A APLICAÇÃO CONJUNTA DAS PREFERÊNCIAS SOBRE O PREÇO NAS COMPRAS GOVERNAMENTAIS DO GOVERNO FEDERAL RAFAEL SETÚBAL ARANTES 2 Painel 55/167 A implementação das políticas de fomento nas compras pública s: re sultados e perspectiva s A APLICAÇÃO CONJUNTA DAS PREFERÊNCIAS SOBRE O PREÇO NAS COMPRAS GOVERNAMENTAIS DO GOVERNO FEDERAL Rafael Setúbal Arant es RESUMO Trata-se de uma análise técnico-jurídica da sistemática de aplicação conjunta dos quatro tipos de preferências sobre o preço nas licitações públicas: o “empate ficto” e a preferência para as microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito local e regional (artigos 44 e 45 e o § 3 o do art. 48 da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, regulamentada pelo Decreto no 6.204, de 5 de setembro de 2007); a preferência para bens e serviços de informática e automação com o Processo Produtivo Básico – PPB e Tecnologia Desenvolvida no país – P&D (art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, regulamentado pelo Decreto no 7.174, de 12 de maio de 2010); e as Margens de Preferência para produtos e serviços que atendam às Normas Técnicas Brasileiras – NTB e com Tecnologia Desenvolvida no país – P&D (§§s 5o a 8o do art. 3o, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, regulamentado pelo Decreto no 7.547, de 2 de agosto de 2011). Objetiva-se trazer contribuições para o debate jurídico e orientações para os Compradores Públicos e desenvolver uma metodologia para a interpretação e aplicação das diferentes preferências de preço envolvidas. 3 INTRODUÇÃO As preferências sobre o preço são aquelas previstas na legislação brasileira que garantem ao beneficiado alguma vantagem competitiva na licitação em relação ao preço dos demais licitantes. Essa vantagem pode ser real, quando a Lei prevê a possibilidade de contratação por preço superior ao menor preço obtido na licitação, ou pode ser ficta, quando a Lei garante apenas o direito de oferecer uma nova proposta ou um último lance na licitação. No âmbito do Governo Federal, são quatro as principais preferências sobre o preço previstas na legislação: 1) margens de preferência para produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais, nos termos do art 3 o e §§ 5o a 8o da Lei no 8.666, de 1993, aplicável quando a proposta vencedora for de produto ou serviço estrangeiro e houver a previsão de aplicação da margem de preferência para o objeto da licitação em Decreto específico do Governo Federal; 2) margem de preferência para microempresa e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, nos termos do art. 48, § 3 o da Lei Complementar no 123, de 2006, de aplicação discricionária, limitada apenas para os benefícios previstos nos incisos do próprio art. 48; 3) critério para desempate em favor das microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos dos arts. 44 e 45 da Lei Complementar 123, de 2006, aplicável quando a proposta vencedora for de uma média ou grande empresa; e 4) critério de desempate em favor de bens e serviços de informática e automação, nos termos do art. 3 o da Lei no 8.248, de 1991, aplicável quando o bem ou serviço ofertado pela proposta vencedora não atender ao Processo Produtivo Básico – PPB ou não possuir tecnologia desenvolvida no país – P&D. 4 Para facilitar a leitura e tornar o texto mais conciso, irei me referir às Margens de Preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais, com Tecnologia Desenvolvida no País – P&D, apenas como Margens de Preferência. Já as preferências para as MPEs serão tratadas como “empate ficto para MPE” (artigos 44 e 45 da LC no 123 de 2006) e Margem para MPE local (§ 3 o do art. 48 da LC no 123, de 2006), enquanto as preferências para serviços de informática e automação dispostas pelo Decreto no 7.174, de 2010, serão mencionadas como “empate ficto para o PPB e P&D”. Como se percebe, as preferências sobre o preço estão dispersas em diversas legislações, o que tem causado problemas para a Administração Pública Federal, o que diminui a eficiência da gestão pública e aumenta a interferência judicial e a insegurança jurídica nas licitações. Estes fatos se agravam em razão de que essas normas foram elaboradas em diferentes momentos e com metodologias diferenciadas, desarticuladas e não integradas. É preciso, portanto, buscar uma interpretação normativa que articule e integre as diferentes metodologias, considerando não apenas a finalidade de cada preferência, mas também a sua natureza e impacto frente aos princípios e objetivos das contratações públicas, como veremos a seguir. O USO DO PODER DE COMPRA DO ESTADO A partir da publicação da Lei Complementar no 123, de 14 de Dezembro de 2006, o Brasil iniciou um forte movimento de adaptação do seu ordenamento jurídico para permitir o direcionamento do poder de compra do Estado para o desenvolvimento nacional sustentável. Isto significou a publicação de uma série de instrumentos normativos que estabeleceram preferências nas licitações em favor de setores vulneráveis, sensíveis, ou estratégicos da economia nacional, incorporando objetivos de políticas públicas nas compras governamentais, tais como a geração de emprego e renda, o fomento à inovação tecnológica, a proteção ao meio ambiente e a minorias hipossuficientes, distribuição de renda, redução das desigualdades regionais etc. 5 O uso do poder de compra do Estado tem sido considerado na seara internacional como um importante instrumento de atuação do Estado, com potencialidades econômicas, sociais e ambientais, já que possibilita ao Estado desempenhar um papel central na orientação dos agentes econômicos quanto aos padrões do sistema produtivo e de consumo, incluindo o estímulo à inovação tecnológica. O direcionamento do Poder de Compra do Estado tem como principal