UNIFAVIP| DeVry
CENTRO UNIVERSITÁRIO DO VALE DO IPOJUCA
COORDENAÇÃO DE DIREITO
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
THAMIRYS MENDES DE ANDRADE
A UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO
PROCESSO PENAL
CARUARU
2014
THAMIRYS MENDES DE ANDRADE
A UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO
PROCESSO PENAL
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado ao Centro Universitário do Vale
do Ipojuca- UNIFAVIP | DeVry como
requisito parcial para obtenção do título de
bacharel em Direito.
Orientadora: Profª. Paula Rocha Wanderley
CARUARU
2014
Catalogação na fonte Biblioteca do Centro Universitário do Vale do Ipojuca, Caruaru/PE
A553uAndrade,
Thamirys Mendes de.
A utilização da carta psicografada como meio de prova no
processo penal/ Thamirys Mendes de Andrade. – Caruaru:
UNIFAVIP, 2014.
57f.
Orientador: Paula Rocha Wanderley.
Trabalho de Conclusão de Curso (Direito) – Centro
Universitário do Vale do Ipojuca.
1. Constituição federal. 2. Processo penal. 3.Prova. 4.
Religião. 5. Estado laico de direito. I. Título.
CDU 34[14.2]
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367
THAMIRYS MENDES DE ANDRADE
A UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO
PROCESSO PENAL
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado ao Centro Universitário do Vale
do Ipojuca- UNIFAVIP | DeVry como
requisito para obtenção do título de bacharel
em Direito, tendo sido aprovada pela banca
examinadora composta pelos professores
abaixo.
Aprovada no dia: 10 de dezembro de 2014.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Profª. Orientadora Paula Rocha Wanderley
____________________________________
Profª. Examinadora Raíssa Braga
____________________________________
Profª. Examinadora Tatiana Aparecida
CARUARU
2014
A meus pais que se esforçaram ao
máximo para que eu pudesse concluir
mais essa etapa da minha vida, me
apoiando e acreditando que posso
alcançar todos os meus objetivos.
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu refúgio e fortaleza, pela graça da vida; pela sabedoria a mim
confiada; por todas as bênçãos de amor e proteção que me proporciona. A Ti, meu
Senhor, meu eterno agradecimento.
Aos meus pais, Valdemir Andrade de Siqueira e Maria Aparecida Mendes de
Andrade, por todo incentivo, amor, dedicação e por estarem sempre presentes, me
orientando, em todos os momentos da vida. E, sobretudo, por não medirem esforços
para que eu pudesse concluir mais esta etapa.
À minha irmã, Thaynara Mendes de Andrade, pelo carinho, apoio, e por
acrescentar alegria aos meus dias.
Ao meu amigo e namorado, Brenno Farias, por estar ao meu lado, me
apoiando, ao longo dessa trajetória.
À minha prima, Samara Siqueira, por termos completado mais uma etapa
juntas.
Aos meus amigos de faculdade, em especial Alan, Carlos Alberto, Carlos
Emanoel, Clebson, Linnyker e Samara, com os quais compartilhei bons momentos, e
que fizeram desses cinco anos um período que carregarei em minha memória para
sempre.
À minha professora orientadora, Paula Rocha, pela paciência, atenção e
contribuição para o desenvolvimento desta monografia.
Enfim, sou grata a todos que me apóiam, torcem e que contribuem a cada dia
para que eu me torne uma pessoa melhor.
“Não temas porque eu sou contigo; não te
assombres, porque eu sou teu Deus; eu
te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com
a destra da minha justiça.”
Isaías 41:10
RESUMO
O presente trabalho monográfico, elaborado a partir de pesquisa científica, teve
como objetivo analisar a admissibilidade e licitude da carta psicografada como meio
de prova no processo penal brasileiro. A prova é o instrumento idôneo para alcançar
a verdade numa demanda judicial. Tem por finalidade convencer o juiz, dando-o
conhecimento dos fatos sobre os quais se versa a lide. A psicografia, por sua vez, é
a técnica utilizada pelos membros do espiritismo, que consiste na transcrição de
mensagens ditadas pelos mortos a um médium. Sendo a prova um dos mais
importantes artifícios aplicados para atingir a veracidade dos fatos no litígio, e a
psicografia uma reprodução natural da fé e da crença daqueles que seguem a
religião espírita, buscou-se os fundamentos jurídicos que aceitam ou não a
disponibilidade da carta psicografada como meio probante num Estado não
confessional. Para tanto, abordou-se acerca da relação entre Direito e Religião,
levando em consideração a separação Igreja-Estado, a laicidade e os princípios
processuais penais instituídos pelo ordenamento jurídico pátrio. O método utilizado
foi o de pesquisa bibliográfica, tendo por base o que já foi publicado em livros,
artigos e jurisprudências. Essa dissertação trouxe ambos os posicionamentos,
esperando uma melhor compreensão no que se refere à possibilidade de utilização
da capacidade mediúnica como meio de comprovação judicial num Estado laico de
Direito. No entanto, sem qualquer tipo de discriminação, concluiu-se que é
incompatível com a ordem jurídica nacional o emprego de uma manifestação
religiosa numa ação penal.
Palavras-chave: Constituição Federal. Processo Penal. Prova. Religião. Carta
psicografada. Estado laico de Direito.
ABSTRACT
This monograph, drawn from scientific research aimed to examine the legality and
admissibility of the letter psychographed as evidence in the criminal justice process.
The proof is the ideal instrument to reach the truth in a lawsuit. And aims to convince
the judge, giving him knowledge of the facts upon which the deal works. The
psychographics, in turn, is a technique used by members of spiritualism, which
consists of the transcript of messages dictated by a dead medium. Proof being one of
the most important devices used to achieve the veracity of the facts in dispute, and
psychographics natural reproduction of faith and belief of those who follow the
Spiritualist religion, we sought the legal grounds to accept or not the availability of the
letter psychographed as evidentiary means in a non-confessional state. So, we
approached the relationship between law and religion, taking into account the statechurch separation, secularism and criminal procedural principles established by the
Brazilian legal system. The method used was the literature research, based on what
has already been published in books, articles and case law. This thesis has brought
both positions, expecting a better understanding regarding the possible use of
psychic ability as a means of proving a secular state court of law. However, without
any kind of discrimination, it was concluded that it is incompatible with the national
legal system employing a religious manifestation in a criminal action.
Keywords: Federal Constitution. Criminal
Psychographed letter. Secular rule of law.
Procedure.
Proof.
Religion.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ampl.
ampliada
art(s).
artigo(s)
atual.
atualizada
CF/88
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CPP
Código de Processo Penal
DJ
Diário de Justiça
DJE
Diário de Justiça Eletrônico
ed.
edição
GO
Goiás
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
j.
julgamento
Min.
Ministro
MS
Mato Grosso do Sul
p.
página(s)
PR
Paraná
rel.
relator
rev.
revista
RJ
Rio de Janeiro
RS
Rio Grande do Sul
STA
Suspensão de Tutela Antecipada
STF
Supremo Tribunal Federal
STJ
Superior Tribunal de Justiça
T.
Turma
USP
Universidade de São Paulo
vol.
volume
v.u.
votação unânime
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10
CAPÍTULO I- A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E RELIGIÃO QUANTO AO
CONTEÚDO DAS NORMAS JURÍDICAS ............................................................... 12
1.1.
FONTES DO DIREITO .................................................................................. 13
1.2.
SEPARAÇÃO IGREJA-ESTADO E LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO 15
1.3.
A PSICOGRAFIA NA DOUTRINA ESPÍRITA ................................................ 21
CAPÍTULO II- DISCUSSÕES PERTINENTES À TEORIA GERAL DA PROVA ...... 24
2.1.
BREVE HISTÓRICO DA PRODUÇÃO PROBATÓRIA NO BRASIL .............. 24
2.2.
PRINCÍPIOS GERAIS RELEVANTES À PROVA .......................................... 29
2.2.1. Princípio do Contraditório .......................................................................... 30
2.2.2. Princípio da Ampla Defesa .......................................................................... 31
2.2.3. Princípio da Busca da Verdade .................................................................. 32
2.2.4. Princípio da Liberdade Probatória ............................................................. 32
2.2.5. Princípio do Favor Rei ................................................................................. 33
2.3.
PROVAS ILÍCITAS E ILEGÍTIMAS ................................................................ 34
CAPÍTULO III- A CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA.................. 37
3.1.
CASOS EM QUE FORAM UTILIZADAS AS CARTAS PSICOGRAFADAS
COMO MEIO PROBATÓRIO NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO .................................. 37
3.2.
TEORIAS
QUE
POSSIBILITARIAM
A
ACEITAÇÃO
DA
CARTA
PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL ................... 40
3.3.
DA IMPOSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA NA
JURISDIÇÃO CRIMINAL ......................................................................................... 44
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 50
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 53
10
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por intuito a análise da possibilidade de utilização da carta
psicografada como meio de prova no processo penal brasileiro frente aos princípios
constitucionais da laicidade do Estado, que instituiu a liberdade religiosa, e do
contraditório.
Em decorrência de alguns casos polêmicos ocorridos no Brasil, buscou-se
entender se a carta psicografada estaria incluída entre os meios de prova aceitos no
ordenamento jurídico nacional, uma vez que existem decisões judiciais que as
admitiram, apesar de que a utilização desse fenômeno no curso do processo fosse
considerada, no mínimo, excêntrica.
Desde a primeira sentença proferida no Brasil, datada no ano de 1976,
admitindo a carta psicografada como meio de prova, discute-se a razoabilidade de
sua utilização no processo forense, visto que tal viabilidade poderia significar uma
afronta aos princípios constitucionais e processuais penais basilares do Direito
vigente.
Faz-se, pois, necessária uma pesquisa como a que ora se propõe, em virtude
da ampla divergência nos entendimentos dos aplicadores do Direito quanto à
matéria, se a admissibilidade da carta psicografada seria ou não uma exceção ao
princípio da liberdade probatória.
Para melhor esclarecimento do tema, a presente pesquisa optou por
destrinchar separadamente os assuntos mais relevantes, sendo que o primeiro
capítulo apresenta um estudo acerca da relação entre Direito e Religião,
principalmente, na obrigatoriedade do Estado se abster de interferir em questões de
cunho religioso, em virtude do princípio da laicidade do Estado e da liberdade
religiosa, consagrados pela Constituição atual.
O segundo capítulo trata da prova processual, fazendo uma apreciação a
respeito dos princípios que mais se amoldam à matéria e demonstrando que apesar
da liberdade probatória, a partir de uma interpretação sistemática do ordenamento
pátrio pode se verificar que os princípios constitucionais e as normas de direito
material impõem restrições à sua produção, sob pena de ilicitude, caso em que
deverão ser desentranhadas do processo.
11
Tudo isso, para que no terceiro capítulo o assunto possa ser propriamente
discutido, trazendo à baila os argumentos defensivos e contrários à admissibilidade
da carta psicografada numa demanda judicial.
Valendo-se da compreensão de que a prova é um dos mais importantes
artifícios aplicados para atingir a veracidade dos fatos no litígio, e que a psicografia é
uma reprodução natural da fé e da crença daqueles que seguem a religião espírita,
esta monografia buscará apreciar, sem qualquer tipo de discriminação, a
possibilidade de utilização e licitude da capacidade mediúnica como meio de
comprovação judicial num Estado laico de Direito, conforme a Carta Magna de 1988.
Ademais, este trabalho visará aferir o risco que o emprego de um fenômeno
como esse pode causar ao princípio do contraditório e se a aceitação de um
subjetivismo devoto é realmente nociva ao Direito, já que não há eventual
potencialidade de ser comprovado por meios científicos e convencionais.
Quanto à metodologia aplicada, a pesquisa a ser desenvolvida será
descritiva, de forma qualitativa, utilizando-se do método bibliográfico. As fontes
adotadas serão, principalmente, doutrina, artigos científicos, bem como as
jurisprudências encontradas sobre o tema tratado, de 1976 até hoje, para que ao
final possa se concluir por uma solução razoável acerca da aceitação da carta
psicografada pelo Judiciário vernáculo.
12
CAPÍTULO I- A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E RELIGIÃO QUANTO AO
CONTEÚDO DAS NORMAS JURÍDICAS
Auguste Comte1, sociológico e filósofo do direito, acreditava que a religião dos
dias atuais pode, ou melhor, deve ter influência positivista, argumentando que a fé
como era vista no passado traz um modo de pensar ultrapassado a quem a segue.
De acordo com seu entendimento, o homem não pode crer na revelação ou em uma
divindade de maneira clássica, contudo não nega que essa seja uma necessidade
permanente do ser humano, pois precisa amar algo que seja maior que ele próprio.
