CONVIDE SUA CRIANÇA PARA VISITAR SEU ADULTO: O Lúdico como
instrumento de mediação na relação ensino-aprendizado da matemática para
formação de professores.
Vanessa Fragoso1
Resumo
O artigo apresentado busca demonstrar a importância do lúdico no processo de
ensino aprendizagem da matemática na educação infantil e nas séries iniciais
durante o processo de formação de professores do ensino fundamental e infantil.
Com resgate da memória desses docentes em formação busca desmistificar a
relação “trauma” deste ensino, abarca a ludicidade como articuladora entre jogos
e saberes matemáticos e, também, relata experiências existosas e restauradoras
durante o processo de desenvolvimento desta disciplina.
PALAVRAS-CHAVE: Lúdico, Matemática, Aprendizagem.
Introdução
Era uma vez...
... Aquele primeiro dia de aula com as alunas do curso de Pedagogia. Preocupante! Elas,
curiosas, me perguntaram o que eu iria ensinar. Animada, respondi que estudaríamos os
Fundamentos do Ensino de Matemática na Educação Infantil e nas Séries Iniciais do
Ensino Fundamental. Antes mesmo que eu concluísse, percebi olhares de
estranhamento, pareciam lembrar-se de algo, experiências quem sabe da sua infância.
Curiosa diante do silêncio coletivo na sala de aula, perguntei como entendiam a
matemática e quais as experiências que traziam sobre a disciplina. Para uma apaixonada
pelo “que” e “como” ensina, posso afirmar que ouvi as piores lembranças respondidas
naquele conjunto de aproximadamente quarenta e cinco discentes. Algumas alunas
afirmaram que não gostavam da matemática, porque era a matéria “terrorista” da época
escolar, a aula mais difícil e que não entendiam nada. Decoravam a tabuada e as
fórmulas
(para não levar palmatória), já que não conseguiam entender os
“probleminhas”; tinham medo e sentiam-se incapazes, em alguns momentos, de resolver
1
Pedagoga/ Especialista em Metodologia do Ensino Superior. Terapeuta Holística/ Cromoterapia e
Gemoterapia. Consultora Organizacional. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e
Ludicidade - GEPEL
questões complexas. Outras citaram abordagens metodológicas vividas com seus
docentes as quais, segundo elas, deixaram “traumas”. Perguntei se tinha algo de bom
nesse cotidiano escolar e unanimemente responderam que gostavam quando a
professora fazia brincadeiras e jogos. Lá estava o gancho: o Lúdico! Nessa perspectiva
de análise - nasce o início de uma resposta - os jogos, salientados nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, são referência constante para o professor de matemática:
Os jogos podem contribuir para um trabalho de formação de atitudes –
enfrentar desafios, lançar-se à busca de soluções, desenvolvimento da crítica,
da intuição, da criação de estratégias e da possibilidade de alterá-las quando
o resultado não é satisfatório – necessárias para aprendizagem em
matemática
Contudo, uma voz me chamou a atenção ao me lançar à indagação: Para que
serve a matemática? Surpresa, me questiono como alguém poderia me perguntar algo
que até aquele momento parecia óbvio? Talvez porque, como afirma Alves (1996), os
processos de aprendizagem ou desenvolvimento intelectual para organizar a aquisição
dos conhecimentos matemáticos muitas vezes podem ficar isolados da realidade,
descontextualizados e distantes da sua atitude crítica. Do ponto de vista da filosofia, o
ato de brincar é entendido como um mecanismo para contrapor à racionalidade; a
emoção e a razão devem estar juntas na ação humana. Nesse raciocínio Platão expõe
razões primordiais que assinalam motivos transcendentes para ensinar a matemática,
como aproximar “a alma da verdade e “elevar nossos olhares às coisas das alturas,
fazendo passar das trevas à luz”. Para Kishimoto (2005, p. 18), a brincadeira
corresponde o real para a realidade infantil.