objetivo ser um instrumento de implementação de políticas públicas, já que busca gerar resultados positivos nas áreas social, ambiental e econômica, primando pela função social da contratação pública. Entende-se, portanto, que o Estado deve zelar para que suas contratações alcancem não apenas os objetivos tradicionais de aquisição de produtos, serviços e obras com a melhor relação custo -benefício (proposta mais vantajosa) e isonomia (democratização do acesso), mas também favoreçam ao desenvolvimento sustentável, de modo que se tornem um instrumento para fomentar um desenvolvimento econômico socialmente justo e ambientalmente correto. Verifica-se que o “Uso do Poder de Compra do Estado”, por sua própria natureza e flexibilidade, tem os atributos necessários para gerar impacto na competitividade industrial e tecnológica, já que a Administração Pública, enquanto consumidora em grande escala de bens e serviços, está em posição ideal para a implantação de sistema de indução de produtividade, controle de qualidade, fomento à inovação e transferência de tecnologia, servindo ainda como instrumento para que o Estado assuma a posição de liderança na condução de iniciativas relacionadas à indução do consumo sustentável pela sociedade. Ademais, as preferências nas licitações são importantes para a proteção da indústria nacional contra práticas de comércio desleal ou de produção e consumo não-sustentáveis, como por exemplo, o trabalho escravo, infantil e outras práticas que desrespeitam os direitos humanos, em todas as suas dimensões. Feitas as considerações preliminares sobre o “Uso do Poder de Compra do Estado”, é importante analisar os principais tipos e categorias de preferência em compras governamentais nas práticas internacionais e nacionais. 6 As preferências nas compras podem ser divididas em duas categorias com base no modo de concessão: 1ª) as preferências sobre o preço; e 2ª) as preferências de reservas de mercado. Como já destacamos, as preferências sobre o preço são aquelas que oferecem alguma vantagem competitiva para o preço do seu beneficiário na licitação em relação aos demais licitantes, sem restringir a participação de fornecedores ou produtos (ex. as margens de preferência do art. 3 o, §§s 5o a 8o da Lei no 8.666, de 1993). Já as preferências de reserva de mercado restringem uma determinada contratação pública apenas aos beneficiados pela preferência, reservando assim uma parcela do mercado das compras governamentais àqueles que atenderem às suas condições e critérios de aplicação (exemplo: licitação exclusiva para as MPEs nas contratações até R$ 80.000,00). Além do modo de concessão (Preço vs Reserva de Mercado), as preferências também podem ser classificadas quanto ao critério para a sua concessão. Os principais critérios existentes na seara internacional podem ser divididos em três categorias. CLASSIFICAÇÃO DAS PREFERÊNCIAS NAS COMPRAS PÚBLICAS I. Características do licitante – exemplos: seu local de origem, porte, natureza, atividade produtiva ou comercial etc.; II. Características do produto, serviço o obra – exemplos: local de origem do processo de fabricação/execução; local de origem da tecnologia, menor impacto ambiental, tipo de metodologia de fabricação/execução etc.; e III. Características dos sócios ou da mão de obra do licitante – exemplos: empresas de veteranos de guerra, de afrodescendentes, percentual mínimo de trabalhadores locais etc. No Brasil, temos apenas preferências com base nos critérios I e II, já que em que pese a Consolidação das Leis Trabalhistas prever a obrigatoriedade de 2/3 da mão de obra local para algumas atividades comerciais, não se trata de uma exigência na licitação, e sim para o exercício dessas atividades no Brasil. Entretanto, 7 outros países, como os EUA e a África do Sul, possuem também preferências concedidas em razão de características dos sócios e da mão de obra empregada (afrodescendentes, veteranos de guerra etc.). Por fim, como também já mencionamos, é possível classificar as preferências quanto à sua materialidade (impacto), já que ela pode ser real (material) ou ficta (processual). A preferência real ou material é aquela que oferece uma vantagem econômica concreta para o beneficiário, como, por exemplo, a possibilidade do licitante ser contratado ainda que o seu preço seja mais caro do que o menor preço obtido na licitação, definindo-se um percentual máximo admissível de margem de preferência sobre o preço (a exemplo das margens de preferência previstas no art. 3o, §§s 5o a 8o da Lei no 8.666 de 1993). Já a preferência ficta ou processual é aquela que concede ao beneficiário apenas uma vantagem processual na licitação, como o direito a um novo lance ou oferta, quando já encerrada a disputa na licitação (a exemplo do empate ficto nos termos dos art. 44 e 45 da LC 123, de 2006), ou ainda a concessão do direito ao saneamento da documentação habilitatória ou técnica (prazo para regularização da documentação fiscal estabelecido pelos artigos 42 e 43 da LC no 123, de 2006). ANÁLISE HISTÓRICA Quando analisamos as preferências sobre o preço no Brasil a partir de uma perspectiva histórica no Brasil, percebemos que a primeira política consolidada e estruturada, prevista nos artigos 44 e 45 do Capítulo V da Lei Geral das MPEs, criou apenas uma preferência ficta, já que ela não admite a contratação por preço superior ao menor preço obtido na licitação, concedendo apenas o direito a um novo lance ou oferta. Da mesma forma ocorreu com a segunda preferência sobre o preço que foi instituída pelo Decreto no 7.174, de 2010, regulamentando o art. 3 o da Lei no 8.248, de 1991, criando uma preferência ficta de 10% em favor dos produtos e serviços de informática e automação com PPB e tecnologia desenvolvida no país. Entretanto, em 