I Seminário Internacional & III Seminário de Modelos e Experiências
de Avaliação de Políticas, Programas e Projetos
TENDÊNCIAS DA AVALIAÇÃO NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS – DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Valéria Ferreira Santos de Almada Lima
Introdução
Este trabalho tem como foco as tendências que vêm se manifestando no âmbito da pesquisa avaliativa ao longo do seu desenvolvimento histórico, sobretudo nos anos mais recentes, destacando os
principais desafios a serem enfrentados, assim como novas perspectivas que se abrem neste campo do
conhecimento científico.
Para tanto, procura, em primeiro lugar, situar a avaliação de políticas e programas sociais como
parte constitutiva do processo das políticas públicas, mas também e, acima de tudo, como uma modalidade de pesquisa social aplicada.
Em segundo lugar, aborda a evolução histórica da pesquisa avaliativa de políticas e programas sociais, apontando as tendências teórico-metodológicas que esta vem assumindo em diferentes períodos,
nos países desenvolvidos e, particularmente, no Brasil.
Em seguida, destaca alguns aspectos conceituais, as especificidades e os principais tipos de avaliação de políticas e programas sociais.
Adicionalmente, enfoca o debate entre diferentes correntes teórico-metodológicas, com ênfase no
método funcionalista clássico, de raiz positivista, e no método histórico-dialético, de inspiração marxista,
cuja influência no campo da avaliação de políticas e programas sociais, nos últimos anos, vem abrindo
importantes perspectivas no sentido de superar o viés neutralista, tecnicista e quantitativista que marcou
fortemente esta modalidade de pesquisa até a década de 1980.
O texto finaliza com algumas considerações acerca das novas tendências que têm caracterizado os
estudos avaliativos na atualidade e dos principais desafios que se apresentam, especialmente no Brasil,
para que a avaliação de políticas e programas sociais, para além da sua função acadêmica, de contribuir
para o avanço do conhecimento científico, cumpra o seu importante compromisso com a mudança da
realidade de pobreza, desigualdade e exclusão social que caracteriza a sociedade brasileira.
Situando a avaliação no processo das políticas públicas e no campo da ciência social
Até a metade do século XX, a avaliação de políticas e programas sociais era vista muito mais como
uma prática racional, voltada ao controle das ações públicas, ou ainda, como uma fase do planejamento,
do que como um ramo do conhecimento científico.
É verdade que a avaliação é parte constitutiva do processo das políticas públicas, o qual pode
ser entendido como “um movimento circular que envolve diferentes sujeitos portadores de interesses e
racionalidades diferentes” (SILVA, 2009, p.4).
Tal processo se compõe de um conjunto de atividades não linerares, mas articuladas, interdependentes e, às vezes, concomitantes, compreendendo desde a constituição de um problema - que pode
ou não ser incorporado à agenda governamental - passando pela formulação de alternativas, adoção
da política, implementação de programas - expressões concretas de uma política - e avaliação de tais
programas. (SILVA, 2009, p.3)
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A avaliação, em sua dimensão técnica, visa a intrumentalizar a decisão dos formuladores quanto
à própria pertinência e adequação dos programas face à realidade que eles pretendem modificar, assim
como orientar os formuladores e gestores quanto à necessidade de manutenção, extinção ou redimensionamento das ações implementadas, conforme o seu grau de eficiência, eficácia e efetividade1.
Ademais, em sua dimensão política, a avaliação também cumpre o importante papel de socializar
informações sobre o desenvolvimento e os resultados das políticas e programas implementados, com
vistas a subsidiar a sociedade organizada em suas lutas em prol da conquista de direitos e na formulação
e encaminhamento de novas demandas à agenda governamental.
Entretanto, hoje já há um consenso de que, mais do que um momento do processo das políticas
públicas e para além das suas dimensões técnica e política, a avaliação possui uma dimensão acadêmica, na medida em que produz conhecimento científico. Nesse sentido, a avaliação é, acima de tudo,
pesquisa, devendo, portanto, atender aos requisitos inerentes à metodologia científica.
