si, por meio de um
processo de dominação. A dominação do espaço ocorre por meio do aperfeiçoamento da técnica e
da prática sobre a natureza. Para dominar um espaço, principalmente na sociedade moderna, em
geral, a técnica impõe formas retilíneas, geométricas, “brutalizando” a paisagem. A dominação
nasce com o poder político e vai cada vez mais se aperfeiçoando (LEFEBVRE, 1976).
No entanto, o conceito de dominação só passa a ter sentido quando contraposto, de
forma dialética, ao conceito de apropriação. A apropriação do espaço trata-se de um processo
mais simbólico marcado pelo valor de uso (HAESBAERT, 2005). Alves (2010) aponta que
apropriação contrapor-se-ia à racionalização para a dominação do espaço por meio do Estado e
das empresas privadas; a apropriação do espaço seria uma alternativa da população em geral de
ter acesso ao espaço.
A noção ‘apropriação do espaço’, recobre um domínio diversificado de práticas sociais:
culturais, simbólicas, afetivas (GUERRA, 1997), mas em relação constante e não-excludente com
a dominação, como já dito anteriormente. É esse movimento que engendra a articulação espaçosociedade e confere ao espaço uma multiplicidade, a qual faz com que o espaço seja o lugar onde
as relações capitalistas se reproduzem e se localizam com as suas manifestações de conflitos e
contradições (ALENCAR & MENEZES, 2008).
Valendo-se da teoria lefebvreana do espaço em suas análises, Haesbaert (2004)
compreende o território como sendo um campo de possibilidades de construção de um “espaço
diferencial”, que se opõe ao homogêneo, espaço abstrato, e contempla o uso, espaço social.
Assim, a análise dialética do espaço possibilita a reflexão sobre as contradições presentes no
espaço-mercadoria, uma abstração que se concebe mundialmente a partir do consumo do espaço
(LEFEBVRE, 1991). Desta forma, Haesbaert compreende o espaço lefebvreano como um espaço
feito território. De acordo com o autor, território possui dimensão simbólica e cultural. Por meio
dela, uma identidade territorial é atribuída pelos grupos sociais como forma de apropriação sobre
o espaço onde vivem.
O território, em Haesbaert, possui uma dimensão mais concreta, de caráter políticodisciplinar e político-econômico. O território e os processos de des-territorialização seriam
diferenciados pelos sujeitos que exercem o poder e controlam o espaço e os processos sociais
nele em curso. Neste sentido, o conceito de território estaria relacionado com poder, como em
Raffestin. No entanto, o que difere os dois autores é que o poder a que se refere Haesbaert (2004)
não é apenas o político-administrativo, é tanto o poder no sentido político quanto o poder
simbólico – os quais, para o estudioso, relacionam-se, respectivamente, aos processos de
apropriação e dominação do espaço.
Para Andrade (1995) o conceito de território estaria associado à idéia de poder, quer seja
o poder público quer ao poder das grandes empresas. Andrade, ao contrário de Haesbaert (2004),
estabelece uma distinção entre espaço e território. Território estaria associado à idéia de
integração nacional, de uma área efetivamente ocupada pela população, pela economia. No
território as relações capitalistas fazem-se presentes. No que se refere ao espaço, este seria mais
amplo que o território, englobando-o.
Não obstante a importância da compreensão das discussões e implicações conceituais
sobre território, Schneider (2004) assinala que, no âmbito das políticas públicas, ocorre a
instrumentalização do conceito território: é posta de lado sua carga teórico-conceitual e lhe
conferido sentido prático por meio de enfoques e abordagens territoriais nas quais o território é
compreendido como unidade de referência das ações do Estado, valorizando os atributos
políticos, sociais e culturais das comunidades.
