LEITURA DA SIMBOLOGIA MATEMÁTICA MEDEIROS, Gláucia Maria Leal de Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul RESUMO Os conceitos, na linguagem matemática, são formados a partir da palavra, que é o signo agindo como mediador dessa formação, transformando-se em símbolo, para então ocorrerem a compreensão e a interpretação; é através da língua materna que se pode negociar significados matemáticos e, desta maneira, construir conhecimentos associados à matemática. Não há como dissociar as áreas de Português e Matemática: de que maneira seria possível a compreensão e posterior interpretação da linguagem matemática sem o 'uso' e o 'abuso' da língua materna, servindo-se aquela desta como uma espécie de suporte? Meu projeto de pesquisa parte de observações em sala de aula com o intuito de perceber de que maneira é proporcionada ao aluno do 2o ano do curso de Magistério, futuro professor, a leitura do discurso matemático. No momento seguinte eu examino a leitura/interpretação que o aluno faz em português e como a mesma interfere na leitura/interpretação da simbologia matemática. Pretendo fazer esse exame, relacionando as áreas de Português e Matemática, através da leitura e interpretação de textos e da resolução de problemas matemáticos. Tais problemas não necessitam do conhecimento de fórmulas e algoritmos mas da vivência do aluno e de sua leitura do mundo. O presente texto faz parte de um projeto de pesquisa a ser desenvolvido por mim com alunos do 2º ano do curso de magistério de uma escola de Santo Ângelo, RS. Tenho por interesse investigar as formas pelas quais a leitura do discurso matemático, sustentada pela língua materna, ocorre em sala de aula. Neste texto, reflito sobre a questão da interpretação e da compreensão da simbologia matemática, no processo de leitura dessa simbologia. De acordo com Carvalho (1994, p.78), os estudos entre linguagem matemática e língua materna estão se intensificando. E existem boas razões para isso. É difícil perceber como seria possível a compreensão da linguagem matemática sem o uso e o abuso da língua materna. A língua materna constitui uma espécie de suporte para a linguagem matemática. Além de proporcionar essa sustentação, ela também é mediadora na interpretação e na compreensão dos símbolos e signos matemáticos. Língua Materna Leitura Matemática O diagrama acima é uma representação desse "casamento", que poder ser expresso como a arte de explicar e entender a realidade, embasada pela linguagem ¾ língua materna ¾ que possibilita a interpretação do que está sendo lido e a compreensão que alimenta a construção do conhecimento matemático. Essa construção só é possível se, em primeiro lugar, houver, mesmo que informalmente, o conhecimento da língua materna, o qual aciona o processo de significação. A língua materna faz parte de nossas vidas desde o ventre materno e a linguagem matemática é iniciada a partir do uso daquela, quando começa a fala; ambas têm inicio bem antes da vida escolar. A prática tem me mostrado, por exemplo, que crianças de três anos de idade sabem o significado das palavras mais, menos, pouco, bastante, maior, menor, etc. Tanto a língua materna como a linguagem matemática são sistemas de representação do real e, apesar de suas distintas nuanças, a relação entre ambas faz-se cada vez mais necessária. Diante disso, "... não parece haver mais sentido a consideração de concepções da linguagens que se restrinjam ao verbal ou de matemática que se limitem a cálculos envolvendo números" (Machado, 1991, p.33). A matemática, enquanto ciência sistematizada, possui uma linguagem simbólica e lógica oriunda das necessidades práticas da vida quotidiana e de atividades tais como contagem, medição e delimitação de áreas de plantio, etc. Ainda hoje necessitamos contar, medir e delimitar áreas. Além disso, vivemos em uma sociedade repleta de números e símbolos matemáticos. O ser humano tem muitas situações matemáticas ao seu redor e, ao chegar na escola, já traz consigo um repertório de signos e símbolos matemáticos, tais como a tabela de preços do supermercado, um número de telefone, um sinal de trânsito, um número de ônibus, etc. Por que então é tão difícil interpretar e compreender essas situações? A leitura da simbologia matemática tem um papel fundamental no ensino aprendizagem dessa disciplina. Além de ser extremamente importante necessária à vida em sociedade. Por que então o aluno necessita de um mediador, como alguém que traduz o que está no texto matemático? Por que este texto é para ele (aluno) algo incompreensível? Vários métodos e técnicas têm sido utilizados no ensino de matemática. Porém, o baixo rendimento continua a existir. As instituições escolares têm tido uma grande preocupação com relação a essa problemática. No entanto, elas talvez não têm percebido a importância da leitura em relação a essa situação. Ao mesmo tempo em que experimentam métodos e técnicas baseados em modelos simplificadores, elas deixam de preocupar-se "...com o significado daquilo que está implícito na comunicação escrita" (Danyluk, 1991, p. 33). A escola tem ficado à espera de que a construção do conhecimento aconteça pela repetição, reprodução ou "...memorização das técnicas e a busca de modelos facilitadores, onde o aluno diante de um problema tem apenas duas alternativas de ação: ou ele reconhece um modelo ou fórmula a ser empregado ou, então, só lhe resta desistir, esperando a solução do professor ou a nota baixa" (Diniz, 1991: 29). Dessa maneira, o aluno sente-se incentivado a utilizar-se de um processo de decifração ou decodificação de letras, no qual "... o ato de ler se reduz à leitura de palavras escritas..."