É verdade que ainda persiste na literatura uma polêmica quanto ao lugar ocupado pela pesquisa
avaliativa no campo da ciência social. Para alguns estudiosos, trata-se de uma disciplina autônoma, para
outros, uma disciplina que se insere no âmbito da ciência social aplicada (BARREIRA, 2000, p. 36).
Parte-se aqui do entendimento de que a pesquisa avaliativa se constitui em uma modalidade de
pesquisa social aplicada e que, como tal, se utiliza dos métodos e técnicas da ciência social. Ademais,
diferentemente da pesquisa científica pura, que contribui para incrementar o conhecimento disponível,
a pesquisa avaliativa, enquanto pesquisa aplicada, tem um importante compromisso com a mudança da
realidade, visto que proporciona conhecimentos aos sujeitos que fazem e modificam as políticas públicas, sejam eles os formuladores, os gestores, os implementadores ou os próprios destinatários de tais
políticas.
Evolução histórica da pesquisa avaliativa
Os primeiros estudos avaliativos de programas sociais remontam à segunda metade do século
XVII, coincidindo com a própria busca obstinada do conhecimento que caracterizou este período, culminando com a revolução científica desencadeada na Europa pelas teorias de Kepler, Bacon, Galileu e
Descartes.
Tais estudos se espelhavam essencialmente no método experimental oriundo das ciências naturais,
cuja utilização triunfou no século XIX, sobretudo entre os pesquisadores anglo-saxônicos, apresentandose como o único paradigma aceito nos meios acadêmicos (BARREIRA, 2000, p. 18).
Mas foi no século XX que se verificou a maior evolução e o emprego generalizado de avaliações
sistemáticas, com aplicação de métodos de pesquisa social, ainda sob forte influência da corrente positivista, ganhando esta prática um status verdadeiramente científico e se concentrando predominantemente
nos campos da educação e da saúde.
Especialmente entre os anos de 1950 e 1970, demarca-se o período áureo da pesquisa avaliativa,
quando esta se expandiu significativamente nos Estados Unidos, durante os governos de John Kennedy
e de Lindon Johnson, no contexto das Reformas Sociais e dos Programas Comunitários que ficaram
1. A eficiência é aqui definida como o grau de otimização dos recursos investidos, expresso pela relação custo-benefício, enquanto a eficácia é entendida
como o grau de cumprimento das metas (eficácia objetiva) e de adequação entre meios e fins (eficácia funcional). Já a efetividade se refere ao grau em
que a política ou programa produziram mudanças significativas e duradouras nas condições de vida do seu público-alvo (impactos) ou efeitos mais amplos
sobre uma comunidade, região e sobre as instituições (efetividade social e efetividade institucional). A este respeito ver Figueiredo e Figueiredo (1986) e
Draibe (2001).
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conhecidos como “Guerra à Pobreza”. Foi neste período que a avaliação de políticas e programas sociais
se consolidou de fato como um campo específico de estudo, ensejando a criação de cursos, de centros
de pesquisa e de publicações especializadas. Não obstante, trazia em seu bojo um viés comportamental,
neutralista e quantitativista, herdado do paradigma positivista, centrando-se, sobretudo, em aferir os
graus de eficiência e eficácia das políticas e programas, sem se preocupar com a análise do seu conteúdo substantivo, bem como com a influência das variáveis contextuais sobre o seu desenvolvimento e
os seus resultados.
Na década de 1980, no governo de Ronald Regan, assistiu-se a um declínio da pesquisa avaliativa,
em um contexto marcado pelo avanço da ideologia neoliberal, que preconizava a primazia do mercado
como mecanismo regulador das sociedades capitalistas e a conseqüente redução da estrutura e do papel
do Estado, sobretudo no tocante ao desenvolvimento de programas sociais.
Contudo, nos anos 1990, embora ainda sob a hegemonia neoliberal, a avaliação de políticas e
programas sociais logrou nova importância política, despertando o interesse dos governos nacionais,
estaduais e municipais, das fundações filantrópicas e organizações não governamentais que desenvolvem programas sociais, assim como dos organismos financeiros internacionais, passando mesmo a se
constituir em uma exigência face ao novo padrão de gestão das políticas públicas, em que o Estado, ao
invés de interventor e executor, passa a assumir as funções de financiador e regulador.