Admite-se que o brinquedo represente certas realidades. Uma representação
é algo presente no lugar de algo. Representar é corresponder alguma coisa e
permitir sua evocação, mesmo em sua ausência. O brinquedo coloca a
criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a
natureza e as construções humanas. Pode-se dizer que um dos objetivos do
brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que possa
manipulá-los.
A pergunta foi mobilizadora. Questionei-me poderia estar a complexidade dessa
ciência exata e tão necessária. Algo no meu coração dizia que existe um olhar particular
na educação matemática, que a questão poderia ser a relação forma e conteúdo, ou seja,
o caminho de abordagem para o seu aprendizado. Os relatos discentes das experiências
descritas anteriormente podem culminar em perigosas confusões sobre quais as
competências matemáticas existentes, a clássica e a moderna, aquela que possa ser útil
aos alunos em cada um dos diferentes níveis de educação. Começa então, o meu
percurso pelas trilhas que conduzem ao ensino da matemática. O episódio do primeiro
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encontro - aparentemente corriqueiro nas aulas iniciais de qualquer docente, mas de
significância muito particular na minha vivência - deu início à minha trajetória no
ensino da disciplina. Percorrendo as obras de Antunes, Huizinga, Luckesi, Kishimoto,
Vygotsky, Santaló, Alves, D´Ambrósio, Piaget (...) dentre outros autores, comecei,
então, a planejar as minhas aulas com o mesmo o objetivo deste artigo: demonstrar a
importância do lúdico como instrumento de aprendizagem no ensino da matemática, o
lúdico como mediador de um diálogo que, seguramente, acredito ser possível. Nas
aplicações dessa disciplina, acredito na importância de in limine, saber um pouco sobre
quem é essa tal matemática, sobre a importância do lúdico na educação e sua mediação
na educação matemática, além, é claro, do grande desafio: convidar o “adulto” de cada
docente a visitar a sua criança.
A pergunta que quer calcular: para que serve a matemática?
A Matemática é a ciência dos números e dos cálculos. De acordo com Ubiratan
D´Ambrósio (1999), o vocábulo é formado pelo prefixo matema que quer dizer
entendimento, compreensão do mundo, da realidade e pelo sufixo tica: aquisição de
habilidade para fazê-lo, para agi-lo.
Ela está na interface de todos os saberes ao longo dos tempos, desde os povos
antigos entre egípcios e gregos à Era Medieval e, naturalmente, na contemporaneidade.
A história da matemática na complexidade de sua evolução afina-se com o pensamento
de Bachelard em a formação do espírito científico1. Ele acredita e defende que para um
espírito científico o conhecimento se afirma como resposta a uma pergunta. Para haver
conhecimento é preciso uma pergunta e é nessa medida que tudo é construído. Ela, a
matemática, se constrói como resposta às múltiplas perguntas e em diferentes contextos,
desde aqueles que são empiricamente resolvidos com “achismos” (o cálculo de
atravessar uma rua, a medida da receita de bolo...) aos do cotidiano, que poderão estar
sistematicamente elaborados (divisão de terras, porcentagem de descontos, o troco do
mercado, a altura do corpo...) até os que estão cientificamente vinculados (física,
astronomia, bioestatística...).
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1 Gaston Bachelard - A formação do espírito científico. Poeta Francês, filósofo, estudou as ciências e a filosofia.
