UNIFAVIP| DeVry CENTRO UNIVERSITÁRIO DO VALE DO IPOJUCA COORDENAÇÃO DE DIREITO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO THAMIRYS MENDES DE ANDRADE A UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL CARUARU 2014 THAMIRYS MENDES DE ANDRADE A UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário do Vale do Ipojuca- UNIFAVIP | DeVry como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Paula Rocha Wanderley CARUARU 2014 Catalogação na fonte Biblioteca do Centro Universitário do Vale do Ipojuca, Caruaru/PE A553uAndrade, Thamirys Mendes de. A utilização da carta psicografada como meio de prova no processo penal/ Thamirys Mendes de Andrade. – Caruaru: UNIFAVIP, 2014. 57f. Orientador: Paula Rocha Wanderley. Trabalho de Conclusão de Curso (Direito) – Centro Universitário do Vale do Ipojuca. 1. Constituição federal. 2. Processo penal. 3.Prova. 4. Religião. 5. Estado laico de direito. I. Título. CDU 34[14.2] Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367 THAMIRYS MENDES DE ANDRADE A UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário do Vale do Ipojuca- UNIFAVIP | DeVry como requisito para obtenção do título de bacharel em Direito, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores abaixo. Aprovada no dia: 10 de dezembro de 2014. BANCA EXAMINADORA ____________________________________ Profª. Orientadora Paula Rocha Wanderley ____________________________________ Profª. Examinadora Raíssa Braga ____________________________________ Profª. Examinadora Tatiana Aparecida CARUARU 2014 A meus pais que se esforçaram ao máximo para que eu pudesse concluir mais essa etapa da minha vida, me apoiando e acreditando que posso alcançar todos os meus objetivos. AGRADECIMENTOS A Deus, meu refúgio e fortaleza, pela graça da vida; pela sabedoria a mim confiada; por todas as bênçãos de amor e proteção que me proporciona. A Ti, meu Senhor, meu eterno agradecimento. Aos meus pais, Valdemir Andrade de Siqueira e Maria Aparecida Mendes de Andrade, por todo incentivo, amor, dedicação e por estarem sempre presentes, me orientando, em todos os momentos da vida. E, sobretudo, por não medirem esforços para que eu pudesse concluir mais esta etapa. À minha irmã, Thaynara Mendes de Andrade, pelo carinho, apoio, e por acrescentar alegria aos meus dias. Ao meu amigo e namorado, Brenno Farias, por estar ao meu lado, me apoiando, ao longo dessa trajetória. À minha prima, Samara Siqueira, por termos completado mais uma etapa juntas. Aos meus amigos de faculdade, em especial Alan, Carlos Alberto, Carlos Emanoel, Clebson, Linnyker e Samara, com os quais compartilhei bons momentos, e que fizeram desses cinco anos um período que carregarei em minha memória para sempre. À minha professora orientadora, Paula Rocha, pela paciência, atenção e contribuição para o desenvolvimento desta monografia. Enfim, sou grata a todos que me apóiam, torcem e que contribuem a cada dia para que eu me torne uma pessoa melhor. “Não temas porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a destra da minha justiça.” Isaías 41:10 RESUMO O presente trabalho monográfico, elaborado a partir de pesquisa científica, teve como objetivo analisar a admissibilidade e licitude da carta psicografada como meio de prova no processo penal brasileiro. A prova é o instrumento idôneo para alcançar a verdade numa demanda judicial. Tem por finalidade convencer o juiz, dando-o conhecimento dos fatos sobre os quais se versa a lide. A psicografia, por sua vez, é a técnica utilizada pelos membros do espiritismo, que consiste na transcrição de mensagens ditadas pelos mortos a um médium. Sendo a prova um dos mais importantes artifícios aplicados para atingir a veracidade dos fatos no litígio, e a psicografia uma reprodução natural da fé e da crença daqueles que seguem a religião espírita, buscou-se os fundamentos jurídicos que aceitam ou não a disponibilidade da carta psicografada como meio probante num Estado não confessional. Para tanto, abordou-se acerca da relação entre Direito e Religião, levando em consideração a separação Igreja-Estado, a laicidade e os princípios processuais penais instituídos pelo ordenamento jurídico pátrio. O método utilizado foi o de pesquisa bibliográfica, tendo por base o que já foi publicado em livros, artigos e jurisprudências. Essa dissertação trouxe ambos os posicionamentos, esperando uma melhor compreensão no que se refere à possibilidade de utilização da capacidade mediúnica como meio de comprovação judicial num Estado laico de Direito. No entanto, sem qualquer tipo de discriminação, concluiu-se que é incompatível com a ordem jurídica nacional o emprego de uma manifestação religiosa numa ação penal. Palavras-chave: Constituição Federal. Processo Penal. Prova. Religião. Carta psicografada. Estado laico de Direito. ABSTRACT This monograph, drawn from scientific research aimed to examine the legality and admissibility of the letter psychographed as evidence in the criminal justice process. The proof is the ideal instrument to reach the truth in a lawsuit. And aims to convince the judge, giving him knowledge of the facts upon which the deal works. The psychographics, in turn, is a technique used by members of spiritualism, which consists of the transcript of messages dictated by a dead medium. Proof being one of the most important devices used to achieve the veracity of the facts in dispute, and psychographics natural reproduction of faith and belief of those who follow the Spiritualist religion, we sought the legal grounds to accept or not the availability of the letter psychographed as evidentiary means in a non-confessional state. So, we approached the relationship between law and religion, taking into account the statechurch separation, secularism and criminal procedural principles established by the Brazilian legal system. The method used was the literature research, based on what has already been published in books, articles and case law. This thesis has brought both positions, expecting a better understanding regarding the possible use of psychic ability as a means of proving a secular state court of law. However, without any kind of discrimination, it was concluded that it is incompatible with the national legal system employing a religious manifestation in a criminal action. Keywords: Federal Constitution. Criminal Psychographed letter. Secular rule of law. Procedure. Proof. Religion. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ampl. ampliada art(s). artigo(s) atual. atualizada CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CPP Código de Processo Penal DJ Diário de Justiça DJE Diário de Justiça Eletrônico ed. edição GO Goiás IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística j. julgamento Min. Ministro MS Mato Grosso do Sul p. página(s) PR Paraná rel. relator rev. revista RJ Rio de Janeiro RS Rio Grande do Sul STA Suspensão de Tutela Antecipada STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça T. Turma USP Universidade de São Paulo vol. volume v.u. votação unânime SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10 CAPÍTULO I- A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E RELIGIÃO QUANTO AO CONTEÚDO DAS NORMAS JURÍDICAS ............................................................... 12 1.1. FONTES DO DIREITO .................................................................................. 13 1.2. SEPARAÇÃO IGREJA-ESTADO E LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO 15 1.3. A PSICOGRAFIA NA DOUTRINA ESPÍRITA ................................................ 21 CAPÍTULO II- DISCUSSÕES PERTINENTES À TEORIA GERAL DA PROVA ...... 24 2.1. BREVE HISTÓRICO DA PRODUÇÃO PROBATÓRIA NO BRASIL .............. 24 2.2. PRINCÍPIOS GERAIS RELEVANTES À PROVA .......................................... 29 2.2.1. Princípio do Contraditório .......................................................................... 30 2.2.2. Princípio da Ampla Defesa .......................................................................... 31 2.2.3. Princípio da Busca da Verdade .................................................................. 32 2.2.4. Princípio da Liberdade Probatória ............................................................. 32 2.2.5. Princípio do Favor Rei ................................................................................. 33 2.3. PROVAS ILÍCITAS E ILEGÍTIMAS ................................................................ 34 CAPÍTULO III- A CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA.................. 37 3.1. CASOS EM QUE FORAM UTILIZADAS AS CARTAS PSICOGRAFADAS COMO MEIO PROBATÓRIO NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO .................................. 37 3.2. TEORIAS QUE POSSIBILITARIAM A ACEITAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL ................... 40 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA NA JURISDIÇÃO CRIMINAL ......................................................................................... 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 50 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 53 10 INTRODUÇÃO Este trabalho tem por intuito a análise da possibilidade de utilização da carta psicografada como meio de prova no processo penal brasileiro frente aos princípios constitucionais da laicidade do Estado, que instituiu a liberdade religiosa, e do contraditório. Em decorrência de alguns casos polêmicos ocorridos no Brasil, buscou-se entender se a carta psicografada estaria incluída entre os meios de prova aceitos no ordenamento jurídico nacional, uma vez que existem decisões judiciais que as admitiram, apesar de que a utilização desse fenômeno no curso do processo fosse considerada, no mínimo, excêntrica. Desde a primeira sentença proferida no Brasil, datada no ano de 1976, admitindo a carta psicografada como meio de prova, discute-se a razoabilidade de sua utilização no processo forense, visto que tal viabilidade poderia significar uma afronta aos princípios constitucionais e processuais penais basilares do Direito vigente. Faz-se, pois, necessária uma pesquisa como a que ora se propõe, em virtude da ampla divergência nos entendimentos dos aplicadores do Direito quanto à matéria, se a admissibilidade da carta psicografada seria ou não uma exceção ao princípio da liberdade probatória. Para melhor esclarecimento do tema, a presente pesquisa optou por destrinchar separadamente os assuntos mais relevantes, sendo que o primeiro capítulo apresenta um estudo acerca da relação entre Direito e Religião, principalmente, na obrigatoriedade do Estado se abster de interferir em questões de cunho religioso, em virtude do princípio da laicidade do Estado e da liberdade religiosa, consagrados pela Constituição atual. O segundo capítulo trata da prova processual, fazendo uma apreciação a respeito dos princípios que mais se amoldam à matéria e demonstrando que apesar da liberdade probatória, a partir de uma interpretação sistemática do ordenamento pátrio pode se verificar que os princípios constitucionais e as normas de direito material impõem restrições à sua produção, sob pena de ilicitude, caso em que deverão ser desentranhadas do processo. 11 Tudo isso, para que no terceiro capítulo o assunto possa ser propriamente discutido, trazendo à baila os argumentos defensivos e contrários à admissibilidade da carta psicografada numa demanda judicial. Valendo-se da compreensão de que a prova é um dos mais importantes artifícios aplicados para atingir a veracidade dos fatos no litígio, e que a psicografia é uma reprodução natural da fé e da crença daqueles que seguem a religião espírita, esta monografia buscará apreciar, sem qualquer tipo de discriminação, a possibilidade de utilização e licitude da capacidade mediúnica como meio de comprovação judicial num Estado laico de Direito, conforme a Carta Magna de 1988. Ademais, este trabalho visará aferir o risco que o emprego de um fenômeno como esse pode causar ao princípio do contraditório e se a aceitação de um subjetivismo devoto é realmente nociva ao Direito, já que não há eventual potencialidade de ser comprovado por meios científicos e convencionais. Quanto à metodologia aplicada, a pesquisa a ser desenvolvida será descritiva, de forma qualitativa, utilizando-se do método bibliográfico. As fontes adotadas serão, principalmente, doutrina, artigos científicos, bem como as jurisprudências encontradas sobre o tema tratado, de 1976 até hoje, para que ao final possa se concluir por uma solução razoável acerca da aceitação da carta psicografada pelo Judiciário vernáculo. 12 CAPÍTULO I- A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E RELIGIÃO QUANTO AO CONTEÚDO DAS NORMAS JURÍDICAS Auguste Comte1, sociológico e filósofo do direito, acreditava que a religião dos dias atuais pode, ou melhor, deve ter influência positivista, argumentando que a fé como era vista no passado traz um modo de pensar ultrapassado a quem a segue. De acordo com seu entendimento, o homem não pode crer na revelação ou em uma divindade de maneira clássica, contudo não nega que essa seja uma necessidade permanente do ser humano, pois precisa amar algo que seja maior que ele próprio. As religiões, em suas doutrinas, estabelecem condutas e princípios que devem ser seguidos pelos seus fiéis, e é exatamente nesse ponto que se assemelha ao Direito, uma vez que ambos estipulam condutas sociais, funcionando como mecanismos de controle, que objetivam o bem comum. No entanto, enquanto esse traz uma segurança jurídica à sociedade por prescrever normas de proteção aos indivíduos, aquelas partem de uma concepção subjetiva de cada um, baseada na fé, não protegendo de forma concreta as pessoas em suas relações entre si e com o Estado. Apesar da laicidade adotada por muitos Estados, quanto aos direitos e deveres do homem, não se pode duvidar da grande influência que as religiões trouxeram para o convívio social, isso porque usavam comportamentos e valores que são seguidos até hoje. Num estudo realizado em 20102, aferiu-se que, no geral, 84% (oitenta e quatro por cento) da população mundial se identifica com alguma religião, a qual traz ensinamentos que interferem no dia-a-dia de todos; e o Direito, enquanto ciência que regula e preza pela harmonia em sociedade não pode ficar totalmente alheio a tais questões. O que não quer dizer que se deixe influenciar por questões religiosas, já que isso acarretaria um retrocesso, no qual não se poderia distinguir Direito e Religião. 1 COMTE, Auguste, apud ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico; tradução Sérgio Bath. 6ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2003 (Coleção tópicos); p. 149/151. 2 HENEGHAN-REUTERS, Tom. “Sem-religião” são o 3º maior grupo do mundo, após cristãos e muçulmanos. In: Estadão. 17 de dezembro de 2012. Disponível em: <http://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,sem-religiao-sao-o-3-maior-grupo-do-mundo-aposcristaos-e-muculmanos,975282>. Acesso em: 30/09/2014. 13 1.1 FONTES DO DIREITO O termo “fonte” é utilizado para indicar a origem, o ponto de partida de alguma coisa. Conforme ensinamento de Nelson Saldanha3: A sugestiva expressão latina fons et origo aponta para a origem de algo: origem no sentido concreto de causação e ponto de partida. Fonte, na linguagem corrente, pode aludir a um local ou a um fator, ou à relação entre um fenômeno e outro, do qual o primeiro serve de causa. Assim, entende-se por “fonte do direito” a origem primária jurídica, isto é, dos fatores que impulsionaram o aparecimento da norma jurídica. A doutrina conceitua e classifica o tema de forma variada, conquanto não haja uma uniformidade em relação ao rol dessas fontes. Para Maria Helena Diniz distinguem-se em duas espécies: as de fonte material e as de fonte formal. Todavia, essa doutrinadora é seguidora da teoria egológica defendida por Carlos Cossio, segundo a qual o aplicador do direito deve levar em consideração tanto as fontes formais quanto as materiais, sendo, pois, fontes formais-materiais, porque “toda fonte formal contém, de modo implícito, uma valorização, que só pode ser compreendida como fonte do direito no sentido de fonte material.”.4 As fontes materiais apontam a procedência do direito, os fatores que levaram a criação dos dispositivos jurídicos, como por exemplo, fatores éticos, sociológicos, políticos. As fontes formais, por sua vez, são os meios pelos quais se manifestam as normas, a forma pela qual se exterioriza o direito; e, como o direito atual é de origem estatal se dá preferência pela forma escrita, uma vez que se torna acessível a todos. Podem ser estatais, que se subdividem em legislativas (atos normativos) e jurisprudenciais (sentenças, súmulas, etc.); ou não estatais, que abrange o direito consuetudinário, doutrina, as convenções e negócios jurídicos. Destarte, a breve análise acerca do tema abordado teve por interesse demonstrar, especialmente, os elementos que fizeram surgir o direito vigente no 3 SALDANHA, Nelson. Fontes do Direito. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, v.38. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18 ed. rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2006; p. 284. 4 14 país, aludindo para o fato de que conforme leciona Maria Helena Diniz 5 foram determinantes: [...] não só fatores sociais, que abrangem os históricos, os religiosos, os naturais (clima, solo, raça, natureza geográfica do território, constituição anatômica e psicológica do homem), os demográficos, os higiênicos, os políticos, os econômicos e os morais (honestidade, decoro, decência, fidelidade, respeito ao próximo), mas também os valores de cada época [...]. São elementos que emergem da própria realidade social e dos valores que inspiram o ordenamento jurídico. É cediço que na Religião acha-se uma das fontes do direito; não se pode negar o fato de que durante muito tempo esses dois conceitos se misturavam. A própria pena imposta ao faltoso tinha caráter de expiação, pois o crime, antes de ser um ilícito, era um pecado, razão pela qual, no antigo Egito, aquele que atentava contra lei do faraó cometia não apenas crime, mas também sacrilégio.6 Mesmo no Brasil, Estado oficialmente laico, fatores religiosos relacionam-se ao direito, visto que as religiões até hoje determinam certos comportamentos sociais, e o objetivo da ordem jurídica é, exatamente, controlar as relações da sociedade, tutelando valores humanos. Não obstante, o Direito nada mais é do que o Poder Político juridicamente organizado; dessa feita, as normas são elaboradas expressando a vontade daquele que exerce o poder. Nesse sentido, Dimitri Dimoulis7 explica: O direito não se cria com base em valores, ideais ou necessidade da sociedade em geral. O direito é um fenômeno histórico, que exprime a vontade política dominante em determinado momento. Essa relação de poder está presente no contrato social, um dos elementos da soberania, o qual está diretamente ligado à idéia de compromisso e admissão da lei como meio de obtenção da ordem. 5 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18 ed. rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2006; p. 286/287. 6 AGUIAR, Igor Nóbrega. Fontes do Direito Obrigacional. In: Boletim Jurídico. 01 de novembro de 2004. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=398>. Acesso em: 10/10/2014. 7 DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 6 ed. rev. atual. e ampl.-São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014; p. 166. 15 Ademais, o direito está em constante mutação, tendo em vista que busca regular, de forma abstrata, a vida em sociedade. A partir do instante em que não puder solucionar os conflitos que a comunidade, a qual se destina, lhe apresentar se tornará ineficaz e de nada adiantará. O direito está para a sociedade e não o contrário. 1.2. SEPARAÇÃO IGREJA-ESTADO E LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO Em 1515, a palavra Estado foi utilizada pela primeira vez na história, com a publicação do livro intitulado “O Príncipe” de Maquiavel8, no qual: Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre republicas ou principados. Os principados ou são hereditários, quando, por muitos anos os governantes pertencem à mesma linhagem, ou foram fundados recentemente. Estes últimos podem ser de todo novos, como aconteceu com o de Francisco Sforza, em Milão, ou são acréscimos aos domínios hereditários de um príncipe, que os anexa, como ocorre com o reino de Nápoles com relação ao rei da Espanha. Os súditos dos domínios assim adquiridos estavam previamente habituados ao governo de outro príncipe, ou então eram Estados livres, anexados pela força das armas do príncipe, ou de outrem, quando não pela força do seu próprio valor ou sorte. Por essa concepção, o termo Estado estava ligado à noção de uma cidade independente, pois foi somente a partir do século XVI que tal expressão obteve o significado de sociedade política. Com o advento da Revolução Francesa e seu pensamento liberal, passou-se a conciliar nação com as ideias de liberdade, igualdade e fraternidade, buscando a criação de um Estado-nação, em contrapartida ao Estado absolutista que vigorava até então, onde o rei personificava o Estado. Dessa forma, o poder que antes estava nas mãos do soberano foi transferido para o povo, sendo esse o entendimento que vigora nos dias atuais, uma vez que o povo é detentor do poder, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 1º, da Carta Magna de 1988. Modernamente, entende-se que o Estado é uma das mais intrincadas organizações sociais já criadas pelo homem. Consoante definição de Max Webber9, uma das mais utilizadas no estudo das Ciências Políticas, trata-se de 8 MAQUIAVEL. O Príncipe. Título Original: Il Principe (1513-1516). Tradução: Pietro Nassete. 4ª Reimpressão. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 31. 9 WEBBER, Max, apud COTRIM,Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas, 15ª ed. reform. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 290/295. 16 uma instituição política que, dirigida por um governo soberano, detém o monopólio do uso da força física, em determinado território, subordinando a sociedade que nele vive. Dessa feita, o Estado detém o monopólio do poder e deve garantir o cumprimento das leis, da ordem e da segurança social, já que foi originado para lidar com os conflitos decorrentes das relações sociais, sendo o responsável, portanto, por promover o bem-estar da nação. Rousseau10, em sua mais aclamada obra “Do Contrato Social”, destacou que o homem ao se organizar em sociedades adquiriu o senso de justiça, ao abrir mão de certas liberdades individuais em prol da coletividade, pois se viu na obrigação de respeitar “a voz do dever” imposta pelo detentor do poder, ou seja, o Estado, aquele período. Na Antiguidade, tinha-se o entendimento que Estado e Religião formavam uma instituição única, tendo em vista que os soberanos recebiam tal poder diretamente de uma divindade. No período da chamada Idade Média, iniciado com a queda do Império Romano em 476, a Igreja Católica aumentou significativamente sua influência sobre toda a população, interferindo em praticamente todos os ramos, como por exemplo, nas Artes, na Cultura, na Política, na Filosofia, tornando-se a instituição mais poderosa da época. A primeira vez que foram separadas as concepções de Estado e Religião foi com Jesus Cristo em sua famosa passagem “Daí a Cesar o que é de Cesar, e a Deus o que é de Deus”. 11 Essa separação entre Estado e Igreja é um marco do regime democrático atualmente instituído pela maioria dos países, uma vez que é pressuposto para a liberdade religiosa assegurada na sociedade. 10 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato Social. Título original: Du Contrat social: príncipes du droit politique. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. 3ª ed.. São Paulo: Martins Fontes, 1996.- (Clássicos). p. 20/23. 11 PEREIRA, Bruna Caroline. A separação do estado e da igreja para o bem do direito: uma análise jurídica fundamentada no contexto histórico. In: Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4526>. Acesso em: 09/09/2014. 17 John Locke12 defendeu incisivamente a concepção de que o poder estatal não pode estar atrelado à comunidade eclesiástica. Em vários de seus textos demonstrou sua preocupação com a liberdade religiosa à época: Para estabelecer a paz dos locais onde há diferentes opiniões religiosas, duas coisas devem ser perfeitamente distinguidas: religião e governo, e suas espécies de oficiais, magistrados e ministros, e suas províncias [...]; o magistrado deve apenas visar a paz e segurança do Estado, os ministros devem estar apenas preocupados com a salvação da alma, e se estes últimos fossem proibidos de se intrometer com a composição e execução das leis em sua prédica, provavelmente nós estaríamos muito mais tranqüilos. Assim como o autor afirmava a necessidade da tolerância religiosa em meados do século XVII, hoje, é incabível se pensar em liberdade de crença quando o Estado está diretamente ligado a uma religião oficial, prova disso são os países islâmicos que vivem em eterna crise em razão de discussões religiosas. A primeira Constituição brasileira, outorgada em 1824, tinha caráter confessional, pois estava estabelecido em seu artigo 5º 13, que a religião Católica Apostólica Romana era a religião oficial do Império, todas as outras religiões, porém, somente poderiam ser professadas domesticamente ou em locais com essa destinação, desde que não se assemelhassem a templos, conforme transcrito: Art. 5º. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. Assim, conforme aponta José Afonso da Silva14, nesse período, a liberdade religiosa era apenas relativa, uma vez que as outras religiões, que não a Católica, eram apenas toleradas. No Brasil, as críticas acerca da união Estado-Religião culminaram por volta do ano de 1860, o que foi decisivo para a edição do Decreto 119-A de 07 de janeiro de 12 LOCKE, John, apud REIS, Daniela Amaral dos. A separação Igreja-Estado na Doutrina sobre a Tolerância de John Locke. In: Kínesis, Vol. IV, n° 08, Dezembro 2012. p. 99. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/danielareis_7.pdf>. Acesso em 07/09/2014. 13 BRASIL. Constituição do Império de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 09/09/2014. 