Inovação tecnológica no setor de serviços: um enfoque no comércio varejista da grande distribuição JOSÉ TARCÍSIO P. TRINDADE Prof. do Departamento de Informática da Universidade Estadual de Maringá, mestre em Engenharia de Sistemas e Computação pela UFRJ/COPPE. LIDIA M. SEGRE Profª. do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro/ COPPE, e doutora pela UFRJ/COPPE. A automação dos processos industriais, seja com o objetivo de incrementar o desempenho da produção ou para produzir novos produtos, e a automação bancária são temas constantes de uma vasta literatura que procura explicitar o papel das novas tecnologias de informação na modernização daqueles setores da economia. Se por um lado, no setor industrial existe uma ampla oferta de produtos, estudos e informações quanto à automação elos processos discretos de produção, como por exemplo da indústria automobilística, das montadoras em especial, há uma carência no que diz respeito à automação dos processos contínuos. Fazendo um paralelo, pode-se dizer que no setor de serviços a automação bancária tem recebido quase toda atenção dos estudiosos, quando o assunto é o uso das novas tecnologias de informação. Ou seja, o setor de comercialização, em particular o comércio varejista, tem ficado em um segundo plano, injustificadamente pois é nele que se dá a realização da mercadoria.1 Sua importância cresceu com a expansão industrial e a concentração da população em grandes centros urbanos. Tais fatores provocaram um grande impacto no setor de comercialização das mercadorias, seja pela necessidade de se incrementar a distribuição da produção em massa que o modelo fordista imprimia, seja pelo seu papel na absorção da mão-de-obra advinda do campo. Ou seja, o modo como estava organizada a atividade de comercialização da produção passou por grandes mudanças, justamente para dar conta da produção e consumo massificados. Posteriormente, as inovações ocorridas no setor industrial, provocadas pela introdução das novas tecnologias de informação, também se refletiram, embora tardiamente, no setor de comercialização dos bens de consumo. A forma como se processou a adoção dessas novas tecnologias pelo comércio varejista e quais foram os impactos provocados, são temas de discussão do presente trabalho, que está dividido em quatro itens. No primeiro, é apresentado um modelo que procura explicar como se processa a difusão das novas tecnologias de informação no setor de serviços. O item dois discorre sobre o processo de adoção das tecnologias de informação no comercio varejista, estabelecendo um paralelo com a teoria reversa do ciclo do produto discutida no item anterior. No terceiro item são feitas observações quanto aos impactos, problemas e benefícios, frente às mudanças decorrentes da adoção das inovações ocorridas numa rede de supermercados.2 Por fim, são apresentadas as conclusões onde se busca tirar lições da experiência apresentada no item precedente, com vistas à realidade vivida hoje pelo comércio brasileiro, com uma preocupação bastante clara: se o País quiser atingir um alto nível no mercado de massas, é necessário, entre outras coisas, que promova uma melhoria da qualidade e da produtividade do comércio varejista. Inovação tecnológica no setor de serviços: um enfoque no comércio varejista da grande distribuição A DIFUSÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO NO SETOR DE SERVIÇOS Uma forma tradicional de explicar a inovação tecnológica e sua difusão é colocá-la como uma decorrência da pressão da demanda. No entanto, tal modelo não é suficiente para explicar como as novas tecnologias, originárias do setor de bens de capital, são aplicadas no setor de serviços. O entendimento desse processo de transmissão requer um modelo mais completo que leve em consideração o suprimento de uma nova tecnologia pelos produtores e a demanda por essa tecnologia pelos usuários. Compreender bem essa passagem auxilia no entendimento das dinâmicas próprias dos setores, no que diz respeito às diferentes taxas de inovação alcançadas pelo setor de bens de capital (produtor) e pelos setores de bens de consumo (usuário). Segundo Barras3 a transmissão da maioria das novas tecnologias, tais como as tecnologias