Processo: Data do Acordão: Tribunal: Relator: Descritores: 01230/03 29/11/2005 2 SUBSECÇÃO DO CA PIRES ESTEVES RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. HOSPITAL. DESINFECÇÃO DOS CUIDADOS INTENSIVOS. RECURSO SUBORDINADO. NULIDADE DA SENTENÇA. Sumário: I – Age de maneira eticamente censurável e reprovável, e por isso com culpa, o Hospital que não toma todas as medidas de precaução e todas as providências ao caso aconselhável no sentido de erradicar a bactéria serratia no local altamente propício à sua existência e face ao estado debilitado pós-operatório dum paciente, vindo o mesmo a ser contagiado por aquela bactéria, provocando-lhe a cegueira de um olho. II - Diz-se que há contradição entre os fundamentos e a decisão quando aqueles estão em oposição com a decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. Nº Convencional: Nº do Documento: Recorrente: Recorrido 1: Votação: Área Temática 1: Aditamento: JSTA0006021 SA12005112901230 HOSPITAL DE SANTA MARIA A... UNANIMIDADE * Texto Integral Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A..., casado, reformado, residente na Rua Dr. ..., nº..., 1 500 Lisboa, propôs no TAC de Lisboa, acção com processo ordinário, contra o Hospital de Santa Maria, em Lisboa para efectivação da sua responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos de gestão pública, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 10.000.000$00 acrescida de juros de mora. Por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 8 de Novembro de 2002, foi a acção julgada parcialmente procedente por provada e condenado o réu a pagar ao autor o valor de 15.000 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora. Não se conformando com esta decisão o ora recorrente Hospital de Santa Maria interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões: “1º Na «Fundamentação» da sentença, mais precisamente no nº 44, diz-se que: ‘No Hospital Réu são tomadas medidas para reduzir o número de infecções hospitalares’ Mas, 2º Essa mesma sentença condena o R. porque «cabia ao Hospital Réu demonstrar ter tomado todas as medidas conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance para erradicar das suas instalações,...a ‘serratia’». 3º Mesmo a parte decisória da sentença confirma que o Hospital de Santa Maria tomou essas medidas, dizendo que: «O Hospital Réu, por seu turno tem tomado medidas para reduzir o risco de infecções hospitalares,...»; 4º Na própria «Fundamentação» há contradições: o nº 34 refere-se aos tratamentos anteriores a 18.11, mais precisamente aos tratamentos ministrados a 13 e 15.11 (nºs 23, 26 e 27 da «Fundamentação»”); 5º Ora, se naquelas datas (13 e 15.11) a endoftalmite por «serratia» ainda não estava diagnosticada não podiam ao A ser ministrados os tratamentos destinados a combatê-la. 6º A sentença não tem em conta o PARECER relativo à Doença Oftalmológica do Sr. A... (apresentado no início da audiência de julgamento), o qual esclarece que a endoftalmite pode apresentar-se, inicialmente, como um quadro de uveíte. 7º Os fundamentos da sentença estão, portanto, em oposição com a decisão - al.c) do nº 1 do artº 668º do CPC. 8º A relação do utente com o Hospital de Santa Maria tem natureza extracontratual (Dr. B... in Responsabilidade da Administração Hospitalar, pág.41). 9º Na responsabilidade extracontratual, a obrigação de indemnizar nasce, em regra, da violação de uma disposição legal, ou de um direito absoluto que é inteiramente distinto dela (A. Varela, Das Obrigações em Geral – vol. I, pg.399). 10º Tendo a natureza de uma relação com um Serviço Público, a vinculação em que o Hospital Público se encontra, tem, necessariamente natureza extracontratual a responsabilidade em que incorre – por todos o Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 7/5/74 in BM J 237º pág. 196. 11º Os serviços dos Hospitais Públicos revestem a natureza de actos de gestão pública, pelo que os respectivos actos (os praticados pelos Hospitais Públicos) e a responsabilidade deles derivada têm que ser apreciados à face do DL nº 48.051 de 21/11/1967 – Responsabilidade da Administração por actos de gestão pública. 12º Exclui-se assim, à partida, a aplicação ao caso «sub judice» do regime de apreciação da responsabilidade das pessoas colectivas públicas (e do Estado em geral) previsto no artº501º do CC. 13º Assim a eventual responsabilidade do Hospital de Santa Maria (do Estado, ou qualquer outro ente público) aprecia-se à luz do já citado DL nº 48.051 de 21/11/1967, o qual admite a responsabilidade da Administração Pública em duas vertentes: A responsabilidade por actos ilícitos ou culposos nos artºs 2º e 3º, A responsabilidade por actos casuais (risco) no artº8º 14º A primeira está logo excluída pela própria sentença. 