O Tratamento Tributário Discriminatório como
Combate à Concorrência Fiscal Prejudicial
Internacional e a sua Legitimidade
MIGUEL ÂNGELO MACIEL
O TraTamenTO TribuTáriO DiscriminaTóriO cOmO
cOmbaTe à cOncOrrência Fiscal PrejuDicial
inTernaciOnal e a sua legiTimiDaDe
SÃO PAULO - 2009
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
M138t
Maciel, Miguel Ângelo
O tratamento tributário discriminatório como combate à concorrência fiscal prejudicial internacional e a sua legitimidade / Miguel Ângelo Maciel. - São Paulo : MP Ed., 2009. Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7898-021-4 1. . Direito tributário - Brasil. 2. Globalização. 3. Direito internacional. 4. Responsabilidade
fiscal. 5. Legitimidade (Direito). I. Título.
09-3487.
015.07.09
CDU: 34:351.713(81)
21.07.09
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Revisão
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Diretor responsável
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Capa
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Papel capa
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1ª Edição – Inverno de 2009
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Tel./Fax: (11) 3101 2086
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ISBN 978-85-7898-021-4
013867
A Lourdes, Giovana e Paula,
mulheres especiais.
“Capital was never the citizen of any country.”
Adam Smith
PREFÁCIO
A rapidez das comunicações e do trânsito de pessoas e bens com a “globalização” (integração das economias mundiais e a expansão de mercados) fez
surgir uma nova ordem econômica internacional, como uma realidade sem
retrocessos. Essas novas relações transnacionais refletem-se sobre pessoas e
países, alterando e influenciando costumes, contribuindo não só para aproximação, mas também para a redução de obstáculos, a realização de operações
e a interação de negócios, empresas, capitais e serviços, seja nos seus aspectos
positivos seja nos negativos.
As consequências dessa realidade repercutem, da mesma forma, no
campo da tributação, uma vez que tais relações vinculam-se a fatos econômicos que necessariamente geram fatos geradores tributários. É inegável
que os países tentam criar legislações que lhes possibilitem beneficiar-se dos
resultados tributários dessa transnacionalidade para aumentar as suas receitas. As pessoas e as empresas, todavia, não podem ser responsabilizadas sozinhas com a multiplicidade dessa tributação, sob pena de se produzir o efeito
contrário ao desejado: o afastamento dos investimentos. Cada país tem que
adequar a sua legislação de modo a atrair capitais, cuidando para que não se
crie uma concorrência fiscal internacional prejudicial ou, no intuito de proteger os nacionais, serem criadas barreiras fiscais a novos negócios. Já as pessoas geralmente procuram fórmulas para evitar ou reduzir a sua tributação,
pois a expropriação de bens para pagamento de tributos sempre encontrou
resistências, esquecendo-se todos do dever que têm de contribuir para que o
Estado cumpra os seus fins.
A globalização, além dos seus efeitos no tocante à expansão dos negócios,
circulação de bens e atração de investimentos, poderá abrir, ainda, a possibilidade
da utilização de mecanismos para que as pessoas e as empresas possam pagar
menos tributos. Essa redução de tributos poderá se dar tanto por meio de formas
lícitas, que a ordem jurídica internacional não poderá desconhecer, como mediante
uso de meios ilegais. Essas formas ilícitas de economia tributária, porém, deverão
ser reprimidas com vigor, para que não produzam resultados negativos e gerem
9
concorrência desleal, não só entre as pessoas e empresas, mas, igualmente, entre
os próprios países, com reflexos sobre a ordem econômica geral.
É desejo de todos que haja uma harmonização e adequação das leis
entre os países para que as transações internacionais possam fluir com normalidade, sem causar efeitos nefastos para as chamadas relações globalizadas.