de informação, de onde são produzidas, aos setores de usuários, ocorre lentamente, A primeira causa seria o que ele denomina de atraso de adoção e se deve à defasagem entre a disponibilidade dos bens de capital que incorporam a nova tecnologia e sua absorção pelos usuários potenciais. Os principais fatores desse atraso seriam: descompasso (tradeoff) entre preço e desempenho técnico; risco ou incerteza ligado ao investimento e estrutura de mercado da indústria adotadora. A segunda causa, denominada de atraso de realização, menos reconhecida na literatura que a primeira, deve-se ao descompasso entre a instalação dos bens de capital (como computadores, por exemplo) e os benefícios potenciais deles derivados, em termos de novas ou melhores aplicações nas indústrias usuárias, como por exemplo automação de escritório de serviços.4 Os três principais fatores que afetam a taxa de realização do potencial da tecnologia são: oportunidade (possibilidade das atividades serem realizadas no setor usuário, pela aplicação da nova tecnologia); usabilidade (disponibilidade e qualidade de software que proporciona a incorporação da tecnologia nas aplicações do setor de serviços); e adaptabilidade da organização na instalação do equipamento (resistências da força de trabalho ou gerencial, ajustes nos procedimentos e treinamento). Tais fatores (de atraso de adoção e de realização) são determinantes na taxa de adoção de novas tecnologias e trajetórias de inovação desenvolvidas nas indústrias usuárias e podem ser agrupados em dois conjuntos. Do primeiro deles, o de fatores de adoção (technology-push), fazem parte: a relação preço-performance, a incerteza de desempenho e a usabilidade. O segundo conjunto, o de fatores de demanda (demand-pull), é formado pela estrutura de mercado, pela oportunidade de aplicação e pela adaptabilidade. Ainda assim, não se pode dizer que isso é suficiente para explicar a difusão; existe uma outra parte da história e que “diz respeito ao processo de inovação dentro das próprias indústrias usuárias, que determinam como a tecnologia é aplicada na produção de bens de consumo e serviços, como resultado de ambos, pressão da tecnologia (technology-push) originária dentro destas indústrias e pressão da demanda (demand-pull) originária dentro dos mercados consumidores de seus produtos”.5 Partindo dessas considerações o modelo começa então a ser construído de modo a explicitar como se dá o processo de inovação no setor de serviços. A teoria do ciclo do produto, e seu reverso A proposta tem como referência o modelo de inovação que reflete a teoria do ciclo do produto que tem sido aplicada à produção de bens que incorporam nova tecnologia. Tal ciclo compreende três fases. Na primeira ocorrem as maiores inovações de produtos, enquanto novas industrias se estabelecem. Esse período se caracteriza por um avanço técnico acelerado e uma variedade de novos produtos, trabalho intensivo, produção flexível de alto custo e de pequeno Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 3, set./dez., 1995 Página 2 de 9 Inovação tecnológica no setor de serviços: um enfoque no comércio varejista da grande distribuição volume, e uma competitividade centrada no desempenho do produto para conquista de novos mercados. Na fase seguinte, a competitividade é caracterizada pela ênfase dos esforços de inovação dirigidos à melhoria da qualidade e à diminuição do número de produtos ofertados. A produção torna-se mais padronizada e automatizada, com o crescimento intensivo de capital, uma produção de maior volume e expansão dos mercados. A fase final, a de maturidade, a questão da competitividade é no sentido de uma melhoria dos processos de produção para redução dos custos num mercado com uma oferta restrita de produtos padronizados e perto da saturação. A automação dos métodos de produção chega ao seu auge com os esforços concentrados na produção em larga escala e uma alta taxa de economia de trabalho, com altos custos para inovações adicionais (mudanças no produto). Mas, quando a referência são as empresas de serviço que adotam inovações tecnológicas, segundo tal modelo, o ciclo opera de maneira inversa. Na primeira fase, as organizações tendem a concentrar as