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Antigamente, os povos situados nas margens do Rio Nilo sabiam a época certa
da colheita e da pesca por meio dos astros e da Astrologia. Faziam cálculos matemáticos
para saber quando a maré estaria baixa e representavam esses números através de
símbolos. Assim eles organizavam a alimentação e as tarefas da sociedade,
manifestando a necessidade de equacionar e solucionar problemas. Que dizer da música,
então? Pitágoras, ao lançar mão de experiências com os sons, descobriu uma de suas
mais belas contribuições: a música. Muitos filósofos, como Pitágoras, foram criadores
da notas, escalas e intervalos musicais através da matemática. Os sons com os quais
criamos a música constituem a "escala musical". Esses ritmos são definidos a partir de
relações harmoniosas entre números e sons. E sobre a computação, você sugere quem
iniciou o desenvolvimento dos computadores? Os matemáticos e os lógicos! Até hoje
eles continuam oferecendo importantes contribuições à teoria da ciência da computação
e aos sistemas de informação. Esses próprios matemáticos são retroalimentados com a
existência dos computadores de alta velocidade que agora ajudam a calcular e a
visualizar situações com a velocidade de vários gigahertz 2. No campo das ciências
físicas (astronomia, química, física, oceanografia, engenharia...) também precisamos da
matemática para o seu desenvolvimento. Em Ecologia, a matemática é fundamental para
estudar as leis da dinâmica populacional. No campo da Estatística, além de esta ser
fundamental no exemplo anterior, a matemática contribui com teorias e métodos para a
análise de muitos tipos de dados. É essencial em Medicina, para a análise de dados das
causas de doenças e na utilidade de novas drogas, ao que chamamos de Bioestatísticas;
números, simetria, área e volume, taxa de variação, forma, dimensão, massa corporal,
perícia, autopsia, biopsia... Pode-se, portanto, afirmar que a matemática está envolvida
com as questões de vida e de morte.
Nesse convite reflexivo sobre as interfaces matemáticas na linha do tempo é
possível descortinar as dúvidas e entender que o “fazer matemático” tem algumas
características: contribuições especiais e diretas nos estudos, métodos - de definições mais precisos; argumentos cuidadosos e rigorosos; representação de ideias por meio de
vários métodos,
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2. Gigahertz - Hertz é o Sistema Internacional de Unidades (SI) para a unidade de base de medição de freqüência, é comumente usado para descrever a velocidade
dos computadores «unidades centrais de processamento (CPU). Como regra geral, quanto maior a velocidade do processador central (GHz), maior será o
desempenho do computador.
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incluindo gráficos, símbolos, figuras e fórmulas; métodos de cálculo; que orientam
fundamento sólido a muitos aspectos da vida cotidiana e que oferecem compreensão das
complexidades inerentes às diversas situações que, em dado momento, “parecem” muito
simples. O exercício do raciocínio matemático permite-nos solucionar os problemas
matemáticos os quais se estendem às múltiplas áreas do conhecimento ao longo da
nossa vida. Segundo Morin:
O significado de “uma cabeça bem cheia” é óbvio: é uma cabeça onde o
saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e
organização que lhe dê sentido. “Uma cabeça bem feita” significa que, em
vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de:
uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; princípios
organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido (2001, p.21).
A matemática se faz presente em diversas atividades realizadas pelas crianças e
auxilia os homens em várias situações mediadoras para o desenvolvimento do raciocínio
lógico, da criatividade e a capacidade de solucionar problemas, e é nesse ínterim que
está à cabeça bem feita. O ensino da matemática certamente fortalece capacidades,
habilidades e atitudes, ampliando as possibilidades de os alunos compreenderem e
transformarem a realidade.
Na perspectiva de contribuir para o encantamento e o sabor do aprender e
ensinar matemática - uma disciplina tão intrínseca a vida do homem - é que se faz
necessário convidar o lúdico para mediar essa relação como um recurso didático
pedagógico nas propostas educacionais da educação infantil e das séries iniciais,
convidando também os educadores (em formação) ao diálogo possível entre Ludicidade
e Matemática com ação-reflexão-ação dos aspectos do pensamento matemático através
de jogos e brincadeiras tão presentes no universo infantil e pouco explorados no
processo de ensino e de aprendizagem.
Ludicicidade e matemática: um diálogo possível. (!)
"Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo. É triste ter meninos sem escola, mas mais
triste é vê-los enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a
formação humana".
Carlos Drummond de Andrade
O vocábulo latino ludus é traduzido no português como Lúdico, que quer dizer
jogo. O lúdico faz parte da atividade humana e se caracteriza por ser criativo, funcional,
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prazeroso e espontâneo. Desde a Antiguidade, os jogos e as brincadeiras representavam
um meio, um instrumento potencializador da aprendizagem. As interpretações dos
achados das figuras rupestres das cavernas, as manifestações de alegria e as danças
permitem-nos comprovar que na era primitiva o sujeito já expressava a sua
humanização pelo ato de brincar. O diálogo entre a Ludicidade e a Matemática, então,
pode ser interpretado como o prazer em compreender os saberes do mundo, no saber
para conhecer, ter habilidades e atitudes.