As religiões, em suas doutrinas, estabelecem condutas e princípios que
devem ser seguidos pelos seus fiéis, e é exatamente nesse ponto que se assemelha
ao Direito, uma vez que ambos estipulam condutas sociais, funcionando como
mecanismos de controle, que objetivam o bem comum. No entanto, enquanto esse
traz uma segurança jurídica à sociedade por prescrever normas de proteção aos
indivíduos, aquelas partem de uma concepção subjetiva de cada um, baseada na fé,
não protegendo de forma concreta as pessoas em suas relações entre si e com o
Estado.
Apesar da laicidade adotada por muitos Estados, quanto aos direitos e
deveres do homem, não se pode duvidar da grande influência que as religiões
trouxeram para o convívio social, isso porque usavam comportamentos e valores
que são seguidos até hoje. Num estudo realizado em 20102, aferiu-se que, no geral,
84% (oitenta e quatro por cento) da população mundial se identifica com alguma
religião, a qual traz ensinamentos que interferem no dia-a-dia de todos; e o Direito,
enquanto ciência que regula e preza pela harmonia em sociedade não pode ficar
totalmente alheio a tais questões. O que não quer dizer que se deixe influenciar por
questões religiosas, já que isso acarretaria um retrocesso, no qual não se poderia
distinguir Direito e Religião.
1
COMTE, Auguste, apud ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico; tradução
Sérgio Bath. 6ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2003 (Coleção tópicos); p. 149/151.
2
HENEGHAN-REUTERS, Tom. “Sem-religião” são o 3º maior grupo do mundo, após cristãos e
muçulmanos.
In:
Estadão.
17
de
dezembro
de
2012.
Disponível
em:
<http://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,sem-religiao-sao-o-3-maior-grupo-do-mundo-aposcristaos-e-muculmanos,975282>. Acesso em: 30/09/2014.
13
1.1
FONTES DO DIREITO
O termo “fonte” é utilizado para indicar a origem, o ponto de partida de alguma
coisa. Conforme ensinamento de Nelson Saldanha3:
A sugestiva expressão latina fons et origo aponta para a origem de algo:
origem no sentido concreto de causação e ponto de partida. Fonte, na
linguagem corrente, pode aludir a um local ou a um fator, ou à relação entre
um fenômeno e outro, do qual o primeiro serve de causa.
Assim, entende-se por “fonte do direito” a origem primária jurídica, isto é, dos
fatores que impulsionaram o aparecimento da norma jurídica.
A doutrina conceitua e classifica o tema de forma variada, conquanto não haja
uma uniformidade em relação ao rol dessas fontes. Para Maria Helena Diniz
distinguem-se em duas espécies: as de fonte material e as de fonte formal. Todavia,
essa doutrinadora é seguidora da teoria egológica defendida por Carlos Cossio,
segundo a qual o aplicador do direito deve levar em consideração tanto as fontes
formais quanto as materiais, sendo, pois, fontes formais-materiais, porque “toda
fonte formal contém, de modo implícito, uma valorização, que só pode ser
compreendida como fonte do direito no sentido de fonte material.”.4
As fontes materiais apontam a procedência do direito, os fatores que levaram
a criação dos dispositivos jurídicos, como por exemplo, fatores éticos, sociológicos,
políticos.
As fontes formais, por sua vez, são os meios pelos quais se manifestam as
normas, a forma pela qual se exterioriza o direito; e, como o direito atual é de origem
estatal se dá preferência pela forma escrita, uma vez que se torna acessível a todos.
Podem ser estatais, que se subdividem em legislativas (atos normativos) e
jurisprudenciais (sentenças, súmulas, etc.); ou não estatais, que abrange o direito
consuetudinário, doutrina, as convenções e negócios jurídicos.
Destarte, a breve análise acerca do tema abordado teve por interesse
demonstrar, especialmente, os elementos que fizeram surgir o direito vigente no
3
SALDANHA, Nelson. Fontes do Direito. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, v.38.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18 ed. rev. e atual.. São
Paulo: Saraiva, 2006; p. 284.
4
14
país, aludindo para o fato de que conforme leciona Maria Helena Diniz 5 foram
determinantes:
[...] não só fatores sociais, que abrangem os históricos, os religiosos, os
naturais (clima, solo, raça, natureza geográfica do território, constituição
anatômica e psicológica do homem), os demográficos, os higiênicos, os
políticos, os econômicos e os morais (honestidade, decoro, decência,
fidelidade, respeito ao próximo), mas também os valores de cada época [...].
São elementos que emergem da própria realidade social e dos valores que
inspiram o ordenamento jurídico.
É cediço que na Religião acha-se uma das fontes do direito; não se pode
negar o fato de que durante muito tempo esses dois conceitos se misturavam.
A própria pena imposta ao faltoso tinha caráter de expiação, pois o crime,
antes de ser um ilícito, era um pecado, razão pela qual, no antigo Egito,
aquele que atentava contra lei do faraó cometia não apenas crime, mas
também sacrilégio.6
Mesmo no Brasil, Estado oficialmente laico, fatores religiosos relacionam-se
ao direito, visto que as religiões até hoje determinam certos comportamentos sociais,
e o objetivo da ordem jurídica é, exatamente, controlar as relações da sociedade,
tutelando valores humanos. Não obstante, o Direito nada mais é do que o Poder
Político juridicamente organizado; dessa feita, as normas são elaboradas
expressando a vontade daquele que exerce o poder. Nesse sentido, Dimitri
Dimoulis7 explica:
O direito não se cria com base em valores, ideais ou necessidade da
sociedade em geral. O direito é um fenômeno histórico, que exprime a
vontade política dominante em determinado momento.
Essa relação de poder está presente no contrato social, um dos elementos da
soberania, o qual está diretamente ligado à idéia de compromisso e admissão da lei
como meio de obtenção da ordem.
5
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18 ed. rev. e atual.. São
Paulo: Saraiva, 2006; p. 286/287.
6
AGUIAR, Igor Nóbrega. Fontes do Direito Obrigacional. In: Boletim Jurídico. 01 de novembro de
2004. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=398>. Acesso em:
10/10/2014.
7
DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 6 ed. rev. atual. e ampl.-São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014; p. 166.
15
Ademais, o direito está em constante mutação, tendo em vista que busca
regular, de forma abstrata, a vida em sociedade. A partir do instante em que não
puder solucionar os conflitos que a comunidade, a qual se destina, lhe apresentar se
tornará ineficaz e de nada adiantará. O direito está para a sociedade e não o
contrário.
1.2.
SEPARAÇÃO IGREJA-ESTADO E LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO
Em 1515, a palavra Estado foi utilizada pela primeira vez na história, com a
publicação do livro intitulado “O Príncipe” de Maquiavel8, no qual:
Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre republicas
ou principados. Os principados ou são hereditários, quando, por muitos
anos os governantes pertencem à mesma linhagem, ou foram fundados
recentemente. Estes últimos podem ser de todo novos, como aconteceu
com o de Francisco Sforza, em Milão, ou são acréscimos aos domínios
hereditários de um príncipe, que os anexa, como ocorre com o reino de
Nápoles com relação ao rei da Espanha. Os súditos dos domínios assim
adquiridos estavam previamente habituados ao governo de outro príncipe,
ou então eram Estados livres, anexados pela força das armas do príncipe,
ou de outrem, quando não pela força do seu próprio valor ou sorte.
Por essa concepção, o termo Estado estava ligado à noção de uma cidade
independente, pois foi somente a partir do século XVI que tal expressão obteve o
significado de sociedade política.
Com o advento da Revolução Francesa e seu pensamento liberal, passou-se
a conciliar nação com as ideias de liberdade, igualdade e fraternidade, buscando a
criação de um Estado-nação, em contrapartida ao Estado absolutista que vigorava
até então, onde o rei personificava o Estado. Dessa forma, o poder que antes estava
nas mãos do soberano foi transferido para o povo, sendo esse o entendimento que
vigora nos dias atuais, uma vez que o povo é detentor do poder, conforme
estabelece o parágrafo único do artigo 1º, da Carta Magna de 1988.
Modernamente, entende-se que o Estado é uma das mais intrincadas
organizações sociais já criadas pelo homem. Consoante definição de Max Webber9,
uma das mais utilizadas no estudo das Ciências Políticas, trata-se de
8
MAQUIAVEL. O Príncipe. Título Original: Il Principe (1513-1516). Tradução: Pietro Nassete. 4ª
Reimpressão. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 31.
9
WEBBER, Max, apud COTRIM,Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas, 15ª ed.
reform. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 290/295.
16
uma instituição política que, dirigida por um governo soberano, detém o
monopólio do uso da força física, em determinado território, subordinando a
sociedade que nele vive.
Dessa feita, o Estado detém o monopólio do poder e deve garantir o
cumprimento das leis, da ordem e da segurança social, já que foi originado para lidar
com os conflitos decorrentes das relações sociais, sendo o responsável, portanto,
por promover o bem-estar da nação.
Rousseau10, em sua mais aclamada obra “Do Contrato Social”, destacou que
o homem ao se organizar em sociedades adquiriu o senso de justiça, ao abrir mão
de certas liberdades individuais em prol da coletividade, pois se viu na obrigação de
respeitar “a voz do dever” imposta pelo detentor do poder, ou seja, o Estado, aquele
período.
Na Antiguidade, tinha-se o entendimento que Estado e Religião formavam
uma instituição única, tendo em vista que os soberanos recebiam tal poder
diretamente de uma divindade.
No período da chamada Idade Média, iniciado com a queda do Império
Romano em 476, a Igreja Católica aumentou significativamente sua influência sobre
toda a população, interferindo em praticamente todos os ramos, como por exemplo,
nas Artes, na Cultura, na Política, na Filosofia, tornando-se a instituição mais
poderosa da época.
A primeira vez que foram separadas as concepções de Estado e Religião foi
com Jesus Cristo em sua famosa passagem “Daí a Cesar o que é de Cesar, e a
Deus o que é de Deus”. 11
Essa separação entre Estado e Igreja é um marco do regime democrático
atualmente instituído pela maioria dos países, uma vez que é pressuposto para a
liberdade religiosa assegurada na sociedade.
10
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato Social. Título original: Du Contrat social: príncipes du droit
politique. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. 3ª ed.. São Paulo: Martins Fontes, 1996.- (Clássicos).
p. 20/23.
11
PEREIRA, Bruna Caroline. A separação do estado e da igreja para o bem do direito: uma análise
jurídica fundamentada no contexto histórico. In: Âmbito Jurídico. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4526>.
Acesso em: 09/09/2014.
17
John Locke12 defendeu incisivamente a concepção de que o poder estatal não
pode estar atrelado à comunidade eclesiástica. Em vários de seus textos
demonstrou sua preocupação com a liberdade religiosa à época:
Para estabelecer a paz dos locais onde há diferentes opiniões religiosas,
duas coisas devem ser perfeitamente distinguidas: religião e governo, e
suas espécies de oficiais, magistrados e ministros, e suas províncias [...]; o
magistrado deve apenas visar a paz e segurança do Estado, os ministros
devem estar apenas preocupados com a salvação da alma, e se estes
últimos fossem proibidos de se intrometer com a composição e execução
das leis em sua prédica, provavelmente nós estaríamos muito mais
tranqüilos.
Assim como o autor afirmava a necessidade da tolerância religiosa em
meados do século XVII, hoje, é incabível se pensar em liberdade de crença quando
o Estado está diretamente ligado a uma religião oficial, prova disso são os países
islâmicos que vivem em eterna crise em razão de discussões religiosas.
A primeira Constituição brasileira, outorgada em 1824, tinha caráter
confessional, pois estava estabelecido em seu artigo 5º 13, que a religião Católica
Apostólica Romana era a religião oficial do Império, todas as outras religiões, porém,
somente poderiam ser professadas domesticamente ou em locais com essa
destinação, desde que não se assemelhassem a templos, conforme transcrito:
Art. 5º. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião
do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto
domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma
exterior do Templo.
Assim, conforme aponta José Afonso da Silva14, nesse período, a liberdade
religiosa era apenas relativa, uma vez que as outras religiões, que não a Católica,
eram apenas toleradas.
No Brasil, as críticas acerca da união Estado-Religião culminaram por volta do
ano de 1860, o que foi decisivo para a edição do Decreto 119-A de 07 de janeiro de
12
LOCKE, John, apud REIS, Daniela Amaral dos. A separação Igreja-Estado na Doutrina sobre a
Tolerância de John Locke. In: Kínesis, Vol. IV, n° 08, Dezembro 2012. p. 99. Disponível em:
<http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/danielareis_7.pdf>.
Acesso
em
07/09/2014.
13
BRASIL.
Constituição
do
Império
de
1824.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 09/09/2014.
14
SILVA, José Afonso, apud RACHEL, Andrea Russar. Brasil: a laicidade e a liberdade religiosa
desde a Constituição da república Federativa de 1988. In: Jus Navigandi. Julho de 2012. Disponível
em:
<http://jus.com.br/artigos/22219/brasil-a-laicidade-e-a-liberdade-religiosa-desde-a-constituicaoda-republica-federativa-de-1988>. Acesso em: 10/09/2014.
