PROCRIAÇÃO
MEDICAMENTE ASSISTIDA
UMA PERSPECTIVA DE
DIREITO COMPARADO
Doutora Marta Costa
E-mail: [email protected]
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Principal Legislação
Portuguesa
 Art.67, n.º 2, e) CRP – PMA regulada de forma a
salvaguardar a dignidade da pessoa humana
 Decreto-Lei 318/86 (provisório e restritivo)
 Lei 32/2006, de 26 de Julho, alterada pela
 Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro
 Regulamentada pelo Decreto-Regulamentar n.º
5/2008, de 11 de Fevereiro
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NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO
LEGISLATIVA?
 Defensores de total liberdade para a prática
científica – principais argumentos:
– falta de amadurecimento da matéria;
– inutilidade de qualquer lei pela sua quase imediata
desactualização;
– inconveniência da criação de um estatuto especial para
uma certa categoria de filhos, susceptível de originar
uma nova discriminação;
– inexistência de acordo quanto aos assuntos a
disciplinar.
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Defensores da necessidade de
legislar
 Principais argumentos:
– Segurança jurídica;
– Respeito pela ética e direitos humanos.
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Primeiras legislações europeias
 As primeiras legislações europeias datam da década de 80
 Exemplos:
– Lei sueca: Act on Insemination de 1985;
– Lei espanhola: Ley sobre Técnicas de Reproducción
Asistida de 1988;
– Leis bioéticas francesas de 1994;
– Lei italiana: Norme in materia di procreazione
medicamente assistita de 2004.
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CONTRIBUTOS PARA A ACTUAL
LEGISLAÇÃO
 1986:
– a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa
recomendou aos Estados-membros que definissem os
termos a respeitar na aplicação das técnicas de PMA Recomendação n.º 1046 sobre a utilização de embriões
e fetos humanos para fins de diagnóstico, terapêuticos,
científicos, industriais e comerciais;
– Foi constituída, em Portugal, a Comissão para o
enquadramento legislativo das novas tecnologias, sob a
presidência de Francisco Pereira Coelho, responsável
pela elaboração de um anteprojecto de lei relativo às
matérias de procriação assistida.
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 A Comissão propôs ao Ministério da Justiça a
adopção de um regime provisório e restritivo, que
permitia: inseminação artificial homóloga;
fertilização in vitro; e fertilização intra-tubária, com
sémen fresco – DL n.º 318/86, de 25 de
Setembro.
 A realização de inseminação heteróloga ou de
qualquer outra técnica com recurso a sémen
congelado necessitava da obtenção de uma
autorização prévia do Ministro da Saúde.
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 1997: o Governo apresentou a proposta de lei n.º
135/VII, que foi convertida no Decreto n.º 457VII,
de 1999.
 Este decreto foi aprovado (votos a favor do PS e
do CDS-PP; votos contra do PCP e do Partido Os
Verdes, e abstenção do PSD).
 Todavia, foi vetado pelo PR, por falta de consenso
e de reflexão relativamente às soluções
plasmadas em matéria de fecundação in vitro, de
utilização de técnicas de diagnóstico préimplantação, de investigação em embriões e de
protecção do direito à privacidade.
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 Assim, o Decreto n.º 318/86 manteve-se em
vigor, não tendo a Comissão dado seguimento
ao anteprojecto.
 Apenas em 2006 o acesso às técnicas de PMA
foi então objecto de verdadeira lei – Lei n.º
32/2006.
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Lei n.º 32/2006
 Regula:
– inseminação artificial;
– fertilização in vitro;
– injecção intracitoplasmática de
espermatozóides;
– transferência de embriões, gâmetas ou zigotos;
– diagnóstico genético pré-implantação;
– outras técnicas laboratoriais de manipulação
gamética ou embrionária equivalentes ou
subsidiárias.
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Confronto legislativo
 A generalidade das leis europeias não descreve as
técnicas que disciplina, em nome dos constantes avanços
científico-tecnológicos.
 Por vezes, os legisladores debruçam-se especificamente
sobre certas técnicas:
– Ex: a proibição da utilização do diagnóstico préimplantação em Itália, ou a sua utilização apenas em
casos excepcionais em Espanha e em França (risco de
selecção genética ou de práticas eugénicas).
