OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS Lúcia Helena Carvalho Magri, adv. Sumário: I- INTRODUÇÃO II- DOS ATOS PROCESSUAIS III - DO PROCEDIMENTO III.1 - TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA III.2 - AUDIÊNCIA PRELIMINAR III.3 - DO PROCEDIMENTO SUMÁRIO IV - CONCLUSÕES I – INTRODUÇÃO O nosso Código Penal, em vigor desde 1940, há muito necessitava de uma reforma que viesse a desafogar as Varas Criminais, principal causa da impunidade dos infratores que, obtinham a extinção de sua punibilidade, em razão da morosidade dos processos. Esta também era uma das principais reclamações da sociedade de uma forma geral, que muitas vezes abriam mão de seus direitos devido à lentidão do Judiciário. Os legisladores, sensibilizados e preocupados com o problema, fizeram constar na Constituição Federal de 1988, art. 98, caput e inciso I, a previsão da criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 1 1 CF/88 - “Art. 98 . A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumarríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.” Desta forma, recepcionando instrumentos jurídicos que com êxito foram adotados em vários outros países, os Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95) vieram para desburocratizar e simplificar a Justiça Penal. Assim, os crimes de menor potencial ofensivo são encaminhados aos Juizados para que, de maneira célere e econômica seja solucionada a lide penal através da composição, transação ou aplicação de penas não privativas de liberdade. As infrações de menor potencial ofensivo abrangidas por estes órgãos estão descritas no art.61 da supra citada lei 2. Referem-se àqueles delitos cuja pena cominada não seja superior a um ano. No entanto, este artigo foi revogado em 2001, quando foi promulgada a Lei n.10.259 regulamentando os Juizados Especiais Criminais Federais, que considera, em seu artigo 2º, crimes de menor potencial ofensivo todos os delitos cuja pena máxima não seja superior a “dois anos” 3. Tal revogação garantiu o princípio da igualdade para que uma mesma infração penal, ainda que aplicada por juízes de competências diferentes, não seja tratada de forma diferenciada. II – DOS ATOS PROCESSUAIS 2 Lei n. 9.099/95 – “Art. 61..Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial”. 3 Lei n. 10.259/01 – “Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo. Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”. 2 Os Juizados Especiais Criminais, em obediência ao princípio da celeridade, permite que os atos processuais sejam praticados em qualquer dia da semana, conforme disposição das normas de organização judiciária do Estado. Para manter a atividade ininterrupta, os Juizados geralmente funcionam em esquema de plantão, atendendo inclusive em feriados. As citações, imprescindíveis para respeito à ampla defesa, princípio garantido constitucionalmente, em regra, são realizadas no próprio Juizado Especial no momento em que o autor e vítimas são encaminhados pela autoridade policial a este órgão para que sejam tomados seus depoimentos de ambos, ou em qualquer momento que o acusado compareça ao Juizado. Não são admitidas as citações por edital. As intimações devem ser feitas por via postal com aviso de recebimento. Se não for possível, através de oficial de justiça ou qualquer outro meio idôneo para praticar o ato, dando ciência ao seu destinatário. Em razão dos princípios da celeridade e informalidade, admite-se que o acusado seja intimado por telefone ou mesmo meio eletrônico (e-mail), sendo a adoção de tais medidas de grande valia para prática dos atos processuais de maneira mais rápida. III – DO PROCEDIMENTO III.1- Termo Circunstanciado de Ocorrência 3 Em delitos da competência dos Juizados Especiais, o Inquérito Policial destinado a apurar os elementos, o fato, e a autoria na Justiça Comum é substituído pelo Termo Circunstanciado de Ocorrência lavrado pela respectiva autoridade policial. Considera-se autoridade policial apenas o Delegado de Polícia, cabendo a ele elaborar o termo circunstanciado, nos moldes do art. 69 da legislação específica, juntando-se documentos e outras informações relevantes para o esclarecimento do fato. III.2- Audiência Preliminar Com o Termo Circunstanciado lavrado e não havendo diligências a serem cumpridas, é realizada a audiência preliminar em que estando presentes autor do fato e vítima, o Juiz tenta a conciliação entre as partes. Devem estar presentes a esta audiência, além do juiz, o representante do Ministério Público e o procurador da parte autora, pois podem ocorrer três situações, quais sejam: a aceitação da composição civil dos danos pelo autor, a transação penal ou o oferecimento da denúncia. A composição dos danos civis busca alcançar de forma rápida a reparação dos danos materiais bem como os danos morais causados pelo autor do fato. É firmado entre o autor do fato e a vítima, com seus respectivos procuradores ou representantes legais. 