Aqui se revela a importância deste trabalho de Miguel Ângelo Maciel,
resultado de reflexões, pesquisas e estudos aprofundados, na melhor doutrina
brasileira e estrangeira. A abordagem de tema tão complexo e novo, para o qual
ainda existem poucos trabalhos no Brasil, dos quais foram pioneiros o Prof.
Alberto Xavier e o Prof. Heleno Taveira Torres, demonstra a ousadia do seu
autor, especialmente quando, além de investigar as questões de tributação internacional, ele apresenta conclusões que, com certeza, servirão não só de contribuição de lege ferenda ou como orientação para os estudiosos, mas também
como um guia prático para os que desejam conhecer as regras brasileiras e adentrar nas formas de realização de operações transnacionais.
A obra de Miguel Ângelo transita em searas diversas, conseguindo conjugar o jurídico e o econômico às realidades concretas das transações internacionais. Ele apresenta conceitos, princípios, examina legislações estrangeiras,
normas de organizações estrangeiras (OMC, ONU, FMI, OCDE), inclusive
tocando em tradicionais temas cercados de preconceitos, como a elisão, as
práticas internacionais para economia de tributos, as transações offshore e a
competição tributária internacional.
Um exame minucioso da obra revela, ainda, o arrojo do seu autor em
tentar desmistificar a expressão “paraísos fiscais”, pois, segundo ele, necessariamente tais países não são prejudiciais. Para Miguel Ângelo, contudo, o que
deve ser combatida é a utilização desses locais para fins criminosos, como a
lavagem de dinheiro, por exemplo, apontando que a solução pra os desvirtuamentos não é a “ferramenta fiscal”, mas sim a repressão policial.
Conheci Miguel Ângelo quando ministrei aulas no curso de mestrado
da Universidade Católica de Brasília, onde pude constatar a sua capacidade de
apreender e formular ideias. Com o espírito inconformado dos investigadores,
ele hoje continua suas pesquisas no doutorado na Argentina. É o resultado
dos seus estudos, aliados ao exercício da missão de professor e pesquisador da
UCB e do CEAT, que já foram expostos em outros trabalhos publicados, que
ele traz agora nesta obra.
É importante ressaltar a grande satisfação com que recebi o convite
para prefaciar este livro. Contudo, apesar da proximidade acadêmica com
Miguel Ângelo, que permitiu acompanhar seu caminhar intelectual, conse10
gui o afastamento e a isenção necessária para tecer considerações e poder
admirar o expressivo mérito desta obra e do seu autor.
A atualidade do estudo do tema, neste momento em que crescem, cada
vez mais, as transações internacionais, por si só já demonstra a oportunidade
deste trabalho e o reconhecimento da sua importância como uma contribuição inestimável para o estudo da tributação transnacional.
Com certeza, com este livro, os acadêmicos e os operadores do direito
ganham mais uma fonte de estudos para consulta e aplicação no seu dia a dia.
Recife, 31 de julho de 2009.
Mary Elbe Queiroz
Doutora em Direito Tributário (PUC/SP). Mestre em Direito Público (UFPE). Pósgraduação na Espanha e Argentina. Presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil – CEAT. Presidente do Instituto Pernambucano de Estudos
Tributários – IPET. Coordenadora do Curso de Pós-graduação do IBET/IPET em Recife/PE.
Professora do Programa de Doutorado e Mestrado da UFPE. Professora de cursos de pós-graduação: PUC/Cogeae/SP; IBET/SP; UFBA/BA; IDP/DF; Escola Superior da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo – ESPGE; Escola de Magistrados da Justiça Federal São Paulo – 3ª região.
Ex-auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil. Ex-membro do Conselho de Contribuintes do
Ministério da Fazenda.
Advogada sócia do escritório Queiroz Advogados Associados.
11
Sumário
PREFÁCIO......................................................................................................... 9
LISTA DE TABELAS........................................................................................ 21
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS........................................................... 23
INTRODUÇÃO................................................................................................ 25
CAPÍTULO 1.
O CENÁRIO INTERNACIONAL GLOBALIZADO......................................... 29
1.1 A globalização....................................................................................................... 30
1.1.1 A globalização como fenômeno multidisciplinar..................................31
1.1.2 Globalização política e a crise da soberania do Estado.......................32
1.1.3 A evolução da globalização.......................................................................... 34
1.1.4 A globalização econômica............................................................................ 36
1.1.4.1 Características da globalização econômica..........................................37
1.1.4.2 Da empresa multinacional para a corporação transnacional....... 39
1.1.4.3 De Bretton Woods ao consenso de Washington............................... 44
1.1.4.3.1 Bretton Woods........................................................................................................... 45
1.1.4.3.2 Consenso de Washington...................................................................................... 46
13
1.1.4.3.3 Pós-consenso de Washington...............................................................................51
1.1.4.3.4 A crise financeira mundial de 2008 e 2009 e as propostas de
um novo “New Deal” econômico..........................................................................................55
1.1.5 A globalização tributária............................................................................... 56
1.1.5.1 O Estado fiscal.................................................................................................57
1.1.5.2 A soberania tributária.................................................................................. 60
1.1.5.3 Elementos da globalização tributária.................................................... 64
CAPÍTULO 2.
A “CONCORRÊNCIA FISCAL PREJUDICIAL”.............................................. 67
2.1 Concorrência..........................................................................................................67
2.1.1 Concorrência fiscal .......................................................................................... 68
2.1.2 Concorrência fiscal prejudicial ....................................................................70
2.2 Crise do Estado soberano frente à economia –
crise paradigmática................................................................................................... 73
2.3 Por que se instaura a concorrência?............................................................. 78
2.3.1 A corrida ao fundo do poço..........................................................................81
2.3.2 A liberdade de planejamento tributário................................................. 82
2.4 É real a necessidade de combater tais práticas?...................................... 85
2.5 A harmonização das políticas tributárias dentro e fora dos
processos de integração regionais ..................................................................... 88
2.6 Os organismos internacionais e a tributação internacional................ 90
2.6.1 A OMC (GATT).................................................................................................... 93
2.6.2 A ONU ................................................................................................................. 99
2.6.3 O FMI.................................................................................................................. .101
2.7 Código de conduta da União Europeia..................................................... .103
2.8 A OCDE.................................................................................................................. .108
14
2.8.1 O relatório da OCDE no combate à “concorrência
fiscal prejudicial”........................................................................................................110
2.8.1.1 Paraísos fiscais...............................................................................................111
2.8.1.2 Regimes fiscais preferenciais...................................................................113
2.8.1.3 As medidas defensivas..............................................................................114
2.9 Comparativo entre o relatório OCDE e o código de
conduta europeu......................................................................................................118
2.10 O atual estágio da concorrência fiscal prejudicial............................... .120
CAPÍTULO 3. .
TRANSAÇÕES OFFSHORE.....................................................................129
3.1 Algumas espécies de transações offshore que se utilizam
de países com tributação favorecida................................................................ .129
3.1.1 Os paraísos fiscais e os centros offshore ................................................ .130
3.1.2 As principais espécies de transações offshore que se
utilizam de paraísos fiscais.................................................................................... .130
3.1.2.1 Preços de transferência............................................................................. .130
3.1.2.2 Uso abusivo de tratados internacionais............................................. .132
3.2 Composições societárias e o ambiente offshore.................................... .134
3.3 Composições societárias e o uso de países, territórios
e jurisdições de tributação favorecida.............................................................. .135
3.3.1 Trust. ................................................................................................... .136
3.3.2 Grupos de empresas..................................................................................... .137
3.3.2.1 International holding companies............................................................ .138
3.3.2.2 Centros de coordenação......................................................................... .140
3.3.2.3 Interposição de sociedades condutoras – conduit company...... .140
3.3.2.4 Interposição de sociedades-base – base companies..................... .141
15
3.3.2.4.1 Empresas de comercialização - trading companies................................... 142
3.3.2.4.2 Sociedades de prestação de serviços............................................................. 143
CAPÍTULO 4.