15 de dezembro de 2010, foi promulgada a Lei no 12.349, de 15 de dezembro de 2010, que alterou o artigo 3 o da Lei no 8.666, de 1993, 8 incluindo como objetivo das licitações a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, e criou a primeira preferência real no preço nas licitações brasileiras, instituindo, nos §§s 5o a 8o do art. 3o , a margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam às normas técnicas brasileiras – NTB, com a possibilidade de concessão de margem adicional para produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País – P&D, até um limite total de 25% (vinte e cinco por cento). Na mesma linha, a LC 147, de 07 de agosto de 2014, alterou a LC 123, de 2006 e in stituiu uma nova preferência real sobre o preço, prevendo a possibilidade de que, nas licitações com o uso dos benefícios previstos no art. 48, inciso I a III, o órgão ou entidade contratante poderá adotar uma margem de preferência de 10% em favor das MPEs sediadas local ou regionalmente. Diferentemente das primeiras preferências sobre o preço instituídas pela LC no 123, de 2006 e pela Lei no 8.248, de 1991, as margens de preferência do novo art. 3o da Lei no 8.666, de 1993 e a margem para MPEs locais do novo § 3 o do art. 48 da LC no 123, de 2006, permitem à Administração co ntratar com um sobre preço, até o limite previsto em Lei. As demais preferências estabelecem apenas uma situação de “empate ficto”, isto é, determinam que até certa diferença percentual no preço, as propostas serão consideradas como empatadas, possibilitando ao licitante com o direito de preferência oferecer uma nova oferta de preço para igualar (Lei n o 8.248, de 1991) ou cobrir (LC no 123, de 2006) a proposta mais bem classificada. Quando analisamos os diferentes momentos político-econômicos em que essas preferências sobre o preço foram instituídas, percebe-se que as preferências fictas sobre o preço surgiram em um momento de contenção fiscal, em que o princípio da economicidade preponderava quase como um critério absoluto para garantir a vantajosidade da contratação, não se aceitando que a Administração pudesse adquirir bens, serviços ou obras por um preço superior ao menor preço obtido na licitação. Nesse sentido, tanto a Lei no 8.248, de 1991 e a Lei Complementar no 123, de 2006, apenas previram uma preferência em situação de empate, garantindo ao beneficiado a oportunidade para uma nova oferta na licitação, forçando assim uma redução no preço, a partir de uma presunção ficta de empate até um determinado limite percentual. 9 Entretanto, a partir da constatação de que na seara internacional vários países adotavam preferências reais no preço, como, por exemplo, os EUA, com o “Buy American Act” (margem de 25% para ferro, aço e produtos manufaturados nacionais), e que essas preferências eram importantes para a proteção da indústria nacional contra a competição predatória internacional, isto é, o dumping ou práticas de comércio desleal (mão de obra análoga à escrava, ausência de direitos trabalhistas ou de leis ambientais etc.), e ainda como incentivo à atração de novas indústrias estrangeiras para a produção no país e para o investimento em tecnologia no país, foi iniciado um movimento para estabelecer preferências reais sobre o preço no Brasil. Com isso, a Lei no 8.666, de 1993 foi alterada pela Lei no 12.349, de 15 de dezembro de 2010, que instituiu as margens de preferência em favor de produtos manufaturados e serviços nacionais, possibilitando pela primeira vez a aquisição de produtos ou serviços por um preço superior ao menor preço obtido na licitação. PREFERÊNCIAS FICTAS VS PREFERÊNCIAS REAIS Quando aplicamos vários tipos de preferências sobre o preço em uma mesma licitação, se torna relevante compreender qual a hierarquia entre essas preferências para que se possa identificar qual delas irá prevalecer em uma situação em que licitantes diferentes possuam diferentes tipos de preferências. Enquanto as preferências de empate ficto são uma mera oportunidade para o lançamento de uma nova oferta de preço na licitação, as preferências reais sobre o preço implicam em uma vantagem econômica concreta na disputa de preços, já que o licitante que possuir o direito ao benefício terá garantido o seu direito à contratação ainda que o seu preço seja superior ao dos licitantes não beneficiados (até o limite percentual admitido na legislação). Portanto, conclui -se que as margens de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais, como preferências reais sobre o preço, são benefícios com maior impacto e materialidade do que o empate ficto para MPEs e o empate ficto para bens e serviços de TIC, que são meras preferências fictas sobre o preço. É nesse sentido que em uma eventual aplicação concomitante de duas preferências, em que um 10 licitante possua o direito a uma preferência ficta, e outro possua o direito a uma preferência real, o segundo deverá prevalecer em detrimento do primeiro, já que não pode existir uma situação de empate ficto entre duas propostas às quais o legislador atribuiu pesos diferentes, considerando a segunda mais importante por admitir inclusive um sobrepreço na licitação. Assim, quando uma proposta for beneficiada apenas com o empate ficto e outra apenas com as margens de preferência, prevalece o preço da segunda, que será considerada vencedora, sem que ocorra a concessão do direito a um novo lance ou oferta para o licitante que seria beneficiado pelo empate ficto, já que nesse caso não existirá uma situação ficta de empate, ainda que os preços estejam dentro dos percentuais previstos na legislação, em razão de uma incompatibilidade lógica entre os dois tipos de preferências. Trata-se, portanto, de uma interpretação lógica no sentido que quando houver a aplicação