14 SILVA, José Afonso, apud RACHEL, Andrea Russar. Brasil: a laicidade e a liberdade religiosa desde a Constituição da república Federativa de 1988. In: Jus Navigandi. Julho de 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22219/brasil-a-laicidade-e-a-liberdade-religiosa-desde-a-constituicaoda-republica-federativa-de-1988>. Acesso em: 10/09/2014. 18 1890, que veio a proibir a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagrar a plena liberdade de cultos, extinguir o padroado e estabelecer outras providências. 15 Todavia, o marco que deve ser levado em consideração quando se trata da separação em questão, no Brasil, é a Proclamação da República. Por força dos pensamentos liberalistas e positivistas, a primeira Constituição da República de 1891, em seu artigo 72, §3º 16, passou a prever a liberdade de culto, ratificando, por fim, a separação entre Igreja e Estado. Desde então, essa foi uma regra constante nas demais constituições brasileiras. Logo, o Brasil é um Estado laico de Direito, ou seja, não professa nenhuma religião oficial, conforme artigo 19, I, da Carta Magna, que traz como vedação à Federação brasileira o estabelecimento de cultos religiosos, bem a como a subvenção desses pelo Estado. Baseando-se nisso é que foi assegurado o direito previsto no artigo 5º, VI, da Constituição Federal 17, in verbis: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; Ainda no mesmo dispositivo constitucional estão previstos os direitos de prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (inciso VI); e, também, a chamada escusa de consciência (inciso VIII), consagrando a possibilidade da colaboração de ambas às instituições em benefício do interesse público e bem de todos. Dessa feita, a atual Lei Maior do país reafirmou o Estado leigo; no entanto, em razão dos objetivos da República, dentre eles, a promoção do bem comum, nada impede a cooperação entre Estado e Igreja em obras sociais, como foi acima 15 BRASIL. Decreto 119-A. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/18511899/D119-A.htm>. Acesso em: 10/09/2014. 16 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em: 10/09/2014. 17 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10/09/2014. 19 elucidado e consoante previsão do artigo 19, inciso I 18, abaixo reproduzido: Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; Não se deve olvidar, por conseguinte, que o Estado possui o dever de proteger as igrejas e templos, não criando nenhum obstáculo ao seu funcionamento, nem deixando que qualquer outro o crie. Algumas dúvidas são geradas, contudo, ao ser analisado o preâmbulo da Constituição Cidadã19, uma vez que lá está disposto que essa veio a ser promulgada “sob a proteção de Deus”, aliás, todas as Constituições, excetuando as de 1891 e 1937, invocaram tal proteção: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Isso não significa que a Constituição brasileira se submeteu a determinada doutrina religiosa. Não. O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Judiciário pátrio e guardião da Constituição da República (artigo 102, caput, da CF/88), entende pela irrelevância jurídica do preâmbulo constitucional, aduzindo que esse não possui valor normativo, mas sim político e histórico20, não podendo ser parâmetro para controle de constitucionalidade. Logo, esse texto nada mais é do que uma carta de apresentação e norte interpretativo das normas constitucionais, e, portanto, não afeta o direito de livre crença assegurado dentre os direitos individuais 18 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10/09/2014. 19 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10/09/2014. 20 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.076. rel. Min. Carlos Velloso. Plenário. j. 15/08/2002. DJ. 08/08/2003. In: Diário de Justiça Eletrônico.. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324>. Acesso em: 17/11/2014. 20 previstos no Texto Maior. Com isso, a Constituição Cidadã ao declarar que o Brasil é um país não confessional, não quer dizer que seja ateu; além do preâmbulo, outras normas constitucionais podem comprovar essa afirmativa, como por exemplo o artigo 210, §1º, que admite que o ensino religioso seja fornecido em escolas públicas de ensino fundamental sob matrícula facultativa, isto é, apenas os interessados assistirão as aulas. Assegura em seu artigo 5º, VII, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva. Admite que o casamento religioso possua efeitos civis, na forma da lei, conforme artigo 226, §§1º e 2º. 21 Apesar de já não haver mais uma união entre as instituições Igreja-Estado, não foi objetivo do legislador constituinte originário criar barreiras entre eles. O STF 22 já se posicionou nesse sentido: O relator expôs que não se aplica à realidade constitucional brasileira a posição jurisprudencial norte-americana contrária a que se aprovem leis que favoreçam uma ou mesmo todas as religiões. Não se ajusta ao modelo da Constituição de 1988 a imagem de “construção de um muro entre Igreja e Estado.” A ligação que a Constituição proíbe e repudia é aquela que afronta o próprio direito conferido aos cidadãos e que vem a impedir o exercício de todas as religiões dentro do território brasileiro. É válido ressaltar ainda que segundo entendimento de José Afonso da Silva23, a liberdade religiosa é gênero de três espécies de liberdade, quais sejam: liberdade de crença; a liberdade de culto; e a liberdade de organização religiosa. A primeira compreenderia a liberdade de escolher, mudar e aderir a qualquer religião, bem como não crer em nenhuma; não engloba, porém, a liberdade de prejudicar ou interferir o livre exercício crença do outro. A liberdade de culto seria no sentido que o Estado não pode condicioná-la, 21 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10/09/2014. 22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STA 389- Agravo Regimental. Rel. Min. Presidente Gilmar Mendes. j. 03/12/2009, Plenário, DJE de 14/05/2010. In: Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610995>. Acesso em: 18/11/2014. 23 RACHEL, Andrea Russar. Brasil: a laicidade e a liberdade religiosa desde a Constituição da república Federativa de 1988. In: Jus Navigandi. Julho de 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22219/brasil-a-laicidade-e-a-liberdade-religiosa-desde-a-constituicao-darepublica-federativa-de-1988>. Acesso em: 10/09/2014. 21 devendo apenas proteger seus templos e liturgias, na forma da lei. Essa garantia é também umas dos motivos pelos quais foi reconhecida a imunidade fiscal aos templos de qualquer culto (artigo 150, VI, "b", da CF/88). No que se refere à liberdade de organização religiosa é a possibilidade de estabelecer relações com o Estado, pois esse, como já foi dito, deve proteger as religiões e suas liturgias, e o critério a ser utilizado é o objetivo de determinada crença, ou seja, a Administração Pública não pode decidir discricionariamente com qual religião pode estabelecer vínculos de colaboração, pois se qualquer que seja a doutrina tenha por intuito a busca do bem-estar do indivíduo e o engrandecimento deste perante a sociedade merece a proteção estatal. Não obstante, o direito à liberdade religiosa é uma das cláusulas pétreas do sistema jurídico nacional, conforme está inserto no artigo 60, §4º, IV, da Constituição da República de 1988, isto é, somente se fosse estabelecido uma nova ordem jurídica no país é que esse direito poderia vir a ser extinto, já que por meio de emenda à Constituição isso não seria possível. 1.3. A PSICOGRAFIA NA DOUTRINA ESPÍRITA Conforme conceitua o Dicionário Aurélio24 a psicografia é a “Escrita dos espíritos pela mão de um médium.” Em suma, é uma técnica utilizada pelos membros da religião espírita kardecista, na qual os médiuns escrevem mensagens que lhes são transmitidas e ditadas por espíritos desencarnados, aqueles já desligados do corpo físico que se encontram no plano espiritual. O doutrinador espírita Edvaldo Kulcheski25 explica a psicografia como sendo “[...] a mediunidade pela qual os espíritos influenciam a pessoa, levando-a escrever [...]”. A carta psicografada, assim, é o resultado da prática mediúnica, sendo a mensagem escrita transmitida pelos espíritos dos mortos. 24 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio online. Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio.com/psicografia>. Acesso em 22/09/2014. 25 KULCHESKI, Edvaldo e ROMANO, Maria Aparecida. O que é mediunidade?. p. 61. Disponível em: <http://bvespirita.com/O%20Que%20%C3%A9%20Mediunidade!%20(Edvaldo%20Kulcheski%20e%2 0Maria%20Aparecida%20Romano).pdf>. Acesso em: 22/09/2014. 22 A doutrina em tela tem por concepção a crença de que os espíritos podem se manifestar do além, chegando até a se comunicar com pessoas na terra, que são denominadas de médiuns. Allan Kardec 26, precursor do Espiritismo, dedicou-se a estudar esse fenômeno, tentando a priori interligar essas observações às consequências filosóficas, estabelecendo as leis que regem as relações entre o mundo visível e o invisível: O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as conseqüências morais que dimanam dessas mesmas relações. Podemos defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal. Essa religião, porém, não é a única, no Brasil, que admite esse tipo de interação entre os vivos e os mortos, como é, por exemplo, o caso da Umbanda. A diferença entre elas é justamente que no Espiritismo isso pode ser expresso através de cartas, isto é, de forma escrita e racionalizada. Existe uma série de questionamentos sobre o fato de o Espiritismo ser ou não uma religião, visto que o próprio Allan Kardec nunca chegou a defini-lo assim, como pode ser comprovado na citação anterior. Segundo ele poderia ser considerado como sendo uma doutrina de cunho filosófico, científico e moral: A versão do espiritismo de Kardec é anticlerical, não transcendental e muito mais científica do que religiosa. O espiritismo kardecista entende que todos os fenômenos são fenômenos humanos, alguns dos homens na terra, outros fenômenos dos homens sem corpo. Kardec reforça a separação entre corpo e alma e propõe uma diferente maneira de ver a morte, que segundo sua concepção é o desaparecimento do corpo. A alma, também chamada de espírito por muitos filósofos, ainda tem predominância sobre o corpo, que é considerado como perene. A manutenção dos conhecimentos e informações com a alma, mesmo após a morte, permite a comunicação entre vivos e mortos, ou melhor, entre aqueles que são corpo e alma e aqueles que somente são alma. [...]. Há uma lei fundamental para isso, que é a lei da ação e reação. Semelhante às leis da física, o espiritismo kardecista prega que dado uma ação tem-se uma reação, seja ela no plano dos homens, seja no plano dos espíritos. Afasta-se a concepção de graça, pregada no cristianismo, acentuando-se a questão da igualdade entre os homens. Afasta-se a concepção de deuses superiores aos homens e a necessidade de mediadores religiosos para se alcançar o divino. Todas essas explicações do espiritismo kardecista têm forte conotação cientificista e racionalizantes, ao se basearem nas explicações correntes de ciência da 26 ÁREA DE ESTUDO DOUTRINÁRIO DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA, responsável Cecília Rocha. Estudo sistematizado da doutrina espírita: programa de fundamental, v.1. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2007; p. 26. 23 época, seja ela o magnetismo, a divisão corpo e alma, ou mesmo nas leis da física mecânica.27 Tal doutrina passou a ser fortemente difundida no Brasil a partir do século XX. No entanto, aqui se predominou a versão defendida por Jean-Batiste Rousteing, na qual prevalece o entendimento de que se trata de uma doutrina religiosa, colocando os médiuns como figuras centrais e fundamentais em sua crença. Na concepção adotada no Brasil, portanto, deixou-se de priorizar a racionalização e a cientificidade das ideias tão necessárias à versão de Kardec. 28 Dessa feita, o chamado espiritismo brasileiro é aquele mais voltado aos dogmas cristãos, aceitando, por exemplo, a existência de uma divindade como ser superior e do destino, e por isso, aqui, assim como em vários países, é sim considerado uma religião. Chico Xavier, o mais famoso médium brasileiro, fez com que a prática espírita ficasse extremamente conhecida no país, tendo em vista as inúmeras cartas e livros que veio a escrever através das mensagens ditadas pelos espíritos dos mortos. Sua vida simples, idônea e dedicada ao atendimento de pessoas com doenças tanto físicas quanto espirituais deu a ele, após sua morte, o status de “homem santo”. Ele é, até hoje, o maior responsável pelo aumento do número de adeptos ao Espiritismo no Brasil, que segundo dados do IBGE foi uma das religiões que apresentaram crescimento tendo por base o último censo realizado no ano de 2000, passando de 1,3% da população (2,3 milhões) para 2% em 2010 (3,8 milhões), tendo um aumento de aproximadamente 65% no número de seguidores, sendo essas pessoas com o maior nível de escolaridade e renda familiar em comparação aos outros segmentos religiosos.29 27 SALGADO, Gisele Mascarelli. A racionalização do Direito: uma discussão sobre uma prova inusitada, a carta psicografada. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XV, n .99, abril de 2012. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11539 &revista_caderno=15>. Acesso em: 22/09/2014. 28 SALGADO, Gisele Mascarelli. A racionalização do Direito: uma discussão sobre uma prova inusitada, a carta psicografada. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XV, n .99, abril de 2012. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11539 &revista_caderno=15>. Acesso em: 22/09/2014. 29 IBGE: com maior rendimento e instrução, espíritas crescem 65% no País em 10 anos. In: Último Segundo. 29 de julho de 2012. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-0629/ibge-com-maior-rendimento-e-instrucao-espiritas-crescem-65-no-pais-em-10-anos.html>. Acesso em: 22/09/2014. 24 CAPÍTULO II- DISCUSSÕES PERTINENTES À TEORIA GERAL DA PROVA Assim como ensina Renato Brasileiro de Lima30, numa análise à nova redação do artigo 155 do Código de Processo Penal, o termo prova é utilizado para denominar os elementos que formarão a convicção do juiz quanto à situação fática alegada no processo judicial, produzidos respeitando-se os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. A prova é, pois, o instrumento idôneo utilizado para alcançar a verdade numa demanda judicial, que tem por objeto, ou seja, finalidade, convencer o juiz, dando-o conhecimento acerca dos fatos sobre os quais se versa a lide, para que possa reunir elementos suficientes ao proferir seu julgamento. Pode-se dizer que o direito à prova é uma reprodução natural do direito de ação, já que o Estado ao permitir que se postule em juízo, não pode negar ao seu legitimado a possibilidade de se utilizar dos meios probatórios para convencer o órgão julgador acerca da verdade dos fatos que submeteu a sua apreciação. O contraditório a que se referiu anteriormente pode ser considerado uma condição inerente ao conceito de prova, visto que a participação do acusador, acusado e advogados são imprescindíveis a sua produção, a qual, consequentemente, só poderá ser introduzida no processo na presença do juiz e da participação dialética das partes. Justamente, nesse ponto, é que prova se diferencia de elementos de informação que, por sua vez, são os elementos obtidos na fase investigatória sem a participação das partes envolvidas no conflito. Dessa feita, Fernando da Costa Tourinho Filho 31 leciona que pode ser tido como meio de prova tudo aquilo que venha a auxiliar a compreensão acerca da verdade dos fatos, seja testemunhas, documentos, perícia, e tantos outros, desde que sua produção não seja considerada inconstitucional, ilegal ou imoral. 2.1. BREVE HISTÓRICO DA PRODUÇÃO PROBATÓRIA NO BRASIL Em 1500, quando o Brasil foi descoberto e se tornou colônia de Portugal, foi aplicada no país a legislação portuguesa para a solução dos conflitos que aqui 30 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p. 819/821. 31 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 13ª Ed.- São Paulo: Saraiva, 2010; p. 555. 25 surgissem, já que deveria seguir as normas da Metrópole. O sistema jurídico português à época orientava-se através das chamadas Ordenações do Reino, que por sua vez, foi a forma encontrada por Portugal de unificar e sistematizar as suas leis que emanavam do Direito Romano, Canônico e Germânico32. Nessa ocasião, estavam vigentes as Ordenações Afonsinas, elaboradas durante os reinados de D. João I, D. Duarte e publicadas, em 1446, no de Afonso V, que foi homenageado com a nomenclatura da norma. Estavam divididas em cinco livros, os quais tratavam da organização judiciária, das competências, da relação Igreja e Estado, das relações civis e comerciais, e do direito penal e processual penal, que era diretamente influenciado pelo Direito Canônico e o sistema inquisitorial.33 Já no século XVI, houve a instituição das Ordenações Manuelinas, que mantiveram toda a influência religiosa na legislação processual. O Direito Canônico somente perdeu um pouco de espaço com a elaboração das Ordenações Filipinas, durante o reinado de Felipe II, mas manteve grande parte das disposições das normas anteriores, já que as regras processuais penais só sofreram efetiva mudança com a edição do Código de Processo Criminal do Império, em 1832. Enquanto vigeram as Ordenações, as provas eram apreciadas segundo o sistema da prova legal ou tarifada, sendo que o juiz devia se ater àquelas que estavam presentes no processo e com o sistema inquisitivo, em busca da verdade real, eram admitidos métodos, para obtenção das provas, realmente cruéis e bárbaros.34 Todavia, com a expansão do pensamento liberalista, difundido na Europa no século XVIII, fez-se necessária uma reforma na legislação penal, que culminou com a edição da Lei de 12 de Novembro de 1821, que veio a extinguir as devassas 32 SILVA, Joilson José da. Ordenações do Reino- Raízes Culturais do Direito Brasileiro. In: Web artigos. Junho de 2009. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/ordenacoes-do-reinoraizes-culturais-do-direito-brasileiro/19429/>. Acesso em: 08/10/2014. 33 SILVA, Joilson José da. Ordenações do Reino- Raízes Culturais do Direito Brasileiro. In: Web artigos. Junho de 2009. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/ordenacoes-do-reinoraizes-culturais-do-direito-brasileiro/19429/>. Acesso em: 08/10/2014. 34 SOUZA, André Pereira de. O sistema acusatório e a possibilidade de produção de provas pelo juiz na fase pré-processual, conforme o art. 156, I, Código de Processo Penal: aspectos legais e constitucionais. 2009. 74f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – FAPRO – Faculdade Projeção, Taguatinga, DF, 2009. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/monografia-tcc-tese,o-sistema-acusatorio-e-a-possibilidade-deproducao-de-provas-pelo-juiz-na-fase-pre-processual-conforme-o-art-1,25530.html>. Acesso em: 08/10/2014. 26 gerais35- instrumento de exercício de poder da Corte portuguesa para inspecionar os empreendimentos coloniais- e, consequentemente, com a elaboração do Código de Processo Criminal de 1832, fortemente influenciado pelo Iluminismo, que permitiu, por exemplo, que o processo se iniciasse pela queixa do ofendido, pelo juiz ou por qualquer do povo36. A Constituição de 1891, a primeira da República, autorizou que os Estadosmembros elaborassem suas próprias Constituições, e legislassem sobre direito processual penal, mas como poucos o fizeram, o Código de 1832 manteve-se vigente. Quando a competência para legislar voltou a ser da União, conforme previsto nas Constituições de 1934 e 1937, foi promulgado o ainda atual Código de Processo Penal através do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, que mesmo mantendo a fase do Inquérito Policial, adotou o sistema acusatório, colocando o juiz imparcial no centro da relação processual, um órgão acusador de um lado, função para a qual foi criado em 1988 o Ministério Público, e o acusado do outro, exercendo seus direitos e garantias. Em virtude disso, a apreciação das provas, ao longo do tempo no país, passou por diversas fases. Tal assunto diz respeito à vinculação do juiz a alguma prova produzida em juízo. Quanto ao tema elucidado, três sistemas de avaliação probatória devem ser conhecidos, quais sejam: da íntima convicção; da prova legal ou tarifada; e, do livre convencimento motivado. O sistema da íntima convicção ou da certeza moral do juiz é aquele que entende que o magistrado pode valorar a prova como bem quiser, de acordo com sua própria convicção, sem a necessidade de fundamentar sua decisão. Há aqui uma liberdade ilimitada quanto à valoração das provas, sendo esse o sistema que prevalece, excepcionalmente, no ordenamento brasileiro, visto que só é passível de aplicação no Tribunal do Júri, pois a regra estabelecida pela Constituição Federal, 35 MARTINS, Lucas Moraes. Uma Genealogia das Devassas na História do Brasil. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3245.pdf>. Acesso em: 08/10/2014. 36 SOUZA, André Pereira de. O sistema acusatório e a possibilidade de produção de provas pelo juiz na fase pré-processual, conforme o art. 156, I, Código de Processo Penal: aspectos legais e constitucionais. 2009. 74f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – FAPRO – Faculdade Projeção, Taguatinga, DF, 2009. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/monografia-tcc-tese,o-sistema-acusatorio-e-a-possibilidade-deproducao-de-provas-pelo-juiz-na-fase-pre-processual-conforme-o-art-1,25530.html>. Acesso em: 08/10/2014. 27 em seu artigo 93, inc. IX37, é a de que todas as decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. A regra trazida pela Carta Magna de 1988 no dispositivo supracitado não se aplica às decisões dos jurados, que por sua vez, consoante artigo 5º, XXXVIII, da mesma Lei, determina o sigilo das votações no Tribunal do Júri. Se os jurados fundamentassem sua decisão estariam identificando o seu voto. Assim, esses podem formar seu entendimento quanto ao caso concreto subjetivamente, não estando vinculados às provas constituídas nos autos. Conforme explicação de Renato Brasileiro de Lima 38 A vantagem desse sistema é a liberdade que o magistrado tem para avaliar as provas de acordo com sua livre-convicção, não estando preso a um sistema tarifado fixado em abstrato e a priori pelo legislador. Apresenta, no entanto, o gravame de não se exigir do magistrado qualquer espécie de fundamentação, o que compromete o controle sobre o exercício da função jurisdicional. O sistema tarifado, conhecido como sistema da prova legal, da certeza moral do legislador, da verdade legal, observado durante a vigência das Ordenações do Reino, está pautado na compreensão de que o valor de certos meios de prova foi determinado anteriormente pelo legislador quando da elaboração da norma. O juiz, portanto, está rigorosamente vinculado a atribuir às provas a importância que lhe foi dada pela legislação vigente. Tal sistema fez com que a confissão do acusado fosse tida como a “rainha das provas”, visto que nenhuma outra teria valor quando confrontada com ela. Foi por esse, também, que surgiu o brocardo testis unus, testis nullus- uma só testemunha não tem valor, que em outras palavras diz que uma verdade contada por uma pessoa não tem importância, mas uma mentira dita por duas prevalecerá. Nesse sentido Fernando Capez39 doutrina: [...]. Não existe convicção pessoal do magistrado na valoração do contexto probatório, mas obediência estrita ao sistema de pesos e valores imposto pela lei. Desse sistema se origina o absurdo brocardo testis unus, testis 37 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10/10/2014. 38 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p. 862. 39 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011; p. 383. 28 nullus, pelo qual o depoimento de uma só testemunha, por mais detalhado e verossímil que seja, não tem qualquer valor. [...] O sistema em tela, hoje, não é o adotado pelo direito nacional. Contudo, resquícios de sua concepção podem ser encontrados no processo penal atual, de forma restrita às regras trazidas pelo artigo 155, parágrafo único, do CPP, o qual dispõe que quanto ao estado das pessoas somente se provará conforme determina a lei civil, ou seja, por meio de certidão, não podendo ser feito por prova testemunhal; bem como pelo artigo 158, do mesmo diploma legal, que exige a feitura do exame de corpo de delito nas infrações que deixarem vestígios, visto que nem mesmo a confissão do acusado poderá supri-lo.40 Por fim, pelo sistema do livre convencimento motivado, da verdade real, da livre convicção ou da persuasão racional, o magistrado tem liberdade para valoração das provas, devendo apenas fundamentar sua decisão. No entanto, não pode o juiz julgar com base em provas que não estejam presentes nos autos. Em regra, esse é o sistema adotado pelo Código de Processo Penal, como se observa pela interpretação da redação dada pela Lei 11.690/2008 ao artigo 155, caput41, pela qual Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O artigo acima exposto foi elaborado em perfeita consonância ao artigo 93, IX, da CF, que preceitua que as decisões proferidas pelo Judiciário brasileiro sejam todas fundamentadas. É válido, aqui, transcrever julgados dos Tribunais Superiores acerca da adoção desse sistema pelo direito vigente: O legislador brasileiro adotou o sistema do livre convencimento motivado, cabendo ao juiz extrair sua convicção das provas produzidas legalmente no processo em decisão devidamente fundamentada.42 40 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014. 41 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014. 42 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1168353/RS, 5ª T., j.04.09.2012, v.u., rel. Min. Jorge Mussi. In: Diário de Justiça Eletrônico. 14 de setembro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=2419492 8&num_registro=200902269573&data=20120914&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 05/11/2014. 