OS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS.....................................................................145
4.1 O tema no direito internacional tributário............................................... .145
4.2 Os princípios tributários internacionais.................................................... .146
4.2.1 Princípios vinculados aos elementos de conexão
(territorialidade e universalidade) – critérios................................................. .146
4.2.2 Princípio da territorialidade....................................................................... .147
4.2.2.1 Sistema territorial puro............................................................................ .147
4.2.2.1.1 Critério da fonte....................................................................................................... 148
4.2.2.1.2 Fonte efetiva da renda (produção).................................................................. 148
4.2.2.1.3 Fonte do pagamento............................................................................................ 149
4.2.2.2 Territorialidade em sentido material................................................... .150
4.2.2.3 Territorialidade em sentido formal...................................................... .151
4.2.3 Do princípio da universalidade – elementos de
conexão subjetivos.................................................................................................. .152
4.2.4 Dos princípios tributários relativos aos valores.................................. .155
4.2.5 Princípios internacionais............................................................................. .158
4.2.5.1 Princípio da igualdade (ou da isonomia)........................................... .159
4.2.5.2 Igualdade jurídica versus igualdade econômica............................. .164
4.2.5.3 Princípio da não-discriminação............................................................ .166
4.2.5.4 Princípio da capacidade contributiva................................................. .169
4.2.5.5 Princípio da progressividade (subprincípio da
capacidade contributiva)....................................................................................... .173
4.2.5.6 Princípio da neutralidade da tributação (subprincípio
da capacidade contributiva)................................................................................. .173
16
4.2.5.7 Princípio da livre concorrência...............................................................174
4.2.6 A extrafiscalidade como princípio........................................................... .175
4.3 Princípios tributários no direito brasileiro................................................ .177
4.3.1 Princípio da igualdade, da capacidade contributiva
e da não-discriminação no direito brasileiro.................................................. .178
4.3.1.1 Da igualdade................................................................................................. .178
4.3.1.2 Da capacidade contributiva.................................................................... .179
4.3.1.3 Da não-discriminação............................................................................... .180
CAPÍTULO 5.
O MODELO BRASILEIRO DE COMBATE À COMPETIÇÃO
TRIBUTÁRIA PREJUDICIAL: a tributação de não-residentes
e a identificação de paraísos fiscais..........................................................183
5.1 A elisão: exercício de um direito individual ou obrigação
geral de contribuição frente às lacunas........................................................... .184
5.2 O modelo tributário brasileiro...................................................................... .186
5.3 O Brasil e a concorrência fiscal prejudicial............................................... .187
5.4 A legislação brasileira...................................................................................... .188
5.5 Países de tributação favorecida na lei....................................................... .189
5.6 Legitimidade em tributar remessas para não-residentes................... .193
5.6.1 Fonte de pagamento ou fonte de produção....................................... .194
5.7 Critérios para a identificação de países de
tributação favorecida.............................................................................................. .196
5.7.1 No mundo......................................................................................................... .197
5.7.2 No Brasil............................................................................................................. .199
5.8 Alíquota nominal ou alíquota efetiva........................................................ .200
5.9 A tipificação administrativa........................................................................... .202
17
5.10 Lista brasileira de países de tributação favorecida (black list)......... .203
5.10.1 A taxatividade ou exemplificatividade das listas.............................. .206
5.10.2 A análise da taxatividade ou da mera exemplificatividade.......... .208
5.10.2.1 Análise legal................................................................................................ .209
5.10.2.2 Análise pragmática.................................................................................. .209
5.10.2.3 Análise principiológica............................................................................211
5.10.2.4 Proposta de entendimento.................................................................. .212
5.11 Substituto ou responsável tributário e o contribuinte de fato....... .213
CAPÍTULO 6.