O conceito de território, na última década, vem sendo incorporado na operacionalização
das políticas sociais do Estado brasileiro, constituindo-se enquanto elemento fundamental para o
processo de descentralização das políticas sociais. Neste sentido, o Sistema Único de Saúde
(SUS) vale-se da noção de território para delimitar um espaço ocupado por um grupo social
específico e com identidades em comum a ser assistido. A territorialização, nesta política,
aparece como conceito técnico para a gestão da saúde e por meio do qual são regionalizadas áreas
de abrangência das ações das equipes de saúde (CONASEMS, 2005).
Na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), o conceito de território é
apresentado como relevante na medida em que considera as desigualdades e heterogeneidade
socio-territoriais do país (BRASIL, 2004). Do ponto de vista da operacionalização da PNAS, por
meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), territorialização apresenta-se como
instrumento técnico de delimitação das áreas de desigualdades a serem atendidas pelos programas
e ações que compõem esta política.
Nas políticas nacionais voltadas para espaço rural, a noção de território aparece como
pertinente ao planejamento de programas e ações em conformidade com as potencialidades
locais. Observa-se que o conceito de território nas políticas sociais brasileira é utilizado como
instrumento de transferência dos serviços sociais (saúde, educação fundamental, habitação...) do
âmbito do Governo Federal para os Estados e Municípios, como dito anteriormente, instrumento
de efetivação do processo de descentralização, coerente com o receituário neoliberal para as
políticas sociais (TEIXEIRA, 2010) e as recomendações do Plano Diretor de Reforma do Estado
Brasileiro, criado em 1995, e que abriu para o mercado uma série de serviços sociais
(SALVADOR, 2010).
Segundo Behring, (2003) e Behring & Boschethi (2008), a compreensão da
descentralização, enquanto processo de democratização do poder social e político do Estado,
corrente durante o período do Movimento da Constituinte, na década de 1980, é tensionada na
década seguinte. Nos anos 1990, a descentralização, como estratégias para incluir novos sujeitos
sociais e democratizar a distribuição e gestão dos recursos estatais, é questionada. Ela é
ressignificada por uma racionalidade economicista, como uma forma de combate ao déficit
público, otimização dos investimentos estatais, tão caros ao processo de contrarreforma do
Estado, e criação do Estado neoliberal.
Ocorreu a configuração de um Estado residual/focalista para as políticas sociais e
máximo para as necessidades de acumulação capitalista, e de controle sobre a tendência de queda
de lucro capitalista (HIRSCH, 2010). Sendo assim, para o Estado Gerencial a descentralização
das políticas públicas sociais tem como meta o equilíbrio financeiro do setor público (BEHRING,
2003; BEHRING & BOSCHETHI, 2008; HARVEY, 2008; HIRSCH, 2010; LAURELL, 2008;
PEREIRA, 2008).
No bojo deste processo, diversas responsabilidades são transferidas às municipalidades e
demais níveis do Estado, sem a correspondente transferência de recursos e de poder decisório
(HARVEY, 2005, 2008; SALVADOR; 2010). O que sinaliza que o objetivo é a
desresponsabilização econômica e administrativa da esfera federal (COHN, 2002) e a
materialização de políticas sociais pobres, sub-financiadas, focalizadas nos segmentos mais
pobres da sociedade.
4. GERENCIALISMO OU GESTÃO PÓS-BUROCRÁTICA
No âmbito da gestão das políticas sociais públicas, o ideário neoliberal propõe a
substituição da administração burocrática, característica do Estado providência, por uma
administração denominada gerencial (ANDREWS, 2010; FARAH, 2006; HARVEY, 2008). A
partir do mix de ideias neoclássicas e da “teoria da escolha pública", foi elaborado um novo
modelo de gestão e de reforma do Estado, o New Public Management, que ficou conhecido no
Brasil por “administração pública gerencial” ou gestão pós-burocrática. Este modelo tomou como
orientação geral os padrões administrativos oriundos do mercado (ANDREWS, 2010).