A realização do aprender matemática nasce, especialmente, pela verbalização,
pelo discurso oral e escrito, na interatividade do espaço escolar e do espaço social.
Assim, a aprendizagem matemática exige um movimento de interpretação/compreensão
no seu fazer. A ludicidade é fundamental ao ser humano, em qualquer idade, e não pode
ser compreendida na visão exclusiva da diversão. O desenvolvimento do aspecto lúdico
prepara para um estado interior fértil, facilita o desenvolvimento pessoal, social e
cultural, contribui para saúde mental, viabiliza os processos de socialização,
comunicação, expressão e construção do conhecimento. Para Huizinga (1996), a
essência do jogo habita em sua fascinação, intensidade e capacidade de excitar,
expressando-se através do ritmo e da harmonia.
Quando propomos os jogos para os problemas matemáticos em sala de aula,
estamos preparando nossos alunos para muito além das páginas do livro que orientam as
fórmulas e equações... Nesse sentido, Alves (1990) nos diz que o jogo reforça e
estimula a capacidade física e intelectual e que através do prazer e da obstinação tornase fácil o que parecia difícil. As atividades lúdicas são mobilizadoras e motivadoras para
integração e interação, atuando como mediadoras entre o prazer e o conhecimento
historicamente constituído. Podemos correr riscos, experimentar e somar experiências,
tentar, inventar (...) livre do fantasma da avaliação que, muitas vezes, é entendida como
castradora e punitiva. O educador matemático que atua com o jogo tem o papel de
organizar e sistematizar essas atividades, para que elas oportunizem aos alunos
caminhar em busca de novos conhecimentos; deve possibilitar o compasso do
pensamento para níveis abrangentes, pois o fazer matemático é lúdico quando não há
medo de errar. Assim, dependendo do contexto no qual está inserido o jogo, esta pode
ser mais uma possibilidade para tentar seduzir o aluno a aprender. Não é a única, e
também não tem a capacidade absoluta de solucionar as dificuldades vividas na sala de
aula, tais como a falta de interesse e de respeito mútuo, o déficit de aprendizagem e suas
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várias causas, a baixa autoestima etc., porém a motivação é um dos fatores principais
para o sucesso da aprendizagem como afirma Vygostky (1987).
O casamento entre o lúdico e a matemática certamente fortalece o triângulo da
competência: conhecimento, habilidades e atitudes, ampliando as possibilidades dos
alunos em compreender e transformar a realidade porque, ao jogar, os alunos têm a
oportunidade de descobrir a melhor jogada, de refletir e analisar as regras, bem como de
estabelecer relações entre os elementos do jogo e os conceitos matemáticos.
Os jogos são essenciais para desenvolver e aperfeiçoar as habilidades
matemáticas. Neste sentido Vygostky alinha-se a Kishimoto (1999) quando o mesmo
defende que, é uma atividade física e mental a qual colabora com o desenvolvimento
social e pessoal, de forma integral e harmoniosa. A criança evolui com o jogo, e o jogo
da criança vai evoluindo paralelamente ao seu desenvolvimento, ou melhor, dizendo,
integrado ao seu desenvolvimento. Não importa a época, os jogos e os brinquedos
fazem parte da vida da criança, pois ela vive no limite em que realidade e faz-de-conta
se confundem em um mundo alegre e utópico. Acredita-se que com as atividades
lúdicas podem ser desenvolvidos, mesmo que empiricamente, os pensamentos lógicomatemático e espacial, além de trabalhar a estimativa e o cálculo mental. O que se torna
também relevante neste trabalho é o processo do desenvolvimento de estratégias de
jogo, as quais envolvem o levantamento de hipóteses e conjecturas que são
características básicas no desenvolvimento do pensamento matemático e, por
conseqüência, científico.
