PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
Comarca de Salvador
6ª Vara de Família Suces. Orfãos Interd. e
Ausentes
Rua do Tingui, s/n, Campo da Pólvora, Sala 203 do Fórum das
Famílias, Nazare - CEP 40040-380, Fone: 3320-6633, Salvador-BA
- E-mail: [email protected]
SENTENÇA
Processo nº:
Classe Assunto:
Autor:
0384235-52.2013.8.05.0001
Procedimento Ordinário - Família
S.B.C. e outro
Vistos, etc
S.B.C. e A.B.C , qualificados às fls. 02/25, advogando em causa
própria, também representados por advogado regulamente constituído nos autos,
ingressaram com Ação de Adoção de maior idade, pretendendo a segunda Requerente ver
reconhecido o seu estado de filha por adoção do primeiro com as consequencias
decorrentes deste ato.
Juntou
documentos
comprobatórios
da
situação
de
filiação
vivenciada, às fls. 28/48, inclusive a Certidão de Nascimento da Requerente, onde consta
a inclusão do patronímico do Adotante.
Parecer do Ministério Público às fls. 55/58.
É o Relatório.
DECIDO.
A hipótese é de julgamento antecipado da lide, visto tratar-se de
matéria de direito consubstanciada na prova documental já carreada aos autos,
prescindindo da produção de outras provas em audiência, nos termos do artigo 330, I do
CPC.
Os fatos trazidos na inicial traduz situação atualmente objeto de
longos estudos e doutrina adotada por diversos especialista do Direito de Família pátrio,
patrocinados, inclusive, pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, precursor
na apresentação de teses originárias desta temática, especialmente após a promulgação
da Constituição Federal de 1988, que determinou a sedimentação da dignidade da pessoa
humana
como
supraprincípio
constitucional
da
Carta
Democrática,
atribuindo
o
reconhecimento da afetividade nas relações pessoais como elemento essencial aos
vínculos de convivência e caracterização do próprio conceito de família.
A este respeito, salientando a relevância de preservação e promoção
do princípio da afetividade como valor constitucionalmente consagrado, em particular nas
relações de filiação, Paulo Luiz Netto Lôbo in publicação eletrônica titulada de "Entidades
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Familiares
constitucionalizadas
para
alem
do
numerus
clausus"1,
destaca,
resumidamente:
"Se todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem,
é porque a Constituição afast1ou qualquer interesse ou valor que
não seja o da comunhão de amor ou do interesse afetivo como
fundamento da relação entre pai e filho. A fortiori, se não há
qualquer espécie de distinção entre filhos biológicos e filhos
adotivos, é porque a Constituição os concebe como filhos do amor,
do afeto construído no dia a dia, seja os que a natureza deu seja
os que foram livremente escolhidos."
Sob este prisma, afigura-se essencial reconhecer que não mais
subsiste como único pressuposto constitutivo da filiação a origem biológica, traduzida na
transferência da carga genética, como suficiente e exclusiva para determinar uma relação
de
parentalidade. Em
verdade, atualmente compreende-se como fundamental
a
constatação do amor, respeito, carinho, comprometimento mútuo, educação, ou seja, a
real contribuição para o desenvolvimento da personalidade do(a) filho(a), em detrimento
da mera vinculação por laços sangüíneos, quando estas não aparecem conjuntamente.
Este é o caso submetido à apreciação nestes autos.
A demanda se desdobra na supremacia da filiação socioafetiva sobre
a origem biológica da Adotanda, em patente situação de inequívoca e absoluta
subsistência isolada do elo afetivo, porquanto ausente o pai biológico há mais de 20
(vinte) anos, sendo preenchida a figura paterna pelo Adotante.
Consoante demonstrado pelos documentos carreados aos autos, a
situação fática demonstra a completa consolidação da paternidade na figura do primeiro
Requerente, corroborada, inclusive, pela inclusão do patronímico daquele no registro de
nascimento da sua filha, excluindo-se, por vontade desta, os sobrenomes dos avós
paternos biológicos e mantendo o do pai afetivo. Perdura esta realidade pública e notória,
com identificação da Adotanda como
"A. S. W. E B. C."
desde 20/08/2003 , em
decorrência da publicação da sentença judicial autorizativa, prolatada em processo que
teve curso perante a Vara de Registros Públicos desta Capital, tombado sob o nº
0023315/03 , conforme se depreende dos documentos de fls. 34/37.
Além do fato de ter sido estabelecida a convivência entre o Adotante
e a Adotanda, já há mais de 02 (duas) décadas, em razão do casamento civil daquele
com a genitora daquela, e o fato de ter sido incluido o patronímico paterno na composição
1 Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=264>. Acesso em: 13/12/2013.