Os argumentos que sustentam a adoção do gerencialismo nos países capitalistas são
identificadas por Olías (2001 apud MATIAS-PEREIRA, 2009) como: redução do tamanho do
setor público; maior autonomia e responsabilidade dos gestores (agências executoras);
empowerment
(delegação
e
descentralização);
reinventing
government
(reengenharia
administrativa); ênfase nos resultados e na necessidade de serem medidos (uso de indicadores de
avaliação); equilíbrio financeiro (utilizador-pagador); orientação para os clientes; formas mais
flexíveis de contratação de força de trabalho; ênfase na qualidade dos serviços públicos;
transparência da informação sobre a gestão pública (accountability) (MATIAS-PEREIRA, 2009).
Para Hood (1991 apud MATIAS-PEREIRA, 2009) a Administração Pública Gerencial
pode ser sintetizada como a tentativa de redução ou remoção das diferenças entre setor público e
privado, refletindo tanto as crenças nos métodos do livre mercado e das empresas privadas quanto
a descrença nos servidores e nos órgãos públicos. Observa-se que a concretização deste padrão de
gestão tem sido efetuada de várias formas, como por exemplo, por meio de privatizações;
abertura de mercados antes protegidos; concessões de serviços públicos ao setor privado; além da
criação de organizações e contratos com características específicas como agências reguladoras,
parcerias público-privadas, entre outros (ANDREWS, 2010; MATIAS-PEREIRA, 2009).
A “teoria da escolha pública”, que fundamentou a administração pública gerencial, foi
criada por economistas norte-americanos no início dos anos 1960, mas teve pouca repercussão
nas políticas públicas neste período, permanecendo restrita ao meio acadêmico. No final dos anos
1970, ela foi disseminada entre agentes governamentais de todo o mundo e passou a subsidiar o
ideário de reformas administrativas em países que implantaram o neoliberalismo (MATIASPEREIRA, 2009).
A definição da teoria da escolha pública apresentada por um dos seus principais
promotores, Dennis Muller, evidencia quais são seus pressupostos:
A teoria da escolha pública pode ser definida como o estudo econômico de
decisões extramercado no processo de tomada de decisão ou, simplesmente,
como a aplicação da economia à Ciência Política. O postulado básico da escolha
pública, assim como para a economia, é do homem como um maximizador de
utilidade egoísta e racional (MUELLER, 1984, p.39).
Salienta-se que o autor deixa claro que o sentido atribuído à expressão “escolhas
extramercado” refere-se à característica central da escolha pública: a aplicação da economia à
política. Portanto, as escolhas mencionadas na definição referem-se a escolhas que são realizadas
fora do mercado econômico propriamente dito, correspondendo a escolhas públicas. Para esta
teoria, os mecanismos que regem o campo político são os mesmos que regem o campo
econômico (HARVEY, 2008).
Em comum, a teoria da escolha pública e o pensamento neoliberal têm como pressupostos
o autointeresse, a troca e o individualismo (UDEHN, 1996 Apud ANDREWS, 2010). Depreendese, então, que, para esta teoria, o princípio do livre mercado é um pressuposto universal. As
escolhas políticas não podem ser fundamentalmente diferentes de quaisquer outras escolhas que
os indivíduos fazem, pois aqueles que têm um comportamento racional e autointeressado no
mercado são os mesmos que fazem escolhas coletivas ou públicas em nome da comunidade
(BUCHANAN, 1972).
Segundo os teóricos da escolha pública, o autointeresse teria status universal, sendo todos
os comportamentos sociais explicados a partir da premissa do homo economicus, o qual age
racionalmente para maximizar suas vantagens e minimizar seus custos (ANDREWS, 2010).
Tomando esse princípio como universal, Buchanan faz recomendações sobre a gestão de políticas
públicas que ofertam serviços e bens coletivos.
Para Buchanan (1975) e demais defensores do liberalismo econômico (liberismo), as
intervenções do Estado na economia e no bem estar social geram uma “externalidade negativa”.
Eles argumentam que os burocratas do Estado agem no sentido de maximizar seus interesses, que
estariam fundamentalmente relacionados à expansão da máquina pública, pois supõem que os
burocratas expandem seu poder quando aumentam os recursos disponíveis para as suas
organizações. Segundo estes intelectuais, o padrão de gestão mais adequado para o Estado seria o
de intervenção mínima na sociedade, pois assim conteria os interesses egoístas dos burocratas.