aplicações de novas tecnologias para economia de custos e aumento da eficiência de serviços existentes; na segunda fase do ciclo, a tecnologia é utilizada para aumentar a efetividade ao invés da eficiência dos serviços levando a um aumento da qualidade ao invés da redução nos custos; e por último a inovação é aplicada no sentido de transformar ou gerar novos serviços/produtos.6 O modelo acima, proposto com base em estudos empíricos de adoção de tecnologias de informação nas indústrias usuárias de serviços na Inglaterra,7 poderia ser aplicado ao processo de modernização do setor bancário brasileiro. Vários estudos, entre os quais os de Cassiolato8 e de Frischtack9 mostram como as inovações daquele setor foram processadas, inclusive o envolvimento dos bancos com a indústria de informática para a superação dos problemas de oferta de bens necessários para a modernização que almejavam.10 Traçando um paralelo entre a revolução industrial e o que se denomina revolução dos serviços, nota-se que há um fator comum, mais importante, que é o desenvolvimento de uma tecnologia relativamente barata e universal, que pode ser adotada pela maioria, senão por todos os ramos da economia. Tal tecnologia foi a máquina a vapor, no caso da revolução industrial, e o microprocessador na revolução dos serviços. Tanto numa como noutra existe uma fase inicial em que a maior parte das aplicações da nova tecnologia se dá num pequeno setor e a difusão para número mais amplo ocorre posteriormente. Se na revolução industrial o setor de vanguarda foi a indústria do algodão, o setor de serviço financeiros e de negócios constitui-se a vanguarda da revolução de serviços.11 Tal constatação se de ao fato de esse setor ter assegura um rápido consumo e uso das novas tecnologias de informação, satisfazendo, portanto, os três seguintes fatores: oportunidade tecnológica, ou seja, ter capacidade técnica disponível com a nova tecnologia e possibilidade de aplicações apropriadas; condições de mercado que assegurem uma demanda suficiente para expansão dos produtos existentes ou a provisão novos produtos a preços compatíveis em relação ao investimento e custos da tecnologia instalada estrutura favorável à adoção tecnológica. Ou seja, a conjunção desses três fatores favoráveis levam à liderança ou à vanguarda do setor na adoção de uma nova tecnologia, como ocorreu no caso dos bancos aqui no Brasil. Favoreceu também aquele setor, o fato de lidar com grande volume de informação de transações financeiras, dados relativamente fáceis de se manipular com rapidez, confiabilidade e com pouco custo. A informação, com a internacionalização da economia e integração de mercados, passou a ter um valor inestimável levando à criação de grandes bases de dados, num primeiro estágio e, posteriormente, a vastas redes de comunicação. Além disso, houve um crescimento na demanda por serviços de créditos, investimentos, seguros, etc. Tudo isso assegurou um crescimento das mudanças nas instituições financeiras, induzidas também pela competição que a inovação tecnológica poderia proporcionar. Neste contexto, como diz um mote do Citibank, “informação sobre dinheiro está se tornando quase tão importante quanto o próprio dinheiro”.12 Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 3, set./dez., 1995 Página 3 de 9 Inovação tecnológica no setor de serviços: um enfoque no comércio varejista da grande distribuição Diante dessas observações e as discussões apresentadas poder-se-ia dizer que o processo de adoção das inovações num segmento do setor de serviços, como o comércio varejista, em particular o da grande distribuição, ocorreu, ou está ocorrendo, segundo os padrões previstos? Qual seria o quadro atual em termos de modernização, de inovações no setor? Na seção seguinte, tentando responder a essas questões, abre-se uma discussão que procura estabelecer um paralelo entre a trajetória da modernização do comércio varejista, em especial os supermercados, que fazem parte da grande distribuição alimentar, e o modelo aqui apresentado. AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO NO COMÉRCIO VAREJISTA Atualmente a expressão maior da automação comercial, em termos de visibilidade ao público, são os terminais de