 A lei portuguesa distingue-se, pois:
– enuncia as técnicas que visa regular;
– permite o diagnóstico pré-implantação – contudo, prevê
que: «As técnicas de PMA não podem ser utilizadas
para conseguir melhorar determinadas características
não médicas do nascituro, designadamente a escolha 11
do sexo».
PMA como método subsidiário
 Legislações europeias: recurso às técnicas de PMA como
método subsidiário; mas:
 Portugal permite a sua mobilização:
– não só com o objectivo de solucionar casos de infertilidade
(solução italiana),
– mas também «para tratamento de doença grave ou do risco
de transmissão de doenças de origem genética, infecciosa
ou outras» (como a França).
– Espanha vai mais além: prevenção e tratamento de doenças
de origem genética.
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Em Portugal
 Constitucionalidade de: «tratamento de doença grave
ou do risco de transmissão de doenças de origem
genética, infecciosa ou outras»?
 Outras – abrange qualquer tipo de outra doença?
 Em caso positivo: risco de violação de vários direitos
fundamentais (ex: dignidade humana, direito à vida, à
integridade pessoal, à igualdade);
 Risco: escolha de sexo ou de quaisquer outras
características do nascituro que não sejam
necessárias à prevenção da doença.
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Interpretação sistemática:
– art. 7.º, n.ºs 2 e 3:
 «As técnicas de PMA não podem ser utilizadas para
conseguir melhorar determinadas características não
médicas do nascituro, designadamente a escolha do
sexo»;
 «Exceptuam-se do disposto no número anterior os
casos em que haja risco elevado de doença genética
ligada ao sexo, e para a qual não seja ainda possível
a detecção directa por diagnóstico pré-natal ou
diagnóstico genético pré-implantação, ou quando
seja ponderosa a necessidade de obter grupo HLA
(human leukocyte antigen) compatível para efeitos
de tratamento de doença grave».
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– Art. 29.º, n.º 1- (diagnóstico genético préimplantação):«O DGPI destina-se a pessoas
provenientes de famílias com alterações que
causam morte precoce ou doença grave, quando
exista risco elevado de transmissão à sua
descendência».
 CONCLUSÃO:
– A possibilidade de alterar as características não
médicas de um nascituro opera segundo um
princípio de subsidiariedade, e
– quando exista um elevado risco de transmissão de
doença genética grave ou necessidade de
tratamento de doença grave de terceiro.
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– Outras” doenças: aquelas
relativamente às quais se venha a
verificar futuramente ser possível
prevenir o risco de transmissão por
meio de uma técnica de PMA, quando
se trate de doença grave (ainda que
não seja doença genética ou
infecciosa) e não seja possível o
mesmo resultado por um outro método
de prática clínica.
– Constitucionalidade (ac. 101/2009 do TC).
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PMA homóloga e heteróloga?
 Portugal, Espanha e França – sim;
 Itália – apenas homóloga.
 Lei portuguesa:
– «Pode recorrer-se à dádiva de ovócitos, de
espermatozóides ou de embriões quando, face aos
conhecimentos médico-científicos objectivamente
disponíveis, não possa obter-se gravidez através do
recurso a qualquer outra técnica que utilize os
gâmetas dos beneficiários e desde que sejam
asseguradas condições eficazes de garantir a
qualidade dos gâmetas».
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Argumentos dos defensores da
inconstitucionalidade da PMA heteróloga
 Leva à existência de filhos de pai e/ou mãe biológicos
não identificados – violação dos arts. 26.º, n.º 1, e 36.º,
n.º 4, da CRP, por não salvaguardar o direito
fundamental ao conhecimento e ao reconhecimento da
paternidade, nem o direito à identidade, que abrange o
direito à historicidade pessoal.
 Coloca em causa a dignidade da mulher, visto que
permite imprimir um cunho mercantil à recolha de
ovócitos;
 Obriga a uma técnica de recolha aliada à estimulação
ovária por indução hormonal, originando o risco de
vida por hiperestimulação ovária, afectando as
mulheres que se encontram em situação de maior
fragilidade.
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Subsidiariedade da PMA heteróloga
em Portugal
 A dádiva de espermatozóides, ovócitos e embriões só é
permitida quando, face aos conhecimentos médicocientíficos objectivamente disponíveis, não possa obter-se
gravidez através do recurso a qualquer outra técnica que
utilize os gâmetas dos beneficiários.