Ademais, é nesse contexto que a pesquisa avaliativa ganha mais espaço na agenda acadêmica,
assumindo novas perspectivas teórico-metodológicas. Estas apontam para o predomínio de abordagens mais abrangentes e com maior potencial explicativo, que enfocam ao mesmo tempo o conteúdo
substantivo das políticas, o seu processo de implementação e os seus impactos, sem desconsiderar
as variáveis contextuais, além de articularem os procedimentos quantitativo e qualitativo, bem como as
dimensões técnica e política da avaliação.
Particularmente no Brasil, pode-se afirmar que não há uma longa tradição de avaliação de políticas
e programas sociais, sendo esta uma prática relativamente recente, que desponta apenas nos anos 1980,
no embalo do processo de redemocratização do país e de expansão dos movimentos sociais em prol da
universalização dos direitos sociais e do maior controle social sobre as políticas públicas.
Mas foi principalmente na década de 1990 que a avaliação ganhou maior impulso na sociedade
brasileira, configurando-se mesmo como um mecanismo de controle do Estado, com vistas à maior
eficiência dos gastos públicos, em um contexto de avanço do Projeto Neoliberal, cujo foco centrava-se
na liberalização e desregulamentação da economia, no equilíbrio orçamentário e na Reforma do Estado,
com ênfase na descentralização e na participação da sociedade civil na execução dos programas sociais.
Não obstante, em que pese o grande impulso experimentado pela pesquisa avaliativa no Brasil
nos últimos vinte e cinco anos, os seus resultados ainda não têm produzido modificações significativas
nos rumos das políticas e programas, além de serem pouco divulgados, concentrando-se a maioria dos
estudos e trabalhos publicados na difusão de novas teorias e metodologias de pesquisa, desvinculadas
de sua validade e aplicação prática.
Concepção, especificidades e tipos de pesquisa avaliativa
Em sentido lato, avaliar é atribuir valor a algo, estimando seu mérito com base em determinados
critérios. Trata-se, portanto, de uma prática que integra a vida cotidiana e que pode ter uma natureza
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espontânea, informal ou assistemática quando não se fundamenta em métodos científicos, assumindo,
neste caso, um caráter essencialmente privado.
Contudo, quando se fala em pesquisa avaliativa, pretende-se designar o esforço sistematizado,
orientado pelo método científico e de caráter público, de julgar o mérito de uma política, segundo os
critérios de eficiência, eficácia e efetividade.
Portanto, uma boa avaliação necessariamente implica em emitir um juízo de valor, a partir de
informações suficientes e adequadas sobre o conteúdo, o desenvolvimento e/ou os resultados de um
programa. Tal julgamento deve, além disso, se pautar em princípios éticos, políticos, teóricos e ideológicos nos quais se fundamenta o avaliador, não se constituindo, por conseguinte, em um ato neutro
nem imune às relações de poder.
Porém, em se tratando de pesquisa, a avaliação de políticas e programas sociais deve obedecer
aos requisitos de validade e confiabilidade, correntemente aceitos na metodologia científica, embora,
como todo conhecimento científico, produza uma interpretação histórica, parcial e relativa da realidade
social. (SILVA, 2008, p. 114)
Por outro lado, se uma boa avaliação deve julgar, “uma boa e completa avaliação julga e explica”.
(NEMES, 2001, p. 10) Isto significa que não basta que a pesquisa avaliativa identifique se um determinado programa atende a determinados padrões de eficiência, eficácia e efetividade. Mas, atendendo ao
atributo de qualquer investigação científica, ela deve também explicar as razões do êxito ou fracasso de
uma ação voltada para produzir mudanças na realidade sobre a qual intervém.