das margens de preferência, as preferências de empate ficto só podem ser aplicadas em favor das propostas que também fizerem jus às margens, quando houver, já que é a essas propostas que o legislador privilegiou com o benefício de serem contratadas prioritariamente, admitindo inclusive a contratação por preço superior ao dos demais licitantes, o que não ocorre com os beneficiários das preferências fictas. “EMPATE FICTO PARA MPEs” VS “EMPATE FICTO PARA TIC” Em razão das diferentes metodologias e normas aplicáveis em relação ao empate ficto para MPEs e o empate ficto para TIC, surgiram diversas dúvidas e divergências de interpretação e aplicação, em especial quando estas duas preferências fictas são aplicadas concomitantemente. Essas divergências de interpretação acabaram por gerar o Acórdão TCU-2o Câmara no 4.241, 19 de junho 2012, que entendeu pela aplicação em separado de cada preferência, em sequência, e de modo terminativo, isto é, quando uma preferência for aplicada, excluem-se todas as demais que viriam em sequência. Em que pese o referido Acórdão não ter analisado a interação das preferências de empate ficto com as Margens de Preferência estabelecidas pela Lei no 8.666, de 1993, formou-se um 11 entendimento pela prevalência do empate ficto para as MPEs em relação ao empate ficto para TIC (Decreto no 7.174, de 2010), que somente seria aplicado caso o direito ao desempate para as MPEs (novo lance ou proposta) não fosse usufruído. Entendeu a Egrégia Corte de Contas que a aplicação de cada preferência deve ser feita de maneira independente das demais, de modo que o critério de desempate em favor das MPEs estabelecido pela Lei Complementar no 123 de, 2006, não poderia ser transposto para a preferência do PPB ou do P&D, como determina o parágrafo único do art. 5 o do Decreto no 7.174 de, 2010, argumentando que o art. 3o da Lei no 8.248, de 1991 não fez nenhuma distinção em relação ao porte da empresa para a concessão da preferência para o PPB ou P&D. Assim, considerou o Tribunal que o art. 45 da Lei Complementar no 123, de 2006 não permite que o empate ficto em favor das MPEs seja aplicado mais de uma vez, em diferentes categorias (inciso I a III do art. 5 o do Decreto no 7.174, de 2010), o que eventualmente poderia ocorrer com a aplicação do art. 8 o conjugado com o parágrafo único do art. 5 o, ambos do Decreto no 7.174, de 2010, por considerar que o direito de preferência estingue-se nos casos em que ele não for exercido pela MPE beneficiada. Data vênia o entendimento previsto no Acórdão em questão, interpretamos de maneira diferente a aplicação concomitante das preferências, já que a interpretação supracitada retira a eficácia e a efetividade das preferências estabelecidas na legislação, e não existe nenhuma contradição fundamental ou lógica, ou qualquer impedimento técnico-jurídico que impossibilite a aplicação conjunta dessas preferências, como esclareço a seguir. Inicialmente, consideramos que a sequência sucessiva de aplicação das preferências disposta pelo art. 8 o e incisos do Decreto no 7.174, de 2010, deve servir apenas para alterar a ordem de classificação das propostas, de modo que a concessão de uma preferência, em princípio, não pode excluir a aplicação das preferências seguintes, que podem alterar novamente a classificação, até que se obtenha a classificação final. Uma aplicação terminativa de cada uma das preferências, como entende a Corte de Contas, acabaria por impossibilitar a aplicação conjunta desses atos normativos (LC no 123 de 2006 e Lei no 8248, de 1991), sem uma razão justificável que comprove a inviabilidade de aplicação 12 concomitante. Assim, consideramos que a melhor interpretação das preferências nas licitações é aquela que prima pela eficácia de ambos os dispositivos normativos, considerando todo o arcabouço jurídico, de modo integrado e harmônico, e respeitando a hermenêutica teleológica de cada ato normativo. Conclui-se, portanto, sempre que as preferências puderem ser aplicadas conjuntamente, respeitando as finalidades de cada uma, encontra-se a melhor interpretação em razão dos princípios e objetivos da norma. Quando se observa o critério de aplicação das duas preferências de empate ficto supracitadas, percebe-se que elas não possuem contradição expressa ou lógica entre si, já que as preferências da LC no123, de 2006 são concedidas com base no porte dos licitantes, enquanto o empate ficto do art. 3o Lei no 8.248, de 1991 cria uma preferência em relação às características do bem ou serviço ofertado (origem do bem ou serviço – PPB e a origem da tecnologia utilizada no seu desenvolvimento – P&D). Ademais, o argumento do TCU de que falta amparo legal para a aplicação casada e concomitante das preferências em compras governamentais não tem mais fundamento, já que a LC 147, de 07 de agosto de 2014 alterou a Lei no 8.666, de 1993, inserindo os novos §§ 14 e 15 no art. 3 o , que dispõem: § 14. As preferências definidas neste artigo e nas demais normas de licitação e contrat os devem privilegiar o tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte na forma da lei. o (Incluído pela Lei Complementar n 147, de 2014). § 15. As preferências dispostas neste artigo prevalecem sobre as demais preferências previstas na legislação quando estas forem aplicadas sobre o produtos ou serviços estrangeiros. (Incluído pela Lei Complementar n 147, de 2014) Assim, por esses dois novos dispositivos, todas as preferências em compras governamentais devem privilegiar o tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, o que significa uma autorização legal para que as preferências sejam aplicadas de forma integrada, isto é, sempre que houver a aplicação de qualquer preferência em compra governamentais, as microempresas e empresas de pequeno porte devem ser inseridas nessas preferências. 