Enganam-se aqueles que têm aversão à matemática, pois essa narrativa cotidiana
de que a matemática é difícil pode ser considerada lenda, ou seja, criou-se, através dos
tempos, um estigma que se perpetua até os nossos dias, e que não corresponde à
verdade. O ensino de matemática traz muitos desafios? Sim, aos que ensinam e aos que
aprendem. Porém o discente só adquirirá o que estiver no ponto certo de seu
desenvolvimento maturacional. Não importa a freqüência com que ele é exposto, e nem
o grau de dificuldade envolvido, importa a interatividade desse sujeito com a interrelação e dos pares e dos jogos.
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A metalinguagem entre o lúdico e o docente
Quando o homem nasce, é fraco e flexível. Quando morre é forte e
rígido. A fraqueza e flexibilidade são sinais de vida. A fortaleza e
rigidez são sinais de morte.
Provérbio Oriental
Não há como negar este “ser” criativo, funcional, prazeroso e espontâneo. As
brincadeiras e os jogos estão presentes em todas as fases da nossa história, tanto das
vivências pessoais quanto nos fatos históricos sociais. Como negar os Jogos Olímpicos
da Grécia antiga e o aprendizado das guerras e das artes através desses jogos? Como
ignorar o lúdico na pedagogia medieval de Tomás de Aquino e Santo Agostinho?
Aristóteles relacionava o estudo ao prazer e os predecessores da sua época, seus
seguidores, utilizavam os jogos didáticos para o ensino da matemática e da filosofia.
Segundo as contribuições de Huizinga (1996, p.3), “O jogo é fato mais antigo que a
cultura, pois esta, mesmo em suas definições mais rigorosas, pressupõe sempre a
sociedade humana; mas, os animais não esperaram que os homens os iniciassem na
atividade lúdica”. O ser humano em ações participativas tem necessidade de vivenciar
momentos de descontração, momentos que lhe permitam rasgar o riso, descarregar o
estresse e recarregar a bateria, ganhando fôlego e ânimo para as próximas atividades.
Precisa experimentar momentos de lazer e prazer que lhe permitam esvaziar a “garrafa
de água” (nosso corpo e mente, saturados das questões cotidianas) que, por vezes,
“transborda”.
No contexto atual é fácil perceber as brincadeiras na vida do homem: os esportes
em geral, principalmente o futebol “paixão nacional”, as piadas, o carnaval, o
computador, a televisão, o teatro, o sexo, as danças e até mesmo o cenário político. Em
todas essas questões o homem insere brincadeiras e humor - as quais gosta e precisa em um constante ato lúdico que o transcende. Brincadeiras e jogos são entendidos pelo
adulto como prazer e bem-estar, como momento oportuno à liberdade e, até mesmo, de
maneira deturpada, como o lado avesso do trabalho. À luz dos conhecimentos de
Dejours, entende-se que:
(...) o bem-estar, em matéria de carga psíquica, não advém só da ausência de
funcionamento, mas pelo contrário, de um livre funcionamento, articulado
dialeticamente com o conteúdo da tarefa, expresso, por sua vez, na própria
tarefa e revigorado por ela (...) O trabalho (...) tem poder estruturante em face
tanto da saúde mental quanto a saúde física, logo, ao ser fonte de prazer, o
trabalho é mediador da saúde. (1994, p.24)
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De uma maneira ou de outra a ludicidade encontra-se empiricamente presente e
atribui indispensável ingrediente nas relações intra e interpessoais em sala, entre
professores e alunos, de forma que também possibilita espaço para mediação do
aprendizado e expressão da criatividade; para a sensação de plenitude, a alegria e o
divertimento, tanto de quem ensina como de quem aprende. À medida que o professor
contempla as atividades lúdicas no construto da sua prática pedagógica, ele também está
sendo restaurado e contagiado por esse saber, por essa ação. Para o docente, o contato
entre a ludicidade e o ensinar Matemática pode ser metalinguístico, o fazer ludicidade
vivendo na ludicidade. Á medida que o professor ensina com práticas lúdicas, apropriase do lúdico como elemento restaurador na sua ação-formação e liberta o seu sujeito
sensível. Desperta e usa a sua criatividade - muitas vezes necessária para superar
desafios - e transforma o fazer docente em leveza no instante em que convida a sua
criança para visitar o seu adulto. Será possível, na totalidade da sua competência, ao
formador, aprender sem fazer o que se propõe a aprender-ensinar? Certamente não.