18
1890, que veio a proibir a intervenção da autoridade federal e dos Estados
federados em matéria religiosa, consagrar a plena liberdade de cultos, extinguir o
padroado e estabelecer outras providências. 15
Todavia, o marco que deve ser levado em consideração quando se trata da
separação em questão, no Brasil, é a Proclamação da República. Por força dos
pensamentos liberalistas e positivistas, a primeira Constituição da República de
1891, em seu artigo 72, §3º 16, passou a prever a liberdade de culto, ratificando, por
fim, a separação entre Igreja e Estado. Desde então, essa foi uma regra constante
nas demais constituições brasileiras.
Logo, o Brasil é um Estado laico de Direito, ou seja, não professa nenhuma
religião oficial, conforme artigo 19, I, da Carta Magna, que traz como vedação à
Federação brasileira o estabelecimento de cultos religiosos, bem a como a
subvenção desses pelo Estado. Baseando-se nisso é que foi assegurado o direito
previsto no artigo 5º, VI, da Constituição Federal 17, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] VI - é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias;
Ainda no mesmo dispositivo constitucional estão previstos os direitos de
prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação
coletiva (inciso VI); e, também, a chamada escusa de consciência (inciso VIII),
consagrando a possibilidade da colaboração de ambas às instituições em benefício
do interesse público e bem de todos.
Dessa feita, a atual Lei Maior do país reafirmou o Estado leigo; no entanto,
em razão dos objetivos da República, dentre eles, a promoção do bem comum, nada
impede a cooperação entre Estado e Igreja em obras sociais, como foi acima
15
BRASIL. Decreto 119-A. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/18511899/D119-A.htm>. Acesso em: 10/09/2014.
16
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em: 10/09/2014.
17
BRASIL.
Constituição
Federal
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10/09/2014.
19
elucidado e consoante previsão do artigo 19, inciso I 18, abaixo reproduzido:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma
da lei, a colaboração de interesse público;
Não se deve olvidar, por conseguinte, que o Estado possui o dever de
proteger as igrejas e templos, não criando nenhum obstáculo ao seu funcionamento,
nem deixando que qualquer outro o crie.
Algumas dúvidas são geradas, contudo, ao ser analisado o preâmbulo da
Constituição Cidadã19, uma vez que lá está disposto que essa veio a ser promulgada
“sob a proteção de Deus”, aliás, todas as Constituições, excetuando as de 1891 e
1937, invocaram tal proteção:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Isso não significa que a Constituição brasileira se submeteu a determinada
doutrina religiosa. Não. O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Judiciário
pátrio e guardião da Constituição da República (artigo 102, caput, da CF/88),
entende pela irrelevância jurídica do preâmbulo constitucional, aduzindo que esse
não possui valor normativo, mas sim político e histórico20, não podendo ser
parâmetro para controle de constitucionalidade. Logo, esse texto nada mais é do
que uma carta de apresentação e norte interpretativo das normas constitucionais, e,
portanto, não afeta o direito de livre crença assegurado dentre os direitos individuais
18
BRASIL.
Constituição
Federal
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso
em:
10/09/2014.
19
BRASIL.
Constituição
Federal
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso
em:
10/09/2014.
20
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.076. rel. Min. Carlos
Velloso. Plenário. j. 15/08/2002. DJ. 08/08/2003. In: Diário de Justiça Eletrônico.. Disponível
em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324>.
Acesso
em:
17/11/2014.
20
previstos no Texto Maior.
Com isso, a Constituição Cidadã ao declarar que o Brasil é um país não
confessional, não quer dizer que seja ateu; além do preâmbulo, outras normas
constitucionais podem comprovar essa afirmativa, como por exemplo o artigo 210,
§1º, que admite que o ensino religioso seja fornecido em escolas públicas de ensino
fundamental sob matrícula facultativa, isto é, apenas os interessados assistirão as
aulas. Assegura em seu artigo 5º, VII, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva. Admite que o casamento religioso
possua efeitos civis, na forma da lei, conforme artigo 226, §§1º e 2º. 21
Apesar de já não haver mais uma união entre as instituições Igreja-Estado,
não foi objetivo do legislador constituinte originário criar barreiras entre eles. O STF 22
já se posicionou nesse sentido:
O relator expôs que não se aplica à realidade constitucional brasileira a
posição jurisprudencial norte-americana contrária a que se aprovem leis que
favoreçam uma ou mesmo todas as religiões. Não se ajusta ao modelo da
Constituição de 1988 a imagem de “construção de um muro entre Igreja e
Estado.”
A ligação que a Constituição proíbe e repudia é aquela que afronta o próprio
direito conferido aos cidadãos e que vem a impedir o exercício de todas as religiões
dentro do território brasileiro.
É válido ressaltar ainda que segundo entendimento de José Afonso da Silva23,
a liberdade religiosa é gênero de três espécies de liberdade, quais sejam: liberdade
de crença; a liberdade de culto; e a liberdade de organização religiosa.
A primeira compreenderia a liberdade de escolher, mudar e aderir a qualquer
religião, bem como não crer em nenhuma; não engloba, porém, a liberdade de
prejudicar ou interferir o livre exercício crença do outro.
A liberdade de culto seria no sentido que o Estado não pode condicioná-la,
21
BRASIL.
Constituição
Federal
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso
em:
10/09/2014.
22
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STA 389- Agravo Regimental. Rel. Min. Presidente Gilmar
Mendes. j. 03/12/2009, Plenário, DJE de 14/05/2010. In: Diário de Justiça Eletrônico. Disponível
em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610995>. Acesso em:
18/11/2014.
23
RACHEL, Andrea Russar. Brasil: a laicidade e a liberdade religiosa desde a Constituição da
república Federativa de 1988. In: Jus Navigandi. Julho de 2012. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/22219/brasil-a-laicidade-e-a-liberdade-religiosa-desde-a-constituicao-darepublica-federativa-de-1988>. Acesso em: 10/09/2014.
21
devendo apenas proteger seus templos e liturgias, na forma da lei. Essa garantia é
também umas dos motivos pelos quais foi reconhecida a imunidade fiscal aos
templos de qualquer culto (artigo 150, VI, "b", da CF/88).
No que se refere à liberdade de organização religiosa é a possibilidade de
estabelecer relações com o Estado, pois esse, como já foi dito, deve proteger as
religiões e suas liturgias, e o critério a ser utilizado é o objetivo de determinada
crença, ou seja, a Administração Pública não pode decidir discricionariamente com
qual religião pode estabelecer vínculos de colaboração, pois se qualquer que seja a
doutrina tenha por intuito a busca do bem-estar do indivíduo e o engrandecimento
deste perante a sociedade merece a proteção estatal.
Não obstante, o direito à liberdade religiosa é uma das cláusulas pétreas do
sistema jurídico nacional, conforme está inserto no artigo 60, §4º, IV, da Constituição
da República de 1988, isto é, somente se fosse estabelecido uma nova ordem
jurídica no país é que esse direito poderia vir a ser extinto, já que por meio de
emenda à Constituição isso não seria possível.
1.3.
A PSICOGRAFIA NA DOUTRINA ESPÍRITA
Conforme conceitua o Dicionário Aurélio24 a psicografia é a “Escrita dos
espíritos pela mão de um médium.”
Em suma, é uma técnica utilizada pelos membros da religião espírita
kardecista, na qual os médiuns escrevem mensagens que lhes são transmitidas e
ditadas por espíritos desencarnados, aqueles já desligados do corpo físico que se
encontram no plano espiritual.
O doutrinador espírita Edvaldo Kulcheski25 explica a psicografia como sendo
“[...] a mediunidade pela qual os espíritos influenciam a pessoa, levando-a escrever
[...]”.
A carta psicografada, assim, é o resultado da prática mediúnica, sendo a
mensagem escrita transmitida pelos espíritos dos mortos.
24
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio online. Disponível em:
<http://www.dicionariodoaurelio.com/psicografia>. Acesso em 22/09/2014.
25
KULCHESKI, Edvaldo e ROMANO, Maria Aparecida. O que é mediunidade?. p. 61. Disponível em:
<http://bvespirita.com/O%20Que%20%C3%A9%20Mediunidade!%20(Edvaldo%20Kulcheski%20e%2
0Maria%20Aparecida%20Romano).pdf>. Acesso em: 22/09/2014.
22
A doutrina em tela tem por concepção a crença de que os espíritos podem se
manifestar do além, chegando até a se comunicar com pessoas na terra, que são
denominadas de médiuns. Allan Kardec 26, precursor do Espiritismo, dedicou-se a
estudar esse fenômeno, tentando a priori interligar essas observações às
consequências filosóficas, estabelecendo as leis que regem as relações entre o
mundo visível e o invisível:
O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma
doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se
estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as
conseqüências morais que dimanam dessas mesmas relações. Podemos
defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e
destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.
Essa religião, porém, não é a única, no Brasil, que admite esse tipo de
interação entre os vivos e os mortos, como é, por exemplo, o caso da Umbanda. A
diferença entre elas é justamente que no Espiritismo isso pode ser expresso através
de cartas, isto é, de forma escrita e racionalizada.
Existe uma série de questionamentos sobre o fato de o Espiritismo ser ou não
uma religião, visto que o próprio Allan Kardec nunca chegou a defini-lo assim, como
pode ser comprovado na citação anterior. Segundo ele poderia ser considerado
como sendo uma doutrina de cunho filosófico, científico e moral:
A versão do espiritismo de Kardec é anticlerical, não transcendental e muito
mais científica do que religiosa. O espiritismo kardecista entende que todos
os fenômenos são fenômenos humanos, alguns dos homens na terra,
outros fenômenos dos homens sem corpo. Kardec reforça a separação
entre corpo e alma e propõe uma diferente maneira de ver a morte, que
segundo sua concepção é o desaparecimento do corpo. A alma, também
chamada de espírito por muitos filósofos, ainda tem predominância sobre o
corpo, que é considerado como perene. A manutenção dos conhecimentos
e informações com a alma, mesmo após a morte, permite a comunicação
entre vivos e mortos, ou melhor, entre aqueles que são corpo e alma e
aqueles que somente são alma. [...]. Há uma lei fundamental para isso, que
é a lei da ação e reação. Semelhante às leis da física, o espiritismo
kardecista prega que dado uma ação tem-se uma reação, seja ela no plano
dos homens, seja no plano dos espíritos. Afasta-se a concepção de graça,
pregada no cristianismo, acentuando-se a questão da igualdade entre os
homens. Afasta-se a concepção de deuses superiores aos homens e a
necessidade de mediadores religiosos para se alcançar o divino. Todas
essas explicações do espiritismo kardecista têm forte conotação cientificista
e racionalizantes, ao se basearem nas explicações correntes de ciência da
26
ÁREA DE ESTUDO DOUTRINÁRIO DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA, responsável Cecília
Rocha. Estudo sistematizado da doutrina espírita: programa de fundamental, v.1. Rio de Janeiro:
Federação Espírita Brasileira, 2007; p. 26.
23
época, seja ela o magnetismo, a divisão corpo e alma, ou mesmo nas leis
da física mecânica.27
Tal doutrina passou a ser fortemente difundida no Brasil a partir do século XX.
No entanto, aqui se predominou a versão defendida por Jean-Batiste Rousteing, na
qual prevalece o entendimento de que se trata de uma doutrina religiosa, colocando
os médiuns como figuras centrais e fundamentais em sua crença. Na concepção
adotada no Brasil, portanto, deixou-se de priorizar a racionalização e a cientificidade
das ideias tão necessárias à versão de Kardec. 28
Dessa feita, o chamado espiritismo brasileiro é aquele mais voltado aos
dogmas cristãos, aceitando, por exemplo, a existência de uma divindade como ser
superior e do destino, e por isso, aqui, assim como em vários países, é sim
considerado uma religião.
Chico Xavier, o mais famoso médium brasileiro, fez com que a prática espírita
ficasse extremamente conhecida no país, tendo em vista as inúmeras cartas e livros
que veio a escrever através das mensagens ditadas pelos espíritos dos mortos. Sua
vida simples, idônea e dedicada ao atendimento de pessoas com doenças tanto
físicas quanto espirituais deu a ele, após sua morte, o status de “homem santo”. Ele
é, até hoje, o maior responsável pelo aumento do número de adeptos ao Espiritismo
no Brasil, que segundo dados do IBGE foi uma das religiões que apresentaram
crescimento tendo por base o último censo realizado no ano de 2000, passando de
1,3% da população (2,3 milhões) para 2% em 2010 (3,8 milhões), tendo um aumento
de aproximadamente 65% no número de seguidores, sendo essas pessoas com o
maior nível de escolaridade e renda familiar em comparação aos outros segmentos
religiosos.29
27
SALGADO, Gisele Mascarelli. A racionalização do Direito: uma discussão sobre uma prova
inusitada, a carta psicografada. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XV, n .99, abril de 2012. Disponível
em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11539
&revista_caderno=15>. Acesso em: 22/09/2014.