13 É nesse sentido que considero que a regulamentação do Decreto no 7.174, de 1991 foi recepcionada pelos §§ 14 e 15 da Lei 8.666, de 1993, já que nada mais fez do que casar o benefício do critério de desempate em favor do produto ou serviço de TIC nacional (PPB) e com tecnologia nacional, conjuntamente com o benefício do critério de desempate em favor das microempresas e empresas de pequeno porte, entendendo que eles devem ser aplicados de forma integrada, um dentro do outro, aplicando-se a preferência ao porte da empresa (MPE) nos casos em que forem concedidas as preferências da Lei no 8.248, de 1991. Assim, diferentemente do que aponta o Acórdão supracitado, entendemos que a Lei foi alterada para tornar inequívoco que os dois tipos de empate ficto devem ser aplicados concomitantemente, isto é, sempre que for concedida a prioridade para o conteúdo e a tecnologia nacional, terão prioridade as MPEs cujos produtos e serviços também atendam a esses requisitos. Importa esclarecer ainda outro ponto de divergência entre a interpretação em tela e o Acórdão em questão. Diferentemente do entendimento do Tribunal supracitado, que defende uma aplicação sequencial terminativa das preferências (a aplicação de uma exclui a aplicação das subsequentes), consideramos que a melhor interpretação para a aplicação sequencial é aquela que permite que elas sejam aplicadas mais de uma vez, caso a legislação assim o preveja, como nos casos em que ocorrer a desclassificação, inabilitação ou alteração da classificação do primeiro colocado e isto resultar em uma situação prevista em Lei para a concessão de outra preferência sobre o preço. Assim, consideramos, salvo melhor juízo, que a interpretação da Corte de Contas de que a preferência para MPE deve ser aplicada uma única vez, extinguindo-se na aceitação ou não aceitação por parte da MPE beneficiada, não encontra respaldo no texto legal, já que ela deve ser aplicada também em conjunto com as demais preferências sobre o preço, conforme determina o § 14 do art. 3 o da Lei no 8.666, de 1993. Assim, importa aplicar novamente as preferências sobre o preço sempre que houver uma razão legal que assim o determine, já que essas preferências sempre serão aplicadas em relação à melhor proposta válida, o que significa uma nova aplicação da preferência sempre que houver alguma alteração da ordem de 14 classificação das propostas, conforme estabelece o art. 44, §§s 1 o e 2o da LC no 123, de 2006, in verbis: Art. 44..................................................................... o § 1 Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classi ficada. (grifo meu) o o § 2 Na modalidade pregão, o interval o percentual estabelecido no § 1 deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço (grifo meu). Assim, a proposta de melhor preço não é a proposta originalmente classificada como de menor preço, independente da sua validade, mas sim a proposta mais bem classificada que atende às especificações do objeto e que o licitante cumpre com os requisitos de habilitação. Para ilustrar a questão, destaco o seguinte exemplo: uma empresa de grande porte (Empresa A) vence a disputa de lances em um pregão com o preço de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais). A segunda colocada, outra empresa de grande porte (Empresa B), possui o preço final de R$1.030.000,00 (hum milhão e trinta mil reais) e a terceira colocada, uma MPE (Empresa C), possui o preço de R$ 1.040.000,00 (hum milhão e quarenta mil reais). Inicialmente a MPE é convocada para o exercício do seu direito de preferência (margem de 5% (cinco por cento) em relação ao preço da Empresa A). Entretanto, a MPE entende que não é capaz de fazer uma nova oferta com preço inferior a R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais), já que o seu preço limite seria R$ 1.020.000,00 (hum milhão e vinte mil reais) e com isso abre mão do seu direito. A Empresa A é considerada vencedora -do certame, mas na fase de aceitação da sua proposta, verifica-se que as características do seu produto não atendem aos requisitos do edital, de modo que ela é desclassificada. Com isso, altera-se a ordem de classificação, em que a proposta de melhor preço passa a ser a da Empresa B. Como a proposta da Empresa A não era válida, convoca-se novamente a Empresa C para que exerça o seu direito de preferência em relação ao novo melhor preço, que é de R$ 1.030.000,00 (hum milhão e trinta mil reais), e nesse caso a empresa C é capaz de reduzir o seu preço e vencer a licitação. 15 Portanto, sempre que houver, por qualquer motivo, a alteração da ordem de classificação das propostas, seja pela desclassificação ou inabilitação da primeira colocada, o empate ficto para as MPEs deve ser novamente aplicado, já que caso contrário a preferência perderia a sua eficácia por estar vinculada a propostas inválidas ou não vantajosas para a Administração. Em suma, a LC no 123, de 2006, é clara ao estabelecer que a preferência para as MPEs deve ser concedida sempre em relação à proposta mais bem classificada. Entender de outro modo significa negar a aplicação da preferência para as MPEs em grande parte das situações, como, por exemplo, quando a primeira colocada esteja com um preço inexequível, ou existir a aplicação de algum outro critério ou preferência que altere a ordem de classificação das propostas. No mesmo sentido, o inciso I do art. 45 da LC no 123, de 2006, que trata da aplicação da preferência do art. 44, leva ao mesmo entendimento, já que esse dispositivo prevê que “a microempresa mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame,...