29 Não há um direito absoluto à produção de prova, facultando o art. 400, §1º, do Código de Processo Penal, ao juiz o indeferimento de provas impertinentes, irrelevantes e protelatórias. Cabíveis, na fase de diligências complementares, requerimentos de prova cuja necessidade tenha surgido apenas no decorrer da instrução. Em casos complexos, há que confiar no prudente arbítrio do magistrado, mais próximo dos fatos, quanto à avaliação da pertinência e relevância das provas requeridas pelas partes, sem prejuízo da avaliação crítica pela Corte de Apelação no julgamento de eventual recurso contra sentença.43 Em síntese, pode-se dizer que atualmente o Brasil adota o sistema da íntima convicção ou da prova livre, nos julgamentos do Tribunal do Júri, no qual o Julgador não precisa exteriorizar os motivos que o levaram a tomar determinada decisão, decidindo de acordo com a sua convicção pessoal, valorando a prova como bem entender; os jurados decidem, sigilosamente, sem fundamentar seu voto. Quanto aos demais processos de competência da Justiça Comum, o sistema aceito é o da livre convicção ou persuasão racional. Neste admitem-se, via de regra, todos os meios de prova, como foi dito anteriormente, e o juiz possui inteira liberdade em sua valoração. Assim, se souber da existência de algum elemento ou circunstância que seja importante ao deslinde da causa, deve ordenar que sejam produzidas as provas que se fizerem necessárias, já que está adstrito aos autos do processo. 2.2. PRINCÍPIOS GERAIS RELEVANTES À PROVA Primeiramente, cumpre destacar que por princípio deve se ter em mente o núcleo basilar de um sistema, e que mesmo, muitas vezes, não estando escrito é o alicerce, fundamento que dá lógica a um ordenamento jurídico e o torna harmônico. A Constituição Federal, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos- dos quais o Brasil é signatário, e o Código de Processo Penal, elencaram vários princípios gerais no processo penal, bem como específicos à produção probatória, consistindo um núcleo de garantias na legislação processual pátria. 43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 100988/RJ STF, 1ª T., j. 15.05.2012, v.u., rel. Marco Aurélio. In: Diário de Justiça Eletrônico. 28 de setembro de 2012. Disponível em: https:<//www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/DJE_20120927_191.pdf>. Acesso em: 05/11/2014. 30 Optou-se, nesse trabalho, discorrer apenas sobre os princípios relevantes ao tema em apreço, haja vista que tratar de todos os princípios processuais penais poderia dispersar a atenção do estudo proposto. 2.2.1. Princípio do Contraditório O artigo 5º, inc. LV, da Constituição Federal 44, estabeleceu que: Art. 5º. [...] LV- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Trata-se de um dos princípios fundamentais do processo penal e que tem por base dois elementos: o direito à informação e o direito à participação. Em outras palavras, assim como denomina a melhor doutrina, aqui existe uma “ciência bilateral”, na qual deve ser assegurado a ambas as partes litigantes a possibilidade de fiscalizar os atos praticados no processo e contrapor aqueles que lhe forem desfavoráveis.45 Hoje, não basta apenas a possibilidade de reação da parte contrária para que o princípio em questão seja devidamente observado ao longo do processo, é necessária a efetiva e igualitária participação dos litigantes no processo, respeitando-se assim, também o princípio da isonomia, ao tentar igualar os desiguais. Dessa forma, confirma Renato Brasileiro de Lima 46: [...]. De fato, de nada adianta se assegurar à parte a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, se não lhe são outorgados os meios para que tenha condições reais e efetivas de contrariá-los. Há de assegurar, pois, o equilíbrio entre a acusação e a defesa, que devem estar munidas de forças similares. O contraditório pressupõe, assim, a paridade de armas: somente pode ser eficaz se os contendentes possuem a mesma força, ou, ao menos, os mesmos poderes. 44 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10/10/2014. 45 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p. 18. 46 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p. 20. 31 O artigo 155, caput, do CPP, alterado pela Lei 11.690/08, afirma que o juiz somente poderá formar sua compreensão acerca dos fatos quando se basear em provas produzidas em contraditório judicial47. A prova, assim, somente pode ser produzida observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, estando presentes a acusação, a defesa e o juiz, isso porque a dialética entre as partes torna possível que a verdade sobre os fatos seja esclarecida, fazendo com que o magistrado presidente do processo possa formar sua convicção e julgar de forma justa e isenta a lide. 2.2.2. Princípio da Ampla Defesa O artigo 5º, inc. LV, da Lei Máxima também instituiu o princípio da ampla defesa, o qual está diretamente ligado à garantia processual acima aludida, uma vez que são praticados de forma simultânea no processo, mas não se confundem. Sobre o tema, Gustavo Henrique Badaró48 explica: [...] é possível violar-se o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa. Não se pode esquecer que o princípio do contraditório não diz respeito apenas à defesa ou aos direitos do réu. O princípio deve aplicar-se em relação a ambas as partes, além de também ser observado pelo próprio juiz. Deixar de comunicar um determinado ato processual ao acusador, ou impedir-lhe a reação à determinada prova ou alegação de defesa, embora não represente violação do direito de defesa, certamente violará o princípio do contraditório. O contraditório manifesta-se em relação a ambas as partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu. Aqui, está assegurado o direito do réu de se defender, até mesmo em fase recursal, de forma ampla, por todos os meios admitidos em direito, das acusações que lhe são feitas. Tal princípio está subdividido em defesa técnica e auto defesa. A primeira diz respeito, aquela exercida por profissional, ou seja, um advogado, seja ele constituído, nomeado pelo juiz ou defensor público, e é indispensável no processo, pois como reza o artigo 261, do CPP49, ninguém poderá ser processado sem um 47 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014. 48 BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e sentença. 2ª. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.37. 49 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014. 32 defensor. A segunda se refere à defesa realizada pelo próprio acusado em determinados momentos, como por exemplo, durante o interrogatório, podendo ser renunciado pelo seu titular, uma vez que o juiz não pode obrigá-lo a participar do processo. 2.2.3. Princípio da Busca da Verdade Renato Brasileiro de Lima50 ao versar sobre o tema explica que “a prova produzida em juízo, por mais robusta e contundente que seja, é incapaz de dar ao magistrado um juízo de certeza absoluta”. Hoje, portanto, no estudo processual penal, não há mais que se falar em verdade real ou material e verdade formal, utilizada no processo civil. Prevalece o entendimento de que a verdade absoluta acerca dos fatos discutidos no processo é algo intangível, impensável. O que se busca é uma noção sobre todo o ocorrido, uma aproximação, já que nenhuma prova, seja ela qual for, é capaz de trazer certeza plena da realidade. 2.2.4. Princípio da Liberdade Probatória O processo penal adota tal princípio, em razão da busca pela verdade, já que não é cabível uma matéria que aplica a privação da liberdade do indivíduo, direito fundamental constitucionalmente tutelado, como pena, fazê-lo de forma arbitrária ou, até mesmo, injusta. A liberdade probatória amplamente difundida na legislação processual dar-seá quanto ao momento da prova, quanto ao seu objeto e quanto ao meio utilizado. Em relação à liberdade quanto ao momento, quer dizer que consoante positiva o artigo 231 do CPP, a prova pode ser produzida a qualquer momento, salvo nos casos expressos em lei, como por exemplo, o arrolamento de testemunhas que para a acusação deve ser apresentado na peça exordial, e para a defesa, quando da sua resposta (arts. 41 e 396-A, do CPP).51 50 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p. 907. 51 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014. 33 No que tange ao objeto da prova, ela poderá versar sobre qualquer fato que seja relevante à solução da lide. E por fim, poderão ser utilizados quaisquer meios de prova, até mesmo aqueles não especificados na lei processual, haja vista que não é aplicado, nesse caso, o princípio da taxatividade. Contudo, o Código traz uma ressalva no parágrafo único do artigo 155, ao dizer que o estado de pessoas deve ser provado conforme estabelecido na lei civil. Além da restrição do artigo 207 que prevê o sigilo profissional. É cediço, porém, que os princípios constitucionais e as normas de direito material impõem restrições a admissibilidade das provas, casos em que sendo produzidas serão consideradas ilícitas e deverão ser desentranhadas do processo, consoante preconiza o art. 157 do Código de Processo Penal Brasileiro 52. Nesse sentido, é livre a produção de provas desde que não sejam inconstitucionais, ilegais ou indecorosas. 2.2.5. Princípio do Favor Rei Fernando da Costa Tourinho Filho53 ao doutrinar sobre este princípio o faz dizendo que é a base de todo sistema processual de um Estado. Segundo esse, a dúvida sempre beneficia o réu, optando o juiz pela absolvição do acusado por insuficiência de provas. O processo penal brasileiro dispõe de diversas formas acerca desse princípio: na proibição da reformatio in pejus; ao conceder somente à defesa a interposição de certos recursos, como por exemplo, os embargos infringentes. Como desdobramento desse princípio está o da presunção de inocência, elencado como direito fundamental no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal54, pelo qual: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”. 52 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014. 53 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13 ed., São Paulo: Saraiva, 2010. p. 73 54 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10/10/2014. 34 2.3. PROVAS ILÍCITAS E ILEGÍTIMAS Tanto a prova obtida por meios ilícitos quanto por meios ilegítimos são tidas como ilegais e, por conseguinte, não podem ser admitidas em um processo judicial. Assim, pode-se dizer que a prova ilegal é um grande gênero do qual essas são espécies. A Constituição Federal em seu artigo 5º, LVI55, estabelece que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. A Magna Carta, apesar de dispor dessa forma, não esclarece o que vem a ser “meio ilícito”, sendo este explicado pela doutrina, que achou por bem conceituá-lo de forma ampla, fazendo referência a provas ilegais, portanto proibidas pelo ordenamento. O conceito empregado pelo italiano Pietro Nuvolone 56 às provas ilegais é até hoje utilizado, uma vez que as definiu como sendo aquelas obtidas pela violação de normas legais ou de princípios gerais, sejam de cunho material ou processual. E a distinção de suas espécies se faz justamente a partir dessa premissa. As provas ilícitas são aquelas produzidas mediante insulto às normas de direito material, penal ou constitucional. Sobre tal definição, Aury Lopes Jr. 57 escreve que: [...] infelizmente a redação do art. 157 é confusa, especialmente quando aponta que as provas ilícitas seriam aquelas “obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Esses “legais” refere-se às normas materiais ou processuais? Pensamos que apenas às normas materiais, persistindo, porque necessária, a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas, tendo o art. 157 se ocupado das provas ilícitas (obtidas em desconformidade com a Constituição ou leis materiais). Logo, quando determinadas provas forem arranjadas ferindo direitos individuais assegurados no sistema jurídico nacional devem ser consideradas inadmissíveis por sua ilicitude, sendo, por isso, desentranhadas do processo, em razão da regra do artigo 157, caput, do Código de Processo Penal. 55 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10/10/2014. 56 NUVOLONE, Pietro. Le prove vietate nel processo penale nei paesi di diritto latino. Rivista di diritto processuale, Padova, Volume XXI (II Serie), 1966. p. 448. 57 LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 9 ed.. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 593. 