28
SALGADO, Gisele Mascarelli. A racionalização do Direito: uma discussão sobre uma prova
inusitada, a carta psicografada. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XV, n .99, abril de 2012. Disponível
em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11539
&revista_caderno=15>. Acesso em: 22/09/2014.
29
IBGE: com maior rendimento e instrução, espíritas crescem 65% no País em 10 anos. In: Último
Segundo. 29 de julho de 2012. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-0629/ibge-com-maior-rendimento-e-instrucao-espiritas-crescem-65-no-pais-em-10-anos.html>. Acesso
em: 22/09/2014.
24
CAPÍTULO II- DISCUSSÕES PERTINENTES À TEORIA GERAL DA PROVA
Assim como ensina Renato Brasileiro de Lima30, numa análise à nova
redação do artigo 155 do Código de Processo Penal, o termo prova é utilizado para
denominar os elementos que formarão a convicção do juiz quanto à situação fática
alegada no processo judicial, produzidos respeitando-se os princípios constitucionais
do contraditório e da ampla defesa.
A prova é, pois, o instrumento idôneo utilizado para alcançar a verdade numa
demanda judicial, que tem por objeto, ou seja, finalidade, convencer o juiz, dando-o
conhecimento acerca dos fatos sobre os quais se versa a lide, para que possa reunir
elementos suficientes ao proferir seu julgamento.
Pode-se dizer que o direito à prova é uma reprodução natural do direito de
ação, já que o Estado ao permitir que se postule em juízo, não pode negar ao seu
legitimado a possibilidade de se utilizar dos meios probatórios para convencer o
órgão julgador acerca da verdade dos fatos que submeteu a sua apreciação.
O contraditório a que se referiu anteriormente pode ser considerado uma
condição inerente ao conceito de prova, visto que a participação do acusador,
acusado
e
advogados
são
imprescindíveis
a
sua
produção,
a
qual,
consequentemente, só poderá ser introduzida no processo na presença do juiz e da
participação dialética das partes. Justamente, nesse ponto, é que prova se
diferencia de elementos de informação que, por sua vez, são os elementos obtidos
na fase investigatória sem a participação das partes envolvidas no conflito.
Dessa feita, Fernando da Costa Tourinho Filho 31 leciona que pode ser tido
como meio de prova tudo aquilo que venha a auxiliar a compreensão acerca da
verdade dos fatos, seja testemunhas, documentos, perícia, e tantos outros, desde
que sua produção não seja considerada inconstitucional, ilegal ou imoral.
2.1.
BREVE HISTÓRICO DA PRODUÇÃO PROBATÓRIA NO BRASIL
Em 1500, quando o Brasil foi descoberto e se tornou colônia de Portugal, foi
aplicada no país a legislação portuguesa para a solução dos conflitos que aqui
30
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p.
819/821.
31
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 13ª Ed.- São Paulo: Saraiva,
2010; p. 555.
25
surgissem, já que deveria seguir as normas da Metrópole. O sistema jurídico
português à época orientava-se através das chamadas Ordenações do Reino, que
por sua vez, foi a forma encontrada por Portugal de unificar e sistematizar as suas
leis que emanavam do Direito Romano, Canônico e Germânico32.
Nessa ocasião, estavam vigentes as Ordenações Afonsinas, elaboradas
durante os reinados de D. João I, D. Duarte e publicadas, em 1446, no de Afonso V,
que foi homenageado com a nomenclatura da norma. Estavam divididas em cinco
livros, os quais tratavam da organização judiciária, das competências, da relação
Igreja e Estado, das relações civis e comerciais, e do direito penal e processual
penal, que era diretamente influenciado pelo Direito Canônico e o sistema
inquisitorial.33
Já no século XVI, houve a instituição das Ordenações Manuelinas, que
mantiveram toda a influência religiosa na legislação processual.
O Direito Canônico somente perdeu um pouco de espaço com a elaboração
das Ordenações Filipinas, durante o reinado de Felipe II, mas manteve grande parte
das disposições das normas anteriores, já que as regras processuais penais só
sofreram efetiva mudança com a edição do Código de Processo Criminal do Império,
em 1832.
Enquanto vigeram as Ordenações, as provas eram apreciadas segundo o
sistema da prova legal ou tarifada, sendo que o juiz devia se ater àquelas que
estavam presentes no processo e com o sistema inquisitivo, em busca da verdade
real, eram admitidos métodos, para obtenção das provas, realmente cruéis e
bárbaros.34
Todavia, com a expansão do pensamento liberalista, difundido na Europa no
século XVIII, fez-se necessária uma reforma na legislação penal, que culminou com
a edição da Lei de 12 de Novembro de 1821, que veio a extinguir as devassas
32
SILVA, Joilson José da. Ordenações do Reino- Raízes Culturais do Direito Brasileiro. In: Web
artigos. Junho de 2009. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/ordenacoes-do-reinoraizes-culturais-do-direito-brasileiro/19429/>. Acesso em: 08/10/2014.
33
SILVA, Joilson José da. Ordenações do Reino- Raízes Culturais do Direito Brasileiro. In: Web
artigos. Junho de 2009. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/ordenacoes-do-reinoraizes-culturais-do-direito-brasileiro/19429/>. Acesso em: 08/10/2014.
34
SOUZA, André Pereira de. O sistema acusatório e a possibilidade de produção de provas pelo
juiz na fase pré-processual, conforme o art. 156, I, Código de Processo Penal: aspectos legais
e constitucionais. 2009. 74f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – FAPRO –
Faculdade
Projeção,
Taguatinga,
DF,
2009.
Disponível
em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/monografia-tcc-tese,o-sistema-acusatorio-e-a-possibilidade-deproducao-de-provas-pelo-juiz-na-fase-pre-processual-conforme-o-art-1,25530.html>. Acesso em:
08/10/2014.
26
gerais35- instrumento de exercício de poder da Corte portuguesa para inspecionar os
empreendimentos coloniais- e, consequentemente, com a elaboração do Código de
Processo Criminal de 1832, fortemente influenciado pelo Iluminismo, que permitiu,
por exemplo, que o processo se iniciasse pela queixa do ofendido, pelo juiz ou por
qualquer do povo36.
A Constituição de 1891, a primeira da República, autorizou que os Estadosmembros elaborassem suas próprias Constituições, e legislassem sobre direito
processual penal, mas como poucos o fizeram, o Código de 1832 manteve-se
vigente.
Quando a competência para legislar voltou a ser da União, conforme previsto
nas Constituições de 1934 e 1937, foi promulgado o ainda atual Código de Processo
Penal através do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, que mesmo
mantendo a fase do Inquérito Policial, adotou o sistema acusatório, colocando o juiz
imparcial no centro da relação processual, um órgão acusador de um lado, função
para a qual foi criado em 1988 o Ministério Público, e o acusado do outro, exercendo
seus direitos e garantias.
Em virtude disso, a apreciação das provas, ao longo do tempo no país,
passou por diversas fases. Tal assunto diz respeito à vinculação do juiz a alguma
prova produzida em juízo. Quanto ao tema elucidado, três sistemas de avaliação
probatória devem ser conhecidos, quais sejam: da íntima convicção; da prova legal
ou tarifada; e, do livre convencimento motivado.
O sistema da íntima convicção ou da certeza moral do juiz é aquele que
entende que o magistrado pode valorar a prova como bem quiser, de acordo com
sua própria convicção, sem a necessidade de fundamentar sua decisão. Há aqui
uma liberdade ilimitada quanto à valoração das provas, sendo esse o sistema que
prevalece, excepcionalmente, no ordenamento brasileiro, visto que só é passível de
aplicação no Tribunal do Júri, pois a regra estabelecida pela Constituição Federal,
35
MARTINS, Lucas Moraes. Uma Genealogia das Devassas na História do Brasil. Trabalho publicado
nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11
e
12
de
Junho
de
2010.
Disponível
em:
<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3245.pdf>. Acesso em: 08/10/2014.
36
SOUZA, André Pereira de. O sistema acusatório e a possibilidade de produção de provas pelo
juiz na fase pré-processual, conforme o art. 156, I, Código de Processo Penal: aspectos legais
e constitucionais. 2009. 74f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – FAPRO –
Faculdade
Projeção,
Taguatinga,
DF,
2009.
Disponível
em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/monografia-tcc-tese,o-sistema-acusatorio-e-a-possibilidade-deproducao-de-provas-pelo-juiz-na-fase-pre-processual-conforme-o-art-1,25530.html>. Acesso em:
08/10/2014.
27
em seu artigo 93, inc. IX37, é a de que todas as decisões proferidas pelos órgãos do
Poder Judiciário devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade.
A regra trazida pela Carta Magna de 1988 no dispositivo supracitado não se
aplica às decisões dos jurados, que por sua vez, consoante artigo 5º, XXXVIII, da
mesma Lei, determina o sigilo das votações no Tribunal do Júri. Se os jurados
fundamentassem sua decisão estariam identificando o seu voto. Assim, esses
podem formar seu entendimento quanto ao caso concreto subjetivamente, não
estando vinculados às provas constituídas nos autos.
Conforme explicação de Renato Brasileiro de Lima 38
A vantagem desse sistema é a liberdade que o magistrado tem para avaliar
as provas de acordo com sua livre-convicção, não estando preso a um
sistema tarifado fixado em abstrato e a priori pelo legislador. Apresenta, no
entanto, o gravame de não se exigir do magistrado qualquer espécie de
fundamentação, o que compromete o controle sobre o exercício da função
jurisdicional.
O sistema tarifado, conhecido como sistema da prova legal, da certeza moral
do legislador, da verdade legal, observado durante a vigência das Ordenações do
Reino, está pautado na compreensão de que o valor de certos meios de prova foi
determinado anteriormente pelo legislador quando da elaboração da norma. O juiz,
portanto, está rigorosamente vinculado a atribuir às provas a importância que lhe foi
dada pela legislação vigente.
Tal sistema fez com que a confissão do acusado fosse tida como a “rainha
das provas”, visto que nenhuma outra teria valor quando confrontada com ela. Foi
por esse, também, que surgiu o brocardo testis unus, testis nullus- uma só
testemunha não tem valor, que em outras palavras diz que uma verdade contada por
uma pessoa não tem importância, mas uma mentira dita por duas prevalecerá.
Nesse sentido Fernando Capez39 doutrina:
[...]. Não existe convicção pessoal do magistrado na valoração do contexto
probatório, mas obediência estrita ao sistema de pesos e valores imposto
pela lei. Desse sistema se origina o absurdo brocardo testis unus, testis
37
BRASIL.
Constituição
Federal
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
Acesso
em:
10/10/2014.
38
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p.
862.
39
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011; p. 383.
28
nullus, pelo qual o depoimento de uma só testemunha, por mais detalhado e
verossímil que seja, não tem qualquer valor. [...]
O sistema em tela, hoje, não é o adotado pelo direito nacional. Contudo,
resquícios de sua concepção podem ser encontrados no processo penal atual, de
forma restrita às regras trazidas pelo artigo 155, parágrafo único, do CPP, o qual
dispõe que quanto ao estado das pessoas somente se provará conforme determina
a lei civil, ou seja, por meio de certidão, não podendo ser feito por prova
testemunhal; bem como pelo artigo 158, do mesmo diploma legal, que exige a feitura
do exame de corpo de delito nas infrações que deixarem vestígios, visto que nem
mesmo a confissão do acusado poderá supri-lo.40
Por fim, pelo sistema do livre convencimento motivado, da verdade real, da
livre convicção ou da persuasão racional, o magistrado tem liberdade para valoração
das provas, devendo apenas fundamentar sua decisão. No entanto, não pode o juiz
julgar com base em provas que não estejam presentes nos autos. Em regra, esse é
o sistema adotado pelo Código de Processo Penal, como se observa pela
interpretação da redação dada pela Lei 11.690/2008 ao artigo 155, caput41, pela qual
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
O artigo acima exposto foi elaborado em perfeita consonância ao artigo 93,
IX, da CF, que preceitua que as decisões proferidas pelo Judiciário brasileiro sejam
todas fundamentadas.
É válido, aqui, transcrever julgados dos Tribunais Superiores acerca da
adoção desse sistema pelo direito vigente:
O legislador brasileiro adotou o sistema do livre convencimento motivado,
cabendo ao juiz extrair sua convicção das provas produzidas legalmente no
processo em decisão devidamente fundamentada.42
40
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014.
41
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014.
42
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1168353/RS, 5ª
T., j.04.09.2012, v.u., rel. Min. Jorge Mussi. In: Diário de Justiça Eletrônico. 14 de setembro de
2012.
Disponível
em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=2419492
8&num_registro=200902269573&data=20120914&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 05/11/2014.