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do nome da adotante, quando já adquirida sua maioridade, por si só já demonstra a
inconteste afetividade que rege esta relação, atestando, ainda,
que a paternidade
biológica foi restando distanciada, em razão da ausência do genitor durante todo o
período de formação de sua personalidade e na assistência material, visto ser
desconhecido o seu paradeiro. Não por vontade da Adotanda, a princípio, deixou de ter
presente a paternidade biológica, mas por ato volitivo do seu genitor, desaparecendo do
seu convívio diuturno, que restou preenchido pelo amor, carinho e atenção do seu
legítimo pai, figura referencial assumida e consolidada pelo Adotante.
Ademais, um outro ponto de destaque se perfaz relevante acerca da
manifestação do pai registral: tivesse este interesse na manutenção do vínculo biológico
com a Adotanda, como impeditivo para a imposição terminativa da sua participação como
pai da segunda Requerente, com certeza já teria se manifestado durante todo o tempo da
existência daquela, especialmente durante o processo de alteração do registro de
nascimento da Adotanda, bem como após a adoção do patronímico do adotante, tornado
público pelas diversas publicações no Diário do Poder Judiciário, deixando evidente, com o
seu silêncio, a manifestação de vontade confirmativa da situação faticamente vivenciada,
e presumindo-se, por consequência a inexistência de qualquer ligação afetiva com a filha.
Não é questionável que os doutrinadores da área do direto das
famílias na modernidade, à unanimidade, tem sido enfáticos na concretização da tradução
do comportamento social com relação a paternidade e maternidade, em estabelecerem a
primazia da afetividade sobre os vínculos biológicos, a regerem os entendimentos
jurisprudenciais e legislativos.
Exemplificativamente,
citem-se
os
posicionamentos
que
capitanearam a construção deste louvável entendimento:
Giselle Groeninga - Direito Civil. Volume 7. Direito de Família.
Orientação: Giselda M. F Novaes Hironaka. Coordenação: Aguida
Arruda Barbosa e Cláudia Stein Vieira. São Paulo: RT, 2008, p.
28.:
"O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente
no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas
considerações
a
qualidade dos vínculos existentes entre os
membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária
objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais
se dá importância ao afeto nas considerações das relações
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familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da
afetividade"
A isto, acrescente-se que a Constituição Federal ao eleger a
dignidade da pessoa humana como princípio fundamental para a regência das relações
entre os indivíduos, não só quer atingir os vínculos familiares, mas toda e qualquer
manifestação de vontade que dependa do entendimento da pessoa como ser humano,
fazendo com que seja respeitado o sentimento fluente do ser, traduzido na liberdade de
escolha daqueles com quem deseja manter o liame de parentesco, tanto que foi incluído
em terceiro lugar na ordem do artigo primeiro da Carta Magna.
A força deste princípio fez emergir uma verdadeira revolução social,
que alcançou as relações familiares e modificou os elos de parentesco, hoje mostrados
nos diversos modelos de familia, fincados especialmente nos laços de afetividade, como
soe acontecer com referência às adoções, reconhecimentos de paternidade/maternidade,
casamentos hetero e homoafetivos, as próprias formas de família etc..., tornando
relevante a vontade da pessoa como ser humano.
Especialmente em relação aos vínculos de paternidade/maternidade,
tem sido sempre homenageada a afetividade como elemento essencial na sua
constituição, de forma a prestigiar
as expressões de afeto, sobrepostas às situações
biologicamente estabelecidas.
Segundo
doutrina
Carine
"Paternidade Socioafetiva", disponibilizado
A.
Rizzardo,
em
artigo
intitulado
no sitio rizzardoadvogados.com.br, assim
escreveu:
"A relação de filiação é o vínculo mais importante da união e
aproximação das pessoas. Constitui um liame inato, emanado
da própria natureza, que nasce instintivamente e se prolonga ao
longo da vida dos seres humanos, e tais laços jamais
desaparecem, porquanto se revelam em um componente ôntico
da pessoa, mais perene e profundo que qualquer outro
relacionamento. A partir do parâmetro acima, consolidou-se
uma necessária mudança na conceituação de pai e de filho,
passando-se a ser dada fundamental atenção ao instituto da
sócio-afetividade,
o
qual
vai
além
dos
laços
de
consanguinidade."
Como asseverado pelo Ministério Público, no judicioso e louvável
parecer de fls. 55/58:
"Não está mais sustentada a paternidade exclusivamente no
vínculo biológico, mas sim nas relações de afeto, daquele a
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quem se acolheu por amor. Neste diapasão, defende o
doutrinador Cristiano Chaves que a parentalidade socioafetiva é
atributo dos tempos atuais, onde os laços afetivos são
constituídos para além do vínculo biológico. Ainda, para este
eminente doutrinador família não é tão somente biologia, mas
laços de convivência afetiva,
de desenvolvimento de
personalidades. Segundo ele O fundamento da família é a
pessoa humana, ela servindo para proteger a pessoa que dela
faz parte , prevalecendo hoje os laços afetivos e não os
biológicos. "
No caso dos autos, com os documentos de fls. 28/48 ficou patente o
estabelecimento da relação socioafetiva de parentalidade, em substituição aos laços
consanguíneos originários. Mesmo cientes da possibilidade hodierna de cumulação das
paternidades, no instituto reconhecido como multiparentalidade, não se admite esta
possibilidade de aplicação ao caso sub examine. Aqui, estamos diante de expressa
situação de primazia da paternidade socioafetiva, que deve se refletir na relação de
parentalidade em apreço, com consequente exclusão de qualquer vínculo anterior
subsistente.