35 Alguns exemplos de provas ilícitas são elencados expressamente no próprio texto constitucional que resguardou direitos fundamentais da pessoa, como as obtidas por meio da violação de domicílio (art. 5º, XI, da CF), através do emprego da tortura (art. 5º, III, da CF), ou até mesmo quando o juiz ao realizar o interrogatório do réu em audiência não o informa sobre o seu direito de ficar em silêncio (art. 5º, LXIII, da CF).58 A prova será ilegítima quando for alcançada mediante frustração de normas de direito processual, por isso que alguns doutrinadores entendem que deve ser estudada junto com as nulidades processuais. A título de exemplo, pode-se citar uma confissão aceita em detrimento do exame de corpo de delito (art. 158, do CPP), o documento exibido no Júri sem comunicar a parte contrária com antecedência de três dias (art. 479, caput, do CPP).59 O último exemplo dado traz à baila outra característica inerente à prova ilegítima, ou seja, referente ao momento da sua produção, haja vista ser sempre criada ao longo do processo, sendo, portanto, uma prova intraprocessual. Embora o Código em seu artigo 157, caput (alterado pela Lei 11.690/08), assim como depreende-se do texto de Aury Lopes Jr. acima aludido, não fez qualquer distinção entre provas ilícitas e ilegítimas, ao dizer que por ilícito seriam todas aquelas que violassem normas legais e constitucionais, não explicando se por legais deveriam ser entendidas tanto as materiais quanto as processuais; a doutrina majoritária e a jurisprudência a fazem, como pode ser auferido pelas súmulas 48 e 49 das Mesas de Processo Penal dirigidas por Ada Pellegrini Grinover, e vinculadas ao Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP 60, segundo as quais: Súmula nº 48- Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material. Súmula nº 49- São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda quando forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa. 58 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10/10/2014. 59 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014. 60 RAMOS, Maíra Silva da Fonseca. A prova proibida no processo penal: as conseqüências de sua utilização. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 837, 18 de outubro de 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7432>. Acesso em: 15/10/2014. 36 Nesse sentido, a lição de Uadi Lammêgo Bulos61 reforça o raciocínio: [...] provas obtidas por meios ilícitos são as contrárias aos requisitos de validade exigidos pelo ordenamento jurídico. Esses requisitos possuem a natureza formal e material. A ilicitude formal ocorrerá quando a prova, no seu momento introdutório, for produzida à luz de um procedimento ilegítimo, mesmo se for lícita a sua origem. Já a ilicitude material delineia-se através da emissão de um ato antagônico ao direito pelo qual se consegue um dado probatório, como nas hipóteses de invasão domiciliar, violação do sigilo epistolar, constrangimento físico, psíquico ou moral a fim de obter confissão ou depoimento de testemunha etc. Por fim, é válido dizer que por vezes as provas podem ser, ao mesmo tempo, ilícitas e ilegítimas, quando ferir simultaneamente normas de direito material e processual. 61 BULOS, Uadi Lammêgo apud CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011; p. 347. 37 CAPÍTULO III- A CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA Em decorrência de alguns casos polêmicos ocorridos no Brasil, buscou-se entender a relação entre um fenômeno religioso e sua aplicação na ciência do Direito. Réus, em crimes de homicídio, foram absolvidos, nos tribunais brasileiros, em razão da apresentação de cartas psicografadas, geralmente ditadas pelas vítimas, que os inocentavam de toda e qualquer acusação. Não restam dúvidas que, apesar da primeira decisão admitindo esse recurso como meio probatório ser datada no ano de 197662, o tema, ainda hoje, é bastante polêmico, dividindo a doutrina quanto à possibilidade de utilização de uma prática espírita num país laico e que preza a racionalidade do Direito. 3.1. CASOS EM QUE FORAM UTILIZADAS AS CARTAS PSICOGRAFADAS COMO MEIO PROBATÓRIO NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO Assim como foi exposto no tópico anterior, houve alguns casos em que cartas psicografadas foram aceitas, nos tribunais brasileiros, como prova judicial, o que gerou além de uma grande discussão doutrinária, também polêmica na população que se perguntava se uma forma de expressão da fé poderia ser admitida no meio jurídico. Num processo criminal, a primeira vez em que foi levada a juízo uma carta ditada a um médium por um espírito foi durante a instrução do processo que levou a conhecimento do Judiciário a morte de Henrique Emmanuel Gregóris, ocorrida durante a brincadeira de roleta russa, em 10 de fevereiro de 1976, na cidade de Hidrolândia/GO, cometida por João Batista França. Orimar de Bastos, juiz encarregado do processo, absolveu o réu por falta de dolo, contando também que ao redigir a sentença no fórum, após a terceira folha, entrou em uma espécie de 62 SALGADO, Gisele Mascarelli. A racionalização do Direito: uma discussão sobre uma prova inusitada, a carta psicografada. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XV, n .99, abril de 2012. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11539 &revista_caderno=15>. Acesso em: 22/09/2014. 38 transe e quando voltou ao seu estado normal havia redigido mais três, nas quais absolvia o acusado.63 A mãe da vítima, na condição de assistente da acusação, desistiu de encaminhar o recurso de Apelação ao Tribunal em razão de uma carta psicografada por Chico Xavier, na qual o seu filho morto pedia-lhe que perdoasse o acusado e afirmava que o processo impedia seu crescimento espiritual. 64 O segundo caso, processo nº 115/76, tratava-se do falecimento de Maurício Garcez Henrique, vítima de um disparo de arma de fogo, ocorrido na cidade de Goiânia/GO, em 8 de maio de 1976, no qual figurava como acusado José Divino Nunes, amigo do de cujus.65 A carta ditada pela vítima, admitida como prova da defesa, foi psicografada por Chico Xavier e inocentou o réu, ao dizer que: O José Divino e nem ninguém teve culpa em meu caso. Brincávamos a respeito da possibilidade de se ferir alguém, pela imagem no espelho; sem que o momento fosse para qualquer movimento meu, o tiro me alcançou, sem que a culpa fosse do amigo, ou minha mesmo. O resultado foi aquele.66 O magistrado Orimar de Bastos, o mesmo da primeira decisão que aceitou a carta psicografada como meio de prova num processo criminal, em 16 de julho de 1979, proferiu sentença absolutória afirmando que a carta trazia declarações compatíveis com o depoimento prestado pelo réu. O Ministério Público recorreu da decisão, que veio a ser reformada em sede de Tribunal. O caso foi levado a Júri, em 2 de junho de 1980, que veio a absolver o acusado por seis votos a um. O processo foi encerrado em 23 de outubro de 1980, quando o Tribunal negou provimento ao recurso formulado pelo promotor de justiça nomeado pelo Procurador Geral de Justiça de Goiás, ante a recusa do promotor natural do caso em recorrer da decisão do Júri Popular.67 63 GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova: o sobrenatural no judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 45-46. 64 SALGADO, Gisele Mascarelli. A racionalização do Direito: uma discussão sobre uma prova inusitada, a carta psicografada. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XV, n .99, abril de 2012. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11539 &revista_caderno=15>. Acesso em: 22/09/2014. 65 XAVIER, Francisco Cândido. Lealdade- Ditado pelo espírito Maurício Garcez Henrique. Rio de Janeiro: Franciscano, 1982. p. 4. 66 Trecho da carta psicografada de Maurício Garcez Henrique. MOURA, Vítor. O Caso Divino Nunes. In: Obras Psicografadas, janeiro de 2012. Disponível em: <http://obraspsicografadas.org/2012/ocaso-jos-divino-nunes/>. Acesso em: 04/11/2014. 67 GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova: o sobrenatural no judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 45. 39 O outro episódio ocorreu em março de 1980, na cidade de Campo Grande/MS, no qual a vítima Gleide Dutra de Deus, ex-miss Campo Grande, foi atingida, no pescoço, por disparo de arma de fogo manuseada pelo seu marido, João Francisco Marcondes de Deus, após chegarem de uma festa. O acusado foi inocentado em razão de cartas psicografadas por Chico Xavier, nas quais a vítima afirmava que o disparo tinha sido acidental, o que foi confirmado pelo testemunho de quatro enfermeiros do hospital que essa ficou hospitalizada ao dizerem em juízo que a ela defendia a inocência do réu, durante sua estadia médica. João de Deus foi absolvido no Tribunal do Júri, mas por ter confessado que havia sido descuidado, a promotoria recorreu, acusando-o de homicídio culposo. Não chegou a ser condenado, pois a pena já estava prescrita.68 Um acontecimento de grande repercussão foi a morte do então deputado federal Heitor de Alencar Furtado, em 22 de outubro de 1982, durante uma viagem, em razão da campanha eleitoral. Aceitando uma sugestão do seu assessor, resolveram descansar dentro do carro, que foi abordado por policiais que faziam a ronda na região. Ao despertar do sono, Heitor foi atingido por um tiro letal disparado pelo policial Aparecido Andrade Branco. O Júri de Mandaguari/PR acolheu a tese de tiro acidental, valendo-se a defesa de carta da vítima ditada ao médium Chico Xavier, dirigida aos pais. O magistrado desclassificou o crime para homicídio culposo, chegando a condenar o réu a 8 anos e 20 dias de prisão. O promotor que atuou no processo, mesmo diante da decisão, disse que o direito pátrio não admitia provas não-materiais e subjetivas, como são as cartas psicografadas. 69 A carta70, por sua vez, que teve a letra, as informações e a assinatura reconhecidas pelo pai da vítima, quanto ao fato, dizia que: Deixemos as divagações e vamos ao que nos interessa objetivamente. A sexta-feira fora de muita atividade e a estafa provisória nos apanhou em caminho. Tão fatigado me via nosso Fábio que me aconselhou o repouso, muito rápido. Não resisti ao apelo. Desligamos o motor e, com naturalidade, como se estivéssemos em nossa própria casa, curtimos a pausa, que nos pareceu necessária e oportuna. Acredito que o amigo velava enquanto o 68 PSICOGRAFIA nos Tribunais. Outro disparo acidental. In: Tríada. 07 de maio de 2010. Disponível em: <http://www.triada.com.br/espiritualidade/espiritismo/aq173-203-284-2-psicografia-nostribunais.html>. Acesso em 05/11/2014. 69 OLIVEIRA, Marcelo Borela de. O caso Heitor Furtado, 28 anos depois. In: Revista O Consolador. Londrina, ano 10, nº 188, 12 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.oconsolador.com.br/ano4/188/especial2.html>. Acesso em: 05/11/2014. 70 OLIVEIRA, Marcelo Borela de. O caso Heitor Furtado, 28 anos depois. In: Revista O Consolador. Londrina, ano 10, nº 188, 12 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.oconsolador.com.br/ano4/188/especial2.html>. Acesso em: 05/11/2014. 40 sono me anestesiava a mente e os nervos cansados. Sinceramente, não conseguiria imaginar que alguém nos tomasse por malfeitores potenciais. Entretanto, de lado, conterrâneos ou amigos nossos espreitavam o carro parado com dois homens que não conhecíamos de imediato. O que se seguiu sabem todos: os homens armados chegaram com vozes altas. Acordei surpreendido e notei, mais com a intuição do que com a lógica, que os recém-chegados eram pessoas inofensivas, tão inofensivas que um deles tocou a arma sem saber manejá-la. O projétil me alcançou sem meios termos e, embora o tumulto que se estabeleceu, guardei a convicção de que o tiro não fora intencional. O olhar ansioso daquele companheiro a desejar socorrer-me sem qualquer possibilidade para isso não me enganava. Outra decisão que trouxe à tona a discussão acerca da psicografia nos tribunais foi a que inocentou Iara Marques Barcelos da acusação de ser mandante do crime que vitimou o tabelião Ercy da Silva Cardoso, com dois tiros na cabeça, em 2003. Em 2006, após a leitura de carta psicografada da vítima, que expressava sua tristeza ao ver uma pessoa sendo injustamente acusada, em sessão plenária do Júri, a ré foi absolvida.71 No total, se tem conhecimento de nove casos. Os outros, ainda que levados ao Judiciário não foram tão divulgados pela mídia e, por isso, o difícil acesso, sendo que um deles até mesmo corre em segredo de justiça, como, por exemplo, o processo que investiga o estupro de uma adolescente ocorrido em Goiás, na cidade de Anápolis, ao qual foi juntado uma carta psicografada por Mary Alves de Aguiar Silva.72 Vale ressaltar que, na maioria dos casos relatados, para a consequente absolvição dos réus, a carta psicografada não foi apresentada como único meio de prova, ao passo que foram juntadas ao processo outras que corroboraram para a formação da convicção do órgão julgador. 3.2. TEORIAS QUE POSSIBILITARIAM A ACEITAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL A princípio, é normal certa estranheza em relação a tal possibilidade, afinal ser apresentada como meio de prova uma mensagem ditada pelo espírito de uma 71 GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova: o sobrenatural no judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 47-48. 72 GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova: o sobrenatural no judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 50. 