Aprende-se com excelência fazendo e analisando - ação-reflexão-ação - a própria
prática. Nesse pensar, Luckesi (2000, p. 26) nos diz que “na medida em que agimos
ludicamente, criamos nosso mundo e a nós mesmos de forma lúdica”.
Convidado a sua criança para visitar o seu adulto
Buscando responder ao por que deste convite, cito Luckesi quando ele afirma
que:
A prática educativa lúdica, por ter seu foco de atenção centrado na plenitude
da experiência, propicia tanto ao educando quanto ao educador oportunidade
ímpar de entrar em contato consigo mesmo e com o outro, aprendendo a ser,
tendo em vista viver melhor consigo mesmo e junto com o outro. (2000, p.
40).
Nessa trajetória de ensinar Fundamentos do Ensino de Matemática na Educação
Infantil e nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, para educadores em formação,
percebi que era fundamental iniciar o estudo a partir desse contexto, realizando um
diagnóstico prévio com questionários autobiográficos pelos quais as alunas eram
convidadas a visitar o passado para relembrar e responder: “Quais foram os pontos
facilitadores / fortalecedores e os “ameaçadores” do aprendizado em matemática?” e
“Como a matemática entrou na minha vida?” Lendo e ouvindo os relatos em rodas de
leitura coletivas, percebi que quando pensavam em matemática, geralmente a imagem
que faziam era: calcular somas e subtrações e equações dificultosas; lembravam de
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explicações básicas, “probleminhas” e fórmulas. Imagens que negligenciavam a busca
motivadora do lado conceitual da matemática. Para muitos os números e as fórmulas
são verdadeiros traumas que dificilmente se curam da aversão à matéria, muitos a
odeiam pelo resto da vida. Por quê? Ainda inquieta me perguntei: Como transformar as
barreiras epistemológicas contidas nas experiências teóricas e vivenciais dos
educadores em formação em pontes? Ainda em busca de respostas reforço este pensar
com Rabelo e Lorenzato (1994) quando eles afirmam que:
Para pensar em mudança é preciso antes de tudo ter coragem, é preciso ousar,
criar e experimentar; é preciso buscar uma mudança de paradigmas para
testar e avaliar o potencial dos nossos alunos e vê-los sob uma perspectiva de
competências, mas isso significa antes de tudo um teste e a avaliação de nós
mesmos enquanto profissionais.
Lancei então o desafio de construirmos um estudo em que o lúdico fosse o
principal elemento mediador desse aprendizado no qual nós estaríamos como
laboratório da ação-reflexão-ação, desse fazer lúdico-matemático. Em defesa ao uso no
jogo da educação infantil visitamos os estudos de Piaget (1896-1980) sobre a sua crítica
à escola tradicional, por ter como objetivo acomodar as crianças aos conhecimentos
tradicionais, em oposição ao que ele defende, que é suscitar indivíduos inventivos,
críticos e criadores. Nasce então um objetivo condutor: proporcionar aos professores em
formação um momento de reflexão sobre a utilização de atividades lúdicas no processo
de ensino e de aprendizagem a partir de experiências teórico-práticas.
Para alcançar nosso objetivo e validar nossa proposta, cantamos e dramatizamos
- construímos paródias e peças nas quais o conteúdo era a percurso da história e a
importância da filosofia na matemática - ouvimos as histórias de Malba Taham3, para
resolver problemas matemáticos; jogamos - nas olimpíadas e feiras da matemática (
_________________________________
3. Malba Taham. Pseudônimo de Júlio César de Mello e Souza publicou cerca de 56 livros dentre eles “O Homem que Calculava” Suas obras são diversificadas
e tratam de matemática, didática, contos orientais, contos infantis, teatro, moral religiosa, temas brasileiros, etc.