 A inseminação com sémen de um 3.º dador só pode
verificar-se quando não seja possível realizar a gravidez
através de inseminação com sémen do marido ou daquele
que viva em união de facto com a mulher a inseminar,
 O que é também aplicável na fertilização in vitro com
recurso a sémen ou ovócitos de dador e em relação a
outras técnicas de PMA, como seja a injecção
intracitoplasmática de espermatozóides ou a transferência
de embriões, gâmetas ou zigotos.
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 Privilegia-se a correspondência entre a progenitura
social e a progenitura biológica.
 No entanto, há conflito entre direitos fundamentais:
– da pessoa nascida de PMA à identidade pessoal, do
qual parece decorrer um direito ao conhecimento da
sua ascendência genética (arts. 26.º, n.ºs 1 e 3, da
CRP);
– a constituir família e à intimidade da vida privada e
familiar (arts 36.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da CRP).
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 Doutrina divergente:
 Diogo Leite de Campos:
– inconstitucionalidade da regra do anonimato do dador,
fundando-se no «direito de cada ser humano a
conhecer a forma como foi gerado” ou o respectivo
património genético».
 Guilherme de Oliveira:
– o direito ao conhecimento das origens genéticas não
assume um carácter absoluto, preconizando uma
solução de equilíbrio em que se tenha em linha de
conta outros interesses ou valores conflituantes, como a
defesa da paz da família.
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– Opinião também já expressa pelo TC:
 acórdão n.º 23/06: o direito à identidade pessoal, na
sua dimensão de historicidade pessoal, implica a
existência de meios legais para demonstração dos
vínculos biológicos, mas «outros valores, para além
da ilimitada recepção à averiguação da verdade
biológica da filiação (...) possam intervir na
ponderação dos interesses em causa, como que
comprimindo a revelação da verdade biológica».
– Decisão semelhante do TEDH, no caso Odièvre v.
France, que aceitou, a respeito do regime legal francês
do chamado "parto anónimo", que pudesse haver
limites ao direito ao conhecimento das origens
genéticas e que, nesta matéria, os Estados pudessem
estabelecer restrições que assegurem a realização,
segundo critérios de proporcionalidade, de todos os
interesses em presença.
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Conclusão - constitucionalidade
 A Lei n.º 32/2006 não estabelece uma regra definitiva de
anonimato dos dadores, mas apenas uma regra prima
facie, que admite excepções expressamente previstas.
 As pessoas nascidas na sequência da utilização de
técnicas de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou
embriões podem, junto dos competentes serviços de
saúde, obter as informações de natureza genética que
lhes digam respeito,
 Bem como informação sobre eventual existência de
impedimento legal a um projectado casamento,
 E informações sobre a identidade dos dadores de gâmetas
quando se verifiquem razões ponderosas, reconhecidas
por sentença judicial.
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 São admissíveis soluções de equilíbrio ou de
concordância prática.
 O reconhecimento de um direito ao
conhecimento das origens genéticas não
impede que o legislador possa modelar o
exercício de um tal direito em função de outros
interesses ou valores constitucionalmente
tutelados, que possam reflectir-se no conceito
mais amplo de identidade pessoal.
 Valoração da paz familiar e dos laços afectivos
que ligam os membros da família.
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Beneficiários das técnicas
 Cônjuges (não separados) e conviventes
heterossexuais, há mais de 2 anos – Solução
equivalente à francesa, que, contudo, exige que o
casal esteja em idade de procriar).
– Nota: opção diferente da feita para o instituto da
adopção, onde se permite a adopção singular, sem
fazer qualquer referência à orientação sexual do
candidato, e onde se estabelecem limites etários
máximos.
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Inconstitucional por não prever
idade máxima para os beneficiários?
 Pode uma mulher em idade avançada, que tenha
já ultrapassado a sua própria idade fértil, recorrer
às técnicas de PMA para procriar, através da
doação de ovócitos?
 Protecção da família em termos que
salvaguardem a dignidade humana, do direito à
integridade física, ao desenvolvimento da
personalidade, à saúde, à protecção na
maternidade e à protecção da criança?
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 PMA - em benefício de quem tenha, pelo menos,
18 anos de idade e não se encontre interdito ou
inabilitado por anomalia psíquica;
 Requisito etário por referência à idade mínima,
mas não já à idade máxima.
 A CRP exige a protecção dos direitos do
nascituro: o superior interesse da futura criança
deve ser acautelado, de acordo com princípios
básicos da ética médica e jurídica.