41 pessoa morta, no mínimo, seria visto como algo inusitado, que não é todo dia que acontece. Mas, como outrora relatado, alguns casos já foram registrados no Brasil. Esse é um tema controverso, e, por isso, existe uma série de argumentos que entendem pela possibilidade de aceitação da carta psicografada num processo judicial. As concepções espíritas, como foi mostrado em momento oportuno, têm grande aceitação na população brasileira, apesar de não ser a religião dominante, uma vez que as ideias de vida após a morte, a possibilidade de comunicação entre o mundo dos vivos e o plano espiritual, são realmente fonte de crença para diversas pessoas, ainda que não adeptas dessa religião. Esse é o motivo pelo qual a discussão acerca da utilização das cartas psicografadas no Judiciário, é feita de forma extremamente racional e não com base na fé alheia, já que isso seria uma evidente violação constitucional e desrespeito ao próximo. A primeira e, talvez, a mais relevante argumentação daqueles que defendem essa admissibilidade, está atrelada à laicidade do Estado, que institui a liberdade religiosa, assegurada pela Constituição Federal, que a eleva a um direito fundamental do indivíduo. Seguindo essa concepção, Pittelli73 afirma que não admitir a carta psicografada seria uma violação ao Texto Maior, visto que privaria o indivíduo de direitos em razão de sua crença religiosa. Assim, se uma pessoa goza de plena liberdade para manifestação de sua religião, não poderia ser impedida de levar ao Judiciário a carta psicografada, já que esta é um desdobramento da fé espírita e, caso contrário, deve ser considerado um cerceamento do direito de defesa, bem como da liberdade de crença. É sabido, também, que o processo penal brasileiro, quanto às provas, é regido, em regra, pelo princípio da liberdade probatória, assim como se depreende do artigo 155, parágrafo único, do seu Código. Isto é, o rol trazido pela lei processual não é exaustivo, admitindo-se outras provas que não aquelas elencadas pelo texto legal, desde que lícitas. Partindo do pressuposto de que a carta psicografada não é tida como uma prova obtida por meio ilícito, pois não seria colhida mediante violação 73 PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova Judicial. In: Revista Viannasapiens, Juiz de Fora v.1. n.1. abril de 2010. p. 85. Disponível em: <http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014. 42 de direito, poderia ser utilizada sem qualquer óbice. Coadunando com esse entendimento, Pittelli74: A psicografia não seria um meio de prova ilícito, ilegal, tampouco ilegítimo, portanto não sofreria vedação constitucional. Também, não é meio de prova especificado nos Códigos, podendo ser considerada prova inominada, [...]. Dentre aqueles que defendem a admissibilidade das cartas psicografadas num processo judicial prevalece, ainda, o entendimento de que isso em nada violaria o direito ao contraditório e à ampla defesa, haja vista que essa poderia ser confrontada por outras provas, inclusive por outra carta psicografada. Além do mais, cabe ao juiz a valoração das provas, já que nenhuma delas tem valor absoluto e nenhuma deve se sobrepor a outra. Lúcio Santoro de Constantino75, seguidor desse pensamento, alega que a carta psicografada seria observada dentro de um conjunto probatório, não isoladamente, e por isso estaria de acordo com os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois poderia ser impugnada por outras provas. As cartas psicografadas sofrem diversas oposições, também, em razão da sua falibilidade, já que poderiam ser fruto de uma fraude ou de um erro na captação da mensagem, o que as tornaria falhas e sem qualquer fundamento científico. A esse respeito, Fernando Rubin76 explica: [...] a falibilidade das provas, em razão da imperfeição humana, é fenômeno que obviamente não se circunscreve exclusivamente à psicografia. Com efeito, documentos falsos ou imprecisos não são raros nos processos judiciais; como também presenciamos, em algumas oportunidades, imprestáveis laudos periciais, confeccionados sem muitos dados técnicos e/ou em tempo diminuto não suficiente para abordagem de todas as nuances envolvidas em um complexo caso concreto. Por outro lado, não se pode olvidar a presença de testemunhas que faltam com a verdade em seus depoimentos ou afirmam, com convicção, terem presenciado determinada cena que, na verdade, não ocorreu exatamente na forma narrada. Logo, todas as provas, não apenas a psicografia, em razão da imperfeição humana, padeceriam de falta de confiabilidade. E tal argumento deveria ser 74 PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova Judicial. In: Revista Viannasapiens, Juiz de Fora v.1. n.1. abril de 2010. p. 80. Disponível em: <http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014. 75 CONSTANTINO, Lúcio Santoro de. Nulidades no processo penal. 5 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 291-292. 76 RUBIN, Fernando. A psicografia no direito processual. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2919, 29 de junho de 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19438>. Acesso em: 27/10/2014. 43 desconsiderado pelo órgão julgador quando da valoração das provas, já que seria comum a todas elas. Destarte, não se pode esquecer de mencionar a perícia grafotécnica realizada nos escritos psicografados, utilizada como recurso científico para garantir a veracidade da mensagem escrita. Esse método avalia a letra do indivíduo antes da morte e a constante na mensagem psicografada, comparando-as. É a técnica utilizada, também, quando da realização de perícia em documentos particulares manuscritos. Segundo Lauro Denis 77, das 400 psicografias analisadas por Carlos Augusto Perandréa, autor de um estudo científico que concluiu pela autenticidade das cartas psicografadas, 398 foram também confirmadas por outros peritos da área, existindo, assim, uma confiabilidade de quase cem por cento. Entretanto, nos estudos realizados foi encontrada uma série de dificuldades para combinar as grafias em uma das cartas escritas por Chico Xavier em 1976. 78 Logo, apesar de ser um importante recurso, não é de todo certo, uma vez que em determinados casos é difícil concluir pela validade da psicografia. Ademais, outros argumentos utilizados baseiam-se nos sistema do livre convencimento motivado e o princípio da busca da verdade. O processo penal preza a busca pela verdade dos fatos para que as penalidades trazidas pelo Código repressor não sejam aplicadas de forma infundada e até mesmo injusta. Dessa forma, a carta psicografada seria um dos meios para que esse objetivo fosse alcançado, cabendo ao juiz, posteriormente, apreciá-la e formar sua convicção. Aquiescendo tal pensamento, Pittelli concluiu que: Num processo, seja de qual natureza for o que se busca é a verdade dos fatos, a verdade real, e para tanto, há que se admitirem diferentes meios de provas, hábeis a formar o convencimento do julgador e a psicografia vem sendo aceita como tal. As provas integram o processo e devem possuir credibilidade, que inclui não só o certo, mas também o provável e mesmo o improvável, pois o que parece improvável no mundo dos fatos é sempre crível no mundo dos espíritos. 77 DENIS, Lauro, apud PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova Judicial. In: Revista Viannasapiens, Juiz de Fora v.1. n.1. abril de 2010. p. 85. Disponível em: <http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014. 78 PERANDRÉA, Carlos Augusto, apud, PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova Judicial. In: Revista Viannasapiens, Juiz de Fora v.1. n.1. abril de 2010. p. 85. Disponível em: <http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014. 44 A psicografia poderia, então, auxiliar o magistrado a entender melhor os fatos ocorridos num determinado caso, aproximando-o mais da verdade do que através de qualquer outro meio probatório. Por fim, consoante afirma Valter da Rosa Borges 79, o direito não é uma ciência estática, pelo contrário, o dinamismo é algo que lhe é inerente, já que busca regular a vida em sociedade, e por isso, deve avaliar as situações novas que venham a surgir. Assim, o direito não poderia ficar alheio à utilização da carta psicografada como meio probante, já que esta não violaria nenhuma norma de direito e poderia vir a confirmar um fato, que por outro meio seria inviável. 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA NA JURISDIÇÃO CRIMINAL Em contrapartida aos argumentos expostos pela corrente que admite a juntada da carta psicografada como prova processual, aqueles que se opõem a tal situação o fazem alegando, sobretudo, que isso feriria diretamente o princípio da laicidade do Estado, consagrado pela Constituição Federal de 1988. Muitos chegam até mesmo a afirmar que seria um evidente retrocesso, haja vista que no passado os conceitos de Estado e Religião se confundiam, já que um sempre interferia no outro. O Direito surgiu para regular a vida em sociedade de uma maneira racional, daí o porquê da sua ineficácia quando a Religião o influencia, pois faz com que a maioria da população se submeta a regras com as quais não concorda. As leis instituem um dever-ser à sociedade de forma abstrata, generalizada e impessoal, não sendo admitido que a sua elaboração esteja eivada de concepções subjetivas. A possibilidade de comunicação entre vivos e mortos, até mesmo a existência da vida após a morte são questões que dependerão da concepção individual de cada um para serem respondidas, e o Estado brasileiro se absteve dessa discussão ao instituir a sua laicidade. Logo, como poderia admitir a utilização de um subjetivismo religioso numa demanda judicial? 79 BORGES, Valter da Rosa. Utilização da Psicografia como meio de prova no processo penal. In: Jornal Carta Forense, 04 de setembro de 2006. Da Legitimidade. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/utilizacao-da-psicografia-como-prova-noprocesso-penal/475>. Acesso em: 28/10/2014. 45 Todas as indagações religiosas deveriam ser desassociadas do campo jurídico, visto que não há um consenso científico que as comprove. Como foi exposto em momento oportuno, as cartas psicografadas podem ter seu conteúdo validado através das perícias grafotécnicas, utilizadas em documentos particulares para aferir sua veracidade quando levados a juízo. No entanto, a sua comprovação não retira seu caráter religioso, o que por si só já constitui violação a princípio fundamental instituído pela Magna Carta. Nesse sentido, Pittelli80: Tal prova, ainda que comprovada sua veracidade através de laudos técnicos, de peritos idôneos, possui um caráter religioso, e nosso Estado é laico, o cidadão é livre para escolher sua religião, este direito é assegurado constitucionalmente, no art. 5º, VI, CR/88. Tal argumento tem por essência a mesma colocada pelas teses defensivas, isso porque sendo a Constituição a Lei Maior de um país e que norteia toda a produção legislativa, o argumento de inconstitucionalidade é extremamente forte na seara jurídica. Não se pode olvidar que a separação entre Estado e Religião foi o que efetivou conquistas como a instituição do regime democrático não confessional, bem como a liberdade religiosa, estabelecida no artigo 18, da Declaração Universal de Direitos do Homem81. Porque as leis canônicas se lastreiam em dogmas, verdades históricas absolutas e inquestionáveis. E a comunidade precisa de regras baseadas na racionalidade e mutáveis, porque o comportamento humano é dinâmico e, por isso, mutável.82 Outrossim, elencar a liberdade religiosa como tese defensiva para a admissibilidade da carta psicografada é uma interpretação claramente contrária ao ordenamento jurídico pátrio, haja vista que levar ao Judiciário uma manifestação da 80 PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova Judicial. In: Revista Viannasapiens, Juiz de Fora v.1. n.1. abril de 2010. p. 85. Disponível em: <http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014. 81 DECLARAÇÃO Universal dos Direitos do Homem. In: Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da USP. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3oUniversal-dos-DireitosHumanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>. Acesso em: 11/11/2014. 82 LIVIANU, Roberto, apud FERREIRA, Osiel. A (in) admissibilidade da carta psicografada como meio de prova no processo penal. 2010. 104f. Trabalho de conclusão de curso (graduação). Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/2664/2442>. Acesso em: 11/11/2014. 46 fé de alguém como meio de prova implica no desrespeito à liberdade de religião da outra parte. A fé professada por quem quer que seja deveria ser irrelevante ao processo. Osiel Ferreira83 concluiu que: Então, quando inserida num processo cartas psicografadas ou qualquer outro elemento de caráter religioso, caracterizará abuso de direito, está cometendo um ato ilícito por desrespeitar a liberdade de consciência e de crença da parte contrária, pois está impondo a parte contrária tal crença, cerceando o seu direito de decidir o que crer ou não crer. Alguns estudiosos do Direito, dentre eles Fernando Capez84, consideram a análise das provas como sendo um dos assuntos mais importantes da ciência processual, isso porque: Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto. Em virtude desse posicionamento, é que se deve ter extremo cuidado ao se analisar a possibilidade de admissão de um meio probante na esfera criminal, tendo em vista que o acusado da infração se vale das provas para impedir que o Estado, no exercício do jus puniendi, invada a seara de seus direitos subjetivos, mais especificamente em sua liberdade de locomoção. É cediço que a liberdade probatória no ordenamento pátrio não é absoluta, uma vez que os princípios constitucionais e as normas de direito material impõem restrições à admissibilidade das provas, casos em que sendo produzidas serão consideradas ilícitas e deverão ser desentranhadas do processo. Renato Brasileiro de Lima85, ao discorrer sobre o tema, entendeu que: Esse direito à prova, conquanto constitucionalmente assegurado, por estar inserido nas garantias da ação e da defesa e do contraditório, não é absoluto. Há de se lembrar que em um Estado Democrático de Direito, o 83 FERREIRA, Osiel. A (in) admissibilidade da carta psicografada como meio de prova no processo penal. 