29
Não há um direito absoluto à produção de prova, facultando o art. 400, §1º,
do Código de Processo Penal, ao juiz o indeferimento de provas
impertinentes, irrelevantes e protelatórias. Cabíveis, na fase de diligências
complementares, requerimentos de prova cuja necessidade tenha surgido
apenas no decorrer da instrução. Em casos complexos, há que confiar no
prudente arbítrio do magistrado, mais próximo dos fatos, quanto à avaliação
da pertinência e relevância das provas requeridas pelas partes, sem
prejuízo da avaliação crítica pela Corte de Apelação no julgamento de
eventual recurso contra sentença.43
Em síntese, pode-se dizer que atualmente o Brasil adota o sistema da íntima
convicção ou da prova livre, nos julgamentos do Tribunal do Júri, no qual o Julgador
não precisa exteriorizar os motivos que o levaram a tomar determinada decisão,
decidindo de acordo com a sua convicção pessoal, valorando a prova como bem
entender; os jurados decidem, sigilosamente, sem fundamentar seu voto.
Quanto aos demais processos de competência da Justiça Comum, o sistema
aceito é o da livre convicção ou persuasão racional. Neste admitem-se, via de regra,
todos os meios de prova, como foi dito anteriormente, e o juiz possui inteira
liberdade em sua valoração. Assim, se souber da existência de algum elemento ou
circunstância que seja importante ao deslinde da causa, deve ordenar que sejam
produzidas as provas que se fizerem necessárias, já que está adstrito aos autos do
processo.
2.2.
PRINCÍPIOS GERAIS RELEVANTES À PROVA
Primeiramente, cumpre destacar que por princípio deve se ter em mente o
núcleo basilar de um sistema, e que mesmo, muitas vezes, não estando escrito é o
alicerce, fundamento que dá lógica a um ordenamento jurídico e o torna harmônico.
A Constituição Federal, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos- dos
quais o Brasil é signatário, e o Código de Processo Penal, elencaram vários
princípios gerais no processo penal, bem como específicos à produção probatória,
consistindo um núcleo de garantias na legislação processual pátria.
43
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 100988/RJ STF, 1ª T., j. 15.05.2012, v.u.,
rel. Marco Aurélio. In: Diário de Justiça Eletrônico. 28 de setembro de 2012. Disponível em:
https:<//www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/DJE_20120927_191.pdf>. Acesso em: 05/11/2014.
30
Optou-se, nesse trabalho, discorrer apenas sobre os princípios relevantes ao
tema em apreço, haja vista que tratar de todos os princípios processuais penais
poderia dispersar a atenção do estudo proposto.
2.2.1. Princípio do Contraditório
O artigo 5º, inc. LV, da Constituição Federal 44, estabeleceu que:
Art. 5º. [...] LV- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes;
Trata-se de um dos princípios fundamentais do processo penal e que tem por
base dois elementos: o direito à informação e o direito à participação. Em outras
palavras, assim como denomina a melhor doutrina, aqui existe uma “ciência
bilateral”, na qual deve ser assegurado a ambas as partes litigantes a possibilidade
de fiscalizar os atos praticados no processo e contrapor aqueles que lhe forem
desfavoráveis.45
Hoje, não basta apenas a possibilidade de reação da parte contrária para que
o princípio em questão seja devidamente observado ao longo do processo, é
necessária a efetiva e igualitária participação dos litigantes no processo,
respeitando-se assim, também o princípio da isonomia, ao tentar igualar os
desiguais.
Dessa forma, confirma Renato Brasileiro de Lima 46:
[...]. De fato, de nada adianta se assegurar à parte a possibilidade formal de
se pronunciar sobre os atos da parte contrária, se não lhe são outorgados
os meios para que tenha condições reais e efetivas de contrariá-los. Há de
assegurar, pois, o equilíbrio entre a acusação e a defesa, que devem estar
munidas de forças similares. O contraditório pressupõe, assim, a paridade
de armas: somente pode ser eficaz se os contendentes possuem a mesma
força, ou, ao menos, os mesmos poderes.
44
BRASIL.
Constituição
Federal
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
Acesso
em:
10/10/2014.
45
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p.
18.
46
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p.
20.
31
O artigo 155, caput, do CPP, alterado pela Lei 11.690/08, afirma que o juiz
somente poderá formar sua compreensão acerca dos fatos quando se basear em
provas produzidas em contraditório judicial47. A prova, assim, somente pode ser
produzida observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, estando
presentes a acusação, a defesa e o juiz, isso porque a dialética entre as partes torna
possível que a verdade sobre os fatos seja esclarecida, fazendo com que o
magistrado presidente do processo possa formar sua convicção e julgar de forma
justa e isenta a lide.
2.2.2. Princípio da Ampla Defesa
O artigo 5º, inc. LV, da Lei Máxima também instituiu o princípio da ampla
defesa, o qual está diretamente ligado à garantia processual acima aludida, uma vez
que são praticados de forma simultânea no processo, mas não se confundem. Sobre
o tema, Gustavo Henrique Badaró48 explica:
[...] é possível violar-se o contraditório, sem que se lesione o direito de
defesa. Não se pode esquecer que o princípio do contraditório não diz
respeito apenas à defesa ou aos direitos do réu. O princípio deve aplicar-se
em relação a ambas as partes, além de também ser observado pelo próprio
juiz. Deixar de comunicar um determinado ato processual ao acusador, ou
impedir-lhe a reação à determinada prova ou alegação de defesa, embora
não represente violação do direito de defesa, certamente violará o princípio
do contraditório. O contraditório manifesta-se em relação a ambas as
partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu.
Aqui, está assegurado o direito do réu de se defender, até mesmo em fase
recursal, de forma ampla, por todos os meios admitidos em direito, das acusações
que lhe são feitas.
Tal princípio está subdividido em defesa técnica e auto defesa. A primeira diz
respeito, aquela exercida por profissional, ou seja, um advogado, seja ele
constituído, nomeado pelo juiz ou defensor público, e é indispensável no processo,
pois como reza o artigo 261, do CPP49, ninguém poderá ser processado sem um
47
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014.
48
BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e sentença. 2ª. ed., São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2009. p.37.
49
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014.
32
defensor. A segunda se refere à defesa realizada pelo próprio acusado em
determinados momentos, como por exemplo, durante o interrogatório, podendo ser
renunciado pelo seu titular, uma vez que o juiz não pode obrigá-lo a participar do
processo.
2.2.3. Princípio da Busca da Verdade
Renato Brasileiro de Lima50 ao versar sobre o tema explica que “a prova
produzida em juízo, por mais robusta e contundente que seja, é incapaz de dar ao
magistrado um juízo de certeza absoluta”.
Hoje, portanto, no estudo processual penal, não há mais que se falar em
verdade real ou material e verdade formal, utilizada no processo civil. Prevalece o
entendimento de que a verdade absoluta acerca dos fatos discutidos no processo é
algo intangível, impensável. O que se busca é uma noção sobre todo o ocorrido,
uma aproximação, já que nenhuma prova, seja ela qual for, é capaz de trazer
certeza plena da realidade.
2.2.4. Princípio da Liberdade Probatória
O processo penal adota tal princípio, em razão da busca pela verdade, já que
não é cabível uma matéria que aplica a privação da liberdade do indivíduo, direito
fundamental constitucionalmente tutelado, como pena, fazê-lo de forma arbitrária ou,
até mesmo, injusta.
A liberdade probatória amplamente difundida na legislação processual dar-seá quanto ao momento da prova, quanto ao seu objeto e quanto ao meio utilizado.
Em relação à liberdade quanto ao momento, quer dizer que consoante
positiva o artigo 231 do CPP, a prova pode ser produzida a qualquer momento, salvo
nos casos expressos em lei, como por exemplo, o arrolamento de testemunhas que
para a acusação deve ser apresentado na peça exordial, e para a defesa, quando da
sua resposta (arts. 41 e 396-A, do CPP).51
50
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol. 1. 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012; p.
907.
51
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014.
33
No que tange ao objeto da prova, ela poderá versar sobre qualquer fato que
seja relevante à solução da lide.
E por fim, poderão ser utilizados quaisquer meios de prova, até mesmo
aqueles não especificados na lei processual, haja vista que não é aplicado, nesse
caso, o princípio da taxatividade. Contudo, o Código traz uma ressalva no parágrafo
único do artigo 155, ao dizer que o estado de pessoas deve ser provado conforme
estabelecido na lei civil. Além da restrição do artigo 207 que prevê o sigilo
profissional.
É cediço, porém, que os princípios constitucionais e as normas de direito
material impõem restrições a admissibilidade das provas, casos em que sendo
produzidas serão consideradas ilícitas e deverão ser desentranhadas do processo,
consoante preconiza o art. 157 do Código de Processo Penal Brasileiro 52. Nesse
sentido, é livre a produção de provas desde que não sejam inconstitucionais, ilegais
ou indecorosas.
2.2.5. Princípio do Favor Rei
Fernando da Costa Tourinho Filho53 ao doutrinar sobre este princípio o faz
dizendo que é a base de todo sistema processual de um Estado.
Segundo esse, a dúvida sempre beneficia o réu, optando o juiz pela
absolvição do acusado por insuficiência de provas. O processo penal brasileiro
dispõe de diversas formas acerca desse princípio: na proibição da reformatio in
pejus; ao conceder somente à defesa a interposição de certos recursos, como por
exemplo, os embargos infringentes. Como desdobramento desse princípio está o da
presunção de inocência, elencado como direito fundamental no artigo 5º, LVII, da
Constituição Federal54, pelo qual: “ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória;”.
52
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014.
53
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13 ed., São Paulo: Saraiva,
2010. p. 73
54
BRASIL.
Constituição
Federal
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
Acesso
em:
10/10/2014.
34
2.3.
PROVAS ILÍCITAS E ILEGÍTIMAS
Tanto a prova obtida por meios ilícitos quanto por meios ilegítimos são tidas
como ilegais e, por conseguinte, não podem ser admitidas em um processo judicial.
Assim, pode-se dizer que a prova ilegal é um grande gênero do qual essas são
espécies.
A Constituição Federal em seu artigo 5º, LVI55, estabelece que “são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
A Magna Carta, apesar de dispor dessa forma, não esclarece o que vem a ser
“meio ilícito”, sendo este explicado pela doutrina, que achou por bem conceituá-lo de
forma ampla, fazendo referência a provas ilegais, portanto proibidas pelo
ordenamento.
O conceito empregado pelo italiano Pietro Nuvolone 56 às provas ilegais é até
hoje utilizado, uma vez que as definiu como sendo aquelas obtidas pela violação de
normas legais ou de princípios gerais, sejam de cunho material ou processual. E a
distinção de suas espécies se faz justamente a partir dessa premissa.
As provas ilícitas são aquelas produzidas mediante insulto às normas de
direito material, penal ou constitucional. Sobre tal definição, Aury Lopes Jr. 57 escreve
que:
[...] infelizmente a redação do art. 157 é confusa, especialmente quando
aponta que as provas ilícitas seriam aquelas “obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais”. Esses “legais” refere-se às normas materiais ou
processuais? Pensamos que apenas às normas materiais, persistindo,
porque necessária, a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas, tendo o art.
157 se ocupado das provas ilícitas (obtidas em desconformidade com a
Constituição ou leis materiais).
Logo, quando determinadas provas forem arranjadas ferindo direitos
individuais assegurados no sistema jurídico nacional devem ser consideradas
inadmissíveis por sua ilicitude, sendo, por isso, desentranhadas do processo, em
razão da regra do artigo 157, caput, do Código de Processo Penal.
55
BRASIL.
Constituição
Federal
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
Acesso
em:
10/10/2014.
56
NUVOLONE, Pietro. Le prove vietate nel processo penale nei paesi di diritto latino. Rivista di
diritto processuale, Padova, Volume XXI (II Serie), 1966. p. 448.
57
LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 9 ed.. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 593.
35
Alguns exemplos de provas ilícitas são elencados expressamente no próprio
texto constitucional que resguardou direitos fundamentais da pessoa, como as
obtidas por meio da violação de domicílio (art. 5º, XI, da CF), através do emprego da
tortura (art. 5º, III, da CF), ou até mesmo quando o juiz ao realizar o interrogatório do
réu em audiência não o informa sobre o seu direito de ficar em silêncio (art. 5º, LXIII,
da CF).58
A prova será ilegítima quando for alcançada mediante frustração de normas
de direito processual, por isso que alguns doutrinadores entendem que deve ser
estudada junto com as nulidades processuais. A título de exemplo, pode-se citar
uma confissão aceita em detrimento do exame de corpo de delito (art. 158, do CPP),
o documento exibido no Júri sem comunicar a parte contrária com antecedência de
três dias (art. 479, caput, do CPP).59
O último exemplo dado traz à baila outra característica inerente à prova
ilegítima, ou seja, referente ao momento da sua produção, haja vista ser sempre
criada ao longo do processo, sendo, portanto, uma prova intraprocessual.