15º À partida, pelo menos no que diz respeito aos próprios assistidos, a responsabilidade pelo risco da Administração Pública, inexiste porque o DL nº 48.051 de 21/11/1967 condiciona o risco à existência de prejuízos que resultem de «serviços administrativos excepcionalmente perigosos, ou de coisas e actividades da mesma natureza (o que não é obviamente o caso ‘sub judice’) salvo se, nos termos gerais se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas...»; 16º O Hospital de Santa Maria tinha prevenido o risco das infecções hospitalares conforme a sentença recorrida o admite, na respectiva «Fundamentação»: «No Hospital Réu são tomadas medidas para reduzir o número de infecções hospitalares» (nº 44); 17º O factor decisivo que afasta qualquer responsabilidade do ora Réu encontra-se no nº 30 dessa «Fundamentação» o qual refere que: «Em doentes submetidos a intervenções cirúrgicas, como o A ., verificase uma maior predisposição para os processos infecciosos, com consequente maior gravidade clínica». Ou seja, é nas características intrínsecas ao próprio A. que se encontra a explicação para infecção de que foi vítima, facto que, no entanto, a sentença recorrida esquece completamente”. Igualmente inconformado com a decisão interpôs o recorrente A... recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões: “1. O recorrido Hospital de Santa Maria sabia que na sua unidade hospitalar, onde o recorrente estava internado, em consequência de uma intervenção cirúrgica, existia a probabilidade séria da presença de uma bactéria perigosa, a «serratia». 2. Esta bactéria é facilmente detectável em exame laboratorial. 3. Essa bactéria é responsável por lesões oculares graves, destruindo os tecidos. 4. O recorrente manifestou, em 13 de Novembro de 1993, graves perturbações num olho, com inchaço, dilatação de pálpebra e projecção do globo ocular. 5. Só em 17 de Novembro seguinte o recorrido ordenou a colheita de tecido para detectar a bactéria «serratia». 6. Só em 18 de Novembro lhe detectaram a «serratia». 7. Só em 19 de Novembro o recorrente foi medicado para combater a «serratia», sendo tardia a medicação. 8. A medicação foi desadequada. 9. Em consequência da conduta do recorrido Hospital, o recorrente perdeu o olho esquerdo. 10. E ainda padeceu fortes dores, manteve-se internado por mais de um mês; continuou a ir frequentemente ao Hospital por mais de um ano e ficou fortemente perturbado emocionalmente, triste e abatido. 11. Os danos morais deverão ser computados em 50.000 euros. 12. A douta sentença violou o disposto nos artºs 6º do D.L 48.051 e 496º do Código Civil”. Não houve respostas. Emitiu douto parecer o Ex.mº Magistrado do Ministério Público, no qual se pronunciou no sentido de ser negado provimento ao recurso principal. Quanto ao recurso subordinado entendeu que a sentença não merecia reparo excepto, quanto ao montante indemnizatório que, no seu entendimento devia ser superior ao fixado, mas não atingir o valor do pedido, sendo mais adequado o montante de 25.000 euros. Colhidos os vistos legais cumpre decidir. Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos: 1 - O autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica cardíaca a um aneurisma, na noite de 31.10 para 1.11.1993. 2 - Após o que transitou para a Unidade de Cuidados Intensivos, onde permaneceu durante 8 dias. 3 - Seguidamente, foi transferido para uma enfermaria do Hospital Réu, em 8.11.1993. 4 - Durante o seu internamento no Hospital Réu o Autor ficou cego do olho esquerdo. 5 - E perdeu cerca de 10 quilos de peso. 6 - Após ter obtido alta, o Autor manteve-se em tratamento durante um ano (até ao fim de 1994). 7 - Por força desse tratamento o Autor tinha de se deslocar ao Hospital de 15 em 15 dias. 8 - O Autor usava óculos possuindo, em ambos os olhos, acuidade visual (corrigida) de 10.10. 9 - As bactérias do género “serratia” são responsáveis por infecções oculares graves destruindo os tecidos sobre os quais actuam. 10 - Por estar debilitado por uma operação cardíaca, o Autor estava sujeito em pleno ambiente hospitalar, à probabilidade muito elevada da ocorrência da “serratia”. 11 - A infecção que provocou a perda do olho esquerdo do Autor deveu-se a uma bactéria, denominada “serratia”, que existe nas unidades de cuidados intensivos. 12 - Por força da cegueira no olho esquerdo, o Autor sofreu perturbações no andar e equilíbrio acarretando-lhe grande desgosto e perturbação emocional. 13 - Em consequência da contracção da endoftalmite padeceu de fortes dores 14 - O Autor é cobrador reformado da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, recebendo de pensão de reforma 117.840$00 mensais. 15 - Era uma pessoa alegre e bem disposta, cuidadosa com a saúde e totalmente independente para reger a sua vida. 16 - Gostando de ler, ver televisão e ir ao cinema, entre outras actividades de laser. 17 - Sofreu incómodos por via das deslocações ao Hospital, mencionadas em 6 e 7. 18 - Ainda hoje se sente traumatizado por todo o ocorrido, sendo imprevisível que venha a recuperar-se emocionalmente. 19 - O Autor deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital de Santa Maria em 31.10.1993, por sentir uma dor na zona do peito. 20 - E, após ter efectuado vários exames nesse Hospital foi-lhe diagnosticado um aneurisma. 21 - Passando então, ali, a regime de internamento, com o fito de ser operado. 22 - No dia 12 de Novembro, à noite, ainda nessa enfermaria, começou a notar alterações na visão do olho esquerdo, consistindo numa espécie de névoa. 