Federação Nacional dos Professores
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“Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o
governo”
Precariedade e desemprego: fatalidade ou projeto, pergunta-se. Eu diria: Modelo!
Modelo social, económico, político de retrocesso civilizacional pelo qual o atual
governo português, inquestionavelmente, optou.
No setor a que pertenço conhecemos bem o problema. São cerca de 50.000 os que nunca vincularam ao Estado ainda
que a esmagadora maioria reúna todos os requisitos para, fosse o patrão sério e cumpridor, integrar os quadros das
escolas públicas. No privado o problema é semelhante, agravado por quem, para além de ser mau sente as costas
quentes.
Deste conjunto de professores já chegaram a estar praticamente todos a trabalhar com relação precária, cerca de
35.000 contratados pelas escolas e 15.000 nas chamadas AEC. A Educação conhecia então uma elevadíssima taxa de
precariedade: na ordem dos 30% nas escolas e 100% nas AEC.
Os primeiros e mais significativos passos para impedir o acesso a quadros e carreira e, dessa forma, alcançar a
necessária estabilidade, foram dados pelo governo PS que integrou Lurdes Rodrigues quando esta extinguiu os
concursos anuais e os tornou quadrienais.
A partir daí, foi transformar estabilidade em precariedade para, a seguir, ser dado novo passo: transformar a
precariedade em desemprego, tendo esse trabalho sujo ficado a cargo dos atuais governantes, onde se destaca
negativamente o ministro da Educação.
Os concursos dos professores, para efeito de contratação, falam por si: apesar de se terem aposentado, nos últimos 6
anos, mais de 25.000 docentes, nos quadros, em sua substituição, entraram, nesse período, 1.002. Foi por quebra de
alunos que se deu este saldo negativo? Claro que não. Neste período, as escolas terão perdido entre 13.000 e 15.000
alunos, no máximo, o que, no limite, poderia traduzir-se em menos 1.000 e não 24.000 professores.
Para se perceber melhor a dimensão do problema, refiro que, nos últimos 4 anos, depois de instalada a precariedade na
sua expressão maior, o tempo foi de deitar fora e, por isso, em 1 de setembro foram colocados:
- Em 2010: 17.275 docentes
- Em 2011: 12.747 docentes
- Em 2012: 7.612 docentes
- Em 2013: 0 docentes!
Nestes anos, o desemprego dos professores cresceu:
- Em 2010: 47,7%
- Em 2011: 120,2%
- Em 2012: 77,4%
- Em 2013: aumentou 44% em julho e 72% em agosto, último mês conhecido.
Hoje, perante a realidade a que chegámos, confirma-se que já passámos dois estádios e estamos a entrar num terceiro
ainda mais violento. No primeiro, a missão era substituir estabilidade por precariedade; no segundo, que estamos a viver,
é transformar emprego em desemprego; o próximo, para o qual já estão a ser tomadas medidas, será pegar nos
desempregados e em precários e expulsá-los da profissão e da forma mais torpe: obrigando o condenado a pagar a bala.
Esta realidade, que os professores sentem de uma forma muito violenta, não está limitada ao seu setor, ainda que o
governo e os seus “camilos lourenços” queiram fazer crer o contrário, falando em sinais positivos e em milagres em que
nem os homens e mulheres de muita fé acreditam.
Na verdade, segundo os dados revelados pelo INE, no último ano (comparando dados do 3.º trimestre de 2012 e 2013)
foram destruídos mais de 102 mil postos de trabalho no país. Um dos sinais positivos que o governo diz ver, e refiro-me à
alegada descida da taxa de desemprego, afinal não corresponde a uma descida real do desemprego e a um aumento do
emprego. É que a queda da taxa calculada pelo INE tem lugar num contexto de descida da população residente, por via
da emigração e/ou de outros fatores. Essa descida foi superior a 80 mil na população entre os 15 e os 64 anos e a 135
mil se tivermos em conta a população ativa). Há ainda a assinalar negativamente um aumento do subemprego de
trabalhadores a tempo parcial. Ainda um dado a reter é que no conjunto desempregados e subempregados, quase 2/3
está sem cobertura global por prestações de desemprego.
Isto é assim, por ser este o modelo desejado, como Portas assumiu no roteiro da destruição do Estado Democrático que
há dias apresentou. Não se trata de cumprir metas, mas de mudar de modelo, pode ler-se no ponto 2.1 do panfleto que,
diz a direita, é pobre e por isso de pouco valor. Não é verdade, é precisamente por ser pobre que se torna mais perigoso.
Resultando aquele caminho de uma clara opção ideológica, nada têm de provar os que o pretendem impor, pois não
reconhecem validade à opinião de quem pensa diferente. E este é o perigo: com este governo, por cada dia que passa,
Portugal fica mais próximo do “apagão democrático” e seria trágico se para aí resvalássemos.
O modelo que querem impor é um modelo de ainda maior exploração, de maiores dependências, de redução até dos
portugueses em Portugal: os jovens devem emigrar porque estão a mais; os funcionários públicos deverão passar a
excedentários porque estão a mais; em todos os setores há que despedir trabalhadores porque estão a mais; os idosos
deverão apressar-se a morrer porque estão a mais e, tentando contribuir para esse fim, o governo corta nas pensões e
violentamente no Serviço Nacional de Saúde.
É um modelo sem futuro, mas que não é alterável por via negocial ou de qualquer compromisso entre partidos ou com
organizações que atuam no plano social. Os compromissos que o poder pretende é para capturar outros para a sua teia.
Admitem a correção de texto, ao nível de gralhas e pontuação, mas nem lhes passa pela cabeça mudar a natureza e o
objetivo.
E é neste quadro que nós temos repetido que só há um caminho válido, útil e inevitável: a luta! Não há outro. A luta em
todos os planos – jurídico, institucional, mas, e esse é insubstituível, a luta reivindicativa que se trava nos locais de
trabalho, nas empresas e nos serviços, nas ruas.
Nenhuma luta se pode dispensar porque não há alternativa. Mas a luta não está fácil no atual contexto e pelas mais
diversas razões, sejam elas financeiras ou de caráter mais subjetivo, como o desgaste psicológico ou a desilusão.
É nesses momentos, que são estes, que temos de ser ainda mais fortes na mobilização. E que, a quem pergunta se não
serão muito curtos os resultados de tanta luta, saber perguntar, para pôr a pensar, em que situação já estaríamos se
tivéssemos abdicado de lutar. E quando nos dizem que eles não nos ouvem mesmo que tenhamos razão, responder que,
pelo menos, ouvir-nos-á o povo e, em última instância, a ele caberá correr com estes governantes. E quando o
desencanto vai tão longe que nos dizem que a alternância não muda grande coisa, fazer ver que, provavelmente, é
tempo de apostar na alternativa.
Cruzarmos os braços seria catastrófico, pois aqueles que temos pela frente não brincam nem são incompetentes. Sabem
o que querem e para onde nos querem levar. Sabem quem é e onde está o amo que servem. A nós cidadãos
portugueses, compete assumir a luta cá dentro e saber articulá-la, quando necessário, em planos internacionais. A nós
portugueses coloca-se o exigente desafio de derrotar a troika e os seus aliados internos. E, já agora, ter em conta o
pensamento de outros que lutaram, como Zapata, assumindo que “se não há justiça para o povo, que não haja paz para
o governo”.
Lisboa, 9 de novembro de 2013
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“Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo”