Processo:
Data do Acordão:
Tribunal:
Relator:
Descritores:
01230/03
29/11/2005
2 SUBSECÇÃO DO CA
PIRES ESTEVES
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
HOSPITAL.
DESINFECÇÃO DOS CUIDADOS INTENSIVOS.
RECURSO SUBORDINADO.
NULIDADE DA SENTENÇA.
Sumário:
I – Age de maneira eticamente censurável e reprovável, e
por isso com culpa, o Hospital que não toma todas as
medidas de precaução e todas as providências ao caso
aconselhável no sentido de erradicar a bactéria serratia no
local altamente propício à sua existência e face ao estado
debilitado pós-operatório dum paciente, vindo o mesmo a
ser contagiado por aquela bactéria, provocando-lhe a
cegueira de um olho.
II - Diz-se que há contradição entre os fundamentos e a
decisão quando aqueles estão em oposição com a decisão,
ou seja, quando os fundamentos invocados pelo juiz
conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na
decisão, mas a resultado oposto.
Nº Convencional:
Nº do Documento:
Recorrente:
Recorrido 1:
Votação:
Área Temática 1:
Aditamento:
JSTA0006021
SA12005112901230
HOSPITAL DE SANTA MARIA
A...
UNANIMIDADE
*
Texto Integral
Texto Integral:
Acordam
na Secção do Contencioso Administrativo do
Supremo Tribunal Administrativo:
A..., casado, reformado, residente na Rua Dr. ..., nº..., 1
500 Lisboa, propôs no TAC de Lisboa, acção com
processo ordinário, contra o Hospital de Santa Maria, em
Lisboa para efectivação da sua responsabilidade civil
extracontratual por actos ilícitos de gestão pública,
pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de
10.000.000$00 acrescida de juros de mora.
Por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de
Lisboa, de 8 de Novembro de 2002, foi a acção julgada
parcialmente procedente por provada e condenado o réu a
pagar ao autor o valor de 15.000 euros, a título de
indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de
juros de mora.
Não se conformando com esta decisão o ora recorrente
Hospital de Santa Maria interpôs recurso jurisdicional,
formulando as seguintes conclusões:
“1º Na «Fundamentação» da sentença, mais precisamente
no nº 44, diz-se que: ‘No Hospital Réu são tomadas
medidas para reduzir o número de infecções hospitalares’
Mas,
2º Essa mesma sentença condena o R. porque «cabia ao
Hospital Réu demonstrar ter tomado todas as medidas
conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance
para erradicar das suas instalações,...a ‘serratia’».
3º Mesmo a parte decisória da sentença confirma que o
Hospital de Santa Maria tomou essas medidas, dizendo
que: «O Hospital Réu, por seu turno tem tomado medidas
para reduzir o risco de infecções hospitalares,...»;
4º Na própria «Fundamentação» há contradições: o nº 34
refere-se aos tratamentos anteriores a 18.11, mais
precisamente aos tratamentos ministrados a 13 e 15.11
(nºs 23, 26 e 27 da «Fundamentação»”);
5º Ora, se naquelas datas (13 e 15.11) a endoftalmite por
«serratia» ainda não estava diagnosticada não podiam ao
A ser ministrados os tratamentos destinados a combatê-la.
6º A sentença não tem em conta o PARECER relativo à
Doença Oftalmológica do Sr. A... (apresentado no início
da audiência de julgamento), o qual esclarece que a
endoftalmite pode apresentar-se, inicialmente, como um
quadro de uveíte.
7º Os fundamentos da sentença estão, portanto, em
oposição com a decisão - al.c) do nº 1 do artº 668º do
CPC.
8º A relação do utente com o Hospital de Santa Maria tem
natureza extracontratual (Dr. B... in Responsabilidade da
Administração Hospitalar, pág.41).
9º Na responsabilidade extracontratual, a obrigação de
indemnizar nasce, em regra, da violação de uma
disposição legal, ou de um direito absoluto que é
inteiramente distinto dela (A. Varela, Das Obrigações em
Geral – vol. I, pg.399).
10º Tendo a natureza de uma relação com um Serviço
Público, a vinculação em que o Hospital Público se
encontra, tem, necessariamente
natureza extracontratual a responsabilidade em que
incorre – por todos o Ac. Supremo Tribunal de Justiça de
7/5/74 in BM J 237º pág. 196.
11º Os serviços dos Hospitais Públicos revestem a
natureza de actos de gestão pública, pelo que os
respectivos actos (os praticados pelos Hospitais Públicos)
e a responsabilidade deles derivada têm que ser
apreciados à face do DL nº 48.051 de 21/11/1967 –
Responsabilidade da Administração por actos de gestão
pública.
12º Exclui-se assim, à partida, a aplicação ao caso «sub
judice» do regime de apreciação da responsabilidade das
pessoas colectivas públicas (e do Estado em geral)
previsto no artº501º do CC.
13º Assim a eventual responsabilidade do Hospital de
Santa Maria (do Estado, ou qualquer outro ente público)
aprecia-se à luz do já citado DL nº 48.051 de 21/11/1967,
o qual admite a responsabilidade da Administração
Pública em duas vertentes:
A responsabilidade por actos ilícitos ou culposos nos artºs
2º e 3º,
A responsabilidade por actos casuais (risco) no artº8º
14º A primeira está logo excluída pela própria sentença.