Embora o Código em seu artigo 157, caput (alterado pela Lei 11.690/08),
assim como depreende-se do texto de Aury Lopes Jr. acima aludido, não fez
qualquer distinção entre provas ilícitas e ilegítimas, ao dizer que por ilícito seriam
todas aquelas que violassem normas legais e constitucionais, não explicando se por
legais deveriam ser entendidas tanto as materiais quanto as processuais; a doutrina
majoritária e a jurisprudência a fazem, como pode ser auferido pelas súmulas 48 e
49 das Mesas de Processo Penal dirigidas por Ada Pellegrini Grinover, e vinculadas
ao Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP 60, segundo
as quais:
Súmula nº 48- Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a
normas e princípios de direito material.
Súmula nº 49- São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que
infringem normas e princípios constitucionais, ainda quando forem
relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa.
58
BRASIL.
Constituição
Federal
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
Acesso
em:
10/10/2014.
59
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 08/10/2014.
60
RAMOS, Maíra Silva da Fonseca. A prova proibida no processo penal: as conseqüências de sua
utilização. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 837, 18 de outubro de 2005. Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/7432>. Acesso em: 15/10/2014.
36
Nesse sentido, a lição de Uadi Lammêgo Bulos61 reforça o raciocínio:
[...] provas obtidas por meios ilícitos são as contrárias aos requisitos de
validade exigidos pelo ordenamento jurídico. Esses requisitos possuem a
natureza formal e material. A ilicitude formal ocorrerá quando a prova, no
seu momento introdutório, for produzida à luz de um procedimento ilegítimo,
mesmo se for lícita a sua origem. Já a ilicitude material delineia-se através
da emissão de um ato antagônico ao direito pelo qual se consegue um dado
probatório, como nas hipóteses de invasão domiciliar, violação do sigilo
epistolar, constrangimento físico, psíquico ou moral a fim de obter confissão
ou depoimento de testemunha etc.
Por fim, é válido dizer que por vezes as provas podem ser, ao mesmo tempo,
ilícitas e ilegítimas, quando ferir simultaneamente normas de direito material e
processual.
61
BULOS, Uadi Lammêgo apud CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2011; p. 347.
37
CAPÍTULO III- A CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA
Em decorrência de alguns casos polêmicos ocorridos no Brasil, buscou-se
entender a relação entre um fenômeno religioso e sua aplicação na ciência do
Direito.
Réus, em crimes de homicídio, foram absolvidos, nos tribunais brasileiros, em
razão da apresentação de cartas psicografadas, geralmente ditadas pelas vítimas,
que os inocentavam de toda e qualquer acusação.
Não restam dúvidas que, apesar da primeira decisão admitindo esse recurso
como meio probatório ser datada no ano de 197662, o tema, ainda hoje, é bastante
polêmico, dividindo a doutrina quanto à possibilidade de utilização de uma prática
espírita num país laico e que preza a racionalidade do Direito.
3.1.
CASOS EM QUE FORAM UTILIZADAS AS CARTAS PSICOGRAFADAS
COMO MEIO PROBATÓRIO NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Assim como foi exposto no tópico anterior, houve alguns casos em que cartas
psicografadas foram aceitas, nos tribunais brasileiros, como prova judicial, o que
gerou além de uma grande discussão doutrinária, também polêmica na população
que se perguntava se uma forma de expressão da fé poderia ser admitida no meio
jurídico.
Num processo criminal, a primeira vez em que foi levada a juízo uma carta
ditada a um médium por um espírito foi durante a instrução do processo que levou a
conhecimento do Judiciário a morte de Henrique Emmanuel Gregóris, ocorrida
durante a brincadeira de roleta russa, em 10 de fevereiro de 1976, na cidade de
Hidrolândia/GO, cometida por João Batista França. Orimar de Bastos, juiz
encarregado do processo, absolveu o réu por falta de dolo, contando também que
ao redigir a sentença no fórum, após a terceira folha, entrou em uma espécie de
62
SALGADO, Gisele Mascarelli. A racionalização do Direito: uma discussão sobre uma prova
inusitada, a carta psicografada. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XV, n .99, abril de 2012. Disponível
em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11539
&revista_caderno=15>. Acesso em: 22/09/2014.
38
transe e quando voltou ao seu estado normal havia redigido mais três, nas quais
absolvia o acusado.63
A mãe da vítima, na condição de assistente da acusação, desistiu de
encaminhar o recurso de Apelação ao Tribunal em razão de uma carta psicografada
por Chico Xavier, na qual o seu filho morto pedia-lhe que perdoasse o acusado e
afirmava que o processo impedia seu crescimento espiritual. 64
O segundo caso, processo nº 115/76, tratava-se do falecimento de Maurício
Garcez Henrique, vítima de um disparo de arma de fogo, ocorrido na cidade de
Goiânia/GO, em 8 de maio de 1976, no qual figurava como acusado José Divino
Nunes, amigo do de cujus.65 A carta ditada pela vítima, admitida como prova da
defesa, foi psicografada por Chico Xavier e inocentou o réu, ao dizer que:
O José Divino e nem ninguém teve culpa em meu caso. Brincávamos a
respeito da possibilidade de se ferir alguém, pela imagem no espelho; sem
que o momento fosse para qualquer movimento meu, o tiro me alcançou,
sem que a culpa fosse do amigo, ou minha mesmo. O resultado foi
aquele.66
O magistrado Orimar de Bastos, o mesmo da primeira decisão que aceitou a
carta psicografada como meio de prova num processo criminal, em 16 de julho de
1979, proferiu sentença absolutória afirmando que a carta trazia declarações
compatíveis com o depoimento prestado pelo réu. O Ministério Público recorreu da
decisão, que veio a ser reformada em sede de Tribunal. O caso foi levado a Júri, em
2 de junho de 1980, que veio a absolver o acusado por seis votos a um. O processo
foi encerrado em 23 de outubro de 1980, quando o Tribunal negou provimento ao
recurso formulado pelo promotor de justiça nomeado pelo Procurador Geral de
Justiça de Goiás, ante a recusa do promotor natural do caso em recorrer da decisão
do Júri Popular.67
63
GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova: o sobrenatural no
judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 45-46.
64
SALGADO, Gisele Mascarelli. A racionalização do Direito: uma discussão sobre uma prova
inusitada, a carta psicografada. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XV, n .99, abril de 2012. Disponível
em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11539
&revista_caderno=15>. Acesso em: 22/09/2014.
65
XAVIER, Francisco Cândido. Lealdade- Ditado pelo espírito Maurício Garcez Henrique. Rio de
Janeiro: Franciscano, 1982. p. 4.
66
Trecho da carta psicografada de Maurício Garcez Henrique. MOURA, Vítor. O Caso Divino Nunes.
In: Obras Psicografadas, janeiro de 2012. Disponível em: <http://obraspsicografadas.org/2012/ocaso-jos-divino-nunes/>. Acesso em: 04/11/2014.
67
GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova: o sobrenatural no
judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 45.
39
O outro episódio ocorreu em março de 1980, na cidade de Campo
Grande/MS, no qual a vítima Gleide Dutra de Deus, ex-miss Campo Grande, foi
atingida, no pescoço, por disparo de arma de fogo manuseada pelo seu marido,
João Francisco Marcondes de Deus, após chegarem de uma festa. O acusado foi
inocentado em razão de cartas psicografadas por Chico Xavier, nas quais a vítima
afirmava que o disparo tinha sido acidental, o que foi confirmado pelo testemunho de
quatro enfermeiros do hospital que essa ficou hospitalizada ao dizerem em juízo que
a ela defendia a inocência do réu, durante sua estadia médica. João de Deus foi
absolvido no Tribunal do Júri, mas por ter confessado que havia sido descuidado, a
promotoria recorreu, acusando-o de homicídio culposo. Não chegou a ser
condenado, pois a pena já estava prescrita.68
Um acontecimento de grande repercussão foi a morte do então deputado
federal Heitor de Alencar Furtado, em 22 de outubro de 1982, durante uma viagem,
em razão da campanha eleitoral. Aceitando uma sugestão do seu assessor,
resolveram descansar dentro do carro, que foi abordado por policiais que faziam a
ronda na região. Ao despertar do sono, Heitor foi atingido por um tiro letal disparado
pelo policial Aparecido Andrade Branco. O Júri de Mandaguari/PR acolheu a tese de
tiro acidental, valendo-se a defesa de carta da vítima ditada ao médium Chico
Xavier, dirigida aos pais. O magistrado desclassificou o crime para homicídio
culposo, chegando a condenar o réu a 8 anos e 20 dias de prisão. O promotor que
atuou no processo, mesmo diante da decisão, disse que o direito pátrio não admitia
provas não-materiais e subjetivas, como são as cartas psicografadas. 69
A carta70, por sua vez, que teve a letra, as informações e a assinatura
reconhecidas pelo pai da vítima, quanto ao fato, dizia que:
Deixemos as divagações e vamos ao que nos interessa objetivamente. A
sexta-feira fora de muita atividade e a estafa provisória nos apanhou em
caminho. Tão fatigado me via nosso Fábio que me aconselhou o repouso,
muito rápido. Não resisti ao apelo. Desligamos o motor e, com naturalidade,
como se estivéssemos em nossa própria casa, curtimos a pausa, que nos
pareceu necessária e oportuna. Acredito que o amigo velava enquanto o
68
PSICOGRAFIA nos Tribunais. Outro disparo acidental. In: Tríada. 07 de maio de 2010. Disponível
em:
<http://www.triada.com.br/espiritualidade/espiritismo/aq173-203-284-2-psicografia-nostribunais.html>. Acesso em 05/11/2014.
69
OLIVEIRA, Marcelo Borela de. O caso Heitor Furtado, 28 anos depois. In: Revista O Consolador.
Londrina,
ano
10,
nº
188,
12
de
dezembro
de
2010.
Disponível
em:
<http://www.oconsolador.com.br/ano4/188/especial2.html>. Acesso em: 05/11/2014.
70
OLIVEIRA, Marcelo Borela de. O caso Heitor Furtado, 28 anos depois. In: Revista O Consolador.
Londrina,
ano
10,
nº
188,
12
de
dezembro
de
2010.
Disponível
em:
<http://www.oconsolador.com.br/ano4/188/especial2.html>. Acesso em: 05/11/2014.
40
sono me anestesiava a mente e os nervos cansados. Sinceramente, não
conseguiria imaginar que alguém nos tomasse por malfeitores potenciais.
Entretanto, de lado, conterrâneos ou amigos nossos espreitavam o carro
parado com dois homens que não conhecíamos de imediato. O que se
seguiu sabem todos: os homens armados chegaram com vozes altas.
Acordei surpreendido e notei, mais com a intuição do que com a lógica, que
os recém-chegados eram pessoas inofensivas, tão inofensivas que um
deles tocou a arma sem saber manejá-la. O projétil me alcançou sem meios
termos e, embora o tumulto que se estabeleceu, guardei a convicção de que
o tiro não fora intencional. O olhar ansioso daquele companheiro a desejar
socorrer-me sem qualquer possibilidade para isso não me enganava.
Outra decisão que trouxe à tona a discussão acerca da psicografia nos
tribunais foi a que inocentou Iara Marques Barcelos da acusação de ser mandante
do crime que vitimou o tabelião Ercy da Silva Cardoso, com dois tiros na cabeça, em
2003. Em 2006, após a leitura de carta psicografada da vítima, que expressava sua
tristeza ao ver uma pessoa sendo injustamente acusada, em sessão plenária do
Júri, a ré foi absolvida.71
No total, se tem conhecimento de nove casos. Os outros, ainda que levados
ao Judiciário não foram tão divulgados pela mídia e, por isso, o difícil acesso, sendo
que um deles até mesmo corre em segredo de justiça, como, por exemplo, o
processo que investiga o estupro de uma adolescente ocorrido em Goiás, na cidade
de Anápolis, ao qual foi juntado uma carta psicografada por Mary Alves de Aguiar
Silva.72
Vale ressaltar que, na maioria dos casos relatados, para a consequente
absolvição dos réus, a carta psicografada não foi apresentada como único meio de
prova, ao passo que foram juntadas ao processo outras que corroboraram para a
formação da convicção do órgão julgador.
3.2.
TEORIAS
QUE
POSSIBILITARIAM
A
ACEITAÇÃO
DA
CARTA
PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL
A princípio, é normal certa estranheza em relação a tal possibilidade, afinal
ser apresentada como meio de prova uma mensagem ditada pelo espírito de uma
71
GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova: o sobrenatural no
judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 47-48.
72
GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova: o sobrenatural no
judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 50.
41
pessoa morta, no mínimo, seria visto como algo inusitado, que não é todo dia que
acontece. Mas, como outrora relatado, alguns casos já foram registrados no Brasil.