23 - Tendo manifestado à enfermeira do Serviço tal perturbação, foi visto no dia 13.11 por um oftalmologista, que lhe diagnosticou uma uveíte fribrinosa. 24 - Começaram então a ser-lhe administradas gotas no olho esquerdo. 25 - Mas a nebulização da visão desse olho continuou a aumentar, piorando fortemente o seu estado, com inchaço, dilatação das pálpebras e projecção do globo ocular para fora da cavidade. 26 - Só em 15.11.1993 voltou o Autor a ser observado por um oftalmologista, que então ordenou se procedesse a uma colheita de exsudado desse olho. 27 - A 15.11, o diagnóstico foi corrigido de uveíte para endofalmite, sendo em 18.11 detectado ser o Autor portador de “serratia” pela análise do exsudado recolhido ao olho esquerdo do paciente no dia 17.11. 28 - Após o diagnóstico de “serratia”, o Autor foi transferido para um quarto, onde passou a permanecer isolado. 29 - Como consequência directa e necessária da contracção da “serratia”, teve o Autor que permanecer hospitalizado cerca de mais um mês, quando já não havia motivo para o manter no Hospital por todo aquele período, quanto à operação ao aneurisma. 30 - Em doentes submetidos a intervenções cirúrgicas, como o Autor, verifica-se uma maior predisposição para os processos infecciosos, com consequente maior gravidade clínica. 31 - Foram descritas infecções hospitalares, tendo a “serratia”, como porta de entrada os serviços de cuidados intensivos, anestesiológicos, sacos de transfusão sanguínea, entre outros. 32 - A endoftalmite é uma infecção intra-ocular associada a grave compromisso de todos os tecidos que constituem o globo ocular. 33 - O exame laboratorial, pressupõe colheita de exsudado e exame macrobiológico, sendo a infecção “serratia” facilmente detectável nesse exame. 34 - O tratamento administrado no olho do Autor foi desadequado ao quadro clínico de endoftalmite por “serratia” que se veio a apurar com o resultado do exame microbiológico. 35 - A endoftalmite deve ser encarado como urgência em oftalmologia. 36 - O Autor nasceu em 19.2.1931. 37 - Sofrendo angústias e temores devido à ocorrência da doença e do acréscimo de internamento que ela implicou. 38 - O ora Autor já havia sido operado em 26.6.1989, no Serviço de Cirurgia Cárdio Torácica do Hospital Réu a uma doença valvular aórtica, consistindo essa operação na implantação de prótese aórtica nº 25 B. Shiley 39 - Teve alta em 5.7.1989, continuando a ser observado por aquele Serviço, nomeadamente em 12.2.1992. 40 - Quando se dirigiu ao Serviço de Urgência do Hospital Réu em 30.10.1993, foi imediatamente internado, tendo em conta a anterior intervenção cirúrgica a que tinha sido sujeito. 41 - De imediato foi-lhe diagnosticada uma dissecção da aorta (tipo A), operação a que foi submetido. 42 - Esta é uma cirurgia extremamente gravosa e urgente, pois a taxa de mortalidade dos doentes aumenta em progressão geométrica à medida que as horas decorrem. 43 - E causa grande debilidade no paciente, sendo poucos os hospitais com capacidade para a efectuar. 44 - No Hospital Réu são tomadas medidas para reduzir o risco de infecções hospitalares. 45 - O risco destas infecções aumenta com o progresso da Medicina, que mantém vivos durante mais tempo os doentes debilitados e mais vulneráveis. 46 - Com os fins de diagnóstico e terapêutica praticam-se actualmente mais procedimentos invasivos (do organismo do doente), que aumentam o risco de infecção, 47 - Em cerca de 5000 exames bacteriológicos/mês, realizados no Hospital Réu, para detectar e prevenir essas infecções, isolou-se 1 ou 2 “serratias” e às vezes nenhuma. 48 - O oftalmologista de serviço diagnosticou então ao Autor uma uveíte fribrinosa, infecção já de alguma gravidade, pelo que lhe foi prescrita a medicação tópica e sistémica aconselhada naqueles casos, como corticóides sistémicos (a administrar por via oral), corticóides tópicos (pomadas ou gotas a aplicar no local), midiátricos e hipotensores. 49 - Atentos os cuidados que o Autor inspirava, foi também prescrito que devia voltar à consulta de oftalmologia logo em 15 Novembro. 50 - Atenta a gravidade da infecção, foi prescrito ao Autor que devia voltar à consulta de oftalmologia a 17.11, verificando-se que a infecção não havia regredido, tendo sido feita, nesse mesmo dia, uma colheita de exsudado para identificar a bactéria, o que implica a punção da cavidade vítrea do doente com anestesia local: 51 - Aproveitou-se tal punção para ser aplicada ao Autor, a 17.11, uma injecção intravítrea de Gentamicina e Coftazidina, antibióticos habitualmente usados no combate à oftalmite, mas mesmo assim a infecção não regrediu. 52 - Tendo sido, em 18.11, isolada uma estirpe de “serratia” no produto colhido no globo ocular do Autor, passou este a ser medicado a 19 desse mês. 53 - A infecção foi considerada debelada em 13.12, após o Autor ter sido medicado com o antibiótico ao qual a bactéria era sensível. 54 - Foi comunicado ao Autor que ia ficar cego do olho esquerdo em 19.11. 