15º À partida, pelo menos no que diz respeito aos próprios
assistidos, a responsabilidade pelo risco da
Administração Pública, inexiste porque o DL nº 48.051 de
21/11/1967 condiciona o risco à existência de prejuízos
que resultem de «serviços administrativos
excepcionalmente perigosos, ou de coisas e actividades da
mesma natureza (o que não é obviamente o caso ‘sub
judice’) salvo se, nos termos gerais se provar que houve
força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou
ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas...»;
16º O Hospital de Santa Maria tinha prevenido o risco
das infecções hospitalares conforme a sentença recorrida
o admite, na
respectiva «Fundamentação»: «No Hospital Réu são
tomadas medidas para reduzir o número de infecções
hospitalares» (nº 44);
17º O factor decisivo que afasta qualquer
responsabilidade do ora Réu encontra-se no nº 30 dessa
«Fundamentação» o qual refere que: «Em doentes
submetidos a intervenções cirúrgicas, como o A ., verificase uma maior predisposição para os processos
infecciosos, com consequente maior gravidade clínica».
Ou seja, é nas características intrínsecas ao próprio A.
que se encontra a explicação para infecção de que foi
vítima, facto que, no entanto, a sentença recorrida
esquece completamente”.
Igualmente inconformado com a decisão interpôs o
recorrente A... recurso subordinado, formulando as
seguintes conclusões:
“1. O recorrido Hospital de Santa Maria sabia que na sua
unidade hospitalar, onde o recorrente estava internado,
em consequência de uma intervenção cirúrgica, existia a
probabilidade séria da presença de uma bactéria
perigosa, a «serratia».
2. Esta bactéria é facilmente detectável em exame
laboratorial.
3. Essa bactéria é responsável por lesões oculares graves,
destruindo os tecidos.
4. O recorrente manifestou, em 13 de Novembro de 1993,
graves perturbações num olho, com inchaço, dilatação de
pálpebra e projecção do globo ocular.
5. Só em 17 de Novembro seguinte o recorrido ordenou a
colheita de tecido para detectar a bactéria «serratia».
6. Só em 18 de Novembro lhe detectaram a «serratia».
7. Só em 19 de Novembro o recorrente foi medicado para
combater a «serratia», sendo tardia a medicação.
8. A medicação foi desadequada.
9. Em consequência da conduta do recorrido Hospital, o
recorrente perdeu o olho esquerdo.
10. E ainda padeceu fortes dores, manteve-se internado
por mais de um mês; continuou a ir frequentemente ao
Hospital por mais de um ano e ficou fortemente
perturbado emocionalmente, triste e abatido.
11. Os danos morais deverão ser computados em 50.000
euros.
12. A douta sentença violou o disposto nos artºs 6º do D.L
48.051 e 496º do Código Civil”.
Não houve respostas.
Emitiu douto parecer o Ex.mº Magistrado do Ministério
Público, no qual se pronunciou no sentido de ser negado
provimento ao recurso principal. Quanto ao recurso
subordinado entendeu que a sentença não merecia reparo
excepto, quanto ao montante indemnizatório que, no seu
entendimento devia ser superior ao fixado, mas não atingir
o valor do pedido, sendo mais adequado o montante de
25.000 euros.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
Na sentença recorrida foram dados como assentes os
seguintes factos:
1 - O autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica
cardíaca a um aneurisma, na noite de 31.10 para
1.11.1993.
2 - Após o que transitou para a Unidade de Cuidados
Intensivos, onde permaneceu durante 8 dias.
3 - Seguidamente, foi transferido para uma enfermaria do
Hospital Réu, em 8.11.1993.
4 - Durante o seu internamento no Hospital Réu o Autor
ficou cego do olho esquerdo.
5 - E perdeu cerca de 10 quilos de peso.
6 - Após ter obtido alta, o Autor manteve-se em
tratamento durante um ano (até ao fim de 1994).
7 - Por força desse tratamento o Autor tinha de se deslocar
ao Hospital de 15 em 15 dias.
8 - O Autor usava óculos possuindo, em ambos os olhos,
acuidade visual (corrigida) de 10.10.
9 - As bactérias do género “serratia” são responsáveis por
infecções oculares graves destruindo os tecidos sobre os
quais actuam.
10 - Por estar debilitado por uma operação cardíaca, o
Autor estava sujeito em pleno ambiente hospitalar, à
probabilidade muito elevada da ocorrência da “serratia”.
11 - A infecção que provocou a perda do olho esquerdo do
Autor deveu-se a uma bactéria, denominada “serratia”,
que existe nas unidades de cuidados intensivos.
12 - Por força da cegueira no olho esquerdo, o Autor
sofreu perturbações no andar e equilíbrio acarretando-lhe
grande desgosto e perturbação emocional.
13 - Em consequência da contracção da endoftalmite
padeceu de fortes dores
14 - O Autor é cobrador reformado da Companhia Carris
de Ferro de Lisboa, recebendo de pensão de reforma
117.840$00 mensais.
15 - Era uma pessoa alegre e bem disposta, cuidadosa com
a saúde e totalmente independente para reger a sua vida.
16 - Gostando de ler, ver televisão e ir ao cinema, entre
outras actividades de laser.
17 - Sofreu incómodos por via das deslocações ao
Hospital, mencionadas em 6 e 7.
18 - Ainda hoje se sente traumatizado por todo o ocorrido,
sendo imprevisível que venha a recuperar-se
emocionalmente.
19 - O Autor deu entrada no Serviço de Urgência do
Hospital de Santa Maria em 31.10.1993, por sentir uma
dor na zona do peito.
20 - E, após ter efectuado vários exames nesse Hospital
foi-lhe diagnosticado um aneurisma.