(grifo meu). De todo modo, não poderia ser diferente, já que qualquer preferência deve ser aplicada apenas em relação à melhor proposta válida (destaco), ou corre-se o risco de perda de eficácia das preferências em decorrência de propostas invá lidas que poderiam servir como artifício para excluir o direito de preferência dos beneficiados. Destaco que a prevalecer o entendimento do TCU, as preferências para o PPB e para o P&D praticamente seriam inviabilizadas, já que havendo uma MPE com direito de preferência, todas as demais preferências seriam descartadas, o que poderia resultar na contratação de empresas meramente atravessadores de produtos importados e sem tecnologia nacional, retirando completamente a eficácia da política prevista no art. 3 o da Lei no 8.248, de 1991, e no art. 3 o da Lei no 8.666, de 1993. De fato, as situações de empate ficto previstas nos Decretos no 6.204, de 2007 (MPE) e no Decreto no 7.174, de 2010 (PPB e P&D) são passíveis de aplicação simultânea, já que a preferência em razão do porte da empresa não exclui ou impede que também seja concedida simultaneamente a preferência para a origem e características do produto ou serviço, como o faz o Decreto no 7.174, de 2010, de modo que a combinação das duas preferências não é só possível como também necessária, sob pena de retirar a eficácia de uma delas. 16 Portanto, os dois tipos de empates fictos devem ser casados, prevalecendo o direito ao desempate para o fornecedor que atender a ambos os seus requisitos, isto é, o porte (MPE), e as características do produto ou serviço (PPB e P&D), como determina o Decreto no 7.174, de 2010. Alguém poderia argumentar que as preferências estabelecidas pela LC 123, de 2006 deveriam prevalecer sobre todas as demais, por se tratar de uma Lei Complementar, enquanto as demais preferências estão estabelecidas em Lei ordinária (Lei no 8.248, de 1991 e Lei no 8.666, de 1993). Entretanto, essa interpretação não merece prosperar, já que as normas e preferências sobre licitações e contratos são matéria para Lei ordinária, de acordo com o art. 22, inciso XXVII da Constituição Federal, de modo que ainda que eventualmente venham a ser reguladas por Lei Complementar, o seu status jurídico será sempre o de Lei Ordinária. Predomina na doutrina pátria o entendimento de que a diferença entre a Lei Complementar e a Ordinária se restringe à matéria de cada uma e ao quórum necessário à sua aprovação. Entretanto, ainda que se refute essa tese, ressalto que os novos §§s 14 e 15 do art. 3 o da Lei no 8.666, de 1993 foram estabelecidos pela Lei Complementar no 147, de 2014, sendo, portanto, de mesmo status legal formal, prevendo a prevalência das margens de preferência sobre todas as demais preferências quando aplicadas sobre um produto ou serviço estrangeiro. Assim, o legislador pátrio expressamente previu que as margens de preferência prevalecem sobre as demais, o que não poderia ser diferente, já que como foi destacado anteriormente, um mero critério de desempate ficto não pode preponderar em relação a uma preferência real no preço, em virtude de uma contradição lógica, já que o preço da proposta com o direito à margem será considerado mais vantajoso para a Administração, ainda que o seu preço seja superior ao da proposta que possua apenas o direito ao empate ficto. A APLICAÇÃO CONJUNTA DAS PREFERÊNCIAS SOBRE O PREÇO Feitas as considerações sobre os dois tipos de empate fictos previstos na legislação, cabe agora uma análise da aplicação sistemática de todas as preferências sobre o preço. 17 A interpretação que entendemos como a que mais alcança o espírito da Lei e os seus princípios fundamentais pressupõe a distinção entre as duas formas de preferência previstas na legislação: o empate ficto (LC no 123, de 2006 e Lei no8.248, de 1991) e a margem de preferência (Lei no 8.666, de 1993), como já explicitamos nos capítulos anteriores. Assim, a sistemática ora proposta considera que uma situação de empate ficto só pode existir entre as propostas que tenham os atributos e requisitos necessários para vencer a licitação, de modo que se a legislação atribuir a aplicação de uma margem de preferência para uma proposta, ela estará estabelecendo uma preferência real para a sua contratação, o que prevalece em relação a uma mera vantagem processual de outra proposta (direito ao empate ficto). Portanto, conclui-se que as margens de preferência prevalecem como o principal requisito para a contratação em relação às preferências fictas de preço (empates fictos) e ainda sobre a margem para MPE local, em razão do § 15 do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993. Nesse sentido, quando houver a aplicação das margens de preferência, só poderá ocorrer uma situação de empate ficto entre propostas que também possuam o direito às margens, já que só a essas será garantido o direito de contratação com um adicional no preço. Assim, quando houver a previsão de aplicação das margens de preferência, encerrada a disputa de preços em que a proposta de menor preço seja de um produto ou serviço estrangeiro, as propostas deverão ser reclassificadas, classificando-se em primeiro lugar a proposta de melhor preço que possua o direito às margens de preferência e que esteja enquadrada até o percentual máximo de preço admitido, e em sequência as demais propostas com direito às margens, na ordem de preços entre elas (até o limite do percentual da margem), de modo que só poderão ser consideradas empatadas, para efeitos de aplicação do empate ficto, as propostas que possuam direito às margens de preferência (se houver). Em suma, as preferências de empate ficto deverão ser levadas para dentro das margens de preferência. Outra questão relevante para a aplicação das preferências sobre o preço é a relação entre a margem normal (produto manufaturado e serviço nacionais – § 5o do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993), e