Esse é um tema controverso, e, por isso, existe uma série de argumentos que
entendem pela possibilidade de aceitação da carta psicografada num processo
judicial.
As concepções espíritas, como foi mostrado em momento oportuno, têm
grande aceitação na população brasileira, apesar de não ser a religião dominante,
uma vez que as ideias de vida após a morte, a possibilidade de comunicação entre o
mundo dos vivos e o plano espiritual, são realmente fonte de crença para diversas
pessoas, ainda que não adeptas dessa religião.
Esse é o motivo pelo qual a discussão acerca da utilização das cartas
psicografadas no Judiciário, é feita de forma extremamente racional e não com base
na fé alheia, já que isso seria uma evidente violação constitucional e desrespeito ao
próximo.
A primeira e, talvez, a mais relevante argumentação daqueles que defendem
essa admissibilidade, está atrelada à laicidade do Estado, que institui a liberdade
religiosa, assegurada pela Constituição Federal, que a eleva a um direito
fundamental do indivíduo.
Seguindo essa concepção, Pittelli73 afirma que não admitir a carta
psicografada seria uma violação ao Texto Maior, visto que privaria o indivíduo de
direitos em razão de sua crença religiosa.
Assim, se uma pessoa goza de plena liberdade para manifestação de sua
religião, não poderia ser impedida de levar ao Judiciário a carta psicografada, já que
esta é um desdobramento da fé espírita e, caso contrário, deve ser considerado um
cerceamento do direito de defesa, bem como da liberdade de crença.
É sabido, também, que o processo penal brasileiro, quanto às provas, é
regido, em regra, pelo princípio da liberdade probatória, assim como se depreende
do artigo 155, parágrafo único, do seu Código. Isto é, o rol trazido pela lei processual
não é exaustivo, admitindo-se outras provas que não aquelas elencadas pelo texto
legal, desde que lícitas. Partindo do pressuposto de que a carta psicografada não é
tida como uma prova obtida por meio ilícito, pois não seria colhida mediante violação
73
PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova Judicial. In: Revista Viannasapiens,
Juiz
de
Fora
v.1.
n.1.
abril
de
2010.
p.
85.
Disponível
em:
<http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014.
42
de direito, poderia ser utilizada sem qualquer óbice. Coadunando com esse
entendimento, Pittelli74:
A psicografia não seria um meio de prova ilícito, ilegal, tampouco ilegítimo,
portanto não sofreria vedação constitucional. Também, não é meio de prova
especificado nos Códigos, podendo ser considerada prova inominada, [...].
Dentre aqueles que defendem a admissibilidade das cartas psicografadas
num processo judicial prevalece, ainda, o entendimento de que isso em nada violaria
o direito ao contraditório e à ampla defesa, haja vista que essa poderia ser
confrontada por outras provas, inclusive por outra carta psicografada. Além do mais,
cabe ao juiz a valoração das provas, já que nenhuma delas tem valor absoluto e
nenhuma deve se sobrepor a outra.
Lúcio Santoro de Constantino75, seguidor desse pensamento, alega que a
carta psicografada seria observada dentro de um conjunto probatório, não
isoladamente, e por isso estaria de acordo com os princípios do contraditório e da
ampla defesa, pois poderia ser impugnada por outras provas.
As cartas psicografadas sofrem diversas oposições, também, em razão da
sua falibilidade, já que poderiam ser fruto de uma fraude ou de um erro na captação
da mensagem, o que as tornaria falhas e sem qualquer fundamento científico. A
esse respeito, Fernando Rubin76 explica:
[...] a falibilidade das provas, em razão da imperfeição humana, é fenômeno
que obviamente não se circunscreve exclusivamente à psicografia. Com
efeito, documentos falsos ou imprecisos não são raros nos processos
judiciais; como também presenciamos, em algumas oportunidades,
imprestáveis laudos periciais, confeccionados sem muitos dados técnicos
e/ou em tempo diminuto não suficiente para abordagem de todas as
nuances envolvidas em um complexo caso concreto. Por outro lado, não se
pode olvidar a presença de testemunhas que faltam com a verdade em seus
depoimentos ou afirmam, com convicção, terem presenciado determinada
cena que, na verdade, não ocorreu exatamente na forma narrada.
Logo, todas as provas, não apenas a psicografia, em razão da imperfeição
humana, padeceriam de falta de confiabilidade. E tal argumento deveria ser
74
PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova Judicial. In: Revista Viannasapiens,
Juiz
de
Fora
v.1.
n.1.
abril
de
2010.
p.
80.
Disponível
em:
<http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014.
75
CONSTANTINO, Lúcio Santoro de. Nulidades no processo penal. 5 ed. Porto Alegre: Verbo
Jurídico, 2011. p. 291-292.
76
RUBIN, Fernando. A psicografia no direito processual. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n.
2919, 29 de junho de 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19438>. Acesso em: 27/10/2014.
43
desconsiderado pelo órgão julgador quando da valoração das provas, já que seria
comum a todas elas.
Destarte, não se pode esquecer de mencionar a perícia grafotécnica realizada
nos escritos psicografados, utilizada como recurso científico para garantir a
veracidade da mensagem escrita. Esse método avalia a letra do indivíduo antes da
morte e a constante na mensagem psicografada, comparando-as. É a técnica
utilizada, também, quando da realização de perícia em documentos particulares
manuscritos. Segundo Lauro Denis 77, das 400 psicografias analisadas por Carlos
Augusto Perandréa, autor de um estudo científico que concluiu pela autenticidade
das cartas psicografadas, 398 foram também confirmadas por outros peritos da
área, existindo, assim, uma confiabilidade de quase cem por cento.
Entretanto, nos estudos realizados foi encontrada uma série de dificuldades
para combinar as grafias em uma das cartas escritas por Chico Xavier em 1976. 78
Logo, apesar de ser um importante recurso, não é de todo certo, uma vez que
em determinados casos é difícil concluir pela validade da psicografia.
Ademais, outros argumentos utilizados baseiam-se nos sistema do livre
convencimento motivado e o princípio da busca da verdade. O processo penal preza
a busca pela verdade dos fatos para que as penalidades trazidas pelo Código
repressor não sejam aplicadas de forma infundada e até mesmo injusta. Dessa
forma, a carta psicografada seria um dos meios para que esse objetivo fosse
alcançado, cabendo ao juiz, posteriormente, apreciá-la e formar sua convicção.
Aquiescendo tal pensamento, Pittelli concluiu que:
Num processo, seja de qual natureza for o que se busca é a verdade dos
fatos, a verdade real, e para tanto, há que se admitirem diferentes meios de
provas, hábeis a formar o convencimento do julgador e a psicografia vem
sendo aceita como tal. As provas integram o processo e devem possuir
credibilidade, que inclui não só o certo, mas também o provável e mesmo o
improvável, pois o que parece improvável no mundo dos fatos é sempre
crível no mundo dos espíritos.
77
DENIS, Lauro, apud PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova Judicial. In:
Revista Viannasapiens, Juiz de Fora v.1. n.1. abril de 2010. p. 85.
Disponível em:
<http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014.
78
PERANDRÉA, Carlos Augusto, apud, PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova
Judicial. In: Revista Viannasapiens, Juiz de Fora v.1. n.1. abril de 2010. p. 85. Disponível em:
<http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014.
44
A psicografia poderia, então, auxiliar o magistrado a entender melhor os fatos
ocorridos num determinado caso, aproximando-o mais da verdade do que através de
qualquer outro meio probatório.
Por fim, consoante afirma Valter da Rosa Borges 79, o direito não é uma
ciência estática, pelo contrário, o dinamismo é algo que lhe é inerente, já que busca
regular a vida em sociedade, e por isso, deve avaliar as situações novas que
venham a surgir.
Assim, o direito não poderia ficar alheio à utilização da carta psicografada
como meio probante, já que esta não violaria nenhuma norma de direito e poderia vir
a confirmar um fato, que por outro meio seria inviável.
3.3.
DA IMPOSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DA CARTA PSICOGRAFADA NA
JURISDIÇÃO CRIMINAL
Em contrapartida aos argumentos expostos pela corrente que admite a
juntada da carta psicografada como prova processual, aqueles que se opõem a tal
situação o fazem alegando, sobretudo, que isso feriria diretamente o princípio da
laicidade do Estado, consagrado pela Constituição Federal de 1988. Muitos chegam
até mesmo a afirmar que seria um evidente retrocesso, haja vista que no passado os
conceitos de Estado e Religião se confundiam, já que um sempre interferia no outro.
O Direito surgiu para regular a vida em sociedade de uma maneira racional,
daí o porquê da sua ineficácia quando a Religião o influencia, pois faz com que a
maioria da população se submeta a regras com as quais não concorda. As leis
instituem um dever-ser à sociedade de forma abstrata, generalizada e impessoal,
não sendo admitido que a sua elaboração esteja eivada de concepções subjetivas.
A possibilidade de comunicação entre vivos e mortos, até mesmo a existência
da vida após a morte são questões que dependerão da concepção individual de
cada um para serem respondidas, e o Estado brasileiro se absteve dessa discussão
ao instituir a sua laicidade. Logo, como poderia admitir a utilização de um
subjetivismo religioso numa demanda judicial?
79
BORGES, Valter da Rosa. Utilização da Psicografia como meio de prova no processo penal. In:
Jornal Carta Forense, 04 de setembro de 2006. Da Legitimidade. Disponível em:
<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/utilizacao-da-psicografia-como-prova-noprocesso-penal/475>. Acesso em: 28/10/2014.
45
Todas as indagações religiosas deveriam ser desassociadas do campo
jurídico, visto que não há um consenso científico que as comprove. Como foi
exposto em momento oportuno, as cartas psicografadas podem ter seu conteúdo
validado através das perícias grafotécnicas, utilizadas em documentos particulares
para aferir sua veracidade quando levados a juízo. No entanto, a sua comprovação
não retira seu caráter religioso, o que por si só já constitui violação a princípio
fundamental instituído pela Magna Carta. Nesse sentido, Pittelli80:
Tal prova, ainda que comprovada sua veracidade através de laudos
técnicos, de peritos idôneos, possui um caráter religioso, e nosso Estado é
laico, o cidadão é livre para escolher sua religião, este direito é assegurado
constitucionalmente, no art. 5º, VI, CR/88.
Tal argumento tem por essência a mesma colocada pelas teses defensivas,
isso porque sendo a Constituição a Lei Maior de um país e que norteia toda a
produção legislativa, o argumento de inconstitucionalidade é extremamente forte na
seara jurídica.
Não se pode olvidar que a separação entre Estado e Religião foi o que
efetivou conquistas como a instituição do regime democrático não confessional, bem
como a liberdade religiosa, estabelecida no artigo 18, da Declaração Universal de
Direitos do Homem81.
Porque as leis canônicas se lastreiam em dogmas, verdades históricas
absolutas e inquestionáveis. E a comunidade precisa de regras baseadas
na racionalidade e mutáveis, porque o comportamento humano é dinâmico
e, por isso, mutável.82
Outrossim, elencar a liberdade religiosa como tese defensiva para a
admissibilidade da carta psicografada é uma interpretação claramente contrária ao
ordenamento jurídico pátrio, haja vista que levar ao Judiciário uma manifestação da
80
PITTELLI, Mirna Policarpo. Psicografia Como Meio de Prova Judicial. In: Revista Viannasapiens,
Juiz
de
Fora
v.1.
n.1.
abril
de
2010.
p.
85.
Disponível
em:
<http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100906.pdf>. Acesso em: 21/10/2014.
81
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos do Homem. In: Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da
USP.
Disponível
em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3oUniversal-dos-DireitosHumanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>. Acesso em: 11/11/2014.
82
LIVIANU, Roberto, apud FERREIRA, Osiel. A (in) admissibilidade da carta psicografada como
meio de prova no processo penal. 2010. 104f. Trabalho de conclusão de curso (graduação).
Faculdades
Integradas
Antônio
Eufrásio
de
Toledo.
Disponível
em:
<http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/2664/2442>. Acesso em:
11/11/2014.
46
fé de alguém como meio de prova implica no desrespeito à liberdade de religião da
outra parte. A fé professada por quem quer que seja deveria ser irrelevante ao
processo. Osiel Ferreira83 concluiu que:
Então, quando inserida num processo cartas psicografadas ou qualquer
outro elemento de caráter religioso, caracterizará abuso de direito, está
cometendo um ato ilícito por desrespeitar a liberdade de consciência e de
crença da parte contrária, pois está impondo a parte contrária tal crença,
cerceando o seu direito de decidir o que crer ou não crer.
Alguns estudiosos do Direito, dentre eles Fernando Capez84, consideram a
análise das provas como sendo um dos assuntos mais importantes da ciência
processual, isso porque:
Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda a
ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o
alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas
idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados
debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas
jurídicos, pois a discussão não terá objeto.