A MAJORAÇÃO DA ALÍQUOTA NA LEI BRASILEIRA INCIDENTE
SOBRE AS REMESSAS PARA RESIDENTES EM PAÍSES,
TERRITÓRIOS E JURISDIÇÕES DE TRIBUTAÇÃO FAVORECIDA..............217
6.1 Apontamentos contrários à discriminação instituída.......................... .219
6.1.1 Critério de discrime........................................................................................ .219
6.1.1.1 Nacionalidade............................................................................................... .220
6.1.1.2 Residentes versus não-residentes.......................................................... .223
6.1.1.3 Não-residentes versus não-residentes................................................. .224
6.1.1.4 Origem e destino......................................................................................... .224
6.1.2 Afronta a valores e princípios.................................................................... .224
6.1.3 Recomendações da OCDE.......................................................................... .226
6.1.4 Nova lista da OCDE........................................................................................ .227
6.1.5 A vocação da economia brasileira........................................................... .228
6.1.6 A insuficiência do interesse arrecadatório como motivação
para a discriminação............................................................................................... .228
6.1.7 Necessidade de conhecimento de lei estrangeira............................. .228
18
6.1.8 A ampliação da essência da lista de dependências
com tributação favorecida.................................................................................... .229
6.1.9 Livre concorrência . ....................................................................................... .229
6.2 Apontamentos favoráveis à discriminação instituída.......................... .230
6.2.1 Função extrafiscal.......................................................................................... .230
6.2.2 Livre concorrência......................................................................................... .233
6.2.3 Combate à evasão fiscal internacional e à alteração
artificial do fluxo de alocação de investimentos financeiros
e de capitais................................................................................................................ .233
6.2.4 Equalização da tributação mundial........................................................ .235
CONCLUSÃO..................................................................................................237
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................243
19
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Elementos de influência na alocação de investimentos................41
Tabela 2 - Diferenças entre o Estado keynesiano e o Estado neoliberal.......50
Tabela 3 - Comparativo entre código de conduta e relatório OCDE........118
Tabela 4 - Correlação entre valores e princípios...........................................158
21
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Abreviaturas
Amp. por Ampliada
Dec. por Decreto
Ed. por Edição
G.n. por Grifo nosso
L. por Lei
p. por página
IN por Instrução Normativa
Op. Cit. por Opus Citatum
Org. por Organizador
Ref. por Reformulada
Rev. por Revista
Trad. por Tradução
v. por volume
Siglas
ABRADT – Associação Brasileira de Direito Tributário
AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica, do inglês “International
Atomic Energy Agency”
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, do inglês
“International Banck for Reconstruction and Development”
CF – Constituição Federal
CFC – Corporações Estrangeiras Controladas, do inglês “Controlled Foreign
Corporations”
CTN – Código Tributário Nacional
ECOFIN – Conselho de Ministros das Finanças Europeus, do inglês
“Economic and Financial Affairs”
23
ESAF – Escola de Administração Fazendária
EU – União Europeia, do inglês “European Union”
FAO – Organização para Comida e Agricultura, do inglês “Food and
Agriculture Organization of the United Nations”
FDI – Investimento Estrangeiro Direto, do inglês “Foreign Direct Investment”
FMI – Fundo Monetário Internacional
G7 – Grupo dos sete países mais industrializados
GATS – Acordo Geral sobre Tarifas e Serviços, do inglês “General Agreement
on Trade and Services”
GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, do inglês “General Agreement
on Tarifs and Trade”
GDP – Produto Interno Bruto, do inglês “Gross Domestic Product”
IBDT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário
IED – Investimento Estrangeiro Direto
IMF – Fundo Monetário Internacional, do inglês “International
Monetary Fund ”
ITO – Organização Tributária Internacional, do inglês “International
Tax Organization”
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MFN – Nação Mais Favorecida, do inglês “Most Favoureced Nation”
NAFTA – Acordo Norte-Americano para o Livre Comércio, do inglês “North
American Free Trade Agreement”
NMF – Nação Mais Favorecida
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PIB – Produto Interno Bruto
SRF – Secretaria da Receita Federal
TIEA – Acordo para Troca de Informações Fiscais, do inglês “Tax Information
Exchange Agreements”
UN – Nações Unidas, do inglês “United Nations”
UNITO – “United Nations International Tax Organisation”
WTO – Organização Mundial do Comércio, do inglês “World
Trade Organization”
24
INTRODUÇÃO
O fenômeno referenciado comumente por “globalização”1 trouxe
consigo incontáveis alterações aos padrões mundiais nos mais diversos setores das relações internacionais como a implementação do modelo econômico
neoliberal e a ocorrência de fatos econômicos que importam à tributação
de forma transnacional. Essa nova realidade econômica mundial fundada
na lógica da economia de mercado com relações comerciais internacionais
especialmente intensificadas a partir do advento do desenvolvimento tecnológico da informática e das telecomunicações impõe aos Estados o desafio
de adaptarem seus sistemas tributários a uma economia globalizada.