Além da proposição de Estado para a “restauração do poder de classe”, outro fundamento
teórico do gerencialismo é a separação entre agências formuladoras e executoras das políticas
públicas. Essa lógica é oriunda da “teoria das agências”, segundo a qual, no setor público, os
órgãos formuladores de políticas seriam os “principais”, que buscam realizar seus objetivos por
meio de “agentes”, que seriam agências executoras de políticas públicas (ANDREWS, 2010). No
Brasil, esses “agentes” podem ser órgãos governamentais (agências executivas), organizações
sem fins lucrativos e filantrópicas, organizações sociais, organizações sociais de interesse
público, consórcios públicos e fundações públicas de direito privado (ANDREWS, 2010;
MATIAS-PEREIRA, 2009). Depreende-se, assim, que os fundamentos teóricos-políticos são
coerentes ao ideário das reformas de natureza conservadora ou reacionária implantadas no mundo
desde a década de 1970, por meio do projeto neoliberal de Estado. E aqueles subsidiaram a
construção do paradigma gerencial de gestão pública como padrão de gestão hegemônico na
contemporaneidade.
Por meio de uma visão “estatofóbica”, o gerencialismo propõe contribuir para a
viabilização do Estado mínimo e a mercantilização de várias esferas da vida social, antes
protegidas pelo Estado Social e seus sistemas de seguridade ou seguros sociais públicos,
questionando a cultura dos direitos da classe trabalhadora, confinando os direitos aos direitos do
homo economicus.
5. CONCLUSÃO
O processo ora discutido apresenta, de maneira geral, elementos contemporâneos de
reorganização do movimento de produção e reprodução do capital, cuja capacidade de recriar-se
já foi analisada por diversos teóricos atuais, dentre eles Harvey e Lefebvre apresentados neste
trabalho.
Na contemporaneidade, tal reorganização dá-se via reestruturação do Estado, o qual
adquire caráter gerencialista, mercantilizando – direta e indiretamente – as políticas sociais ou
adotando práticas gerenciais oriundas do mercado e utilizando como recurso o espaço, em sua
dimensão territorial, visando possibilitar maior fluidez ao processo de acumulação capitalista e
uma direção social neoconservadora às políticas sociais.
Tais fatos vêm revestidos de um arcabouço político-ideológico (neo) liberal, promovido
ao longo do processo de reestruturação produtiva, iniciada nos anos de 1970, ganhando força nas
décadas seguintes, sendo hegemônico no Brasil desde a década de 1990, tendo como marco o
Plano Diretor de Reforma do Estado.
Diante de tais características das políticas sociais brasileiras, considera-se que o
aprofundamento das análises críticas sobre a problemática poderá contribuir para a formulação de
alternativas para a reversão dessa realidade, questionando tais orientações das políticas sociais e
apontando para orientações centradas nas respostas às necessidades sociais das classes que vivem
do trabalho.
6. REFERÊNCIAS
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Campo-Território: revista de geografia agrária. V.4, n 8, p. 121-174. Ago, 2009.
ALVES, G. O Uso do Centro da Cidade de São Paulo e sua Possibilidade de Apropriação.
FFLC: 2010. Disponível em: http://www.fflch.usp.br/dg/gesp. Acesso: 13/04/2012
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HOUTART, François; POLET, François (ORGs.). O Outro Davos: Mundialização de
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ANDRADE, M.C.A Terra e o Homem do Nordeste – contribuições ao estudo da questão
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ANDREWS, Christina W. Da década perdida à Reforma Gerencial: 1980-1998:. In: ANDREWS,
Cristina W (ORG). Administração Pública no Brasil: Breve História Política. São Paulo:
Unifesp, 2010. Cap. 4, p. 85-118.
BEHRING, Elaine Rosseti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de
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