2010. 104f. Trabalho de conclusão de curso (graduação). Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/2664/2442>. Acesso em: 11/11/2014. 84 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18ª Ed.- São Paulo: Saraiva, 2011; p. 344. 85 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, 2ª Ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012. p. 820. 47 processo penal é regido pelo respeito aos direitos fundamentais e plantado sob a égide de princípios éticos que não admitem a produção de provas mediante agressão a regras de proteção. A legitimação do exercício da função jurisdicional está condicionada, portanto, à validade da prova produzida em juízo, em fiel observância ao princípio do devido processo legal e da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5º, incs. LIV e LVI). Assim, apesar do Código de Processo Penal ter por princípio a liberdade probatória, já que os artigos que regulamentam o tema (artigos 158 a 250, do CPP) não excluem outras possibilidades não previstas expressamente em lei, a Constituição da República, como visto em momento oportuno, impôs limites, quais sejam: as provas não poderão ser ilegais, ilegítimas ou imorais. Aqui, diferentemente do que foi exposto no tópico anterior, a carta psicografada é sim entendida como prova ilícita, visto que atenta contra as normas constitucionais inseridas nos artigos 5º, VI e 19, I, que instituíram os princípios da liberdade religiosa e da laicidade do Estado, respectivamente, sendo, pois, a ilicitude um dos principais argumentos daqueles que entendem pela inadmissibilidade da carta psicografada no processo. Quanto ao contraditório, mesmo que se afirme que a carta psicografada pode ser impugnada por qualquer outra prova, já que é valorada em meio a um conjunto probatório, é inquestionável que estará prejudicado. A parte contrária não possui instrumentos jurídicos que possam contrapor uma mensagem ditada, geralmente, pela própria vítima desencarnada. Não é razoável, também, exigir que para confrontá-la uma outra carta tenha que ser juntada ao processo. Acerca dessa linha de raciocínio, Guilherme de Souza Nucci 86 é bastante incisivo ao afirmar que: O perigo na utilização da psicografia no processo penal é imenso. Fere-se preceito constitucional de proteção à crença de cada brasileiro; lesa-se o princípio do contraditório; coloca-se em risco a credibilidade das provas produzidas; invade-se a seara da ilicitude das provas; pode-se, inclusive, romper o princípio da ampla defesa. Ilustremos situação contrária: o promotor de justiça junta aos autos uma psicografia da vítima morta, transmitida por um determinado médium, pedindo justiça e a condenação do réu Z, pois foi ele mesmo o autor do homicídio. Até então nenhuma prova da autoria existia. Aceita-se a prova? E a ampla defesa? Como será 86 NUCCI, Guilherme de Souza. Utilização da Psicografia como meio de prova no processo penal. In: Jornal Carta Forense, 04 de setembro de 2006. Da Ilegitimidade. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/utilizacao-da-psicografia-como-prova-noprocesso-penal/475>. Acesso em: 28/10/2014. 48 exercida? Conseguiria o defensor uma outra psicografia desautorizando a primeira? Todas as cartas psicografadas, até hoje, que foram levadas a juízo, auxiliaram a defesa a inocentar os réus, mas, assim como Nucci elucidou, se o contrário ocorresse? E se tal prova trouxesse fatos que incriminassem o acusado? Seria justo condenar um indivíduo baseando-se nas alegações ditadas por um espírito desencarnado? Evidentemente que, em assim sendo, os princípios processuais penais do contraditório, da ampla defesa, e até mesmo o da presunção da inocência, que é um desdobramento do favor rei, estariam acometidos, uma vez que, em tese, a dúvida sempre beneficiaria o réu. Garantir-se legitimidade à psicografia, como meio de prova, considerando-a lícita, é medida arriscada e temerária. Um dia, ela poderia ser usada para absolver; noutro, para condenar. E o processo penal deslocar-se-ia, com isso, do mundo da ciência para o cenário da irracionalidade, da fé e da pura emoção.87 Não obstante, tais cartas foram, na maioria das vezes, apresentadas numa sessão do Júri, na qual os jurados se vêem influenciados por uma série de fatores, sejam de ordem política, econômica, social e até sentimental, votando sem necessidade de fundamentação. Ficam sujeitos a todo tipo de sentimento exposto pela acusação e pela defesa, já que sua decisão é baseada na íntima convicção. Não restam dúvidas, assim, que ao se depararem com a leitura de um documento religioso, este poderia causar efeitos psicológicos descomunais, levando-os a condenar ou absolver o réu sem qualquer outro tipo de apreciação, o que violaria o princípio da imparcialidade. Bastaria que o Conselho de Sentença se visse composto, em sua maioria, por adeptos do espiritismo ou por pessoas influenciáveis por tais fenômenos para que a prova obtida por meio de psicografia ganhasse relevo incomensurável em relação às demais, mesmo quando estas desmentissem as demais.88 87 NUCCI, Guilherme de Souza. Da ilegitimidade da psicografia como meio de prova no processo penal à luz da Reforma Processual Penal de 2008. In: Jornal Carta Forense. 04 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/da-ilegitimidade-da-psicografiacomo-meio-de-prova-no-processo-penal-a-luz-da-reforma-processual-penal-de-2008/4065>. Acesso em: 11/11/2014. 88 HAMILTON, Sérgio Demoro, apud GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova: o sobrenatural no judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 73. 49 O juiz, por sua vez, também, não está adstrito de julgar e apreciar as provas de acordo com suas próprias convicções religiosas, o que é normal a todo ser humano, analisar os fatos levando em consideração sua moral; no entanto, numa demanda judicial o faz tendo que fundamentar sua decisão, conforme disposição constitucional. A apreciação do juiz embora não esteja vinculada à lei, deve ser feita de forma racional, e se deixar levar por questões de foro íntimo, como é o caso do segmento religioso, definitivamente, iria de encontro ao real alcance das normas práticas. Dessa feita, não é porque o Estado instituiu a liberdade religiosa que deve deixar que manifestações de fé e suas liturgias o influenciem, seria um patente retrocesso, e permitir que viessem a interferir na função jurisdicional do Estado violaria a ordem institucional, estabelecida pela Constituição Federal. 50 CONSIDERAÇÕES FINAIS A República Federativa do Brasil é um Estado laico de Direito, isto é, o país não adota nenhuma religião oficial. Porém, nem sempre foi assim. Na Antiguidade, assim como em outros diversos Estados, a Religião interferia diretamente no poder estatal, o que acarretou à época uma série de abusos de direitos, sofrimento e opressão para os indivíduos. Outrora, Igreja e Estado consistiam em uma instituição única, cuidando ao mesmo tempo da alma e do corpo daqueles que viviam sob seu domínio. Mesmo não sabendo todos os impasses que essa união gerou no passado, hoje, não seria difícil prever os problemas que isso ocasionaria, apenas levando em consideração que as pessoas não possuíam nenhuma liberdade. Separar tais entidades foi um marco decorrente da adoção do regime democrático, que conferiu liberdades e garantias ao homem. A liberdade de culto, no Brasil, passou a ser prevista na primeira Constituição da República, e se manteve presente em todas as outras até os dias atuais. Dessa feita, aceitar a carta psicografada num processo judicial pátrio seria sem dúvida regredir aos tempos em que não havia distinção entre questões religiosas e políticas, visto que estaria patente a violação à liberdade religiosa e a laicidade do Estado, conquistadas a duras penas pela população. Consistindo, justamente, no tipo de conciliação entre Religião e Estado que a Constituição Cidadã proíbe e repudia, qual seja o cerceamento de liberdades e direitos individuais. Não há que se olvidar que a Religião, por conter doutrinas e liturgias, determina comportamentos sociais para seus fiéis, e o Direito, objetivando regular a vida em sociedade, não pode se abster por completo de tal prática. No entanto, a partir do momento que aquela passa a limitar liberdades e direitos dos outros, como é o que acontece quando uma das partes no litígio apresenta uma carta psicografada como meio de prova, deve ser desconsiderada quando do cumprimento dos atos estatais, sobretudo no que se refere aos jurisdicionais. A prova, como foi exposto neste trabalho, constitui um dos mais importantes estudos processuais, isso porque é através dela que o órgão julgador forma sua convicção a respeito dos fatos sobre os quais versa a demanda judicial. Levar ao Judiciário como meio probatório uma manifestação da fé, como a carta psicografada, fere não somente a laicidade do Estado, mas também a liberdade religiosa, ambas 51 asseguradas pela Constituição Federal. Isso porque a outra parte teria seu direito à livre crença restringido. As concepções religiosas de quem quer que seja dentro de um processo devem ser irrelevantes, sob pena de o julgamento se dar por questões de foro íntimo. Cada qual acredita ou não no que bem entender, e essa crença não pode ser imposta ao outro sob nenhuma hipótese. Aqui, poder-se-ia levar a efeito a máxima popular que afirma que o direito de alguém acaba quando o do outro começa. Ademais, o princípio do contraditório estaria incontestavelmente prejudicado. Sabe-se que todas as provas levadas a juízo devem ser analisadas como um conjunto, mas contrapor uma prova ditada por um espírito desencarnado é praticamente impossível. Exigir uma outra carta para opor as informações da primeira é algo inconcebível. Pode-se dizer que hoje o Brasil admite a carta psicografada numa demanda judicial em decorrência dos julgados já ocorridos. Uma parte da doutrina, aliás, coaduna com esse posicionamento. Entretanto, o tema não deixa de ser discutido, principalmente em razão dos argumentos até agora aduzidos. O Direito é racional, e o processo se propõe a analisar casos concretos, passíveis de comprovação. A prova deve passar por mecanismos que comprovem sua veracidade e autenticidade. Existe para os casos da carta psicografada a perícia grafotécnica, que apesar de ser de grande confiabilidade, assim como qualquer outro meio, está sujeita a falhas. E mesmo que não restasse dúvida quanto à falibilidade, a perícia não retira o caráter religioso desse documento, o que ainda o faz contrário à determinação constitucional. O presente trabalho não teve o intuito de discutir a importância da psicografia para a fé espírita, longe disso, apenas segue o entendimento que todos os segmentos religiosos devem ser desassociados do campo jurídico, mantendo o propósito do legislador originário ao estabelecer como limite aos entes federativos, a proibição de manter relações de dependência ou aliança com as igrejas ou cultos religiosos, ressalvado a colaboração de interesse público (art. 19, I, da CF). Mesmo o processo penal sendo regido pelo princípio da liberdade probatória, é cediço que esse sofre limitações quando as provas forem produzidas mediante violação a normas de direito material e processual. Entende-se, pois, pela ilicitude da carta psicografada, já que sua apresentação viola norma constitucional, devendo ser por isso desentranhada do processo. 52 Além do mais, a contrariedade que existiria no ordenamento jurídico, caso fosse válida a admissibilidade da carta psicografada como meio de prova é gritante. Não pode um sistema que afirma que a pessoa natural se extingue com a morte (art. 6º, do CC), permitir que seja determinante no julgamento de um processo uma mensagem ditada pelo espírito de uma pessoa já falecida. As indagações acerca da existência da vida após a morte não cabem ao Direito responder. Assim, apesar dos julgados a respeito, o tema abordado ainda é bastante controverso, por isso objetivou-se trazer essa análise sobre a possível utilização da carta psicografada como meio de prova no processo penal. E, sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto, concluí-se pela inadmissibilidade desse documento numa ação judicial, haja vista a notória violação da ordem jurídica instituída no país. 53 REFERÊNCIAS AGUIAR, Igor Nóbrega. Fontes do Direito Obrigacional. In: Boletim Jurídico. 01 de novembro de 2004. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=398>. Acesso em: 10 de setembro de 2014. 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