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Conclusão: há limite!
 Essa protecção está afirmada na Lei n.º 32/2006,
no art. 3.º: «as técnicas de PMA devem respeitar a
dignidade humana».
 Limite de idade implícito: art. 4º - as técnicas de
PMA são um método subsidiário, e não
alternativo, e só poderão ser utilizadas quando
tenha sido efectuado um prévio diagnóstico de
infertilidade - ideia de que a mulher beneficiária se
encontra em idade em que normalmente poderia
procriar se não existisse um factor inibitório de
natureza clínica que tenha afectado um dos
membros do casal.
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 Espanha: qualquer mulher maior de idade, com
plena capacidade de exercício. Não há limite
máximo etário, mas: «as técnicas de procriação
assistida só se realizarão quando haja
possibilidades razoáveis de êxito e não impliquem
risco grave para a saúde, física ou psíquica, da
mulher ou da possível descendência».
 Itália: cônjuges e conviventes more uxorio
heterossexuais, maiores de idade, e ainda numa
«idade potencialmente fértil» (artigo 5.º, n.º 1, da
Legge 19 febbraio 2004, n. 40) – sem duração
mínima da relação.
29
INSEMINAÇÕES “CLANDESTINAS”
 França – numerosos casos. Ex:
– Tribunal de Grande Instance de Bressuire: duas
mulheres, que conviviam há mais de 10 anos, tinham
recorrido ao esperma de um dador complacente, por
duas vezes, a fim de se tornarem “mães”; nasceram
duas crianças, que sempre viveram com as
conviventes homossexuais. A relação entre as
conviventes findou, sendo que a mãe biológica
deixou de permitir que a ex-convivente as visitasse. O
juiz conferiu-lhe o direito de visita.
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A Comissão Europeia dos Direitos do
Homem vs. M/Países Baixos
 A CEDH pronunciou-se pelo não recebimento da petição
16944/90, de 8 de Fevereiro de 1990, M/Países Baixos,
que poderia vir a consubstanciar um processo
interessante nesta matéria.
 A CEDH salientou que o facto de um homem ter dado o
seu esperma para permitir a uma mulher conceber por
inseminação artificial «não confere ao dador o direito ao
respeito da sua vida familiar com a criança».
 O Requerente, casado, tinha aceitado doar o esperma
para uma inseminação artificial, sensibilizando-se com
um pedido de um casal lésbico que desejava ter e
educar uma criança.
31
 Durante a gravidez, o Requerente visitou regularmente o
casal e, após o nascimento, esteve com a criança todas as
tardes das Segundas-feiras, até esta completar 7 meses;
 Altura em que as conviventes, face ao pedido do pai
biológico de passar um fim-de-semana por mês com a
criança, cessaram relações com ele.
 Os juízes nacionais recusaram-lhe o direito de visita.
 O Requerente entendeu verificar-se uma violação do seu
direito ao respeito e exercício da vida familiar, protegido
pelo art. 8.º da Conv.EDH.
 A CEDH não concordou, pois nem a doação de esperma
nem os contactos com a criança foram suficientes para
estabelecer a prova de «relações pessoais estreitas em
virtude do parentesco», constitutivos de uma vida familiar
nos termos da Convenção.
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Maternidade de Substituição
 A doutrina não é unânime:
– Orientação restrita: apenas casos em que a
mulher se compromete a levar até ao fim uma
gravidez de um filho geneticamente seu, mas
por conta de outros, dos comitentes – Sara e
Abrão;
– Orientação ampla: também inclui as situações
em que a mulher “apenas” empresta o útero.
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 A substituição de uma mulher por outra na
gestação e no parto, para satisfazer o desejo de
ser mãe sentido pela primeira, é, em certa
medida, uma variante da inseminação artificial
heteróloga por parte de um dador (masculino) de
esperma.
 No entanto, é ilícita em quase todos os direitos
europeus.
34
O 1.º caso célebre: Baby M
 Um casal recorreu a um centro de tratamento de
esterilidade, que operou como mediador entre o
casal e uma mulher que estava disposta a ser
fecundada com o sémen do cônjuge e a entregar
a criança ao casal aquando do seu nascimento.
 A portadora da gravidez arrependeu-se, não
querendo entregar a criança.
 Os cônjuges pediram ao Tribunal que a
condenasse a tal, pois, por força do contrato
realizado entre as partes, a criança deveria ser
considerada filha do casal.