A transnacionalização dos fatores de produção significou nova forma de
estruturação das empresas com distribuição de suas ramificações por diversos
Estados ao redor do planeta, conforme os diferenciais competitivos que esses
ofereçam, de forma a otimizar os custos, inclusive os fiscais. Atentos a essa realidade, muitos Estados se lançaram a competir pela atração dos investimentos
internacionais oferecendo seus sistemas tributários como diferencial atrativo
ao deixar de tributar ou ao flexibilizar a tributação a níveis em que carga fiscal
resultante seja insignificante se comparada às praticadas normalmente pelos
Estados, prática conhecida como “concorrência fiscal prejudicial”2 que trás
como uma das suas consequências a erosão das bases de cálculo.
1
“A globalização desferiu um poderoso golpe na formação dos espaços jurídicos tradicionais. A crescente participação política no âmbito do Estado Social, territorialmente
definido, conduziu a conquistas de inúmeros e variados direitos conhecidos como de
segunda e terceira gerações. Ocorre que a globalização reduziu o espaço público de atuação política na medida em que alargou a importância do mercado. As decisões políticas
globalizadas, tomadas para além fronteiras nacionais, enfraqueceram a participação política e modelaram várias formas de exclusão social. Assistimos, nesta quadra histórica, a
‘dissipação’, a ‘flexibilização e a desregulamentação’ de direitos duramente conquistados
em décadas de lutas sociais. As forças de mercado, notadamente em suas feições internacionais, reinam hegemônicas e com resistências políticas e sociais somente em fase inicial
de articulação no cenário mundial.” CASTRO, Aldemário Araújo. As Repercussões da
Globalização na Economia Brasileira. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional
Econômico). Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2006. p. 25.
2
Internacionalmente referida por “Harmful Tax Competition”.
25
Miguel Ângelo Maciel
Nesse cenário internacional, brevemente descrito, se insere o Brasil
disposto a colaborar com o combate à erosão das bases tributáveis proporcionada pela concorrência fiscal internacional. Essa propensão colaborativa
se materializa em providências legais e normativas internas, originadas no
direito internacional, tais como a adoção da tributação em bases universais,
a instituição do controle dos preços de transferência, troca de informações
administrativas e outras práticas,3 dentre as quais, aquela que majora as alíquotas do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte incidente sobre as remessas de rendimentos para países classificados como de tributação favorecida é
tomada como o objeto principal desta avaliação.
Portanto, a adoção no direito interno de medidas fiscais originadas
no direito internacional como combate à tributação favorecida compõe o
objeto do presente trabalho, em especial, a avaliação da legitimidade (ou da
falta dela) em que incorre o Brasil ao majorar a alíquota do Imposto sobre a
Renda incidente sobre as remessas para países que não tributam a renda ou
o fazem com alíquota inferior a vinte por cento frente aos princípios tributários internacionais.