Em outras palavras, são atributos da pesquisa avaliativa: desvendar a própria essência das políticas ou programas objetos da avaliação, em termos de seus fundamentos teórico-filosóficos e de sua
engenharia institucional; identificar os principais entraves do processo de implementação que comprometem a eficiência e a eficácia do programa; apreender os determinantes do sucesso ou insucesso da
política ou programa em produzir mudanças significativas e duradouras nas condições de vida do seu
público-alvo ou efeitos mais amplos sobre uma comunidade, uma região e sobre as próprias instituições
(efetividade).
Nesse sentido, conforme anteriormente ressaltado, a pesquisa avaliativa cumpre, ao mesmo tempo, as funções técnica, política e acadêmica. A primeira, na medida em que fornece subsídios para a
correção de desvios no decorrer do processo de implementação de um programa, contribuindo para o
redirecionamento das ações; a segunda, ao tempo em que oferece informações aos diferentes sujeitos
sociais, instrumentalizando-os em suas lutas em prol de um maior controle das políticas públicas; a
terceira, no sentido de desvendar determinações e contradições presentes no conteúdo e no processo
das políticas públicas e de julgar e explicar todas as relações entre os seus componentes, contribuindo,
assim, para a produção do conhecimento científico.
Existem diferentes tipos de pesquisa avaliativa, podendo esta ser classificada de acordo com determinados critérios. Sem a pretensão de esgotar a ampla gama de tipologias constante na literatura sobre
o tema serão apresentadas aqui as principais e mais freqüentes classificações.
Assim sendo, tomando-se como referência o critério temporal, ou seja, o momento em que se
realiza, podem-se distinguir duas modalidades de avaliações: Avaliações ex ante, realizadas ao se iniciar
a formulação do programa, tendo em vista antecipar aspectos a serem considerados no processo decisório tais como as relações custo-benefício e custo-efetividade, a pertinência das ações face à realidade
que pretendem modificar, bem como a sua coerência interna. Também denominadas de avaliaçõesdiagnóstico, estas tem como principais objetivos “produzir orientações, parâmetros e indicadores que se
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incorporem ao projeto, melhorando seu desenho e suas estratégias metodológicas e de implementação e
/ou fixar um ponto de partida que permita comparações futuras (linha de base ou tempo zero)” (DRAIBE,
2001, p. 19); Avaliações ex post, desenvolvidas durante ou após a implementação do programa, com
vistas a aferir os graus de eficiência e de eficácia com que tal programa está sendo (ou foi) implementado, bem como a sua efetividade em termos de resultados, impactos e efeitos2.
Segundo os sujeitos que desenvolvem as avaliações, estas podem ser: Externas, quando realizadas por pessoas que não integram o quadro da instituição gestora ou executora do programa; Internas,
quando realizadas pelos próprios gestores e implementadores do programa; Mistas, quando combinam
a avaliação externa com a interna; Participativas, quando envolvem também os beneficiários do programa, sendo mais viáveis em pequenos projetos.
De acordo com as suas funções as avaliações podem ser classificadas como: Formativas, desenvolvidas durante o processo de implementação do programa com vistas a corrigir desvios de percurso
e redirecionar as ações; Somativas, realizadas após a implementação do programa, objetivando orientar
a decisão quanto à pertinência de sua continuidade, com base no julgamento dos seus resultados, impactos e efeitos e quanto a escolha entre diferentes “tratamentos” de uma situação-problema, pautada
na comparação entre o desempenho de programas alternativos. (FARIA, 2007, p. 45)
Já quanto ao objeto distinguem-se os seguintes tipos de avaliações: Avaliação Política da Política, a qual consiste em emitir um julgamento em relação ao programa em sua própria concepção e
desenho, enfocando a sua pertinência face à realidade que pretende modificar, a coerência interna dos
seus elementos constitutivos, bem como os princípios de ordem política, econômica e sócio-cultural que
o fundamentam, tendo como principal objetivo antecipar a potencialidade de sucesso ou fracasso de um
determinado modelo de intervenção social; Avaliação de Processo, que julga em que medida o programa é implementado de acordo com as diretrizes preestabelecidas, qual a relação custo-benefício, qual
a relação entre o produto gerado e as metas previstas e até que ponto os meios utilizados estão adequados aos fins propostos, tudo isso objetivando, fundamentalmente detectar os fatores que, ao longo
da implementação, facilitam ou impedem que um dado programa cumpra os seus objetivos da melhor
maneira possível; Avaliação de Resultados ou Impactos, que consiste em avaliar o grau e a qualidade
do alcance dos objetivos do programa, ou seja, em que medida este provocou mudanças significativas
e duradouras, previstas ou não, positivas ou negativas, na realidade objeto da intervenção; Avaliação
Compreensiva, que articula todos os aspectos enfocados nas modalidades anteriormente referidas de
avaliações, além de levar em conta as variáveis contextuais, tendo, portanto, maior poder explicativo
sobre as determinações dos êxitos ou fracassos de um determinado programa; Meta-avaliação, que
consiste na avaliação da própria avaliação, visando ao refinamento da pesquisa avaliativa em termos de
sua validade, credibilidade e relevância.