21 - Passando então, ali, a regime de internamento, com o
fito de ser operado.
22 - No dia 12 de Novembro, à noite, ainda nessa
enfermaria, começou a notar alterações na visão do olho
esquerdo, consistindo numa espécie de névoa.
23 - Tendo manifestado à enfermeira do Serviço tal
perturbação, foi visto no dia 13.11 por um oftalmologista,
que lhe diagnosticou uma uveíte fribrinosa.
24 - Começaram então a ser-lhe administradas gotas no
olho esquerdo.
25 - Mas a nebulização da visão desse olho continuou a
aumentar, piorando fortemente o seu estado, com inchaço,
dilatação das pálpebras e projecção do globo ocular para
fora da cavidade.
26 - Só em 15.11.1993 voltou o Autor a ser observado por
um oftalmologista, que então ordenou se procedesse a uma
colheita de exsudado desse olho.
27 - A 15.11, o diagnóstico foi corrigido de uveíte para
endofalmite, sendo em 18.11 detectado ser o Autor
portador de “serratia” pela análise do exsudado recolhido
ao olho esquerdo do paciente no dia 17.11.
28 - Após o diagnóstico de “serratia”, o Autor foi
transferido para um quarto, onde passou a permanecer
isolado.
29 - Como consequência directa e necessária da
contracção da “serratia”, teve o Autor que permanecer
hospitalizado cerca de mais um mês, quando já não havia
motivo para o manter no Hospital por todo aquele período,
quanto à operação ao aneurisma.
30 - Em doentes submetidos a intervenções cirúrgicas,
como o Autor, verifica-se uma maior predisposição para
os processos infecciosos, com consequente maior
gravidade clínica.
31 - Foram descritas infecções hospitalares, tendo a
“serratia”, como porta de entrada os serviços de cuidados
intensivos, anestesiológicos, sacos de transfusão
sanguínea, entre outros.
32 - A endoftalmite é uma infecção intra-ocular associada
a grave compromisso de todos os tecidos que constituem o
globo ocular.
33 - O exame laboratorial, pressupõe colheita de exsudado
e exame macrobiológico, sendo a infecção “serratia”
facilmente detectável nesse exame.
34 - O tratamento administrado no olho do Autor foi
desadequado ao quadro clínico de endoftalmite por
“serratia” que se veio a apurar com o resultado do exame
microbiológico.
35 - A endoftalmite deve ser encarado como urgência em
oftalmologia.
36 - O Autor nasceu em 19.2.1931.
37 - Sofrendo angústias e temores devido à ocorrência da
doença e do acréscimo de internamento que ela implicou.
38 - O ora Autor já havia sido operado em 26.6.1989, no
Serviço de Cirurgia Cárdio Torácica do Hospital Réu a
uma doença valvular aórtica, consistindo essa operação na
implantação de prótese aórtica nº 25 B. Shiley
39 - Teve alta em 5.7.1989, continuando a ser observado
por aquele Serviço, nomeadamente em 12.2.1992.
40 - Quando se dirigiu ao Serviço de Urgência do Hospital
Réu em 30.10.1993, foi imediatamente internado, tendo
em conta a anterior intervenção cirúrgica a que tinha sido
sujeito.
41 - De imediato foi-lhe diagnosticada uma dissecção da
aorta (tipo A), operação a que foi submetido.
42 - Esta é uma cirurgia extremamente gravosa e urgente,
pois a taxa de mortalidade dos doentes aumenta em
progressão geométrica à medida que as horas decorrem.
43 - E causa grande debilidade no paciente, sendo poucos
os hospitais com capacidade para a efectuar.
44 - No Hospital Réu são tomadas medidas para reduzir o
risco de infecções hospitalares.
45 - O risco destas infecções aumenta com o progresso da
Medicina, que mantém vivos durante mais tempo os
doentes debilitados e mais vulneráveis.
46 - Com os fins de diagnóstico e terapêutica praticam-se
actualmente mais procedimentos invasivos (do organismo
do doente), que aumentam o risco de infecção,
47 - Em cerca de 5000 exames bacteriológicos/mês,
realizados no Hospital Réu, para detectar e prevenir essas
infecções, isolou-se 1 ou 2 “serratias” e às vezes nenhuma.
48 - O oftalmologista de serviço diagnosticou então ao
Autor uma uveíte fribrinosa, infecção já de alguma
gravidade, pelo que lhe foi prescrita a medicação tópica e
sistémica aconselhada naqueles casos, como corticóides
sistémicos (a administrar por via oral), corticóides tópicos
(pomadas ou gotas a aplicar no local), midiátricos e
hipotensores.
49 - Atentos os cuidados que o Autor inspirava, foi
também prescrito que devia voltar à consulta de
oftalmologia logo em 15 Novembro.
50 - Atenta a gravidade da infecção, foi prescrito ao Autor
que devia voltar à consulta de oftalmologia a 17.11,
verificando-se que a infecção não havia regredido, tendo
sido feita, nesse mesmo dia, uma colheita de exsudado
para identificar a bactéria, o que implica a punção da
cavidade vítrea do doente com anestesia local:
51 - Aproveitou-se tal punção para ser aplicada ao Autor,
a 17.11, uma injecção intravítrea de Gentamicina e
Coftazidina, antibióticos habitualmente usados no combate
à oftalmite, mas mesmo assim a infecção não regrediu.
52 - Tendo sido, em 18.11, isolada uma estirpe de
“serratia” no produto colhido no globo ocular do Autor,
passou este a ser medicado a 19 desse mês.