Em virtude desse posicionamento, é que se deve ter extremo cuidado ao se
analisar a possibilidade de admissão de um meio probante na esfera criminal, tendo
em vista que o acusado da infração se vale das provas para impedir que o Estado,
no exercício do jus puniendi, invada a seara de seus direitos subjetivos, mais
especificamente em sua liberdade de locomoção.
É cediço que a liberdade probatória no ordenamento pátrio não é absoluta,
uma vez que os princípios constitucionais e as normas de direito material impõem
restrições à admissibilidade das provas, casos em que sendo produzidas serão
consideradas ilícitas e deverão ser desentranhadas do processo.
Renato Brasileiro de Lima85, ao discorrer sobre o tema, entendeu que:
Esse direito à prova, conquanto constitucionalmente assegurado, por estar
inserido nas garantias da ação e da defesa e do contraditório, não é
absoluto. Há de se lembrar que em um Estado Democrático de Direito, o
83
FERREIRA, Osiel. A (in) admissibilidade da carta psicografada como meio de prova no
processo penal. 2010. 104f. Trabalho de conclusão de curso (graduação). Faculdades Integradas
Antônio
Eufrásio
de
Toledo.
Disponível
em:
<http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/2664/2442>. Acesso em:
11/11/2014.
84
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18ª Ed.- São Paulo: Saraiva, 2011; p. 344.
85
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, 2ª Ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012. p. 820.
47
processo penal é regido pelo respeito aos direitos fundamentais e plantado
sob a égide de princípios éticos que não admitem a produção de provas
mediante agressão a regras de proteção. A legitimação do exercício da
função jurisdicional está condicionada, portanto, à validade da prova
produzida em juízo, em fiel observância ao princípio do devido processo
legal e da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art.
5º, incs. LIV e LVI).
Assim, apesar do Código de Processo Penal ter por princípio a liberdade
probatória, já que os artigos que regulamentam o tema (artigos 158 a 250, do CPP)
não excluem outras possibilidades não previstas expressamente em lei, a
Constituição da República, como visto em momento oportuno, impôs limites, quais
sejam: as provas não poderão ser ilegais, ilegítimas ou imorais.
Aqui, diferentemente do que foi exposto no tópico anterior, a carta
psicografada é sim entendida como prova ilícita, visto que atenta contra as normas
constitucionais inseridas nos artigos 5º, VI e 19, I, que instituíram os princípios da
liberdade religiosa e da laicidade do Estado, respectivamente, sendo, pois, a ilicitude
um dos principais argumentos daqueles que entendem pela inadmissibilidade da
carta psicografada no processo.
Quanto ao contraditório, mesmo que se afirme que a carta psicografada pode
ser impugnada por qualquer outra prova, já que é valorada em meio a um conjunto
probatório, é inquestionável que estará prejudicado. A parte contrária não possui
instrumentos jurídicos que possam contrapor uma mensagem ditada, geralmente,
pela própria vítima desencarnada. Não é razoável, também, exigir que para
confrontá-la uma outra carta tenha que ser juntada ao processo.
Acerca dessa linha de raciocínio, Guilherme de Souza Nucci 86 é bastante
incisivo ao afirmar que:
O perigo na utilização da psicografia no processo penal é imenso. Fere-se
preceito constitucional de proteção à crença de cada brasileiro; lesa-se o
princípio do contraditório; coloca-se em risco a credibilidade das provas
produzidas; invade-se a seara da ilicitude das provas; pode-se, inclusive,
romper o princípio da ampla defesa. Ilustremos situação contrária: o
promotor de justiça junta aos autos uma psicografia da vítima morta,
transmitida por um determinado médium, pedindo justiça e a condenação do
réu Z, pois foi ele mesmo o autor do homicídio. Até então nenhuma prova
da autoria existia. Aceita-se a prova? E a ampla defesa? Como será
86
NUCCI, Guilherme de Souza. Utilização da Psicografia como meio de prova no processo penal. In:
Jornal Carta Forense, 04 de setembro de 2006. Da Ilegitimidade. Disponível em:
<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/utilizacao-da-psicografia-como-prova-noprocesso-penal/475>. Acesso em: 28/10/2014.
48
exercida? Conseguiria o defensor uma outra psicografia desautorizando a
primeira?
Todas as cartas psicografadas, até hoje, que foram levadas a juízo,
auxiliaram a defesa a inocentar os réus, mas, assim como Nucci elucidou, se o
contrário ocorresse? E se tal prova trouxesse fatos que incriminassem o acusado?
Seria justo condenar um indivíduo baseando-se nas alegações ditadas por um
espírito desencarnado? Evidentemente que, em assim sendo, os princípios
processuais penais do contraditório, da ampla defesa, e até mesmo o da presunção
da inocência, que é um desdobramento do favor rei, estariam acometidos, uma vez
que, em tese, a dúvida sempre beneficiaria o réu.
Garantir-se legitimidade à psicografia, como meio de prova, considerando-a
lícita, é medida arriscada e temerária. Um dia, ela poderia ser usada para
absolver; noutro, para condenar. E o processo penal deslocar-se-ia, com
isso, do mundo da ciência para o cenário da irracionalidade, da fé e da pura
emoção.87
Não obstante, tais cartas foram, na maioria das vezes, apresentadas numa
sessão do Júri, na qual os jurados se vêem influenciados por uma série de fatores,
sejam de ordem política, econômica, social e até sentimental, votando sem
necessidade de fundamentação. Ficam sujeitos a todo tipo de sentimento exposto
pela acusação e pela defesa, já que sua decisão é baseada na íntima convicção.
Não restam dúvidas, assim, que ao se depararem com a leitura de um documento
religioso, este poderia causar efeitos psicológicos descomunais, levando-os a
condenar ou absolver o réu sem qualquer outro tipo de apreciação, o que violaria o
princípio da imparcialidade.
Bastaria que o Conselho de Sentença se visse composto, em sua maioria,
por adeptos do espiritismo ou por pessoas influenciáveis por tais fenômenos
para que a prova obtida por meio de psicografia ganhasse relevo
incomensurável em relação às demais, mesmo quando estas desmentissem
as demais.88
87
NUCCI, Guilherme de Souza. Da ilegitimidade da psicografia como meio de prova no processo
penal à luz da Reforma Processual Penal de 2008. In: Jornal Carta Forense. 04 de maio de 2009.
Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/da-ilegitimidade-da-psicografiacomo-meio-de-prova-no-processo-penal-a-luz-da-reforma-processual-penal-de-2008/4065>. Acesso
em: 11/11/2014.
88
HAMILTON, Sérgio Demoro, apud GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como
meio de prova: o sobrenatural no judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 73.
49
O juiz, por sua vez, também, não está adstrito de julgar e apreciar as provas
de acordo com suas próprias convicções religiosas, o que é normal a todo ser
humano, analisar os fatos levando em consideração sua moral; no entanto, numa
demanda judicial o faz tendo que fundamentar sua decisão, conforme disposição
constitucional. A apreciação do juiz embora não esteja vinculada à lei, deve ser feita
de forma racional, e se deixar levar por questões de foro íntimo, como é o caso do
segmento religioso, definitivamente, iria de encontro ao real alcance das normas
práticas.
Dessa feita, não é porque o Estado instituiu a liberdade religiosa que deve
deixar que manifestações de fé e suas liturgias o influenciem, seria um patente
retrocesso, e permitir que viessem a interferir na função jurisdicional do Estado
violaria a ordem institucional, estabelecida pela Constituição Federal.
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A República Federativa do Brasil é um Estado laico de Direito, isto é, o país
não adota nenhuma religião oficial. Porém, nem sempre foi assim. Na Antiguidade,
assim como em outros diversos Estados, a Religião interferia diretamente no poder
estatal, o que acarretou à época uma série de abusos de direitos, sofrimento e
opressão para os indivíduos.
Outrora, Igreja e Estado consistiam em uma instituição única, cuidando ao
mesmo tempo da alma e do corpo daqueles que viviam sob seu domínio. Mesmo
não sabendo todos os impasses que essa união gerou no passado, hoje, não seria
difícil prever os problemas que isso ocasionaria, apenas levando em consideração
que as pessoas não possuíam nenhuma liberdade.
Separar tais entidades foi um marco decorrente da adoção do regime
democrático, que conferiu liberdades e garantias ao homem. A liberdade de culto, no
Brasil, passou a ser prevista na primeira Constituição da República, e se manteve
presente em todas as outras até os dias atuais.
Dessa feita, aceitar a carta psicografada num processo judicial pátrio seria
sem dúvida regredir aos tempos em que não havia distinção entre questões
religiosas e políticas, visto que estaria patente a violação à liberdade religiosa e a
laicidade do Estado, conquistadas a duras penas pela população. Consistindo,
justamente, no tipo de conciliação entre Religião e Estado que a Constituição Cidadã
proíbe e repudia, qual seja o cerceamento de liberdades e direitos individuais.
Não há que se olvidar que a Religião, por conter doutrinas e liturgias,
determina comportamentos sociais para seus fiéis, e o Direito, objetivando regular a
vida em sociedade, não pode se abster por completo de tal prática. No entanto, a
partir do momento que aquela passa a limitar liberdades e direitos dos outros, como
é o que acontece quando uma das partes no litígio apresenta uma carta
psicografada como meio de prova, deve ser desconsiderada quando do
cumprimento dos atos estatais, sobretudo no que se refere aos jurisdicionais.
A prova, como foi exposto neste trabalho, constitui um dos mais importantes
estudos processuais, isso porque é através dela que o órgão julgador forma sua
convicção a respeito dos fatos sobre os quais versa a demanda judicial. Levar ao
Judiciário como meio probatório uma manifestação da fé, como a carta psicografada,
fere não somente a laicidade do Estado, mas também a liberdade religiosa, ambas
51
asseguradas pela Constituição Federal. Isso porque a outra parte teria seu direito à
livre crença restringido.
As concepções religiosas de quem quer que seja dentro de um processo
devem ser irrelevantes, sob pena de o julgamento se dar por questões de foro
íntimo. Cada qual acredita ou não no que bem entender, e essa crença não pode ser
imposta ao outro sob nenhuma hipótese. Aqui, poder-se-ia levar a efeito a máxima
popular que afirma que o direito de alguém acaba quando o do outro começa.
Ademais, o princípio do contraditório estaria incontestavelmente prejudicado.
Sabe-se que todas as provas levadas a juízo devem ser analisadas como um
conjunto, mas contrapor uma prova ditada por um espírito desencarnado é
praticamente impossível. Exigir uma outra carta para opor as informações da
primeira é algo inconcebível.
Pode-se dizer que hoje o Brasil admite a carta psicografada numa demanda
judicial em decorrência dos julgados já ocorridos. Uma parte da doutrina, aliás,
coaduna com esse posicionamento. Entretanto, o tema não deixa de ser discutido,
principalmente em razão dos argumentos até agora aduzidos.
O Direito é racional, e o processo se propõe a analisar casos concretos,
passíveis de comprovação. A prova deve passar por mecanismos que comprovem
sua veracidade e autenticidade. Existe para os casos da carta psicografada a perícia
grafotécnica, que apesar de ser de grande confiabilidade, assim como qualquer
outro meio, está sujeita a falhas. E mesmo que não restasse dúvida quanto à
falibilidade, a perícia não retira o caráter religioso desse documento, o que ainda o
faz contrário à determinação constitucional.
O presente trabalho não teve o intuito de discutir a importância da psicografia
para a fé espírita, longe disso, apenas segue o entendimento que todos os
segmentos religiosos devem ser desassociados do campo jurídico, mantendo o
propósito do legislador originário ao estabelecer como limite aos entes federativos, a
proibição de manter relações de dependência ou aliança com as igrejas ou cultos
religiosos, ressalvado a colaboração de interesse público (art. 19, I, da CF).
Mesmo o processo penal sendo regido pelo princípio da liberdade probatória,
é cediço que esse sofre limitações quando as provas forem produzidas mediante
violação a normas de direito material e processual. Entende-se, pois, pela ilicitude
da carta psicografada, já que sua apresentação viola norma constitucional, devendo
ser por isso desentranhada do processo.
52
Além do mais, a contrariedade que existiria no ordenamento jurídico, caso
fosse válida a admissibilidade da carta psicografada como meio de prova é gritante.
Não pode um sistema que afirma que a pessoa natural se extingue com a morte (art.
6º, do CC), permitir que seja determinante no julgamento de um processo uma
mensagem ditada pelo espírito de uma pessoa já falecida. As indagações acerca da
existência da vida após a morte não cabem ao Direito responder.
Assim, apesar dos julgados a respeito, o tema abordado ainda é bastante
controverso, por isso objetivou-se trazer essa análise sobre a possível utilização da
carta psicografada como meio de prova no processo penal. E, sem nenhuma
pretensão de esgotar o assunto, concluí-se pela inadmissibilidade desse documento
numa ação judicial, haja vista a notória violação da ordem jurídica instituída no país.
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