O debate entre diferentes enfoques teórico-metodológicos
Por se tratar de uma modalidade de pesquisa social aplicada, conforme já explicitado anteriormente, a pesquisa avaliativa se utiliza dos métodos e técnicas próprios da pesquisa social, sendo a escolha
2. Draibe (2001, p. 21) define resultados, no sentido estrito, como “os produtos do programa, previstos em suas metas e derivados do seu processo particular de produção”. Já os impactos são definidos pela autora como “as alterações ou mudanças efetivas na realidade sobre a qual o programa intervém e
por ele provocadas”, enquanto os efeitos são entendidos como “outros impactos do programa, esperados ou não, que afetam o meio social e institucional
no qual se realizou”.
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condicionada pelo objeto, pelos objetivos, pelo tipo de avaliação, pela disponibilidade de tempo e de
recursos e pela perspectiva teórico-metodológica do avaliador.
Com relação a esta última, serão abordados aqui, de forma sumária, dois dos principais enfoques
que têm predominado neste campo de pesquisa: o método funcionalista clássico e o método históricodialético.
O método funcionalista clássico, enraizado na matriz positivista, exerceu influência dominante na
pesquisa avaliativa desde as suas origens até os anos 1980. Marcado por uma tradição tecnocrática e
por uma perspectiva quantitativista e comportamental, privilegia a mensuração de resultados, a partir de
objetivos pré-definidos, desconsiderando os aspectos políticos envolvidos na formulação e implementação de políticas públicas, bem como o contexto no qual tais políticas se desenvolvem.
A partir dos anos 1990, verifica-se uma tendência de ultrapassagem do viés positivista em direção
a abordagens mais abrangentes que valorizam a articulação de metodologias quantitativas e qualitativas,
assim como a consideração das variáveis contextuais e dos aspectos políticos que permeiam o processo
das políticas públicas, inclusive o próprio processo de avaliação.
Tal tendência reflete o reconhecimento, no âmbito da avaliação, de que as políticas públicas se
constituem em um campo de lutas, além de serem historicamente determinadas. Assim sendo, os seus
resultados são a síntese de múltiplas determinações, as quais devem ser apreendidas pela pesquisa
avaliativa, não sendo, contudo, passíveis de controle mediante o uso de modelos experimentais.
Com efeito, é fato inconteste que uma política pública representa uma forma de intervenção na
realidade que envolve diferentes sujeitos, sendo condicionada por interesses e expectativas diversos.
Além disso, trata-se de uma escolha, fundamentada em uma determinada concepção de justiça e em um
sistema de valores de ordem econômica, social, cultural, política e ideológica, os quais devem ser explicitados por uma avaliação comprometida com a mudança e com as lutas sociais em favor da cidadania
e do controle das políticas públicas. (GOMES, 2001, p. 19-20)
Ademais, como diz Arretche (2001, p. 46), sob pena de se fazerem “avaliações ingênuas”, estas
não podem negligenciar o fato de que o processo de implementação de uma política envolve “decisões
tomadas por uma cadeia de implementadores, no contexto econômico, político e institucional em que
operam” o que por si só já modifica a política em relação aos seus objetivos e ao seu desenho, tal como
concebidos por seus formuladores originais.