55 - Com frequência, o olho afectado por endoftalmite sofre lesões irreversíveis, por vezes, com perda total do olho. Conforme foi referido, foram interpostos dois recursos jurisdicionais: um recurso principal, interposto pelo réu Hospital de Santa Maria (HSM), e, um recurso subordinado, interposto pelo autor A.... Começamos por decidir o recurso principal interposto pelo recorrente Hospital de Santa Maria. Nas conclusões 1ª a 7ª das suas alegações defende o recorrente HSM que a sentença é nula, nos termos do artº668º nº1 al.c) do CPC, porque os fundamentos da mesma estão em oposição com a decisão. Por um lado, e na sua óptica tal oposição existe porque na fundamentação da sentença, se diz que “no Hospital Réu são tomadas medidas para reduzir o número de infecções hospitalares, mas na mesma sentença condena-se o R. porque lhe cabia demonstrar ter tomado todas as medidas conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance para erradicar das suas instalações,...a serratia” e “a parte decisória da sentença confirma que o HSM tomou essas medidas, dizendo que: «O Hospital Réu, por seu turno tem tomado medidas para reduzir o risco de infecções hospitalares...” (conclusões 1ª a 3ª). Por outro lado, tal oposição também existe porque na própria fundamentação há contradições: o nº 34 refere-se aos tratamentos anteriores a 18.11, mais precisamente aos tratamentos ministrados a 13 e 15.11 (nºs 23, 26 e 27 da «Fundamentação»”), ora, se naquelas datas (13 e 15.11) a endoftalmite por «serratia» ainda não estava diagnosticada não podiam ao A ser ministrados os tratamentos destinados a combatê-la (conclusões 4ª e 5ª). Diz-se que há contradição entre os fundamentos e a decisão quando aqueles estão em oposição com a decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto (cfr. Prof. José Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 141). Defende o recorrente HSM existir contradição entre as afirmações na sentença de que “o Hospital Réu tomou medidas para reduzir o número de infecções hospitalares” e que “o mesmo tem tomado medidas para reduzir o risco de infecções hospitalares” e depois condenar-se o R. porque lhe cabia demonstrar ter tomado todas as medidas conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance para erradicar das suas instalações,...a serratia”. Todavia, não há qualquer contradição. Na verdade, o tribunal “a quo” apenas deu como provado que o HSM tem tomado medidas para, por um lado, reduzir o número de infecções hospitalares e, por outro, para reduzir o risco de infecções hospitalares. Destes dois factos não se extrai que o mesmo tenha tomado todas as medidas conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance para erradicar das suas instalações a serratia. Assim, ao dar-se como provado que o HSM tomou medidas para reduzir o número e o risco das infecções hospitalares não colide com a afirmação do tribunal de que o mesmo hospital não provou ter tomado todas as medidas conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance para erradicar das suas instalações a serratia. Não se verifica aqui a apontada contradição. Porém, o recorrente HSM alega, ainda, que tal oposição também existe porque a sentença se refere aos tratamentos anteriores a 18.11, mais precisamente aos tratamentos ministrados a 13 e 15.11 (nºs 23, 26 e 27 da «Fundamentação»”), ora, se naquelas datas (13 e 15.11) a endoftalmite por «serratia» ainda não estava diagnosticada não podiam ao A ser ministrados os tratamentos destinados a combatê-la (conclusões 4ª e 5ª) Passamos a transcrever os pontos 22, 23,24, 25, 26 e 27 da «Fundamentação: Ponto 22 No dia 12 de Novembro, à noite, ainda nessa enfermaria, começou a notar alterações na visão do olho esquerdo, consistindo numa espécie de névoa. Ponto 23 Tendo manifestado à enfermeira do Serviço tal perturbação, foi visto no dia 13.11 por um oftalmologista, que lhe diagnosticou uma uveíte fribrinosa. Ponto 24 Começaram então a ser-lhe administradas gotas no olho esquerdo. Ponto 25 Mas a nebulização da visão desse olho continuou a aumentar, piorando fortemente o seu estado, com inchaço, dilatação das pálpebras e projecção do globo ocular para fora da cavidade. Ponto 26 Só em 15.11.1993 voltou o Autor a ser observado por um oftalmologista, que então ordenou se procedesse a uma colheita de exsudado desse olho. Ponto 27 A 15.11, o diagnóstico foi corrigido de uveíte para endofalmite, sendo em 18.11 detectado ser o Autor portador de “serratia” pela análise do exsudado recolhido ao olho esquerdo do paciente no dia 17.11. Sobre esta matéria de facto teceram-se na sentença as seguintes considerações: “…Conforme se alcança da factualidade apurada, o Autor referiu queixas do foro oftalmológico ao fim do dia 12/11/1993, dias depois de ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica a um aneurisma. No dia 13/11 foi observado pelo oftalmologista de serviço e medicado em função do diagnóstico de uveíte. No dia 15/11, o Autor voltou a ser observado e corrigido o diagnóstico para endoftalmite. Face à não regressão da infecção foi feita uma punção ao olho esquerdo do Autor a 17/11 e dada nova medicação. Em 18/11 a respectiva análise ao exsudado permitiu concluir ser o Autor portador de serratia, bactéria que actua muito rápido nos tecidos