ponto de venda-PDV (com leitura óptica dos códigos em barras), impressora de cheques, terminal para transferências de fundos, terminais para orientação e consulta do consumidor, presença do código em barras nos produtos (substituindo as velhas etiquetas de preço) e outros equipamentos com os quais o consumidor tem contato direto. Na essência o serviço continua sendo o mesmo: vendas de mercadorias e, no caso dos supermercados, no sistema de livre-serviço. Mas não foi instalando PDVs que os supermercados iniciaram a introdução das novas tecnologias de informação pois elas não estavam disponíveis até há bem pouco tempo, bem como também não existia a codificação dos produtos, e uma série de programas adequados a estes sistemas que hoje estão cada vez mais difundidos. Com a disponibilidade do serviço de processamento de dados, inicialmente oferecido a custos razoáveis por bureaux e posteriormente com seus próprios centros de computação, o primeiro passo das empresas usuárias foi automatizar os sistemas administrativos: a contabilidade, a folha de pagamento, contas a pagar, contas a receber e outros, ficando para um segundo momento a implantação de sistemas relativos a compras, estoques, vendas e gestão de preços. A exceção aqui foi dos supermercados que, premidos pela necessidade, tiveram uma preocupação inicial de implementar sistemas de estoques que proporcionassem um controle efetivo devido ao grande volume de mercadorias que movimentavam.13 A tecnologia de computação disponível à época era a dos main-frames. Olhando para o modelo apresentado na seção precedente, pode-se afirmar que essa foi a primeira etapa no uso das novas tecnologias de informação, correspondendo pois à primeira fase do ciclo reverso do produto comentado no item anterior. Ou seja, a inovação tecnológica (o computador) foi utilizada para melhorar a eficiência da empresa prestadora do serviço de distribuição. Obviamente não foi só a disponibilidade da tecnologia que impulsionou a empresa a fazer uso da inovação, mas também as necessidades internas de melhoria de gestão e economia de custos. Com a evolução tecnológica dos computadores, o surgimento dos mini e micros e ainda dos sistemas on-line, tornou-se possível fazer aplicações que o processamento em batch não permitia. Os sistemas anteriores não faziam a ligação online do terminal do ponto de venda com os sistemas de controle de preços, por exemplo, de modo que estes se tornassem mais efetivos eliminando as defasagens decorrentes da lentidão dos sistemas batch com suas listagens de preços para a etiquetagem e remarcação. A inovação permitia uma integração maior dos sistemas tornando possível a automação das operações comerciais assim definida: processamento automático da informação de forma integrada e direta desde a compra da Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 3, set./dez., 1995 Página 4 de 9 Inovação tecnológica no setor de serviços: um enfoque no comércio varejista da grande distribuição mercadoria até a sua venda ao consumidor final, objetivando a agilização e o melhor desempenho da área comercial nas suas atividades-fins compreendendo as funções de compras, gestão dos estoques, gestão dos preços, vendas, créditos e inventário.14 Na concepção da teoria do ciclo reverso do produto pode-se dizer que essa etapa corresponde à sua segunda fase, já que a tecnologia foi utilizada para um processo mais radical de inovação oferecendo mais qualidade no serviço como, por exemplo, possibilidade menor de erros no registro da mercadoria, tanto a favor do cliente como da empresa e uma atualização mais eficiente dos produtos nas prateleiras (devido a informação mais rápida e integrada do sistema de vendas). A terceira fase do ciclo reverso do produto caracteriza-se pelo salto qualitativo nos serviços, isto é, por uma transformação ou geração de novos serviços, tendo como base tecnológica as redes de computadores proporcionando um serviço completamente on-line. Sendo assim, pode-se afirmar que os PDVs com captura óptica dos dados (o código em barras impresso nos produtos) coligados com outros sistemas e bancos de dados já existentes, juntamente com novos equipamentos como o de preenchimento de cheques e terminal de