Por último, mas não menos importante, a avaliação de políticas públicas não se constitui em um
exercício neutro e desinteressado, posto que o próprio avaliador se fundamenta em um determinado
princípio de justiça, em um conjunto de valores e em uma concepção teórico-ideológica sobre o problema objeto da intervenção.
É por todas essas razões que Arretche (2007, p. 29) afirma que “não existe possibilidade de que
qualquer modalidade de avaliação ou análise de políticas públicas possa ser apenas instrumental, técnica ou neutra”. Não obstante, cumpre lembrar o que adverte a autora de que é imprescindível o uso
adequado dos instrumentos de análise e avaliação “para que não se confunda opções pessoais com
resultados de pesquisa”.
Isso posto, na perspectiva de superar o caráter técnico, instrumental, neutralista e quantitativista
que marcou as pesquisas avaliativas até a década de 1980, tem-se buscado novos paradigmas para
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dar fundamentação a concepções avaliativas de cunho mais qualitativo, destacando-se dentre estes o
paradigma marxista, fundamentado no materialismo histórico e dialético, cuja influência neste campo de
pesquisa tem crescido, sobretudo, a partir dos anos 1990.
Tal paradigma “põe assento na visão crítica da história, na relação consciência/mundo, na vocação ontológica e na atuação dinâmica, social, transformadora e emancipatória do homem” (BARREIRA,
2000, p. 38). Ademais, como um método de apreensão e reconstrução do real, busca aproximações
sucessivas com o objeto de pesquisa, partindo do abstrato ao concreto, com vistas a superar a aparência
e desvendar a essência dos fenômenos estudados, tendo como pressuposto que a realidade é complexa
e síntese de múltiplas determinações. (SILVA, 2008, p. 160)
Portanto, segundo essa perspectiva, a pesquisa avaliativa deve atender aos seguintes requisitos:
• Valorizar a análise crítica da política (avaliação política da política);
• Adotar abordagens mais abrangentes que articulem a concepção, o processo de implementação
e os resultados das políticas e programas, para não perder de vista a perspectiva da totalidade;
• Considerar o contexto em que as políticas se desenvolvem, incorporando a idéia de historicidade;
• Levar em conta os diferentes sujeitos e interesses envolvidos nos processos de formulação e
implementação das políticas, com ênfase nas contradições e conflitos aí presentes, entendidos
estes últimos como motores da mudança;
• Negar a idéia de neutralidade e considerar o caráter parcial dos resultados da avaliação;
• Partir do pressuposto de que as mudanças identificadas nas condições de vida de uma população não podem ser diretamente e exclusivamente atribuídas a uma política ou programa, posto
que são síntese de múltiplas determinações, as quais não podem ser isoladas ou controladas
mediante o uso de modelos experimentais;
• Combinar o uso de procedimentos quantitativos e qualitativos de pesquisa;
• Articular as dimensões técnica e política da avaliação;
• Incorporar, sempre que possível, no processo avaliativo, os principais sujeitos das políticas
públicas, inclusive os beneficiários;
• Publicizar os resultados da avaliação numa perspectiva de democratização, de maior controle
social sobre as políticas públicas e de emancipação.
A guisa de conclusão: tendências, perspectivas e desafios no
campo da pesquisa avaliativa
Cabe aqui regatar, a guisa de conclusão, o objeto central da presente reflexão, qual seja, as principais tendências que têm marcado a pesquisa avaliativa nos anos mais recentes, as novas perspectivas
que despontam neste campo, assim como os desafios mais importantes a serem enfrentados, sobretudo, no âmbito da sociedade brasileira.
No que tange às principais tendências e perspectivas, conforme ressaltado neste texto, observa-se,
em primeiro lugar, uma clara inclinação em combinar abordagens qualitativas e quantitativas na avaliação de programas sociais. Com efeito, sem negar, a priori, a importância dos métodos quantitativos, os
métodos qualitativos têm sido valorizados por permitirem a apreensão da dinâmica e de toda a complexidade do desenvolvimento de um programa social, situando-o no contexto social, político, econômico,
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cultural e institucional em que este se insere. Na verdade, hoje tem crescido a convicção de que não se
tratam de abordagens dicotômicas, mas sim complementares e de que é o programa e a proposta de
pesquisa avaliativa que condicionam a escolha das abordagens e instrumentos mais apropriados. Ademais, há presentemente o reconhecimento de que cada abordagem tem as suas especificidades, não
podendo ser apropriadas de forma linear e mecânica por diferentes propostas de pesquisa avaliativa.