moles. Encetou-se, então, nova medicação, embora fosse informado nesse mesmo dia 19/11 que ficaria cego desse olho. Resulta inequívoco da descrição enunciada existir erro no diagnóstico de uveíte para endoftalmite fibrinosa por «serratia», com inevitável medicação desadequada pelo período aproximado de uma semana, o que determinou a cegueira do olho esquerdo face à rápida e agressiva actuação daquele bactéria”. Resulta dos autos que conforme ia sendo diagnosticada a patologia oftalmológica de que o autor padecia lhe ia sendo ministrado um determinado tratamento medicamentoso, assim, quando erradamente lhe foi diagnosticada uma uveíte fibrinosa (13/11), posteriormente alterada para uma endofalmite (15/11) o tratamento foi diverso do que lhe foi ministrado quando se descobriu a verdadeira doença de que era portador (18/11). A medicação que fora ministrada ao autor enquanto não lhe foi diagnosticada a sua verdadeira doença – a serratia – foi desadequada ao tratamento desta, uma que se destinava a outros tipos de patologia clínica, acima referidos. Não se descortina, por isso, onde se encontra a invocada oposição da própria fundamentação, dado que o autor nunca teve as duas primeiras doenças que lhe foram diagnosticadas, mas sim a serratia, tendo-lhe, todavia, sido prescritos medicamentos para aquelas duas doenças enquanto não se efectuou o verdadeiro diagnóstico. Improcedem, deste modo, as conclusões 4ª, 5ª e 7ª. Acrescenta, ainda, o recorrente HSM, na conclusão 6ª das suas alegações, que a sentença não teve em conta o PARECER relativo à Doença Oftalmológica do Sr. A... (apresentado no início da audiência de julgamento), o qual esclarece que a endoftalmite pode apresentar-se, inicialmente, como um quadro de uveíte. Segundo o recorrente HSM o desconhecimento deste parecer acarretaria, também, a nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão É o que se passa a averiguar. O Parecer em causa é o que está junto a fls. 236 e 237 dos autos e foi junto na audiência de discussão e julgamento (fls. 245) e destinando-se à prova da matéria de facto constante nos quesitos 16º, 17º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 47º e 48º. Em nenhum destes quesitos se pergunta se “a endoftalmite se pode apresentar, inicialmente, como um quadro de uveíte”. Ora, como defende o HSM era este o facto que desejava provar com tal parecer, só que tal facto não constava em nenhum dos quesitos indicados pelo HSM, nem tal matéria fora por si articulada para poder ser seleccionada. Improcede, por isso, esta conclusão 6ª. Nas conclusões 8ª a 13ª defende o recorrente o HSM qual o quadro jurídico que deve reger a sua responsabilidade nesta área e que é a constante do DL. nº48 051 de 21/11/1967. Nenhum reparo especial há a fazer ao que ali vem afirmado. Na verdade, como afirmou este STA “quem recorre a um estabelecimento de saúde pública fá-lo ao abrigo de uma relação jurídica administrativa de utente, modelada pela lei, submetida a um regime jurídico geral e estatutário pré-estabelecido, aplicável, em igualdade, a todos os utentes daquele serviço público, que define o conjunto dos seus direitos, deveres e sujeições e não pode ser derrogada por acordo, com introdução de discriminações positivas ou negativas. Não o faz, portanto, na qualidade de parte contratante, ainda que num hipotético contrato de adesão ou ao abrigo de relações contratuais de facto” (Ac. de 20/4/2004-rec. nº982/03). Nas restantes conclusões entende o recorrente que a sentença afasta a responsabilidade por actos ilícitos ou culposos por si praticados e que não se verifica a responsabilidade civil extracontratual baseada no risco. Escreveu-se na sentença a este respeito: “…Resulta inequívoco da descrição enunciada exigir erro no diagnóstico de uveíte para endoftalmite fibrinosa por «serratia», com inevitável medicação desadequada pelo período aproximado de uma semana, o que determinou a cegueira do olho esquerdo face à rápida e agressiva actuação daquela bactéria. Resta apurar se tal se deveu a uma conduta ilícita e culposa dos médicos do Hospital Réu. A este propósito relembremos os depoimentos prestados na audiência de julgamento, unânimes, no sentido de o diagnóstico ter sido feito e o paciente medicado de acordo com os conhecimentos actuais da medicina, em função das doenças mais comuns para as queixas assinaladas. Depois há que observar a evolução da doença, concedendo o tempo estritamente necessário para a medicação actuar. E, só face à persistência da infecção, importa fazer novo diagnóstico, com recurso a métodos dolorosos, como a punção, para detectar a causa da infecção. Ora, no caso em apreço, os médicos do Hospital observaram tal metodologia só não tendo travado a evolução da infecção pela extrema rapidez da actuação da serratia e considerável gravidade da doença de endoftalmite, determinante frequente de lesões irreversíveis, por vezes, com perda total do olho, tal como sucedeu neste caso. Consequentemente, neste âmbito não se pode considerar a actuação médica de ilícita e culposa, geradora de responsabilidade civil. Importa agora avaliar da probabilidade de infecção hospitalar por serratia