É de se observar que a Requerente, inconformada com a situação
de sua parentalidade registral, resolvida parcialmente com a inclusão no assento de seu
nascimento dos apelidos de família do Adotante, por sentença da lavra do Juízo de Direito
da Vara de Registros Públicos desta Comarca desde 20.08.2003, sem que tenha existido
qualquer impugnação ou pretensão de reparo pelo pai biológico durante todos esses anos,
resolveu, spont própria, por fim a esta situação, que lhe vem afligindo e atentando contra
a sua vontade e dignidade, ajuizando este pedido que subscreve, também na condição de
advogada, para estabelecer definitivamente a sua paternidade socioafetiva com relação
àquele de quem obteve, durante a sua existência, o carinho, atenção, zelo, cuidados
materiais necessários à formação de sua personalidade.
Os tribunais pátrios tem entendido pela dispensa do consentimento
do pai biológico em pedido de adoção, quando extinto o poder familiar, a exemplo:.
0064207-57.2010.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa
DES. LUISA BOTTREL SOUZA - Julgamento: 20/12/2010 - DECIMA SETIMA
CAMARA CIVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. ADOÇÃO.
DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINOU A EMENDA DA INICIAL PARA
INCLUSÃO NO PÓLO PASSIVO DOS PAIS BIOLÓGICOS DA ADOTANDA. EM SE
TRATANDO DE ADOÇÃO DE PESSOA MAIOR, AS REGRAS DO ECA TÊM
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. SENDO POSSÍVEL A ADOTANDA MANIFESTAR SUA
VONTADE, ASSIM SUA CONCORDÂNCIA, NÃO SE FAZ NECESSÁRIA A
INCLUSÃO NO PÓLO PASSIVO DE SEUS PAIS, PRINCIPALMENTE
CONSIDERANDO QUE ELA, DESDE OS 8 ANOS DE IDADE, ESTAVA SOB A
GUARDA DA ADOTANTE, SEM MANTER VÍNCULOS DE QUALQUER NATUREZA
COM OS PAIS BIOLÓGICOS. RECURSO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO DE
PLANO.
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Assim como entendeu o Ministério Público em seu judicioso parecer,
também acolho a tese da inicial, de que não se faz necessária a triangulação do pedido,
com a participação ou mero conhecimento do pai biológico no processo, visto que ausente
desde sempre, também por estar a segunda Requerente ostentando os apelidos do
Adotante há muitos anos, sem qualquer manifestação daquele.
Ademais, com a maioridade da Requerente foi extinto o poder
familiar de seus pais registrais, nos termos do art. 1.635, III do Código Civil e, por
consequência, inexiste a necessidade de consentimento ou participação dos pais no
processo de adoção, na conformidade do quanto dispõe o art. 1.621, § 1º c/c art.1.624
também da legislação adjetiva antes referida.
Do mesmo modo, não há que se falar em estágio de convivência da
adotada com o adotante, em razão da extinção do poder familiar.
Desse modo, diante da fundamentação acima adotada, JULGO por
sentença PROCEDENTE A AÇÃO e consequentemente a ADOÇÃO da 2ª Requerente
A.S.W.EB.C. pelo 1º Requerente S.B.C., passando a Adotada a chamar-se A.S.EB.C,
usando dos apelidos de familia do Adotante, inclusive, constando do seu registro de
nascimento o nome dos ascendentes daquele, excluindo-se a paternidade biológica de
E.H.W.F. e a referência aos ascendentes daquele.
Determino seja expedido mandado de averbação ao Cartório de
Registro Civil competente para que proceda as averbações necessárias para cumprimento
destas determinações.
Expeça-se via original desta Sentença, que terá força de Mandado de
Averbação remetendo-se ao Cartório de Registro Civil do Subdistrito da XXXX, para
constar no termo de nº XXX, às fls. XX do Livro XXX, a Adoção de A.S.W.EB.C. por
S.B.C., passando a adotada a chamar-se A.S.E.B.C., usando dos apelidos de familia do
adotante, inclusive, constando do seu registro de nascimento o nome dos ascendentes
daquele, J.D.C. e Y.B.C., excluindo-se a paternidade biológica de E.H.W.F. e a referência
aos ascendentes daquele.
Custas processuais pelos Requerentes.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Salvador(BA), 31 de outubro de 2013.
Alberto Raimundo Gomes dos Santos
Juiz de Direito
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FAMÍLIA Adoção