Para que possamos atingir o objetivo proposto analisaremos de
forma sequencial:
a) o fenômeno da “globalização”, com ênfase nos aspectos econômico
e tributário, cujo conhecimento se afigura necessário para a compreensão do cenário em que está inserido o objeto do presente estudo;
b) a concorrência fiscal internacional, prática que a comunidade internacional busca mitigar;
c) as principais transações offshore e a estruturação societária das
empresas transnacionais;
d) os princípios que regem a tributação internacional de modo a
embasar a formação de opinião sobre os valores maiores buscados
pela sociedade por intermédio do processo tributário; e, por fim
e) o modelo tributário brasileiro quanto ao tema proposto.
3
CASTRO, Aldemário Araújo. As Repercussões da Globalização na Economia Brasileira.
Dissertação (Mestrado em Direito Internacional Econômico). Universidade Católica de
Brasília, Brasília, 2006, p. 76.
26
Introdução
Traz como hipótese a falta de legitimidade4 na adoção pelo sistema
tributário brasileiro de tratamento diferenciado quanto às remessas de rendimentos para não residentes pautado no critério da sua localização em países
listados como de tributação favorecida, os ditos “paraísos fiscais”.
4
O termo legitimidade aqui é tomado em acepção semelhante ao termo ilicitude, utilizado por Machado: “Como a lei não descreve todos os comportamentos, até porque isto
é impraticável, faz-se então a distinção entre licitude e legalidade. O campo da licitude é
mais amplo. Abrange todas as situações, todos os comportamentos, estejam ou não previstos em lei. Lícito ou ilícito dizem respeito à ordem jurídica, ao direito objetivo em geral.
O campo da legalidade diz respeito apenas ao que está prescrito nas leis.” MACHADO,
Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 21 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora
Malheiros, 2002, p. 420.
27
CAPÍTULO 1.
O CENÁRIO INTERNACIONAL GLOBALIZADO
A concorrência fiscal prejudicial1 é uma das principais externalidades
da tributação numa economia globalizada. Expressão que se traduz numa
ação e num adjetivo, a concorrência fiscal diz respeito à tensão entre os Estados soberanos na tentativa de atrair investimentos estrangeiros2 e capital
financeiro especulativo.
O adjetivo “prejudicial” é um juízo de valor atribuído por aqueles Estados centrais, membros da OCDE, que possuem influência sobre os demais
Estados periféricos.3
Os Estados centrais, industrializados, experimentam uma erosão em
suas bases tributáveis provocadas pela perda de atratividade de investimentos
internacionais e até mesmo pela incapacidade de manter os investimentos existentes em seus territórios face à migração dos fatores de produção e do capital
especulativo em direção aos Estados que oferecem vantagens comparativas,
mormente os benefícios de ordem tributária, quer seja pela baixa ou nenhuma
tributação da renda, quer seja por intermédio de incentivos fiscais oferecidos.
Esta dinâmica econômica toma relevância na atual economia integrada em termos internacionais que favorece o livre deslocamento, em maior
1
Concorrência fiscal prejudicial é expressão utilizada pela OCDE para referenciar aquelas
práticas utilizadas por alguns estados para, ao alterar de forma artificial seus sistemas
tributários, atrair investimentos financeiros e de capitais.
2
“Investimento de riqueza efetivo e desvinculado, com interesse de permanência, oriundo
do exterior e de propriedade de pessoa não residente, que tenha como finalidade a produção de bens ou serviços”. BAPTISTA, Luiz Olavo. Os Investimentos Internacionais no
Direito Comparado e Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 32-3.
3
SANTOS, Boaventura de Souza. A Reinvenção Solidária e Participativa do Estado.
Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/arquivos_down/seges/publicacoes/
reforma/seminario/Boaventura.PDF>, acesso em: 03 jun. 2006.
29
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O Tratamento Tributário Discriminatório como Combate