e da falha dos órgãos ou agentes do réu em tomar todas as medidas possíveis para prevenir aquela situação. Está comprovado nos autos que as infecções hospitalares, designadamente, a serratia, têm como porta de entrada os serviços de cuidados intensivos, mostrando-se os pacientes submetidos a intervenções cirúrgicas maior predisposição para processos infecciosos. O Hospital Réu, por seu turno, tem tomado medidas para reduzir o risco de infecções hospitalares, tendo em 5000 exames bacteriológicos/mês isolado 1 a 2 serratias. Assim sendo, face às análises bacteriológicas efectuadas, não obstante a pouca incidência da bactéria assinalada, cabia ao Hospital Réu demonstrar ter tomado todas as medidas conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance para erradicar das suas instalações, em particular, dos locais mais sensíveis à sua propagação (como por exemplo os Serviços de Cuidados Intensivos) a «serratia». Não o tendo feito a sua conduta omissiva não pode deixar de considerar-se ilícita e culposa, sendo inegável o conhecimento do Hospital e de toda a sua equipa de trabalho que o risco de infecção aumenta com a prática de procedimentos invasivos com fins terapêuticos e de diagnóstico, cada vez mais utilizados para salvar ou prolongar a vida humana. Com efeito, o Hospital não se pode alhear das condições em que os pacientes são operados e permanecem em recuperação nos Serviços de Cuidados Intensivos, cabendo-lhe zelar, enquanto prestador de um serviço público, para que esse serviço seja prestado nas melhores condições técnicas e de segurança possíveis”. Face ao que se acaba de transcrever, já se pode concluir não ser correcta a afirmação do HSM de que “a sentença afasta a responsabilidade por actos ilícitos ou culposos por si praticados”. Se atentarmos bem ao que vem alegado na petição da acção, assenta o autor o seu pedido em duas causas de pedir distintas: uma primeira, é a existência da bactéria “serratia” nas instalações do HSM, por falta de desinfecção; outra, a segunda: é o erro de diagnóstico efectuado pelo HSM, com a consequente errada medicação que lhe fora ministrada. Ora a sentença recorrida apenas entende não existir culpa por parte do HSM quanto ao erro de diagnóstico. Com efeito escreveu-se em tal sentença que “no caso em apreço, os médicos do Hospital observaram tal metodologia só não tendo travado a evolução da infecção pela extrema rapidez da actuação da serratia e considerável gravidade da doença de endoftalmite, determinante frequente de lesões irreversíveis, por vezes, com perda total do olho, tal como sucedeu neste caso. Consequentemente, neste âmbito não se pode considerar a actuação médica de ilícita e culposa, geradora de responsabilidade civil”. Todavia. já quanto à responsabilidade imputada ao HSM assente na outra causa de pedir lê-se na sentença do tribunal “a quo” que “importa agora avaliar da probabilidade de infecção hospitalar por serratia e da falha dos órgãos ou agentes do réu em tomar todas as medidas possíveis para prevenir aquela situação. Está comprovado nos autos que as infecções hospitalares, designadamente, a serratia, têm como porta de entrada os serviços de cuidados intensivos, mostrando-se os pacientes submetidos a intervenções cirúrgicas maior predisposição para processos infecciosos. O Hospital Réu, por seu turno, tem tomado medidas para reduzir o risco de infecções hospitalares, tendo em 5000 exames bacteriológicos/mês isolado 1 a 2 serratias. Assim sendo, face às análises bacteriológicas efectuadas, não obstante a pouca incidência da bactéria assinalada, cabia ao Hospital Réu demonstrar ter tomado todas as medidas conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance para erradicar das suas instalações, em particular, dos locais mais sensíveis à sua propagação (como por exemplo os Serviços de Cuidados Intensivos) a «serratia». Não o tendo feito a sua conduta omissiva não pode deixar de considerar-se ilícita e culposa, sendo inegável o conhecimento do Hospital e de toda a sua equipa de trabalho que o risco de infecção aumenta com a prática de procedimentos invasivos com fins terapêuticos e de diagnóstico, cada vez mais utilizados para salvar ou prolongar a vida humana. Com efeito, o Hospital não se pode alhear das condições em que os pacientes são operados e permanecem em recuperação nos Serviços de Cuidados Intensivos, cabendo-lhe zelar, enquanto prestador de um serviço público, para que esse serviço seja prestado nas melhores condições técnicas e de segurança possíveis”. Podemos, portanto, concluir que o HSM foi condenado, neste segmento, com base na responsabilidade civil extracontratual pela prática de actos ilícitos de gestão pública (omissão dos órgãos ou agentes do réu em tomar todas as medidas possíveis para prevenir a desinfecção do local onde a serratia se alojou no autor. Alheando-se das condições em que os pacientes são operados e permanecem em recuperação nos Serviços de Cuidados Intensivos). Considerou, pois, o tribunal “a quo” que o HSM agiu ilícita e culposamente, ao omitir os actos materiais de desinfecção do local onde a bactéria serratia se alojou no olho