4 A homologação deve ser reduzida a termo escrito, tornando-se um título judicial que pode ser objeto de execução. Pode ocorrer a desistência da queixa, extinguindose de plano o processo. Caso seja uma ação penal pública incondicionada, o acordo servirá como um parâmetro para o Promotor de Justiça oferecer a transação penal, e para o Juiz aplicar a devida pena. Se não for possível a composição dos danos, nos casos de ação penal pública condicionada, é dado ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo, conforme dispõe o art. 75 da Lei n.9.099/95. Não se exige que esta representação seja feita na audiência preliminar, podendo ser oferecida dentro do prazo legal, não caracterizando a decadência do direito. Pode a vítima renunciar ao direito de oferecer representação, caso em que o juiz declarará a extinção da punibilidade por tal ato. Não havendo composição dos danos, o Ministério Público, apreciando o termo circunstanciado e os elementos que o acompanham, pode requerer o arquivamento dos autos se verificar que ocorreu qualquer causa de extinção de punibilidade; se não há nos autos indícios suficientes da prática de ilícito penal; ou se o fato narrado não constituir crime. Ultrapassadas estas preliminares e não se verificando qualquer ato capaz de gerar a extinção do feito, nas ações penais públicas incondicionada e condicionada (quando 5 houver representação) o Promotor de Justiça poderá oferecer a transação penal, que ocorre independente da vontade da vítima. A transação penal é uma faculdade concedida ao titular da ação penal, cabendo à vítima oferecê-la na ação privada. O Ministério Público deve oferecer sempre que possível, devendo a decisão de não propô-la estar devidamente motivada. Neste tipo de conciliação, é proposto ao autor a aplicação de pena restritiva de direitos ou multa, mas isto não implica na confissão de culpa do autor do fato, baseia-se apenas em uma possível culpabilidade, diante da analise dos elementos apresentados até o momento, e que não chegará a ser averiguada diante da transação. Para que seja aplicado este benefício ao acusado, devem ser respeitados os requisitos no §2º do art.76 da referida Lei. Fica registrado na folha de antecedentes criminais que o autor do fato já se beneficiou com este instituto, estando proibido de se valer novamente da transação, por um período de cinco anos. Aliás, este é o único efeito da sentença que homologa a transação penal, vez que esta não tem o condão de considerar o autor do fato culpado, não servindo para caracterizar a reincidência e nem como prova de maus antecedentes. III.3 – Do Procedimento Sumário Não havendo transação penal, nos casos de ação penal pública, cabe ao Ministério Público oferecer denúncia oral, com fundamento no TCO e elementos que o acompanham, sendo prescindíveis o inquérito policial e o exame de corpo delito. Se 6 for o caso de ação penal privada, o ofendido deverá oferecer a queixa, desde que não seja necessária mais nenhuma diligência. A denúncia deve preencher os seguintes requisitos: descrição sucinta do fato típico penal com suas circunstâncias, qualificação do agente infrator, indicação do dispositivo penal no qual se enquadra a acusação, o rol de testemunhas (máximo de 5), e a materialidade da infração que pode ser comprovada pelo TCO. Oferecida a denúncia ou queixa, será designada a audiência de instrução e julgamento, devendo o acusado ser cientificado da data e hora da audiência. Nesta, haverá nova tentativa de conciliação, inclusive transação penal, que não sendo aceita dará continuidade aos atos processuais. Como o Juizado Especial é regido pelo princípio da oralidade, o procedimento continua com a apresentação da defesa prévia do réu, seguido pela oitiva de testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa. O acusado é interrogado a seguir, passando-se imediatamente aos debates orais, sendo concedido 20 minutos para cada parte; e então o processo estará concluso para a sentença. Da sentença deverá constar o nome das partes ou dados suficientes para identificá-las; uma breve exposição dos fatos e da tese da acusação e da defesa; a decisão devidamente fundamentada; a indicação dos artigos aplicados; o dispositivo; a data e assinatura do Juiz. Da decisão que rejeita a denuncia ou queixa cabe apelação que deverá ser interposta no prazo de 10 (dez) dias a contar da ciência da sentença. Esta será julgada por turma 7 composta de três juizes em exercício no primeiro grau de jurisdição, a se reunirem na sede do Juizado. Em caso de obscuridade, contradição ou omissão cabem embargos de declaração que deverão ser opostos no prazo de 05 (cinco) dias a contar da ciência da decisão. Importante ressaltar o disposto no artigo 89 da Lei n. 9.099/95, que prevê a suspensão condicional do processo em crimes cuja pena cominada não seja superior a um ano. A Lei dos Juizados Especiais Criminais busca despenalizar os delitos de menor gravidade através da integração ou reintegração do infrator no meio social, e não da aplicação da pena privativa de liberdade. A suspensão condicional do processo, também conhecida como sursis processual, consiste na suspensão da ação penal após o recebimento da denúncia. Cabe ao Ministério Público propor, desde que o réu preencha os requisitos previstos na lei, quais sejam: não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, além dos requisitos do art.77 do Código Penal Brasileiro. No caso da ação penal privada, em razão do princípio da igualdade garantido constitucionalmente, é cabível a aplicação deste instituto somente se houver a consenso com o querelante, não podendo o Ministério Público passar por cima da vontade da vítima. Durante o período de prova imposto ao acusado, que varia de 2 a 4 anos, este deverá obedecer certas condições a serem cumpridas sob pena de ter revogada a suspensão. 8 Este instituto não se confunde com a Suspensão Condicional da Pena, em que após a prolação da sentença, suspende-se apenas a execução da sanção, sendo o réu considerado culpado e perdendo a primariedade, apesar de não ter cumprido a pena. Durante o período de suspensão do processo também fica suspenso o prazo prescricional até o efetivo cumprimento do período de prova, após o qual o Juiz declarará extinta a punibilidade. Assim, esta legislação busca conceder ao infrator uma oportunidade de redimir seu erro através de medidas mais brandas, dando-lhe um crédito de confiança para que não volte a delinqüir. IV – CONCLUSÕES Podemos dizer que a Lei n. 9.099/95 surgiu no momento exato, em que nossas cadeias e presídios estão superlotados, e demonstram o tempo inteiro que a pena privativa de liberdade não é capaz de reabilitar e reinserir os infratores em nossa sociedade. Ao colocar em uma mesma cela infratores de delitos considerados de menor gravidade e prisioneiros perigosos, apenas estaríamos contribuindo para que aqueles se tornassem reincidentes, praticando crimes cada vez piores. Não há dúvida de que os Juizados Especiais são de fundamental importância à aplicação da Justiça nos dias atuais, 9 garantindo através da celeridade do processo a solução de demandas que levariam anos para serem apreciadas pela Justiça Comum. Busca-se a paz social, através da solução dos conflitos de forma menos autoritária e mais humana, valorizando o perdão, a retração e a prestação de serviços à comunidade. Pretendemos assim, chegar a uma sociedade mais justa e educada, em que o Estado não tenha tanto que intervir nos conflitos individuais. Sub censura. Lúcia Helena Carvalho Magri, adv. MAIO DE 2004 BIBLIOGRAFIA FILHO, Marino Pazzaglini, et al. Juizado Especial Criminal: aspectos práticos da Lei 9.099/95. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1997. GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei n. 9.099 de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 10 MIRABETE, Júlio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5.ed São Paulo: Atlas, 2002. SANTOS, Nilton Ramos Dantas. Manual do Juizado Especial Criminal: técnica e teoria. Rio de Janeiro: Forense, 1997. -----------------xxxxxxxx------------- 11