53 - A infecção foi considerada debelada em 13.12, após o
Autor ter sido medicado com o antibiótico ao qual a
bactéria era sensível.
54 - Foi comunicado ao Autor que ia ficar cego do olho
esquerdo em 19.11.
55 - Com frequência, o olho afectado por endoftalmite
sofre lesões irreversíveis, por vezes, com perda total do
olho.
Conforme foi referido, foram interpostos dois recursos
jurisdicionais: um recurso principal, interposto pelo réu
Hospital de Santa Maria (HSM), e, um recurso
subordinado, interposto pelo autor A....
Começamos por decidir o recurso principal interposto pelo
recorrente Hospital de Santa Maria.
Nas conclusões 1ª a 7ª das suas alegações defende o
recorrente HSM que a sentença é nula, nos termos do
artº668º nº1 al.c) do CPC, porque os fundamentos da
mesma estão em oposição com a decisão.
Por um lado, e na sua óptica tal oposição existe porque na
fundamentação da sentença, se diz que “no Hospital Réu
são tomadas medidas para reduzir o número de infecções
hospitalares, mas na mesma sentença condena-se o R.
porque lhe cabia demonstrar ter tomado todas as medidas
conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance
para erradicar das suas instalações,...a serratia” e “a parte
decisória da sentença confirma que o HSM tomou essas
medidas, dizendo que: «O Hospital Réu, por seu turno tem
tomado medidas para reduzir o risco de infecções
hospitalares...” (conclusões 1ª a 3ª). Por outro lado, tal
oposição também existe porque na própria fundamentação
há contradições: o nº 34 refere-se aos tratamentos
anteriores a 18.11, mais precisamente aos tratamentos
ministrados a 13 e 15.11 (nºs 23, 26 e 27 da
«Fundamentação»”), ora, se naquelas datas (13 e 15.11)
a endoftalmite por «serratia» ainda não estava
diagnosticada não podiam ao A ser ministrados os
tratamentos destinados a combatê-la (conclusões 4ª e 5ª).
Diz-se que há contradição entre os fundamentos e a
decisão quando aqueles estão em oposição com a decisão,
ou seja, quando os fundamentos invocados pelo juiz
conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na
decisão, mas a resultado oposto (cfr. Prof. José Alberto
dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 141).
Defende o recorrente HSM existir contradição entre as
afirmações na sentença de que “o Hospital Réu tomou
medidas para reduzir o número de infecções hospitalares”
e que “o mesmo tem tomado medidas para reduzir o risco
de infecções hospitalares” e depois condenar-se o R.
porque lhe cabia demonstrar ter tomado todas as medidas
conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance
para erradicar das suas instalações,...a serratia”.
Todavia, não há qualquer contradição.
Na verdade, o tribunal “a quo” apenas deu como provado
que o HSM tem tomado medidas para, por um lado,
reduzir o número de infecções hospitalares e, por outro,
para
reduzir o risco de infecções hospitalares. Destes dois
factos não se extrai que o mesmo tenha tomado todas as
medidas conhecidas no actual estado da ciência e ao seu
alcance para erradicar das suas instalações a serratia.
Assim, ao dar-se como provado que o HSM tomou
medidas para reduzir o número e o risco das infecções
hospitalares não colide com a afirmação do tribunal de que
o mesmo hospital não provou ter tomado todas as medidas
conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance
para erradicar das suas instalações a serratia.
Não se verifica aqui a apontada contradição.
Porém, o recorrente HSM alega, ainda, que tal oposição
também existe porque a sentença se refere aos tratamentos
anteriores a 18.11, mais precisamente aos tratamentos
ministrados a 13 e 15.11 (nºs 23, 26 e 27 da
«Fundamentação»”), ora, se naquelas datas (13 e 15.11)
a endoftalmite por «serratia» ainda não estava
diagnosticada não podiam ao A ser ministrados os
tratamentos destinados a combatê-la (conclusões 4ª e 5ª)
Passamos a transcrever os pontos 22, 23,24, 25, 26 e 27 da
«Fundamentação:
Ponto 22
No dia 12 de Novembro, à noite, ainda nessa enfermaria,
começou a notar alterações na visão do olho esquerdo,
consistindo numa espécie de névoa.
Ponto 23
Tendo manifestado à enfermeira do Serviço tal
perturbação, foi visto no dia 13.11 por um oftalmologista,
que lhe diagnosticou uma uveíte fribrinosa.
Ponto 24
Começaram então a ser-lhe administradas gotas no olho
esquerdo.
Ponto 25
Mas a nebulização da visão desse olho continuou a
aumentar, piorando fortemente o seu estado, com inchaço,
dilatação das pálpebras e projecção do globo ocular para
fora da cavidade.
Ponto 26
Só em 15.11.1993 voltou o Autor a ser observado por um
oftalmologista, que então ordenou se procedesse a uma
colheita de exsudado desse olho.
Ponto 27
A 15.11, o diagnóstico foi corrigido de uveíte para
endofalmite, sendo em 18.11 detectado ser o Autor
portador de “serratia” pela análise do exsudado recolhido
ao olho esquerdo do paciente no dia 17.11.
Sobre esta matéria de facto teceram-se na sentença as
seguintes considerações: “…Conforme se alcança da
factualidade apurada, o Autor referiu queixas do foro
oftalmológico ao fim do dia 12/11/1993, dias depois de ter
sido submetido a uma intervenção cirúrgica a um
aneurisma. No dia 13/11 foi observado pelo
oftalmologista de serviço e medicado em função do
diagnóstico de uveíte. No dia 15/11, o Autor voltou a ser
observado e corrigido o diagnóstico para endoftalmite.