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 O Tribunal decidiu que as partes tinham celebrado
um contrato válido, pelo que a criança deveria ser
entregue aos cônjuges.
 Em sede de recurso, o Tribunal modificou a
decisão, deliberando que os acordos de
maternidade de substituição só eram válidos se
constituíssem o resultado de um acto de liberdade
da mãe portadora da gravidez.
 O Supremo Tribunal entregou a criança aos
cônjuges, por entender que podiam garantir-lhe
um crescimento mais sereno e equilibrado.
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Maternidade de Substituição em
Portugal
 «São nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos,
de maternidade de substituição».
 Entende-se por «“maternidade de substituição” qualquer
situação em que a mulher se disponha a suportar uma
gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após
o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da
maternidade».
 Nestes casos, será considerada mãe a parturiente.
 Aplicação de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa
até 240 dias para quem concretizar acordos deste tipo a
título oneroso, bem como para quem promover a
maternidade de substituição
37
Em Espanha
 Mais abrangente que a generalidade quanto aos
eventuais beneficiários;
 Mas, considera igualmente nulos os acordos de
maternidade de substituição.
 «Será nulo de pleno derecho el contrato por el
que se convenga la gestación, con o sin precio, a
cargo de una mujer que renuncia a la filiación
materna a favor del contratante o de un tercero».
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Em França
 «Toute convention portant sur la procréation ou la
gestation pour le compte d’autrui est nulle».
 Proibição que se aplica tanto no caso em que a
mulher é mãe genética, como naquele em que é
apenas portadora (barriga de aluguer).
 O recurso ao instituto da adopção para contornar
a proibição:
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Procedimento frequente:
 uma mulher aceita ser inseminada com o esperma
de um homem casado com uma mulher estéril;
 aquando do nascimento, a mãe biológica exerce o
direito a não ser declarada como tal e o pai
reconhece a criança.
 Detendo o pai as responsabilidades parentais,
pode permitir a adopção da criança pelo cônjuge
estéril, que beneficia do regime privilegiado
aplicável a este tipo de adopção.
40
No entanto,
 Em 1989, o Tribunal de Grande Instance de Paris recusou
decretar a relação adoptiva num destes casos,
entendendo que os cônjuges visavam contornar uma
prática ilícita, contrária ao interesse da criança;
 A Corte d’appel de Paris modificou a decisão, por
considerar tratar-se de uma situação lícita;
 A Cour de Cassation decidiu que esta prática «atteinte aux
principes de l’indisponibilité du corps humain et de l’état
des personnes, ce processus constituait un détournement
de l’institution».
41
Em Itália
 Antes da Lei n.º 40, de 19 de Fevereiro de
2004: os tribunais consideravam os acordos
de maternidade de substituição nulos, por
impossibilidade e ilicitude do objecto.
 Caso paradigmático - Valassina-Bedjaoui
42
O caso Valassina-Bedjaoui
 Os cônjuges Valassina, italianos, contrataram com uma
argelina a maternidade de substituição.
 Esta mulher seria inseminada com o esperma do Sr.
Valassina, obrigando-se a levar a gravidez até ao fim e a
entregar a criança aos cônjuges, renunciando a qualquer
direito sobre a criança.
 Os cônjuges entregar-lhe-iam uma prestação pecuniária
correspectiva.
 Durante a gravidez a argelina tinha exigido, por diversas
vezes, somas avultadas de dinheiro, obtendo-as
efectivamente.
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 Aquando do nascimento, passou a usar a filha biológica
para continuar a extorquir dinheiro ao casal, dando
inclusivamente maus-tratos à criança e recusando-se a
entregá-la.
 Perante esta situação, os cônjuges Valassina propuseram
uma acção no Tribunal de Monza, a fim de obter a
execução coerciva do contrato.
 Do ponto de vista civilístico, o juiz entendeu que o contrato
era nulo.
 A noção de contrato no direito italiano refere-se a um
acordo destinado a constituir, regular/modificar ou extinguir
uma relação jurídica patrimonial.
44
 Foi ainda considerado nulo por impossibilidade e
ilicitude do objecto e ilicitude da causa;
 E, se o objectivo fosse o de contornar as normas do
instituto da adopção (como em França), a nulidade
adviria da fraude à lei.