esquerdo do autor-paciente. Há, assim, que indagar se face aos factos dados como provados a conduta do HSM é censurável, por violação das mais elementares regras ao caso aconselháveis em função dos conhecimentos científicos aplicáveis. Na sentença recorrida escreveu-se que “existiu uma conduta omissiva ilícita e culposa, consubstanciada no facto de o HSM não ter tomado todas as medidas conhecidas no estado actual da ciência, para erradicar das suas instalações, particularmente nos locais mais sensíveis, a serratia, apesar de algumas ter tomado”. Deu o tribunal “a quo” como provado que «no Hospital Réu são tomadas medidas para reduzir o risco de infecções hospitalares» (ponto 44), que «o risco destas infecções aumenta com o progresso da Medicina, que mantém vivos durante mais tempo os doentes debilitados e mais vulneráveis» (ponto 45), que «com os fins de diagnóstico e terapêutica praticam-se actualmente mais procedimentos invasivos (do organismo do doente), que aumentam o risco de infecção» (ponto 46) e que «em cerca de 5000 exames bacteriológicos/mês, realizados no Hospital Réu, para detectar e prevenir essas infecções, isolou-se 1 ou 2 “serratias” e às vezes nenhuma» (ponto 47). Há, assim, que averiguar se, ao não tomar estas medidas de precaução, agiu o HSM de uma maneira eticamente censurável e reprovável, por sobre o mesmo incumbir tomar todas as providências ao caso aconselhável, para que, face ao local altamente propício à existência da serratia e face ao estado debilitado pós-operatório do paciente autor, não vir o mesmo a ser contagiado por aquela ou outra bactéria, provocadora de qualquer lesão dos seus direitos Precise-se que tem este Supremo Tribunal decidido que “face à definição ampla de ilicitude contida no artº6º do DL. nº48 051, a omissão dos deveres gerais aí mencionados preenche simultaneamente os requisitos da ilicitude e da culpa, que, assim, se confundem” (Acs. de 26/9/96-rec. nº40 177, de 1/6/99-rec. nº43 505 e de 24/9/2003-rec nº1864/2002). Acrescente-se que no regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, e designadamente, nas acções de responsabilidade médica tem aplicação o regime geral do nosso ordenamento jurídico – artº342º nº1 do CC – de acordo com o qual cabe à autora fazer a prova dos factos constitutivos do alegado direito à indemnização, salvo caso de presunção legal – artº344º nº1 do CC – ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado – artº344º nº2 do CC (Miguel Teixeira de Sousa, in Sobre o Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Médica, in Direito da Saúde e Bioética, 1996, pág. 130 e ss. e, entre outros, o Ac. do STA de 9/3/2000-rec. nº42 434, e Ac. do STA de 20/4/2004-rec. nº982/2003, donde se retiraram estas referências). No caso presente, além de não haver razões legais que justifiquem a inversão do ónus da prova, também não se está perante uma situação de presunção legal, e não resultando dos autos que o réu tenha criado qualquer dificuldade à actividade probatória do autor. Assim, todo o ónus probatório cabe ao autor. Ora, o tribunal “a quo” deu como provado que o HSM tomou medidas de desinfecção para reduzir o risco de infecções hospitalares e que em cerca de 5000 exames bacteriológicos/mês, realizados naquele Hospital Réu, para detectar e prevenir essas infecções, isolou-se 1 ou 2 “serratias” e às vezes nenhuma. Não reveste, contudo, um carácter de normalidade que um paciente cardíaco seja internado num hospital e seja operado ao coração, e com êxito, acabando por ter alta, todavia, com um olho funcionalmente destruído. Sabendo-se que um doente fica debilitado no período pósoperatório e num estado altamente vulnerável perante agentes bacterianos externos altamente agressivos, incumbe ao estabelecimento hospitalar onde foi intervencionado e se encontra internado em convalescença, tomar todas as medidas tendentes ao banimento de qualquer fulcro infeccioso que possa alojarse num corpo debilitado e sem as capacidades de reacção e defesa que possuiria numa situação de estabilidade e normalidade de saúde. Ora, embora o HSM tomasse medidas para esse efeito, não provou que as tomou todas, e por isso o recorrente foi vítima de agressão de uma dessas bactérias – a serratia – que lhe causou a lesão ocular, perdendo a visão do olho esquerdo. Uma intervenção cirúrgica, sendo um acto tão melindroso e complexo, exige que a mesma seja preparada, praticada e, posteriormente acompanhada com todos os cuidados recomendáveis a uma tal situação patológica, tão delicada para um doente. Assim, também no período pós-operatório devia o HSM tomar todas as medidas necessárias para evitar a existência de qualquer foco infeccioso e, ao não tomá-las, como foi dado como provada, procedeu tal estabelecimento hospitalar de uma forma censurável e reprovável, em desacordo com as leges artis. Aliás foi dado por provado que “por estar debilitado por uma operação cardíaca, o Autor estava sujeito em pleno ambiente hospitalar, à probabilidade muito elevada da ocorrência da “serratia” e “em doentes submetidos a intervenções cirúrgicas, como o Autor, verifica-se uma maior predisposição para os processos