(Danyluk, 1991, p. 34). O mero reconhecimento de símbolos matemáticos, no entanto, não conduz à interpretação e à compreensão dos significados dos mesmos. UMA REFLEXÃO SOBRE INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO O discurso matemático utiliza-se de símbolos para expressar-se e a seus significados. A compreensão dessa simbologia só ocorre quando o aluno percebe através da interpretação via língua materna, a representação que o símbolo tem do seu mundo e que "...ele (o símbolo) não está vazio, existe um rudimento de vinculo natural entre o significante e o significado" (Saussure, s/d: 81). É importante que o aluno perceba que os símbolos matemáticos constituem uma invenção humana dirigida à representação de idéias matemáticas. Assim, o sucesso da leitura de um texto matemático depende da intimidade que o leitor mantém com os símbolos desse texto para que, ao lê-los, seja capaz de interpretar e compreender seus significados. Estabelecem-se, assim, as condições de utilização de seu raciocínio através desses símbolos. Fatores importantes na leitura de um texto matemático são as situações presentes e os símbolos utilizados nesse texto. Esses fatores requerem o domínio da língua materna, no sentido de que esse texto possa ser interpretado e compreendido. A língua materna é fundamental por nos mostrar a ligação que temos com o mundo. A compreensão do discurso matemático vai além da sua interpretação. Interpretar é ser intérprete e O intérprete formula apenas o(s) sentido(s) constituído(s) (o repetível), estando ele (leitor) afetado tanto pela ilusão que produz eficácia do assujeitamento quanto pela que institui a estabilidade referencial, de que resulta a impressão de que há uma relação direta entre o texto e o que ele significa. Portanto, enquanto intérprete, o leitor apenas reproduz o que já está lá produzido. De certa forma podemos dizer que ele não lê, é "lido", uma vez que apenas "reflete" sua posição de leitor na leitura que produz"(Orlandi, 1995, p. 73). Além da interpretação é necessário posicionar-se e transformar. Isto só ocorre quando há uma relação entre linguagens ¾ língua materna e linguagem matemática ¾ permeada pela crítica e pela reflexão. "...compreender textos escritos de matemática envolve tanto a compreensão da língua escrita quanto do sistema de signos matemáticos convencionais, o qual é exterior ao da linguagem convencional, e que pode se valer de letras, sinais e numerais apresentados de acordo com regras específicas" (Fini et alli, 1996, p. 27-28). Compreender um texto matemático implica na abstração e possibilidade de transferência de seu conteúdo a outra situação; compreender um texto matemático é também saber aplicá-lo. Não há como compreender sem interpretar, ao mesmo tempo a recíproca é verdadeira. De acordo com Chamie (1991, p. 25), uma das dificuldades enfrentadas pelo aluno em relação ao significado de um texto matemático diz respeito a "compreensão e interpretação do referente matemático, enquanto objeto que, embora tenha relação com a experiência concreta, não possui seu fundamento nela, pois, ao ser uma idealização da realidade, a 'mera' imaginação pode substituir a experiência". Por outro lado, o contato desse aluno com o mundo exterior, através do seu raciocínio, constitui o 'pontapé inicial' para a construção do seu conhecimento. Nesse processo, a compreensão se faz essencial, já que "o sujeito que produz uma leitura a partir de sua posição, interpreta. O sujeito – leitor que se relaciona criticamente com a sua posição, que a problematiza, explicitando as condições de produção de leitura, compreende" (Orlandi, 1996, p. 116). A leitura da simbologia matemática não pode ser feita sem alcançarmos o plano do significado, compreendendo o texto e também o contexto do que está sendo lido; não se trata apenas de passar os olhos mas enxergar profundamente a essência do discurso. Daí a importância da compreensão, pelo aluno, dos enunciados e problemas presentes nos textos matemáticos. Através dessa compreensão ele (aluno), será capaz de utilizar os primeiros na solução dos últimos. A escola, enquanto instituição que tem função libertadora, precisa considerar tal leitura como interveniente na relação aluno/professor/ensino/aprendizagem na matemática, preparando o aluno ¾ futuro professor ¾ para desempenhar sua função como educador, e não como mero transmissor de conhecimentos. Ela precisa conduzir seus alunos a desenvolverem uma leitura significativa dos símbolos matemáticos, para que os mesmos possam lidar com situações reais e atuar numa sociedade cada vez mais tecnológica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, João Pitombeira de. Avaliação e perspectiva da área de ensino de matemática no Brasil. In: Em Aberto, ano 14, n.62, abr./jun., p. 74-88. Brasilia,1994. CHAMIE, Luciana M.S. A relação aluno-matemática : alguns dos seus significados. In: Bolema, ano 6, n.7, p. 23-29, 1991. DANYLUK, Ocsana Sônia. Alfabetização Matemática : o cotidiano da vida escolar. 2ª Ed. Caxias do Sul : Educs, 1991. DINIZ, Maria Ignez de Souza Vieira. Uma visão do ensino de matemática. 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