 Assim, o cônjuge Valassina, pai biológico da criança,
podia apenas, de acordo com o Tribunal, reconhecê-la,
pedindo a inserção da mesma na sua família legítima,
não obstante a mãe biológica ter idêntica faculdade.
 Se o pai conseguisse tal, a aspirante a mãe poderia
recorrer às regras previstas para os casos de adopção
especial.
45
Excepção à invalidade
 Tribunal de Roma (2000): «Il negozio atipico di maternità
surrogata a titolo gratuito, in quanto diretto a realizzare un
interesse (l'aspirazione della coppia infeconda alla
realizzazione come genitori) meritevole di tutela secondo
l'ordinamento giuridico, e non in contrasto con la disciplina
relativa agli status familiari, né col divieto di atti di
disposizione del proprio corpo, è pienamente lecito».
– Refere o «direito fundamental da pessoa a ser
progenitora e a avaliar e a fazer escolhas relativamente
à necessidade de procriar, com a anotação de que o
status parental pode completar-se na adopção mas
também na transmissão do próprio património
genético».
– Existência de um direito a ser progenitor,
constitucionalmente tutelado, em função da sua ligação
ao direito de manifestar e desenvolver a personalidade,
independentemente do evento natural do parto.
46
 A Lei italiana n.º 40, de 2004 proibiu estes acordos:
– «Chiunque, in qualsiasi forma, realizza,
organizza o pubblicizza (...) la surrogazione di
maternità è punito con la reclusione da tre mesi
a due anni e con la multa da 600.000 a un
milione di euro».
– Acresce a proibição do recurso a técnicas de
procriação medicamente assistida de tipo
heterólogo (pelo menso para os casos em que
não há só barriga de aluguer).
47
Mater semper certa est
 Em Itália e França, a mulher parturiente pode pretender
não ser nominada como mãe da criança que nasce,
permanecendo anónima - excepção ao brocado latino
“mater semper certa est”.
 No entanto, em matéria de PMA, o legislador italiano
afastou aquela possibilidade; já o francês foi silente, o que
pode levar a um abuso de direito, na modalidade de venire
contra factum proprium.
 A opção francesa favorece a mãe relativamente ao
cônjuge/convivente que tenha dado o consentimento para
uma inseminação heteróloga, que, como princípio geral,
«interdit toute action aux fins d’établissement ou de
contestation de la filiation.
48
Direito fundamental de recorrer à
PMA em Portugal
 Art. 36.º, n.º 1, da CRP:
– «Todos têm o direito de constituir família e de contrair
casamento em condições de plena igualdade».
– O direito de constituir família é conferido a todos os
cidadãos,
– Art. 1576.º do CC:
 «São fontes das relações familiares o casamento, o
parentesco, a afinidade e a adopção».
49
Notas
 O direito de procriar, reconhecido a todos os
cidadãos em condições de plena igualdade, pode
sofrer restrições,
 se respeitarem o art. 18.º da CRP -parâmetros de
verificação necessária para a restrição direitos,
liberdades e garantias.
 Em confronto com o direito fundamental a procriar
poderá estar o supremo interesse da criança.
 Confronto com a adopção.
50
 DIOGO LEITE DE CAMPOS: «Trata-se, diria, de uma
necessidade fundamental de muitos seres humanos, de
uma liberdade fundamental, a de procriar, que é, e deve
ser, assegurada por constituições e leis ordinárias».
 JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS entendem poder
extrair-se do art. 36.º «um direito fundamental, não apenas
a procriar, mas também ao conhecimento e
reconhecimento da paternidade e maternidade».
 GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA consideram
«problemático (...) saber até que ponto é que o direito a ter
filhos envolve um direito à inseminação artificial heteróloga
(...) ou à gestação por “mãe de aluguer”». Todavia,
definem o direito a constituir família como implicando «não
apenas o direito a estabelecer vida em comum e o direito
ao casamento, mas também um direito a ter filhos […];
direito que embora não seja essencial ao conceito de
família e nem sequer o pressuponha, lhe vai naturalmente
associado».
51
Nossa posição
 O direito a recorrer às técnicas de PMA é uma
vertente do direito fundamental a constituir família;
 Logo, poderá ser limitado, mas
 Os seus limites terão de ser justificados pela
tutela de outros valores conflituantes, de idêntica
dignidade constitucional,
 Respeitando sempre todos os requisitos do art.
18.º da CRP.
52
Download

procriação medicamente assistida