Face à não regressão da infecção foi feita uma punção ao
olho esquerdo do Autor a 17/11 e dada nova medicação.
Em 18/11 a respectiva análise ao exsudado permitiu
concluir ser o Autor portador de serratia, bactéria que
actua muito rápido nos tecidos moles. Encetou-se, então,
nova medicação, embora fosse informado nesse mesmo
dia 19/11 que ficaria cego desse olho. Resulta inequívoco
da descrição enunciada existir erro no diagnóstico de
uveíte para endoftalmite fibrinosa por «serratia», com
inevitável medicação desadequada pelo período
aproximado de uma semana, o que determinou a cegueira
do olho esquerdo face à rápida e agressiva actuação
daquele bactéria”.
Resulta dos autos que conforme ia sendo diagnosticada a
patologia oftalmológica de que o autor padecia lhe ia
sendo ministrado um determinado tratamento
medicamentoso, assim, quando erradamente lhe foi
diagnosticada uma uveíte fibrinosa (13/11),
posteriormente alterada para uma endofalmite (15/11) o
tratamento foi diverso do que lhe foi ministrado quando se
descobriu a verdadeira doença de que era portador (18/11).
A medicação que fora ministrada ao autor enquanto não
lhe foi diagnosticada a sua verdadeira doença – a serratia
– foi desadequada ao tratamento desta, uma que se
destinava a outros tipos de patologia clínica, acima
referidos.
Não se descortina, por isso, onde se encontra a invocada
oposição da própria fundamentação, dado que o autor
nunca teve as duas primeiras doenças que lhe foram
diagnosticadas, mas sim a serratia, tendo-lhe, todavia, sido
prescritos medicamentos para aquelas duas doenças
enquanto não se efectuou o verdadeiro diagnóstico.
Improcedem, deste modo, as conclusões 4ª, 5ª e 7ª.
Acrescenta, ainda, o recorrente HSM, na conclusão 6ª das
suas alegações, que a sentença não teve em conta o
PARECER relativo à Doença Oftalmológica do Sr. A...
(apresentado no início da audiência de julgamento), o qual
esclarece que a endoftalmite pode apresentar-se,
inicialmente, como um quadro de uveíte.
Segundo o recorrente HSM o desconhecimento deste
parecer acarretaria, também, a nulidade da sentença, por
contradição entre os fundamentos e a decisão
É o que se passa a averiguar.
O Parecer em causa é o que está junto a fls. 236 e 237 dos
autos e foi junto na audiência de discussão e julgamento
(fls. 245) e destinando-se à prova da matéria de facto
constante nos quesitos 16º, 17º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º,
38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 47º e 48º.
Em nenhum destes quesitos se pergunta se “a endoftalmite
se pode apresentar, inicialmente, como um quadro de
uveíte”.
Ora, como defende o HSM era este o facto que desejava
provar com tal parecer, só que tal facto não constava em
nenhum dos quesitos indicados pelo HSM, nem tal matéria
fora por si articulada para poder ser seleccionada.
Improcede, por isso, esta conclusão 6ª.
Nas conclusões 8ª a 13ª defende o recorrente o HSM qual
o quadro jurídico que deve reger a sua responsabilidade
nesta área e que é a constante do DL. nº48 051 de
21/11/1967.
Nenhum reparo especial há a fazer ao que ali vem
afirmado.
Na verdade, como afirmou este STA “quem recorre a um
estabelecimento de saúde pública fá-lo ao abrigo de uma
relação jurídica administrativa de utente, modelada pela
lei, submetida a um regime jurídico geral e estatutário
pré-estabelecido, aplicável, em igualdade, a todos os
utentes daquele serviço público, que define o conjunto dos
seus direitos, deveres e sujeições e não pode ser
derrogada por acordo, com introdução de discriminações
positivas ou negativas. Não o faz, portanto, na qualidade
de parte contratante, ainda que num hipotético contrato
de adesão ou ao abrigo de relações contratuais de facto”
(Ac. de 20/4/2004-rec. nº982/03).
Nas restantes conclusões entende o recorrente que a
sentença afasta a responsabilidade por actos ilícitos ou
culposos por si praticados e que não se verifica a
responsabilidade civil extracontratual baseada no risco.
Escreveu-se na sentença a este respeito:
“…Resulta inequívoco da descrição enunciada exigir erro
no diagnóstico de uveíte para endoftalmite fibrinosa por
«serratia», com inevitável medicação desadequada pelo
período aproximado de uma semana, o que determinou a
cegueira do olho esquerdo face à rápida e agressiva
actuação daquela bactéria. Resta apurar se tal se deveu a
uma conduta ilícita e culposa dos médicos do Hospital
Réu. A este propósito relembremos os depoimentos
prestados na audiência de julgamento, unânimes, no
sentido de o diagnóstico ter sido feito e o paciente
medicado de acordo com os conhecimentos actuais da
medicina, em função das doenças mais comuns para as
queixas assinaladas. Depois há que observar a evolução da
doença, concedendo o tempo estritamente necessário para
a medicação actuar. E, só face à persistência da infecção,
importa fazer novo diagnóstico, com recurso a métodos
dolorosos, como a punção, para detectar a causa da
infecção. Ora, no caso em apreço, os médicos do Hospital
observaram tal metodologia só não tendo travado a
evolução da infecção pela extrema rapidez da actuação da
serratia e considerável gravidade da doença de
endoftalmite, determinante frequente de lesões
irreversíveis, por vezes, com perda total do olho, tal como
sucedeu neste caso. Consequentemente, neste âmbito não
se pode considerar a actuação médica de ilícita e culposa,
geradora de responsabilidade civil.