transferência de fundos para pagamento com cartão de crédito e os terminais de consulta, tornaram possível o oferecimento de um serviço totalmente reestruturado ao cliente em termos de rapidez no atendimento, confiabilidade no registro dos dados (eliminação dos erros de batitura e preços), informações completas no cupom (discriminação de artigo por artigo, quantidade, peso, preço unitário, preço total). Outros novos produtos advindos da aplicação da inovação e que não são dirigidos ao público, mas à própria empresa, podem ser citados: sistema de intercâmbio eletrônico de informações entre empresas e fornecedores, embora ainda incipiente; apuração da rentabilidade de cada produto e programas de gestão dos espaços. Com isso a empresa consegue manter um controle sobre as vendas e preços com mais efetividade e realizar com mais acerto o planejamento de vendas e as promoções. Enfim, têm-se disponíveis informações de vários níveis que permitem um amplo controle sobre o negócio. Outras observações e impactos provocados pela adoção das novas tecnologias nessa terceira fase são comentados no item três. Cabe observar que tal ciclo não é estritamente linear, um processo seqüencial, mas há uma interação e retroalimentação entre as fases. Por exemplo: a economia de custos, alvo dos primeiros estágios, continua sendo um dos objetivos quando da instalação dos leitores ópticos para código em barras, pois com eles os clientes e as empresas se livram de problemas de erros de imputação relativos a preços e diferenças de estoque. Mas a realidade não é feita só de facilidades, acertos e vantagens. A economia de custos ou vantagens imediatas nem sempre ocorre, como muitas vezes poder-se-ia esperar, como resultado imediato da adoção de uma inovação tecnológica e nem é fácil quantificar os ganhos advindos dessa adoção. Observações a esse respeito são feitas no item a seguir, tendo como base a experiência de uma rede italiana da distribuição alimentar. IMPACTOS E PROBLEMAS FRENTE À INOVAÇÃO NUMA REDE DE SUPERMERCADOS A empresa pesquisada está classificada como a terceira entre as primeiras 10 empresas da grande distribuição italiana, em termos de faturamento (aproximadamente US$ 1.900 milhão no ano de 1993).15 É uma rede, com cerca de 150 filiais, composta de supermercados, minihipers e um hipermercado.16 Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 3, set./dez., 1995 Página 5 de 9 Inovação tecnológica no setor de serviços: um enfoque no comércio varejista da grande distribuição A trajetória da adoção das tecnologias de informação por parte dessa rede não fugiu, de maneira geral, aos padrões discutidos nas seções anteriores. As atenções agora se voltam para a terceira fase do ciclo, ainda em desenvolvimento naquela empresa. A inovação tecnológica no sistema de frente de loja foi iniciada nos anos 80 para recolher dados de vendas e está presente em todas as lojas da rede. Tal sistema controla a venda das mercadorias e proporciona uma série de informações para a logística da empresa; entretanto, ainda não está apto a fornecer informações sobre a posição do estoque. A gestão dos estoques, integrada aos demais sistemas, só começou a ser desenvolvida em 1994 e visa a proporcionar o cálculo exato de margem de lucro, artigo por artigo, informações sobre as sucessivas agregações de valores dos artigos e acompanhamento do mesmo desde a compra até a sua saída. Esse é o estágio de desenvolvimento alcançado pelas 149 filiais da rede. O hipermercado já conta com um sistema próprio de gestão dos seus estoques, mesmo porque, com uma gestão descentralizada, possui autonomia em termos de compra e estocagem de mercadorias, o que não ocorre com as demais filiais cujas decisões do gênero são centralizadas. O que ainda falta é a ligação dos sistemas do hipermercado com a sede central. Os demais supermercados da rede têm um controle direto da sede central, através de sistemas que informam sobre o movimento de mercadorias de todas as lojas e dão suporte a outras decisões de natureza administrativa e de logística. Nesse caso observa-se que a disponibilidade das tecnologias de redes e banco de dados distribuídos, que já existiam há alguns anos, por si só não foi suficiente para