a margem adicional (produto manufaturado e serviço nacionais com tecnologia desenvolvida no país – § 7o do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993). Em suma, o § 7 o do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993 estabeleceu a 18 possibilidade de concessão de uma margem adicional à margem normal para os produtos e serviços nacionais com tecnologia desenvolvida no país. A Lei estabelece que as duas margens, somadas não poderão ultrapassar o percentual de 25% em relação ao preço do produto ou serviço estrangeiro. A questão então é avaliar se uma proposta com direito às duas margens prevalecerá em relação a uma proposta que possua apenas a margem normal. Analisando o arcabouço normativo infralegal que regulamenta as margens de preferência, chegamos à conclusão que a margem adicional não prevalece em relação à margem normal. O Decreto no 7.546, de 2011, no art. 2o, inciso I e II, estabeleceu que as margens de preferência aplicamse apenas em relação ao preço do produto ou serviço estrangeiro, de modo que a margem adicional (tecnologia nacional) não pode ser aplicada em relação ao preço de quem possui a margem normal, por se tratar de um produto nacional. Nesse mesmo sentido, os Decretos setoriais de aplicação das margens de preferência, a exemplo do Decreto no 7.903, de 2013, para bens de TIC, determinam que as margens de preferência só podem ser aplicadas se a proposta de menor preço for de um produto estrangeiro (art. 5 o, § 1o), de modo que se subentende que a margem adicional não deve ser aplicada sobre o preço de um produto nacional, já que a contrário sensu, se a margem adicional prevalecesse sobre a margem normal apenas quando há uma proposta de menor preço de produto ou serviço estrangeiro, teríamos uma regra casuística, que estabeleceria a prevalência da tecnologia nacional apenas quando houvesse a participação de um licitante com produto estrangeiro e de menor preço, o que é uma condição exógena, fortuita e irrelevante para a questão da prevalência da tecnologia nacional. Em um exemplo para ilustrar a questão supracitada, se em uma licitação a proposta de menor preço for de um produto manufaturado ou serviço estrangeiro (proposta A), com o preço de 100, e a segunda colocada for de um produto nacional (proposta B), com o preço de 105, e a terceira colocada for de um produto nacional com tecnologia nacional (proposta C), com o preço de 106, estando ambas dentro dos limites percentuais das margens previstos na legislação específica (Decreto), será considerada vencedora a proposta B, já que a margem adicional só será aplicada em relação à proposta A (produto estrangeiro), e não em relação à proposta B (produto nacional), que possui menor preço do que a proposta C. Portanto, não existe aplicação de margens de preferência entre propostas com 19 produtos manufaturados e serviços nacionais, devendo-se respeitar a ordem de classificação entre elas. Seguindo com a análise metodológica de aplicação conjunta das preferências sobre o preço nas licitações, cabe esclarecer ainda como devem ser aplicadas essas preferências quando a licitação for por preço global, isto é, quando o edital prever a aquisição de um grupo ou lote de um único fornecedor pelo menor preço global. Nesses casos, existem duas hipóteses, já que os decretos que regulamentam as margens de preferência previram duas regras diferentes. Em alguns decretos, a regra estabelecida é a de as margens de preferência considerarão cada item do grupo ou lote individualmente (exemplo: § 3 o do art. 5o do Decreto no 7.903, de 2013), já em outros decretos, a regra estabelecida é a de que só terá direito às margens a proposta em que todos os itens do grupo lote fizerem jus às margens (exemplo: art. 4 o, § 3o do Decreto no 8.186, de 2014). Assim, quando for aplicável a primeira regra, sugerimos que o Edital preveja o seguinte procedimento: 1o – Verificar em cada item do grupo ou lote, quais os produtos nacionais que fazem jus ao direito à margem de preferência em relação ao produto estrangeiro de menor valor no respectivo item (verificar a origem e a tecnologia do bem ou serviço, e o percentual máximo de preço admitido); o 2 – Aplicar um redutor no preço para os produtos ou serviços que fazem jus às margens de preferência, no percentual da respectiva margem, apenas para efeitos de classificação das propostas (se o produto fizer jus às duas margens, normal e adicional, os percentuais das duas margens devem ser somados); o 3 – Reclassificar as propostas na nova ordem de preços advinda da aplicação dos redutores acima (ordem dos Preços de Classificação – PC). Os PC servem apenas para reclassificar as propostas, com o objetivo de verificar a proposta vencedora, não sendo utilizado para contratação ou pagamento. 4o – Aplicar o empate ficto para as MPE em relação à nova classificação das propostas com base nos PC obtidos. 20 5o – Se a MPE beneficiada pelo empate ficto cobrir o melhor PC de uma grande ou média empresa, o percentual de redução será levado para o preço real, que é o preço que será contratado. Já se a regra para a aplicação das margens de preferência na licitação por grupo ou lote for a segunda (todos os itens devem possuir o direito às margens), propugna-se pela adoção de um procedimento similar ao disposto acima, com a diferença que só terá direito aos redutores previstos na 2ª fase da metodologia supracitada, a proposta em que todos os produtos ou serviços do grupo ou lote fizerem jus à margem normal ou às margens normal e adicional. É preciso tratar ainda sobre como operacionalizar a margem de preferência para as MPEs sediadas local ou regionalmente, instituída pela LC no 147, de 2014, em conjunto com as demais preferências sobre o preço. Embora essa preferência não