Importa agora avaliar da probabilidade de infecção
hospitalar por serratia e da falha dos órgãos ou agentes do
réu em tomar todas as medidas possíveis para prevenir
aquela situação. Está comprovado nos autos que as
infecções hospitalares, designadamente, a serratia, têm
como porta de entrada os serviços de cuidados intensivos,
mostrando-se os pacientes submetidos a intervenções
cirúrgicas maior predisposição para processos infecciosos.
O Hospital Réu, por seu turno, tem tomado medidas para
reduzir o risco de infecções hospitalares, tendo em 5000
exames bacteriológicos/mês isolado 1 a 2 serratias. Assim
sendo, face às análises bacteriológicas efectuadas, não
obstante a pouca incidência da bactéria assinalada, cabia
ao Hospital Réu demonstrar ter tomado todas as medidas
conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance
para erradicar das suas instalações, em particular, dos
locais mais sensíveis à sua propagação (como por exemplo
os Serviços de Cuidados Intensivos) a «serratia». Não o
tendo feito a sua conduta omissiva não pode deixar de
considerar-se ilícita e culposa, sendo inegável o
conhecimento do Hospital e de toda a sua equipa de
trabalho que o risco de infecção aumenta com a prática de
procedimentos invasivos com fins terapêuticos e de
diagnóstico, cada vez mais utilizados para salvar ou
prolongar a vida humana. Com efeito, o Hospital não se
pode alhear das condições em que os pacientes são
operados e permanecem em recuperação nos Serviços de
Cuidados Intensivos, cabendo-lhe zelar, enquanto
prestador de um serviço público, para que esse serviço seja
prestado nas melhores condições técnicas e de segurança
possíveis”.
Face ao que se acaba de transcrever, já se pode concluir
não ser correcta a afirmação do HSM de que “a sentença
afasta a responsabilidade por actos ilícitos ou culposos
por si praticados”.
Se atentarmos bem ao que vem alegado na petição da
acção, assenta o autor o seu pedido em duas causas de
pedir distintas: uma primeira, é a existência da bactéria
“serratia” nas instalações do HSM, por falta de
desinfecção; outra, a segunda: é o erro de diagnóstico
efectuado pelo HSM, com a consequente errada
medicação que lhe fora ministrada.
Ora a sentença recorrida apenas entende não existir culpa
por parte do HSM quanto ao erro de diagnóstico. Com
efeito escreveu-se em tal sentença que “no caso em
apreço, os médicos do Hospital observaram tal
metodologia só não tendo travado a
evolução da infecção pela extrema rapidez da actuação da
serratia e considerável gravidade da doença de
endoftalmite, determinante frequente de lesões
irreversíveis, por vezes, com perda total do olho, tal como
sucedeu neste caso. Consequentemente, neste âmbito não
se pode considerar a actuação médica de ilícita e culposa,
geradora de responsabilidade civil”.
Todavia. já quanto à responsabilidade imputada ao HSM
assente na outra causa de pedir lê-se na sentença do
tribunal “a quo” que “importa agora avaliar da
probabilidade de infecção hospitalar por serratia e da
falha dos órgãos ou agentes do réu em tomar todas as
medidas possíveis para prevenir aquela situação. Está
comprovado nos autos que as infecções hospitalares,
designadamente, a serratia, têm como porta de entrada os
serviços de cuidados intensivos, mostrando-se os
pacientes submetidos a intervenções cirúrgicas maior
predisposição para processos infecciosos. O Hospital Réu,
por seu turno, tem tomado medidas para reduzir o risco
de infecções hospitalares, tendo em 5000 exames
bacteriológicos/mês isolado 1 a 2 serratias. Assim sendo,
face às análises bacteriológicas efectuadas, não obstante
a pouca incidência da bactéria assinalada, cabia ao
Hospital Réu demonstrar ter tomado todas as medidas
conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance
para erradicar das suas instalações, em particular, dos
locais mais sensíveis à sua propagação (como por
exemplo os Serviços de Cuidados Intensivos) a «serratia».
Não o tendo feito a sua conduta omissiva não pode deixar
de considerar-se ilícita e culposa, sendo inegável o
conhecimento do Hospital e de toda a sua equipa de
trabalho que o risco de infecção aumenta com a prática
de procedimentos invasivos com fins terapêuticos e de
diagnóstico, cada vez mais utilizados para salvar ou
prolongar a vida humana. Com efeito, o Hospital não se
pode alhear das condições em que os pacientes são
operados e permanecem em recuperação nos Serviços de
Cuidados Intensivos, cabendo-lhe zelar, enquanto
prestador de um serviço público, para que esse serviço
seja prestado nas melhores condições técnicas e de
segurança possíveis”.
Podemos, portanto, concluir que o HSM foi condenado,
neste segmento, com base na responsabilidade civil
extracontratual pela prática de actos ilícitos de gestão
pública (omissão dos órgãos ou agentes do réu em tomar
todas as medidas possíveis para prevenir a desinfecção do
local onde a serratia se alojou no autor. Alheando-se das
condições em que os pacientes são operados e
permanecem em recuperação nos Serviços de Cuidados
Intensivos).