sua adoção pela empresa. Tal atraso de adoção (descompasso entre disponibilidade dos bens e absorção pelos usuários potenciais) é bastante nítido nesse caso. A empresa aponta como uma primeira vantagem no uso das tecnologias de informações, entre outras, a economia de custos decorrentes da eliminação dos gastos necessários para a colocação e atualização dos preços nos mercados desapareceu desde que foram introduzidos os códigos em barra impressos diretamente nos produtos e a leitura óptica na saída do caixa. Foi, principalmente, uma economia de custo com pessoal. Outra economia foi em relação à atualização de preços quando da ocorrência de uma alteração dos mesmos, já que a empresa não tinha a política de reetiquetar as mercadorias. No novo sistema a mudança de preços significa uma reavaliação automática dos estoques, o que não ocorria no antigo porque as mercadorias permaneciam com preços velhos, os preços eram atualizados somente para as mercadorias novas que entravam na área de venda. O custo de atividade de atualização de preços era alto por causa da rotatividade de muitos artigos. Para essas mercadorias o custo de colocar as novas etiquetas era maior do que a perda decorrente da sua não atualização.17 Outra vantagem destacada pela empresa, advinda da adoção de PDVs, foi em relação ao desempenho dos caixas no que diz respeito à rapidez no atendimento. Isso porque tal velocidade depende muito da quantidade de produtos comprados pelo cliente, pois existe um tempo para registro e um tempo para pagamento. Ou seja, quanto maior a compra do cliente mais nítida a diferença de tempo comparada ao processo anterior, tempo de pagamento é quase o mesmo. Na verdade o que se ganhou foi que caixas menos experientes hoje têm desempenho igual aos bons caixas da época em que o registro era mecânico, a tecnologia nivelou pelo alto. Embora não tenha quantificado, a empresa alega que isso proporcionou uma certa economia, mesmo porque o caixa hoje não é só caixa, faz reposição também, com exceção de algumas lojas. Assim, graças à inovação tecnológica, na pior das hipóteses manteve-se a produtividade desse serviço (que antes era devido à especialização do caixa). Agora, mesmo não sendo especializado, o caixa tem à disposição um instrumento que o coloca no nível daquele anterior, que era especializado. Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 3, set./dez., 1995 Página 6 de 9 Inovação tecnológica no setor de serviços: um enfoque no comércio varejista da grande distribuição A mudança das etiquetas de preços no produto para as etiquetas nas prateleiras trouxe problemas iniciais advindos; de erros na codificação, das dificuldades e da desconfiança dos clientes que ficavam controlando os preços anotando-os para conferir na saída. Mas foram superados em dois ou três meses. Uma das dificuldades maiores é em relação ao controle, artigo por artigo, que esbarra na codificação das mercadorias por parte dos fornecedores. Estes, por exemplo, às vezes mudam o peso das mercadorias na embalagem e mantêm o código. Assim a mercadoria, com pesos diferentes, pode acabar sendo vendida pelo mesmo preço e isso é inadmissível, é uma fraude contra o cliente. outro exemplo: por comodidade, os fornecedores colocam o mesmo código para vários artigos de mesmo preço, quando o ideal seria haver um código próprio para cada um, para obtenção dos dados corretos daquilo que se tem no estoque. Essa é uma das facetas que demonstra o quanto é importante a relação com o fornecedor para o sucesso de sistemas informativos mais completos e integrados. No geral, a automação das lojas permitiu à empresa desenvolver estudos com base nos cupons de venda: controlar a venda, artigo por artigo, faixa de compras e despesa média. Para estudo de comportamento do cliente frente a, por exemplo, campanhas publicitárias, promoções e quanto à sua assiduidade, foi desenvolvido um sistema onde determinados clientes, escolhidos com base na sua composição familiar, local de residência e tipo de trabalho são monitorados. As análises decorrentes desse acompanhamento são muito importantes para a empresa traçar suas ações estratégicas. Por fim, as vantagens com a adoção das novas tecnologias para a empresa