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dominó, xadrez, desafios...) - desenhamos - com a exposição de riscos e rabiscos dos
elementos geométricos encontrados na estética cotidiana - relembramos - brincadeiras
de rua e de roda que continham a matemática (elástico, amarelinha, macaquinho, sete
pedrinhas...), dentre outras atividades que se apresentam como meios prazerosos tanto
no ato do ensinar quanto no exercício do aprender. Por meio de tais atividades, nós
podemos expressar nossas criações, a subjetividade do nosso ser, nossas emoções;
refletir sobre: medo e alegria; interagir social e afetivamente e desenvolver
características e sentimentos importantes para as relações diárias.
O ato de brincar é, sem dúvida, caminho favorável para o desenvolvimento
humano, oferece efeitos competentes a quem dele faz uso, construção sólida para toda
vida e é capaz de atuar no desenvolvimento emocional como também no cognitivo de
forma harmoniosa. Nos nossos momentos de descontração e brincadeira desnudamo-nos
do formalismo, tornamo-nos infantis, sensíveis e espontâneos. Nas aulas da
brinquedoteca experimentamos os jogos, as brincadeiras, as dinâmicas e as vivências, e
todos os caminhos em que podíamos fazer ludicidade na ação matemática foram (e
continuam sendo) importantes no processo de formação do formador. Esses momentos
de lazer, prazer e diversão foram capazes de promover o encontro entre novas amizades,
múltiplas interações entre grupos múltiplos, validar a inter-relação entre os sentimentos,
a intuição e o afeto no fomento do conhecimento. Para Wallon (1948), pensar na ação
lúdica diz respeito também às questões afetivas: “No processo educativo inserir as
atividades lúdicas na interação afetiva ganha mais destaque e compreensão do que um
raciocínio brilhante repassado mecanicamente” O afeto é, por certo, um caminho
eficiente para chegar ao sujeito e à ludicidade, estimulando e enriquecendo o processo
de aprender e, por que não, brincando?
Percebemos que não devemos, em nome da exatidão, do rigor dos personagens e
das ações estereotipadas, negar as nossas emoções, o nosso corpo e os nossos
sentimentos. Quanto mais o adulto, em contínuo processo de formação, experienciar a
ludicidade do seu sujeito, terá maiores chances de desenvolver um profissional capaz de
trabalhar de forma prazerosa, valorizando os relacionamentos interpessoais, e estará
aberto a atitudes inovadoras e criativas, rompendo, inclusive, o processo rotineiro e
desgastante no cotidiano das suas atividades, tanto as do presente quanto aquelas que
resgatamos na memória.
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Na continuidade de perspectivas futura, o lúdico para o fazer matemático pode
continuar contribuindo na medida em que entendemos que o nosso papel está em
transformar, criar, recriar, inovar... Gerar e conduzir estratégias de aprendizagem que
convidem e seduzam o aprendiz e o educando a gostar e querer estudar e ensinar a
Matemática. Acreditemos no lúdico - em olimpíadas, festivais, torneios de matemática como potencialmente estimuladores do saber e desafiador no que propõem o pensar e
buscar respostas. Façamos o melhor com essa disciplina que somente tem a contribuir,
para obtermos os melhores resultados: quero dizer; mentes pensantes e “brilhantes”.
Chegar a esses resultados é a especial combinação da matemática com a ludicidade. Isso
torna o diálogo em um fazer especialmente apaixonante e fiel. Em qualquer contexto,
tempo e espaço, nos quais estejamos inseridos, a proposta lúdica é válida, na medida em
que representa caminho metodológico, significativo para o aprendizado.
Era uma vez...
... Aqueles dias de aula com alunas do curso de formação de educadores.
Restaurador! Sorridente, uma aluna me respondia sobre importância da Ludicidade para
mediar a relação ensino aprendizado em matemática. Atenta e com sensação de missão
cumprida, eu ouvia aquela aluna me contar sobre o “Para que serve a Matemática?”
- Para nunca mais termos dúvidas de que ela faz parte da nossa vida.
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artigo 10 - convide sua criança para visitar seu adulto