Considerou, pois, o tribunal “a quo” que o HSM agiu
ilícita e culposamente, ao omitir os actos materiais de
desinfecção do local onde a bactéria serratia se alojou no
olho esquerdo do autor-paciente.
Há, assim, que indagar se face aos factos dados como
provados a conduta do HSM é censurável, por violação
das mais elementares regras ao caso aconselháveis em
função dos conhecimentos científicos aplicáveis.
Na sentença recorrida escreveu-se que “existiu uma
conduta omissiva ilícita e culposa, consubstanciada no
facto de o HSM não ter tomado todas as medidas
conhecidas no estado actual da ciência, para erradicar
das suas instalações, particularmente nos locais mais
sensíveis, a serratia, apesar de algumas ter tomado”.
Deu o tribunal “a quo” como provado que «no Hospital
Réu são tomadas medidas para reduzir o risco de
infecções hospitalares» (ponto 44), que «o risco destas
infecções aumenta com o progresso da Medicina, que
mantém vivos durante mais tempo os doentes debilitados e
mais vulneráveis» (ponto 45), que «com os fins de
diagnóstico e terapêutica praticam-se actualmente mais
procedimentos invasivos (do organismo do doente), que
aumentam o risco de infecção» (ponto 46) e que «em
cerca de 5000 exames bacteriológicos/mês, realizados no
Hospital Réu, para detectar e prevenir essas infecções,
isolou-se 1 ou 2 “serratias” e às vezes nenhuma» (ponto
47).
Há, assim, que averiguar se, ao não tomar estas medidas
de precaução, agiu o HSM de uma maneira eticamente
censurável e reprovável, por sobre o mesmo incumbir
tomar todas as providências ao caso aconselhável, para
que, face ao local altamente propício à existência da
serratia e face ao estado debilitado pós-operatório do
paciente autor, não vir o mesmo a ser contagiado por
aquela ou outra bactéria, provocadora de qualquer lesão
dos seus direitos
Precise-se que tem este Supremo Tribunal decidido que
“face à definição ampla de ilicitude contida no artº6º do
DL. nº48 051, a omissão dos deveres gerais aí
mencionados preenche simultaneamente os requisitos da
ilicitude e da culpa, que, assim, se confundem” (Acs. de
26/9/96-rec. nº40 177, de 1/6/99-rec. nº43 505 e de
24/9/2003-rec nº1864/2002).
Acrescente-se que no regime da responsabilidade civil
extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas
públicas, e designadamente, nas acções de
responsabilidade médica tem aplicação o regime geral do
nosso ordenamento jurídico – artº342º nº1 do CC – de
acordo com o qual cabe à autora fazer a prova dos factos
constitutivos do alegado direito à indemnização, salvo
caso de presunção legal – artº344º nº1 do CC – ou quando
a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a
prova ao onerado – artº344º nº2 do CC (Miguel Teixeira
de Sousa, in Sobre o Ónus da Prova nas Acções de
Responsabilidade Médica, in Direito da Saúde e Bioética,
1996, pág. 130 e ss. e, entre outros, o Ac. do STA de
9/3/2000-rec. nº42 434, e Ac. do STA de 20/4/2004-rec.
nº982/2003, donde se retiraram estas referências).
No caso presente, além de não haver razões legais que
justifiquem a inversão do ónus da prova, também não se
está perante uma situação de presunção legal, e não
resultando dos autos que o réu tenha criado qualquer
dificuldade à actividade probatória do autor.
Assim, todo o ónus probatório cabe ao autor.
Ora, o tribunal “a quo” deu como provado que o HSM
tomou medidas de desinfecção para reduzir o risco de
infecções hospitalares e que em cerca de 5000 exames
bacteriológicos/mês, realizados naquele Hospital Réu,
para detectar e prevenir essas infecções, isolou-se 1 ou 2
“serratias” e às vezes nenhuma.
Não reveste, contudo, um carácter de normalidade que um
paciente cardíaco seja internado num hospital e seja
operado ao coração, e com êxito, acabando por ter alta,
todavia, com um olho funcionalmente destruído.
Sabendo-se que um doente fica debilitado no período pósoperatório e num estado altamente vulnerável perante
agentes bacterianos externos altamente agressivos,
incumbe ao estabelecimento hospitalar onde foi
intervencionado e se encontra internado em
convalescença, tomar todas as medidas tendentes ao
banimento de qualquer fulcro infeccioso que possa alojarse num corpo debilitado e sem as capacidades de reacção e
defesa que possuiria numa situação de estabilidade e
normalidade de saúde.
Ora, embora o HSM tomasse medidas para esse efeito, não
provou que as tomou todas, e por isso o recorrente foi
vítima de agressão de uma dessas bactérias – a serratia –
que lhe causou a lesão ocular, perdendo a visão do olho
esquerdo.
Uma intervenção cirúrgica, sendo um acto tão melindroso
e complexo, exige que a mesma seja preparada, praticada
e, posteriormente acompanhada com todos os cuidados
recomendáveis a uma tal situação patológica, tão delicada
para um doente.
Assim, também no período pós-operatório devia o HSM
tomar todas as medidas necessárias para evitar a existência
de qualquer foco infeccioso e, ao não tomá-las, como foi
dado como provada, procedeu tal estabelecimento
hospitalar de uma forma censurável e reprovável, em
desacordo com as leges artis.