não se restringe apenas quanto a economia de custos mas, principalmente, porque possibilita um conhecimento mais detalhado sobre o resultado de suas ações e andamento dos negócios, podendo planejar com mais acerto as decisões para o futuro. Ou seja, as tecnologias de informação tornaram possível um efetivo controle sobre o negócio. CONCLUSÕES A inovação tecnológica, como se observou, pode ser vista dentro de um quadro evolutivo que vai do melhoramento gerencial, economia de custos, racionalização, passando pela simplificação dos procedimentos até chegar ao estágio em que novos serviços, novas facilidades são oferecidas ao cliente. Na Itália, nos primeiros anos do desenvolvimento da grande distribuição a questão central era o preço, a relação qualidade-preço dos produtos vendidos. Conseqüentemente a adoção das novas tecnologias foi no sentido de atingir tais objetivos. Hoje a realidade é outra, a nova opção de gestão é investir na melhor qualidade distributiva como um todo (além da questão do preço competitivo): qualidade dos produtos, rapidez no atendimento, facilidades de acesso às mercadorias, serviços adicionais como estacionamento fácil e outros que possam tornar prazeirosas as compras. Para isso a inovação tecnológica desempenha um importante papel, A automação está imprimindo agilidade na gestão e na relação com os fornecedores que torna-se cada vez mais estreita e comprometida com o bom desempenho do setor. Vale lembrar que a partir de 1992 a União Européia integrou seus mercados, pressionando o setor à adoção de medidas inovadoras para fazer frente à concorrência dos similares, principalmente franceses e alemães, que seria muito forte. Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 3, set./dez., 1995 Página 7 de 9 Inovação tecnológica no setor de serviços: um enfoque no comércio varejista da grande distribuição No Brasil, com uma série de problemas ainda não resolvidos - como a distribuição de renda, que deixa a maioria da população com um baixo poder aquisitivo e excluída do mercado de consumo - o setor da grande distribuição não atingiu o grau de modernização de seu similar italiano, falando de todo o complexo. Mas, claro está, que permanecendo o atual estágio rumo a uma estabilidade na economia, os supermercados poderão voltar suas atenções com mais vigor às questões da qualidade dos serviços, de olho no cenário nacional e internacional do Mercosul. O que pode diferenciar uma loja da outra, proporcionando aí uma vantagem competitiva às empresas que adotam tais inovações, passa a ser a qualidade do serviço prestado, pois o fator preço pode passar a não ser tão significativo. E aí não se pode deixar de abordar uma questão fundamental quando se fala de serviços, pois a adoção de tecnologias por si só não garante o diferencial qualidade como vantagem competitiva. O fator dos recursos humanos, ou seja, a presença de um quadro de pessoal treinado, preparado para as funções que desenvolve, sabendo e gostando daquilo que faz, juntamente com a questão organizacional, é essencial para o bom desempenho no atendimento ao cliente, ainda que seja no sistema de auto-serviço. Veja-se, por exemplo, o problema da rapidez na saída dos caixas. A operação nos checkouts pode ser dividida em três momentos: um tempo para o registro das mercadorias, um tempo para o pagamento e um tempo para o empacotamento. O tempo de registro, com as mercadorias dotadas de código em barras e o PDV com leitura óptica, foi reduzido significativamente, comparado ao processo mecânico anterior. O tempo de pagamento, principalmente quando envolve o recebimento de cheques (muito utilizado por aqui, pouco comum na Itália), e o de empacotamento continuam os mesmos se não se tomarem medidas organizacionais que os agilizem. No caso do cheque, todo o esforço tecnológico empregado na etapa anterior poderá ser anulado pela demora na aceitação daquela forma de pagamento, já que comumente o caixa não tem autonomia para fazê-lo.18 mesmo se pode dizer quanto ao tempo de empacotamento se não ocorrerem mudanças de forma a torná-lo compatível com o da etapa de registro. Instalar um PDV e não alterar o layout do check-out é comparável a colocar pneus novos num carro com problemas no