infecciosos, com consequente maior gravidade clínica”, alem de que “a cirurgia a que o recorrido foi submetido é extremamente gravosa e urgente, causando grande debilidade no paciente”. Face a esta descrita situação de facto foram, sem dúvidas, omitidas pelo Hospital de Santa Maria operações materiais de desinfecção, ou seja os deveres gerais referidos no artº6º do DL. nº48 051, e que no caso se impunham, pelo que agiu com ilicitude e com culpa, que aqui se confundem (Acs. (Acs. de 26/9/96-rec. nº40 177, de 1/6/99-rec. nº43 505 e de 24/9/2003-rec nº1864/2002). Na verdade, como se decidiu no Ac.do STA de 20/4/2004 “dada a sobreposição dos conceitos, provada a ilicitude por violação do dever de diligência técnica exigível ao autor, está também provada a culpa funcional do Réu Hospital, censura que assenta no defeituoso funcionamento dos seus serviços, abaixo do que deles se poderia razoavelmente esperar, sendo certo que, nos termos daquele artº6º, a ilicitude não está centrada exclusivamente no resultado danoso – ilicitude de resultado – e está sempre na dependência do desvalor de um determinado comportamento – ilicitude de conduta” (rec. nº982/03). Improcedem, assim, todas conclusões das alegações do recorrente hospital. O autor A... interpôs recurso da mesma sentença, embora subordinadamente (fls. 316). Defende, nas conclusões das suas alegações, em síntese, que o recorrido Hospital de Santa Maria sabia que na sua unidade hospitalar, onde o recorrente estava internado existia a probabilidade séria da presença de uma bactéria perigosa, a «serratia», sendo esta facilmente detectável em exame laboratorial e só em 19 de Novembro o recorrente foi medicado para combater a «serratia», sendo tardia a medicação, além de desadequada, e porque padeceu fortes dores, se manteve internado por mais de um mês, continuou a ir frequentemente ao Hospital por mais de um ano e ficou fortemente perturbado emocionalmente, triste e abatido, os danos morais deverão ser computados em 50.000 euros, pelo que a sentença violou o disposto nos artºs 6º do D.L 48.051 e 496º do Código Civil. Nestas suas alegações põe o recorrente A... em crise a sentença na parte em que julgou não haver erro de diagnóstico, por um lado, e, por outro, o montante fixado a título de danos morais. Que houve erro inicial no diagnóstico na doença oftalmologia do autor foi dado como provado. Só que incumbia ao autor provar a culpa por parte do HSM, o que não fez. Na verdade e como resulta da sentença recorrida “os depoimentos prestados na audiência de julgamento, unânimes, no sentido de o diagnóstico ter sido feito e o paciente medicado de acordo com os conhecimentos actuais da medicina, em função das doenças mais comuns para as queixas assinaladas. Depois há que observar a evolução da doença, concedendo o tempo estritamente necessário para a medicação actuar. E, só face à persistência da infecção, importa fazer novo diagnóstico, com recurso a métodos dolorosos, como a punção, para detectar a causa da infecção. Ora, no caso em apreço, os médicos do Hospital observaram tal metodologia só não tendo travado a evolução da infecção pela extrema rapidez da actuação da serratia e considerável gravidade da doença de endoftalmite, determinante frequente de lesões irreversíveis, por vezes, com perda total do olho, tal como sucedeu neste caso. Consequentemente, neste âmbito não se pode considerar a actuação médica de ilícita e culposa, geradora de responsabilidade civil”. Face a estes factos dados como provados, não é de assacar ao HSM qualquer conduta censurável, pois que procedeu de uma forma diligente e de acordo o normal evoluir da patologia e a reacção tida pelo ora recorrente à sucessiva medicação que lhe era ministrada. Improcedem, neste aspecto, as conclusões das alegações do recorrente A... relativamente à culpa do recorrido hospital no erro de diagnóstico. Falta apreciar, neste momento, o montante indemnizatório fixado pelo tribunal, a título de danos não patrimoniais. Estatui o artº496º nº1 do CC que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e acrescentando-se no nº2 seguinte que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as referidas no artº494º…”. Ora, atendendo à situação económica do lesado e do HSM, ao grau de culpabilidade deste (mera negligência), a idade do lesado (nascido em 19.2.1931), e lesão sofrida, e às angústias e aos temores sofridos pela ocorrência da doença e do acréscimo de internamento que ela implicou, entendese que o montante fixado pelo tribunal “a quo” não merece qualquer censura, mostrando-se adequado à situação sub júdice. Improcedem, por estas razões, as conclusões das alegações do recorrente sobre esta matéria. Em concordância com tudo o exposto, acorda-se: a) em não dar como verificadas as nulidades apontadas à sentença; b) em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo HSM; c) em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A...; d) em manter a sentença recorrida; e) em condenar em custas os recorrentes, na proporção de vencimento. Lisboa 29 de Novembro de 2005. Pires Esteves (relator) – António Madureira – Fernanda Xavier.