Aliás foi dado por provado que “por estar debilitado por
uma operação cardíaca, o Autor estava sujeito em pleno
ambiente hospitalar, à probabilidade muito elevada da
ocorrência da “serratia” e “em doentes submetidos a
intervenções cirúrgicas, como o Autor, verifica-se uma
maior predisposição para os processos infecciosos, com
consequente maior gravidade clínica”, alem de que “a
cirurgia a que o recorrido foi submetido é extremamente
gravosa e urgente, causando grande debilidade no
paciente”.
Face a esta descrita situação de facto foram, sem dúvidas,
omitidas pelo Hospital de Santa Maria operações materiais
de desinfecção, ou seja os deveres gerais referidos no
artº6º do DL. nº48 051, e que no caso se impunham, pelo
que agiu com ilicitude e com culpa, que aqui se
confundem (Acs. (Acs. de 26/9/96-rec. nº40 177, de
1/6/99-rec. nº43 505 e de 24/9/2003-rec nº1864/2002).
Na verdade, como se decidiu no Ac.do STA de 20/4/2004
“dada a sobreposição dos conceitos, provada a ilicitude
por violação do dever de diligência técnica exigível ao
autor, está também provada a culpa funcional do Réu
Hospital, censura que assenta no defeituoso
funcionamento dos seus serviços, abaixo do que deles se
poderia razoavelmente esperar, sendo certo que, nos
termos daquele artº6º, a ilicitude não está centrada
exclusivamente no resultado danoso – ilicitude de
resultado – e está sempre na dependência do desvalor de
um determinado comportamento – ilicitude de conduta”
(rec. nº982/03).
Improcedem, assim, todas conclusões das alegações do
recorrente hospital.
O autor A... interpôs recurso da mesma sentença, embora
subordinadamente (fls. 316).
Defende, nas conclusões das suas alegações, em síntese,
que o recorrido Hospital de Santa Maria sabia que na sua
unidade hospitalar, onde o recorrente estava internado
existia a probabilidade séria da presença de uma bactéria
perigosa, a «serratia», sendo esta facilmente detectável em
exame laboratorial e só em 19 de Novembro o recorrente
foi medicado para combater a «serratia», sendo tardia a
medicação, além de desadequada, e porque padeceu fortes
dores, se manteve internado por mais de um mês,
continuou a ir frequentemente ao Hospital por mais de um
ano e ficou fortemente perturbado emocionalmente, triste
e abatido, os danos morais deverão ser computados em
50.000 euros, pelo que a sentença violou o disposto nos
artºs 6º do D.L 48.051 e 496º do Código Civil.
Nestas suas alegações põe o recorrente A... em crise a
sentença na parte em que julgou não haver erro de
diagnóstico, por um lado, e, por outro, o montante fixado a
título de danos morais.
Que houve erro inicial no diagnóstico na doença
oftalmologia do autor foi dado como provado.
Só que incumbia ao autor provar a culpa por parte do
HSM, o que não fez.
Na verdade e como resulta da sentença recorrida “os
depoimentos prestados na audiência de julgamento,
unânimes, no sentido de o diagnóstico ter sido feito e o
paciente medicado de acordo com os conhecimentos
actuais da medicina, em função das doenças mais comuns
para as queixas assinaladas. Depois há que observar a
evolução da doença, concedendo o tempo estritamente
necessário para a medicação actuar. E, só face à
persistência da infecção, importa fazer novo diagnóstico,
com recurso a métodos dolorosos, como a punção, para
detectar a causa da infecção. Ora, no caso em apreço, os
médicos do Hospital observaram tal metodologia só não
tendo travado a evolução da infecção pela extrema rapidez
da actuação da serratia e considerável gravidade da
doença de endoftalmite, determinante frequente de lesões
irreversíveis, por vezes, com perda total do olho, tal como
sucedeu neste caso. Consequentemente, neste âmbito não
se pode considerar a actuação médica de ilícita e culposa,
geradora de responsabilidade civil”.
Face a estes factos dados como provados, não é de assacar
ao HSM qualquer conduta censurável, pois que procedeu
de uma forma diligente e de acordo o normal evoluir da
patologia e a reacção tida pelo ora recorrente à sucessiva
medicação que lhe era ministrada.
Improcedem, neste aspecto, as conclusões das alegações
do recorrente A... relativamente à culpa do recorrido
hospital no erro de diagnóstico.
Falta apreciar, neste momento, o montante indemnizatório
fixado pelo tribunal, a título de danos não patrimoniais.
Estatui o artº496º nº1 do CC que “na fixação da
indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais
que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e
acrescentando-se no nº2 seguinte que “o montante da
indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal,
tendo em atenção, em qualquer caso, as referidas no
artº494º…”.
Ora, atendendo à situação económica do lesado e do HSM,
ao grau de culpabilidade deste (mera negligência), a idade
do lesado (nascido em 19.2.1931), e lesão sofrida, e às
angústias e aos temores sofridos pela ocorrência da doença
e do acréscimo de internamento que ela implicou, entendese que o montante fixado pelo tribunal “a quo” não merece
qualquer censura, mostrando-se adequado à situação sub
júdice.
Improcedem, por estas razões, as conclusões das alegações
do recorrente sobre esta matéria.
Em concordância com tudo o exposto, acorda-se:
a) em não dar como verificadas as nulidades apontadas à
sentença;
b) em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto
pelo HSM;
c) em negar provimento ao recurso interposto pelo
recorrente A...;
d) em manter a sentença recorrida;
e) em condenar em custas os recorrentes, na proporção de
vencimento.
Lisboa 29 de Novembro de 2005.
Pires Esteves (relator) – António Madureira – Fernanda
Xavier.
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Age de maneira eticamente censurável e reprovável, e por isso com