motor: não vai andar. Outra coisa que não depende da tecnologia e que faz a diferença em termos de qualidade é a questão da higiene nas instalações, às vezes muito pouco observada, ou sem a atenção merecida, isso sem falar da comodidade de amplos corredores para a circulação dos clientes. Conforto e comodidade não espanta a clientela, pelo contrário, é uma forma de torná-la cativa. Os supermercados têm um papel importante no abastecimento da população e por isso sua contribuição aos fornecedores, ao País na busca de uma melhoria da qualidade de vida da população é fundamental. Ao adotar as novas tecnologias de informação, que permitem um controle maior sobre toda a movimentação da mercadoria desde sua entrada nos estoques até a sua saída nos caixas, as empresas do setor têm possibilidade, por exemplo, de eliminar gastos desnecessários de estocagem, de conservação, de exposição excessiva, praticando tanto quanto possível, uma estreita relação com filosofia do just-in-time. Tal economia pode ser repassada aos preços em benefício daquela parcela da população até então excluída, o que pode perfeitamente provocar um incremento nas vendas e toda conseqüência positiva que isso provoca para a empresa e para a economia como um todo. NOTAS 1. O comércio é a ponta final do longo processo de agregação de valor (cadeia de suprimentos) que vai das fontes de matéria-prima até o consumidor final, daí sua grande importância. ANGELO, C. F. (coord). Varejo - modernização e perspectivas. São Paulo: Atlas-Provar, 1994. p. 15. Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 3, set./dez., 1995 Página 8 de 9 Inovação tecnológica no setor de serviços: um enfoque no comércio varejista da grande distribuição 2. Utilizam-se aqui dados e informações de um estudo de caso desenvolvido junto a uma rede italiana de supermercados. Tal trabalho fez parte do estágio realizado pelo primeiro autor como bolsista do CNPq, em regime de “doutorado sanduíche”, junto ao Politécnico de Milão, sob orientação dos professores Piercarlo Maggiolini (POLIMI) e Lidia Segre (COPPE/UFRJ). 3. BARRAS, R. Towards a theory of innovation in services. Research Policy, v. 15, n.4. 1986. p. 161-173. 4. Id. ibid., p. 163 5. Id. ibid. p. 165. 6. Id. Interactive innovation in financial and business services: the vanguard of the service revolution. Research Policy, v. 19, n. 13, 1990. p. 215-237. 7. Id. op. cit. (1986). 8. CASSIOLATO, J. E. The user-producer connection in hi-tech: a case -study or banking in Brazil. IN: SCHMITZ, H. CASSIOLATO, J. E. (Eds.). Hi-tech for industrial development: lessons from the Brazilian, experience in eletronics and automation. London: Routledge, 1992. p. 53-89. 9. FRISCHTAK, C. Banking automation and productivity change: the Brazilian experience. World Development, v. 20, n. 12, 1992. p. 1769-1784. 10. Tal atitude foi motivada, principalmente, pela reserva de mercado de informática, em vigor à época e não teve seguidores, como talvez se pudesse esperar, já que todo setor de serviços, comércio varejista incluído, sofriam das mesmas dificuldades para proceder à sua modernização. 11. BARRAS, R. Op. cit. (1990) p. 215. 12. Id. ibid. p. 221. 13. MCT. Secretaria Especial de Informática. Relatório da Comissão Especial de Automação das Operações Comerciais (CEAOC). Brasília: CONIN, 1986. 14. Id. ibid., p. 8. 15. Para se ter um referencial, segundo dados publicados pela revista SuperHiper, n.5, maio/95, a empresa classificada em primeiro, entre os maiores supermercados do Brasil, a Carrefour Com. e Ind. S.A., faturou no ano de 1993 o equivalente a US$ 2.866 milhões. 16. A classificação adotada pela empresa é a seguinte: supermercados, lojas que têm área de venda até 1.500 m2: minihiper, lojas de até 3.500 M2 e o hipermercado com 10.000 M2 de área de vendas. 17. Vale observar que na Itália, nos últimos anos, a inflação tem ficado em torno de 4%. 18. Um serviço de proteção ao crédito ou sistema de consulta de cheques online, interligado ao PDV poderia reduzir esse tempo, assim como o cadastramento dos clientes, já utilizado em algumas lojas, de modo que o reconhecimento possa ser automático Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 3, set./dez., 1995 Página 9 de 9