(BARREIRA, 2000, p. 41 e 43)
Em segundo lugar, destacou-se nesta discussão a atual tendência em se valorizarem concepções
mais abrangentes e totalizantes de avaliação de programas sociais, que busquem apreender e articular
todos os momentos constitutivos de um programa, ou seja, sua formulação, sua implementação e execução, seus resultados, impactos e efeitos, além de considerarem as variáveis contextuais. Tais avaliações possuem um maior potencial explicativo, comparativamente aos estudos avaliativos mais pontuais,
além de serem “mais substantivas no que diz respeito a inferências e possibilidade de generalização dos
efeitos, como também conclusões gerais quanto a políticas e programas”. (BARREIRA, 2000, p. 46) Isto
não significa, contudo, negar a importância e a pertinência de pesquisas avaliativas focais, as quais permitem um maior aprofundamento de momentos e dimensões específicas de um programa, fornecendo
informações avaliativas que podem subsidiar as chamadas avaliações síntese.
Por último, mas não menos importante, verifica-se uma tendência de utilização de abordagens
mais participativas de avaliação não apenas como um requisito democrático, mas também como um
mecanismo necessário para melhorar o próprio desempenho das políticas públicas em termos de sua
eficiência, eficácia e efetividade.
De fato, como afirma Gomes (2001, p. 29), a riqueza de uma avaliação participativa reside no
fato de que, ao ser partilhada com os agentes e beneficiários envolvidos no programa ou na instituição,
permite “para além da avaliação, uma apropriação dos resultados de forma reflexiva e socializada entre
os diversos sujeitos da ação em movimento”.
Em que pesem estas novas tendências e as perspectivas positivas por elas apontadas no sentido
de possibilitarem estudos avaliativos de cunho mais critico e mais comprometidos com mudanças em
favor da democratização, universalização e concretização dos direitos sociais, há que se apontar aqui
alguns importantes desafios que ainda se colocam no campo da avaliação de políticas e programas sociais, particularmente no Brasil.
Em primeiro lugar, trata-se da “crise de utilização” (BARREIRA, 2000, p. 27), ou seja, da dificuldade de incorporação dos resultados da avaliação nas decisões governamentais, no sentido de orientarem
ou reorientarem o planejamento e a execução das ações. Com efeito, especialmente no Brasil, dada a
falta de tradição e de uma cultura avaliativa, os produtos das avaliações costumam ser, na maioria das
vezes, engavetados, servindo muito mais para atender às exigências pré-estabelecidas pelos organismos
financiadores e de controle.
É verdade que a utilização dos resultados das pesquisas avaliativas poderia ser favorecida pela
via da pressão exercida pela sociedade junto ao poder público, desde que “instrumentalizada com as
informações publicizadas pela avaliação” (GOMES, 2001, P. 31) Isso remete ao segundo grande desafio
que precisa ser ainda enfrentado neste campo, qual seja, a “crise de divulgação”. Conforme já ressaltado
neste trabalho, grande parte das pesquisas avaliativas, sejam realizadas por instituições governamentais,
sejam encomendadas às universidades ou a profissionais independentes, não são publicadas, estando a
maioria dos estudos encontrados na literatura concentrados em “divulgar novas teorias e metodologias
de pesquisa, desvinculadas de sua validade e aplicação prática”. (BARREIRA, 2000, p.27)
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Não obstante a publicização e a utilização dos resultados da avaliação são uma exigência que se
impõe para fazer desta um instrumento de crescente democratização da sociedade brasileira e de enfrentamento da realidade de pobreza, desigualdade e exclusão social que ainda afeta parte significativa
de nossa população.
Referências
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tendências da avaliação no âmbito das políticas públicas