seja obrigatória, e esteja restrita apenas às licitações com a aplicação dos benefícios do artigo 48 e incisos da LC no 123, de 2006, quando o órgão ou entidade contratante optar pela sua utilização, poderão ocorrer situações de aplicação concomitante com as margens de preferência e com o empate ficto para bens e serviços de TIC. Nesses casos, sempre prevalecerão as margens de preferência, como determina o § 15 do art. 3 o da Lei no 8.666, de 1993, de modo que a margem para MPE local deve ser aplicada em segundo lugar, e apenas entre as propostas que também fizerem jus às margens de preferência (produto manufaturado e serviço nacional e limite percentual de preço). Assim, uma MPE local com um produto estrangeiro não terá direito ao benefício da margem para MPE local se existirem propostas com direito às margens de preferência. Após a aplicação de ambas as margens, deverá ser aplicado o empate ficto para bens e serviços de TIC, apenas entre as propostas que fizerem jus tanto às margens de preferência para produto manufaturado e serviço nacional quanto à margem para MPE local, observando-se lógica já explicitada de que as preferências reais de preço prevalecem em relação às preferências fictas de preço. Em suma, a margem para MPE local será aplicada dentro das margens para produtos e serviços nacionais (em razão do § 15, do art. 3 o da Lei no 8.666, de 1993), se houver, após a primeira reclassificação das propostas, para em último lugar aplicar o empate ficto para bens e serviços de TIC apenas entre as propostas mais bem classificadas que fizerem jus a ambas as margens (produto e serviço nacional, e MPE local ou regional). 21 Por fim, alguém poderia argumentar que não faz sentido aplicar o empate ficto para TIC em conjunto com as margens de preferência, já que essas duas preferências, nos casos dos bens e serviços de TIC, observam os mesmos cri térios para concessão, isto é, o Processo Produtivo Básico – PPB e a tecnologia desenvolvida no país. Entretanto, não há que se falar em sobreposição já que, em primeiro lugar, as margens de preferência não alcançam todos os bens e serviços de TIC, mas apenas aqueles previstos nos Decretos que regulamentam a sua aplicação. Em segundo lugar, como já esclarecemos acima, as margens de preferência não estabelecem uma prioridade para a tecnologia nacional (margem adicional) em relação à proposta de produto manufaturado nacional sem tecnologia nacional (possua apenas o PPB – margem normal), diferentemente do que ocorre no empate ficto para TIC, já que o Decreto no 7.174, de 2010 estabeleceu a prioridade para o produto ou serviço nacional que possua tecnologia nacional para a concessão do direito ao novo lance ou oferta. Portanto, ainda que sejam aplicadas as margens de preferência para TIC, deverá ser aplicado o empate ficto para TIC 1, nos termos do Decreto no 7.174, de 2010, concedendo-se o direito a um novo lance para a proposta que possua tecnologia nacional 2 em relação àquela que possuir apenas o PPB se a diferença de preços entre elas não for superior a 10%, e ambas estejam com preço inferior ao limite percentual de preços em relação à proposta de menor preço com produto manufaturado ou serviço estrangeiro. 1 2 Como determinam os decretos que regulamentam as margens de preferência para bens e serviç os de TIC, a exemplo do § 6º do art. 5º do Dec reto nº 8.184, de 2014. Deve-se priorizar simultaneamente o porte do licitante (MPE), com prioridade para a proposta q ue possuir tecnologia nacional e seja de uma MPE, conforme estabelece o art. 5º e parágrafo único do Decreto nº 7.174, de 2010. 22 CONCLUSÃO Pelo exposto, percebe-se que o legislador pátrio privilegiou as margens de preferência para produtos e serviços nacionais, na medida em que autorizou a contratação por um preço superior ao de um produto estrangeiro de menor preço, o que não ocorre nas preferências fictas de preço (empates fictos), a exemplo dos artigos 44 e 45 da LC no 123, de 2006, que permitem apenas um novo lance ou oferta para a redução do seu preço. É nesse sentido, e com base no § 15 do art. 3 o da Lei no 8.666, de 1993, que consideramos que as margens de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais prevalecem sobre todas as demais preferências sobre o preço. Ressaltamos, entretanto, que a aplicação das margens de preferência não elimina a obrigação de que as demais preferências sobre o preço também sejam aplicadas entre aquelas propostas que possuam o mesmo direito às margens de preferência (aplicação interna, isto é, apenas entre as propostas que também forem beneficiadas pelas preferências reais). Nessa aplicação conjunta, consideramos que deve ser aplicada em segundo lugar a margem de preferência para MPE local ou regional, quando for o caso, já que ela é discricionária para os órgãos contratantes que podem optar por não incluí-la no edital. Essa margem, por também ser uma preferência real no preço, prepondera sobre as preferências fictas sobre o preço. Por fim, devem ser aplicados os empates fictos para MPE e para bens e serviços de TIC, em uma aplicação sequencial e integrada (prioridade para a proposta com PPB e P&D cujo licitante seja uma MPE), e interna, isto é apenas entre aquelas propostas beneficiadas pelas preferências reais de preço na licitação, quando houver, fazendo alterações sucessivas na classificação das propostas caso o direito ao novo lance for exercido no âmbito de algum dos empates fictos, em observância ao disposto no artigo 8 o e incisos do Decreto no 7.174, de 2010. 23 ___________________________________________________________________ AUTORI A Rafael Setúbal Arantes – Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Ministério do Planejament o, Orçamento e Gestão. Endereço eletrônico: rafaels [email protected]